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É importante ao falarmos da obra prima de Nicolau Maquiavel, “O Príncipe”, atentarmo-nos para a sua finalidade prática.

Em 1512,
o italiano havia sido exilado e destituído de suas funções públicas após a tomada do poder de Florença pela família Médici. Como
uma forma de conquistar a graça dos novos governantes e, assim, retomar o seu antigo posto, Maquiavel escreve “O Príncipe” em
dedicatória a Lourenço de Médici.

O livro, que assume a forma de um manual do bom governante, se inicia como uma classificação dos tipos de governo e da melhor
maneira de conquistá-los. Aí, o autor já apresenta o seu argumento e, de forma a corroborá-lo, uma grande amostra de exemplos,
citando desde romanos até os gregos e os próprios italianos. É assim que Maquiavel nos mostrará uma de suas mais singulares
características: a preocupação pela história e, de certo modo, pela empiria.

A seguir, o florentino exporá uma parte importante do seu raciocínio retomada ao final do livro, que se refere a dois conceitos
chaves: a virtù e a fortuna. Segundo o autor, a transformação de um homem em um príncipe se daria por duas formas – pelos seus
méritos próprios ou pela sorte. Conquistar um principado por méritos próprios seria mais dificultoso, mas mais facilmente se daria a
sua manutenção. O contrário aconteceria com que aqueles homens que o fizessem através da fortuna ou do mérito alheio.

Aqui é importante frisar que o conceito de virtù não se assemelha em nenhum aspecto às virtudes cristãs e tampouco temos a fortuna
como sinônimo de desígnio divino. O autor, contrariando a mentalidade típica de sua época, elabora a imagem do homem que não
está sob o jugo da divina providência, mas que é sujeito da história. Dessa forma, faz uma retomada aos clássicos, movimento
característico do humanismo, e resgata a figura da fortuna como uma deusa aliada daqueles de virilidade suficiente para conquistá-
la. Tal como uma mulher ela seria seduzida pelos jovens, aqueles mais arrebatados e de maior vir.

Outro capítulo interessante é aquele que se intitula: “daqueles que se fizeram príncipes mercê de suas atrocidades”. Afim de melhor
explicar seu raciocínio, o italiano dará o exemplo de Agatócles, que, por meio de inumeráveis crueldades, se fez respeitado. Para
Maquiavel, o uso da virtù não nos permite inferiorizá-lo com relação a nenhum outro capitão, e, no entanto, a sua desumanidade e a
falta de características virtuosas não fazem com que possamos classificá-lo como glorioso. Ainda assim, o autor caracterizará duas
formas de crueldade: as proveitosas, das quais se faz uso uma única vez por motivos de segurança, e as contraproducentes, utilizadas
de forma indiscriminada e paulatinamente.

São idéias como essa que abrirão caminho mais tarde para a célebre discussão sobre a moralidade nos escritos de Maquiavel: seria o
autor um amoral, uma vez que coloca ética e política em planos distintos; teria sido um moralista peculiar, tendo em vista que não
abdica completamente dos valores de sua época, fazendo uso dos termos “bem” e “mal”, “lícito” e ilícito”; ou, ainda, um pensador
que propunha uma moral diferente, onde predominaria a busca pela glória em detrimento das virtudes cristãs?

O próximo passo será falar da arte da guerra, tema de inúmeros outros escritos de Maquiavel. O italiano preconizaria um príncipe
que tivesse como única atividade a preocupação pelos exercícios militares. Isso se deveria ao fato da inconfiabilidade dos exércitos
mercenários, que seriam vis, indisciplinados e infiéis, capazes de mudar de lado caso tivessem a garantia de maiores de salários.
Assim, o príncipe que dependesse desse modelo de tropa, ou, exclusivamente, da sua fortuna, estaria fadado à ruína.

A seguir, o florentino discorrerá sobre o que chamamos “a verdade efetiva das coisas”, ou seja, de que devemos tratar do mundo
como ele realmente se apresenta diante de nós. Aquele que se preocupa mais com o “dever ser” do que com o “ser”, caminharia,
infalivelmente, para a ruína. Esse ponto merece grande atenção, uma vez que através dele surge a figura do Maquiavel realista em
oposição a muitos autores considerados utópicos, como Tomás Morus e, mais tarde, Rousseau.

A partir desse ponto é que devemos entender a defesa do italiano pela praticidade das ações do príncipe, que não deveria fiar-se em
atitudes consideradas “éticas” caso essas colocassem em risco a própria segurança do Estado. Dessa forma, o soberano
deveria tentar ser, ao mesmo tempo, temido e amado, devendo optar, no entanto, pela primeira característica no caso de ter de
escolher.

Essa constatação é conseqüência da sua concepção de natureza humana. Sendo ela essencialmente má os homens se afastariam do
príncipe em sua primeira necessidade, de forma que o soberano nunca poderia contar com a sua palavra. Tal indução no que toca à
natureza humana  seria mais tarde retomada por autores como Thomas Hobbes.

Outra metáfora de que se utilizará Maquiavel e que tem origem em escritores clássicos é a da raposa e do leão. Para o autor, não
bastaria que o príncipe fosse essencialmente forte, como o leão, mas que tivesse atributos da raposa, famosa pela esperteza e
dissimulação. Dessa forma, o soberano, apesar de nem sempre contar com as virtudes cristãs, deveria fingir tê-las de modo a
enganar seus súditos. Mais uma vez, Maquiavel rompe com a moralidade típica do medievo, propondo outro sistema de valoração.

Assim, Maquiavel entende que é importante que o príncipe seja bem-quisto não devido a uma ética transcendental, mas porque
assim a manutenção do Estado se daria de forma mais fácil. Apesar de muitas vezes temido, portanto, é necessário que o soberano
não fosse odiado. Tal sentimento por parte do povo poderia ser evitado caso se respeitassem, principalmente, a sua propriedade e as
suas mulheres.

Por fim, Maquiavel falará sobre a unificação da Itália, motivo pelo qual a maioria dos estudiosos atribui a preocupação do italiano
por instituir aí um poder forte e coeso. A Itália subdivida em muitas repúblicas e principados era o cenário de sangrentas batalhas,
que poderiam ser evitadas, na visão de Maquiavel, caso se firmasse um governo soberano. Em certo sentido, portanto, é o florentino
um dos precursores da idéia de Estado moderno desenvolvida posteriormente.

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