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RESENHA

CIENCIA E POLIl"'CA - DUAS VOCAÇÕES"

MAX WEBER

Resenha elaborada por Vera Maria Ribeiro ó

Os dois ensaios, a Ciência como Vocação e a Polí­ Séculos mais tarde procurou se aproximar de Deus, atra­
tica como Vocação, reunidos em um único volume foram vés do exame da natureza, por meio das ciências exatas
escritos um ano antes da morte de Weber, em 1920. que buscava descobrir os traços das intenções divinas nos
Expõe nos mesmos, seus pensamentos sobre temas que fenômenos naturais. Conclui que os cientistas com sua ra­
sempre o preocuparam, como as condições concretas da cionalidade, não conduzem ao sentido do mundo e nem a
Alemanha do início do século e os rumos da ciência em Deus. A ciência pressupõe que o resultado de seu trabalho
um mundo em rápida transformação. Apresenta sua com­ é importante em si. Esse pressuposto, bem como o da vali­
preensão de racionalidade, entendendo-a como um dos fa­ dade das regras da lógica e metodologia não podem ser
tores de transformação social; a função da ciência; a estru­ demonstrados. Os pressupostos científicos são variáveis,
turação da política e o funcionamento do Estado Moderno. dependendo da estrutura de cada ciência, a qual não tem
O tom incisivo com que Weber defende suas posições como impor valores, que estão sempre em contradição e se
e a clareza didática de suas explicações evidenciam o cien­ alteram de uma época para outra.
tista competente e ciente de suas responsabilidades face Para Weber, a significação da ciência e sua contribui­
aos acontecimentos que marcaram o mundo pré e pós guer­ ção para a vida política e pessoal é a seguinte:
ra de 1914. - permite o domínio técnico da vida por meio dos
Em "A Ciência como Vocação", Weber analisa como a conhecimentos que dispõe, tanto na esfera dos fenômenos
prática científica pode ser exercida como vocação, indi­ como na atividade cotidiana;
cando as diferenças estruturais, organizacionais e de funcio­ possui os instrumentos e métodos para aplicá-los
namento dos sistemas acadêmicos da América do Norte eficientemente na construção do conhecimento;
e da Alemanha. Considera Weber que a vocação científi­ - contribui de maneira efetiva para a clareza - indican­
ca é condicionada pela especialização crescente do conhe­ do as conseqüências que uma ou várias ações podem ocasio­
cimento e a paixão para perseguir a "experiência viva da nar - a tensão entre fins e meios. Esta clareza auxilia as
ciência", produzindo algo que encerre valor. A intuição pessoas a darem conta do fim último de seus atos. Seu
científica surge como resultado do trabalho pertinaz e papel é o aprofundamento da consciência individual e o
da paixão em busca de resposta, que serão úteis para o conhecimento das relações objetivas racionais.
avanço do conhecimento e deverão infalivelmente serem Destacam-se algumas posições de Weber, que podem
uItrapassadas. ser consideradas radicais, como a separação entre o conhe­
Aborda em seguida o ponto fundamental do ensaio, cimento e a ação. Parece considerar este como uma condi­
que é a significação da ciência para o mundo moderno. ção e não fato substantivo que induz a ação concreta.
Na compreensão de tal significado deve-se reconhecer que Explícita claramente esta posição na crítica a alguns profes­
a intelectualização e a racionalização que são próprios sores, seus contemporâneos - "Com efeito, uma coisa é
da ciência, não levam a um conhecimento partilhado e tomar posição política prática, e outra coisa é analisar cien­
crescente das condições de vida atual, mas sim a conclusão tificamente as estruturas políticas e as doutrinas de parti­
que os fenômenos são racionais, tendo uma explicação dos".
e sendo dominados por meio da previsão e do controle Tece comentários sobre os pressupostos da ciência e
técnico. a postura do cientista, o qual deve apresentar um padrão
Evidenciando o caráter inquisitivo da ciência, mostra moral e ético, decorrente de sua visão de mundo. A tarefa
como em sua trajetória esta descobre o conceito. Que de dar sentido à vida ou a ordenação dos fatos contradi­
buscava ensinar a forma correta de se agir no mundo tórios percente ao demagogo e ao profeta.
o ser verdadeiro. O segundo grande instrumento da ciência Outro aspecto que merece ser evidenciado é sua afirma­
- a experimentação racional, como princípio de pesquisa que ção que a racionalidade e intelectualidade devida a ciência
fundamenta a ciência empírica moderna. Perseguia a arte e a tecnologia não é partilhada por todos os homens e
verdadeira, ou melhor, o caminho capaz de conduzir à somente por aqueles que se interessam e estudam os diver­
verdadeira natureza, considerada o padrão de excelência. sos fenômenos. Tal constatação pode ocasionar uma ex­

a. Departamento de Serviço Social CESA/UE L.

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WEBER

trapolação do papel do cientista, tomado-o infenso a valo­ ma de recrutamento e comportamento diante da máquina
res morais, uma vez que seu conhecimento especializado partidária. Esta é também analisada a partir da experiência
permite dispor dos fatos e ordená-los segundo sua intenção. da Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos.
Não há uma salvaguarda para a expansão da ciência e sa­
Esclarece ainda a natureza do sentimento de poder e
bendo-se que para um mesmo fato científico as interpre­
as condições exigidas para adquirir o direito de interferir
tações são variáveis, as posições éticas passam a primeiro
na História por meio da política, as quais advém de três
plano. Exemplos atuais que ilustram essa preocupação qualidades: paixão, sentido de responsabilidade e senso
são as experiências com a fecundação "in vitro" e a defini­ de proporção.
ção da morte, fatos científicos com conseqüências ainda Weber indica a condição ética da política, determina­
imprevisíveis e opiniões diversificadas entre os cientistas) da pela idéia de mundo, tal como a ética da ciência. Afir­
resvalando mais para uma posição moral. ma a importância da mesma ser precedida da qualidade
Parece ter percebido o desencanto com Deus e com inerente ao homem público, de responsabilidade pelo
razão lógica que predominava em sua época e a importân­ futuro.
cia excessiva que vinha sendo dada à ciência como instân­ Como questão decisiva coloca a ética da convicção e
cia ordenadora da vida. Parece ser esta a razão pela qual a ética da responsabilidade, que aparentemente opostas
afirma tão enfaticamente que o cientista não deve ser se complementam, analisando as conseqüências práticas
um disseminador de ideologias, mesmo porque tal papel de cada uma, relacionando-as com o instrumento
cabe aos profetas e políticos. fico da violência legítima, que é o meio pelo qual se vale
No segundo ensaio, "A Política como vocação" o Estado para conseguir suas intenções.
o sentido da vocação política e não conteúdos formas de
Nota-se a preocupação constante de Weber em contra­
encaminhamento do poder na vida prática. Considera como
por às suas idéias a realidade da Alemanha, vencida na
política a direção do agrupamento humano, denomina­
meira mundial e prevê as conseqüências do compor­
do Estado, anunciando-o como '~comunídade humana que
tamento dos dirigentes de alguns partidos, que exaltam a
dentro de um território reivindica o uso da violên­
necessidade de uma levando uma
física". Constitui-se na dominação de homens sobre ho·
que culmina no facismo nacional soci<llis,"
mens ser legitimado diferentes

nunca puras em si. O poder ser tr2l0JIClO!nal,


no que chama irracionalidade ética
tico e legal (validade de um estatuto C01Tll:oetenclla
constituída irracionalidade dos valores e
positiva).
como base a diversidade infinita do real, além
O Estado moderno retirou das mãos dos oarW::'U1an~s .."n,"r"·1'Ji~ que a escolha de uma ética de
os meios para manutenção de sua autoridade. Aos homens responsabilidade.
políticos, representantes do poder, cabem a administração concepção de Estado como um meio para manter
dos meios materiais de gestão e o controle da máquina a ordem, denota uma posição conservadora, formalista e
administrativa. Os políticos exercem suas atividades de não ligada às reais condições de existência da DODulac:ão
duas formas - ou se vive para a política ou se vive da Sua preocupação com o poder, que deve ser sempre exer"
política, diferenciando-se assim os que possuem uma cido por um grupo privilegiado e escolhido dentro de uma
vocação real. O desenvolvimento da moderna função estrutura partidária reforça a posição conservadora.
blica exige funcionários qualificados "sine ira et studio" A preocupação com o fim do Estado não é
(sem ressentimentos e preconceitos) que possam levar uma vez que é condicionada por um moral e axio­
adiante a gestão institucional. A base dessa qualificação é lógico, variável em cada cultura. Para Weber cabe aos polí­
a racionalização crescente do mundo e a divisão social do ticos responsáveis apropriar-se dos valores vigentes e legi­
trabalho. timar sua posição, com senso de proporcionalidade e res­
ponsabilidade. Novamente, como ocorre com o cientista,
Ao lado da diferenciação na esfera administrativa, hou­ preside a sua opção o código de valores considerados vá­
ve uma evolução envolvendo os dirigentes políticos, sua for­ lidos e vigentes.

REFI!l.ÊNCIAS BffiLIOGRÁFICAS
01. WEBER, MAl(. Ciência e poHtica São Paulo, Cultrix, 1985.

Recebido para publicação em 16/3/1988.

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