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DOCÊNCIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL:

CURRÍCULO, ESPAÇOS E TEMPOS


MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA
DIRETORIA DE CURRICULOS E EDUCAÇÃO INTEGRAL
COORDENADORIA DE EDUCAÇÃO INFANTIL

DOCÊNCIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL:


CURRÍCULO, ESPAÇOS E TEMPOS
DOCÊNCIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: Conselho Editorial:
CURRÍCULO, ESPAÇOS E TEMPOS Coordenadores:
Prof. Dr. Valdo Hermes de Lima Barcelos
Realização: Prof. Msc. Carlos Giovani D. Pasini
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO Membros:
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA Prof. Dr. João B. A. Figueiredo
DIRETORIA DE CURRICULOS E EDUCAÇÃO INTEGRAL Prof. Dr. Elenor Kunz
COORDENADORIA DE EDUCAÇÃO INFANTIL Prof. Dr. Wenceslau Leães Filho
Profa. Msc. Sandra Maders
Organização do Livro: Prof. Msc. Rafael Friedrich
Débora Teixeira de Mello Prof. Msc. Élvio de Carvalho
Aruna Noal Correa Prof. Msc. Alysson do Amaral
Viviane Ache Cancian
Capa e Diagramação: Joana Paula Alves
Fontes das Fotos: Unidades do Proinfância da Região
Central, Norte e Noroeste Editoração e Arte Final: Felipe Toniolo
do Rio Grande do Sul Revisão Ortográfica: Fabiano Machado e Carlos
Giovani Delevati Pasini
Créditos das Fotos: Juliana Goelzer, Daliana Loffler Impressão e Acabamento: Editora e Gráfica Caxias
e Equipe do Proinfância de Ijuí/RS Tiragem: 7.500 exemplares
Sumário
Sobre os autores ......................................................................................................................................................... 9

Prefácio .......................................................................................................................................................................... 15
Rita de Cássia de Freitas Coelho

Apresentação do Livro ............................................................................................................................................. 19


Débora Teixeira de Mello e Aruna Noal Correa

PARTE I – Docências nas Unidades do Proinfância .................................................................................. 21

1. O PROJETO DE ASSESSORAMENTO TÉCNICO E PEDAGÓGICO EM UNIDADES DO PROINFÂNCIA 23


Viviane Ache Cancian e Simone Freitas da Silva Gallina - UFSM

2. DOCÊNCIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: REFLEXÕES SOBRE OS CICLOS DE FORMAÇÃO NO


PROJETO PROINFÂNCIA .......................................................................................................................................... 41
Débora Teixeira de Mello e Aruna Noal Correa – UFSM

3. A FORMAÇÃO EM CONTEXTO E A CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE EM DOCÊNCIA NA


EDUCAÇÃO INFANTIL ............................................................................................................................................... 69
Noeli Valentina Weschenfelder, Denise Motta Marchand e Vladinei Roberto Weschenfelder - UNIJUI

4. A CONTRIBUIÇÃO DA MEMÓRIA NOS PROCESSOS DE FORMAÇÃO DO EDUCADOR INFANTIL


E NA ELABORAÇÃO DA DOCUMENTAÇÃO PEDAGÓGICA ........................................................................... 91
Sussi Abel Menine Guedes e Bianca Lopes Bertuol - UPF
PARTE II - Relatos de Experiências nas Unidades do Proinfância ...................................................... 103

POLO DE SANTA MARIA ........................................................................................................................................... 105

5. RESSIGNIFICANDO SABERES A PARTIR DO PROJETO DE ASSESSORAMENTO PROINFÂNCIA


UFSM/MEC (Faxinal do Soturno) .......................................................................................................................... 107
Caroline Silveira Spanevello e Lisandra Locateli Pereira

6. A MÚSICA COMO PROPOSTA DE CANTO E ENCANTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL(Teutônia) ........ 117


Patricia Storck Ghisleni, Neide Inez Werle e Marcia Spezia

7. OS BEBÊS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: TRANSFORMAÇÕES NA AÇÃO PEDAGÓGICA(Teutônia).... 127


Neusa Maria Gregory, Marli Spellmeier e Berta Carina Sippel

8. RESSIGNIFICANDO AS PRÁTICAS DE AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL (Teutônia) ............. 137


Cornélia Maria Spies Danzer, Mara Regina Leidemer e Renata Fabiana Larssen

9. POR UM MUNDO MAIS COLORIDO: CONHECENDO E APRENDENDO MAIS SOBRE DIVERSIDADE


RACIAL (Venâncio Aires) ............................................................................................................................................ 145
Moira Poema Closs Gaspar, Janete Cândida Sulzbach Bilo e Miriam Beatriz Röhsler dos Santos

10. EDUCAÇÃO INFANTIL: UM NOVO OLHAR (Dona Francisca)................................................................. 155


Nilza Maria Fiss Scapin e Raquel Miranda Keisman

POLO DE IJUÍ ................................................................................................................................................................ 161

11. REFLEXÃO SOBRE ESPAÇO E TEMPO E O REGISTRO NA EDUCAÇÃO INFANTIL (Porto Xavier) 163
Claudiane Marta Zamboni, Claudia Maria de Oliveira Becker Spies e Josiele Bedin

12. CONHECENDO O MUNDO ATRAVÉS DOS PASSEIOS (Quinze de Novembro) ............................... 171
Luciana dos Santos, Elisete de Jesus Kempf e Joice Prediger
13. METAMORFOSE (Campo Novo) ..................................................................................................................... 179
Jocemara da Rosa

14. TEMPO E ESPAÇO DE SER CRIANÇA: UMA PROPOSTA DE EDUCAÇÃO INFANTIL (Ijuí) .............. 187
Débora Dorneles dos Santos, Eleandro José Lizot, Leila Marlise Cavinato Karlinski e Valdir Jose
Sandri

POLO DE PASSO FUNDO .......................................................................................................................................... 197

15. FAMÍLIA PRESENTE NA ESCOLA: RELATO DE PRÁTICA PEDAGÓGICA (São José do Herval) ....... 199
Diana Baségio, Dorilde Nicolau Rogéri e Rosana Araldi

16. BRINQUEDOTECA: UM ESPAÇO DE BRINCADEIRAS E VIVÊNCIAS (Barão de Cotegipe) ............. 205


Adriane Scarmignani e Franciele Gromann Ribeiro

17. DA CURIOSIDADE À APRENDIZAGEM (Ronda Alta) ................................................................................. 211


Andréia Scarpin Noetzold, Angela Eliane Scarpin Toqueto e Silvane Cadore Piva

18. A ROTINA DA EDUCAÇÃO INFANTIL: UMA POSSIBILIDADE DE CONSTRUÇÃO (Erechim).......... 219


Kely Daiane Machayewski, Manoela Oldra e Eloir Cima
Sobre os autores

Débora Teixeira de Mello Infâncias do Programa de Pós-Graduação em


Doutora em Educação pela UNICAMP, pro- Educação da Universidade Federal do Rio Gran-
fessora do Centro de Educação da UFSM no de do Sul (UFRGS). Professora Adjunta do De-
Departamento de Administração Escolar. Pes- partamento de Metodologia do Ensino/UFSM.
quisadora nas áreas de Políticas Públicas e Edu- Possui pesquisas com ênfase na formação de
cação Infantil, Gestão Educacional e Formação professores, educação infantil, bebês e educa-
de Professores. Vice-diretora da Unidade de ção musical. Professora Formadora no Projeto
Educação Infantil Ipê Amarelo/UFSM. Coorde- de Assessoramento Proinfância-UFSM; Profes-
nadora adjunta do Projeto do Assessoramento sora no Curso de Especialização em Educação
Proinfância/UFSM. Coordenadora e docente Infantil- UFSM; Avaliadora do curso de Aperfei-
do Curso de Especialização em Docência na çoamento em Docência na Educação Infantil.
Educação Infantil/UFSM. Coordenadora adjun-
ta do Curso de Aperfeiçoamento de Docência Viviane Ache Cancian
na Educação Infantil. Pedagoga e Mestre pela UNIJUÍ e Doutora em
Educação/UFC. Professora Adjunta do Depar-
Aruna Noal Correa tamento de Metodologia do Ensino/UFSM.
Formada em Pedagogia pela Universidade Pesquisadora nas áreas de Educação, Educa-
Federal de Santa Maria (UFSM) e Mestre em ção Infantil, Gestão Educacional e Formação de
Educação pela mesma instituição. Possui Dou- Professor. Diretora da Unidade de Educação In-
torado em Educação na linha de Estudos sobre fantil Ipê Amarelo/UFSM. Presidente Nacional

9
Unidades Universitárias de Educação Infantil. Denise Motta Marchand
Coordenadora Geral do Projeto do Assessora- Pedagoga (PUC/RS), Especialista em Educação
mento Proinfância/UFSM. Coordenadora Ad- Infantil (UFRGS); Professora da Rede Municipal
junta e docente do Curso de Especialização em de Ensino de Ijuí, RS. Formadora no Projeto de
Docência na Educação Infantil/UFSM. Coorde- Assessoramento Proinfância/UFSM.
nadora e docente do Curso de Aperfeiçoamen-
to de Docência na Educação Infantil. Vladinei Roberto Weschenfelder
Psicólogo (UFRGS), Especialista em Psicologia
Simone Freitas da Silva Gallina Clínica (UFRGS). Assistente de Pesquisa no Pro-
Licenciada em Filosofia pela Universidade Fe- jeto de Projeto do Assessoramento Proinfân-
deral de Santa Maria (UFSM), Mestre em Edu- cia/UFSM.
cação/UFSM, Doutora em Educação pela Uni-
versidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Sussi Abel Menine Guedes
Docente do Centro de Educação no Departa- Mestre em Educação pela Universidade Fede-
mento de Administração Escolar/UFSM. Super- ral de Santa Maria (UFSM). Professora da Uni-
visora e Docente do Curso de Especialização versidade de Passo Fundo/RS. Supervisora de
em Educação Infantil/UFSM; Docente do Cur- Pesquisa do Projeto de Assessoramento Proin-
so de Especialização em Gestão Educacional/ fância/UFSM.
UFSM. Supervisora de Pesquisa do Projeto de
Assessoramento Proinfância/UFSM. Bianca Lopes Bertuol
Especialista em Mídias na Educação pela Uni-
Noeli Valentina Weschenfelder versidade Federal do Rio Grande do Sul (UFR-
Licenciada em Geografia e Pedagogia (UNIJUÍ), GS). Pedagoga. Formadora no Projeto de As-
Mestrado em Educação (UFSM), Doutorado em sessoramento Proinfância/UFSM.
Educação (UFRGS); Professora do Programa de
Pós-Graduação em Educação nas Ciências: Mes-
trado e Doutorado (UNIJUÍ). Supervisora de Pes-
quisa do Projeto de Assessoramento Proinfân-
cia/UFSM. Coordenadora Adjunta do Curso de
Aperfeiçoamento em Educação Infantil.

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Autores dos relatos de experiência das Uni- Marli Spellmeier
dades do Proinfância: Professora da EMEI Sonho de Criança, do mu-
nicípio de Teutônia/RS.
Caroline Silveira Spanevello
Coordenadora Pedagógica da EMEI Beija-Flor Berta Carina Sippel
do município de Faxinal do Soturno/RS. Peda- Professora da EMEI Sonho de Criança, do mu-
goga e Mestre em Educação (UFSM). nicípio de Teutônia/RS.

Lisandra Locateli Pereira Cornélia Maria Spies Danzer


Pedagoga e Especialista em TICs - Tecnologias Pedagoga e diretora da EMEI do município de
da Informação e da Comunicação Aplicadas à Teutônia/RS.
Educação (EAD/UFSM). Professora da EMEI Bei-
ja-Flor. Faxinal do Soturno/RS. Mara Regina Leidemer
Professora da EMEI do município de Teutônia/
Patricia Storck Ghisleni RS.
Pedagoga e supervisora Pedagógica da EMEI
Meu Cantinho do Município de Teutônia/RS. Renata Fabiana Larssen
Professora da EMEI do município de Teutônia/
Neide Inez Werle RS.
Pedagoga e Especialista em Psicopedagogia
(IERGS). Professora da EMEI Meu Cantinho do Moira Poema Closs Gaspar
Município de Teutônia/RS. Professora da EMEI Bela Vista do município de
Venâncio Aires/RS.
Marcia Spezia
Pedagoga e professora da EMEI Meu Cantinho Janete Cândida Sulzbach Bilo
do Município de Teutônia/RS. Professora da EMEI Bela Vista do município de
Venâncio Aires/RS.
Neusa Maria Gregory
Pedagoga e Especialista em Pós-Graduação
Miriam Beatriz Röhsler dos Santos
em Neuropsicopedagogia (Fafipa). Professora
Professora da EMEI Bela Vista do município de
da EMEI Sonho de Criança, do município de
Venâncio Aires/RS.
Teutônia/RS.

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Nilza Maria FissScapin Elisete de Jesus Kempf
Secretária da Educação do município e profes- Pedagoga e diretora da EMEI Pequeno Polegar
sora da EMEI Dente de Leite Professora Ivani Professora Gerarda Michels Prante do municí-
Lurdes Barchet Tessele do município de Dona pio de Quinze de Novembro/RS.
Francisca/RS.
Joice Prediger
Raquel Miranda Keisman Pedagoga e Especialista em Mídias na Edu-
Diretora da EMEI Dente de Leite Professora cação (UFRGS). Professora da EMEI Pequeno
Ivani Lurdes Barchet Tessele do município de Polegar Professora Gerarda Michels Prante do
Dona Francisca/RS. município de Quinze de Novembro/RS.

Claudiane Marta Zamboni Jocemara da Rosa


Pedagoga e Especialista Gestão e Docência na Pedagoga e professora da EMEI Santa Rita do
Educação Básica (Universidade Castelo Branco). município de Campo Novo/RS.
Professora da EMEI Sonho Encantado do muni-
cípio de Porto Xavier/RS. Débora Dorneles dos Santos
Pedagoga e coordenadora pedagógica da
Claudia Maria de Oliveira Becker Spies educação infantil na Secretaria Municipal de
Pedagoga e professora da EMEI Sonho Encan- Educação de Ijuí/RS.
tado do município de Porto Xavier/RS.
Eleandro José Lizot
Josiele Bedin Secretário da Educação do município de Ijuí/RS.
Pedagoga e professora da EMEI Sonho Encan-
tado do município de Porto Xavier/RS. Leila Marlise Cavinato Karlinski
Graduação em Educação Física. Coordenadora
Luciana dos Santos pedagógica da educação infantil na Secretaria
Professora da EMEI Pequeno Polegar Profes- Municipal de Educação de Ijuí/RS.
sora Gerarda Michels Prante do município de
Quinze de Novembro/RS. Valdir Jose Sandri
Presidente do Conselho Municipal de Educa-
ção do município de Ijuí/RS.

12
Diana Baségio Kelly Daiane Machayewski
Professora da EMEI Primeiros Passos do municí- Monitora da EMEI Lucas Vezzaro, do município
pio de São José do Herval/RS. de Erechim/RS.

Dorilde Nicolau Rogéri Manoela Oldra


Professora da EMEI Primeiros Passos do municí- Pedagoga e professora da EMEI Lucas Vezzaro,
pio de São José do Herval/RS. do município de Erechim /RS.

Rosana Araldi Eloir Cima


Professora da EMEI Primeiros Passos do municí- Pedagoga e professora da EMEI Lucas Vezzaro,
pio de São José do Herval/RS. do município de Erechim /RS.

Adriane Scarmignani
Professora da EMEI Barãozinho do município
de Barão do Cotegipe/RS.

Franciele Gromann Ribeiro


Professora da EMEI Barãozinho do município
de Barão do Cotegipe/RS.

Andréia Scarpin Noetzold


Pedagoga e Especialista em Educação (Facul-
dades de Itapiranga). Professora da EMEI Vó Elvi-
ra Guiland, do município de Ronda Alta/RS.

Angela Eliane Scarpin Toqueto


Pedagoga e professora da EMEI Vó Elvira Gui-
land, do município de Ronda Alta /RS.

Silvane Cadore Piva


Pedagoga e professora da EMEI Vó Elvira Gui-
land, do município de Ronda Alta /RS.

13
Prefácio

O panorama geral de discriminação das que complemente a ação da família. No Brasil, a


crianças e a persistente negação de seus direitos, forma que o Estado busca garantir os direitos da
que têm como consequência o aprofundamento criança na primeira infância é incluindo ações
da exclusão social, precisam ser combatidos com para esta faixa etária nas diferentes políticas
uma política que promova inclusão, combata setoriais de saúde, direitos humanos, educação,
a miséria e coloque a educação de todos no assistência social, cultura, justiça dentre outras.
campo dos direitos. O Preâmbulo da Declaração Em cada uma dessas políticas estão previstos
dos Direitos da Criança, das Nações Unidas, programas implementados por meio de
afirma que a humanidade deve às crianças diferentes sistemas de gestão e financiamento.
o melhor dos seus esforços. A Constituição Embora se reconheça que todas as
Federal, em seu artigo 227, determina: políticas possuem uma dimensão educativa e
que a educação ocorre na família e na sociedade
É dever da família, da sociedade e do Estado o dever do Estado com a educação é garantido
assegurar à criança e ao adolescente, com ab-
soluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à por meio de instituições próprias.
alimentação, à educação, ao lazer, à profissio- No caso da Primeira Infância é dever do
nalização, à cultura, à dignidade, ao respeito,
Estado garantir a oferta da Educação Infantil
à liberdade e à convivência familiar e comuni-
tária, além de colocá-los a salvo de toda forma pública, gratuita e de qualidade sem requisito
de negligência, discriminação, exploração, de seleção.
violência, crueldade e opressão.
A Educação Infantil, primeira etapa da
Educação Básica, é oferecida em creches e pré-
Ao Estado, portanto, compete
escolas, as quais se caracterizam como espaços
formular políticas, implementar programas
institucionais não domésticos, que constituem
e viabilizar recursos que garantam à criança
estabelecimentos educacionais públicos ou
desenvolvimento integral e vida plena, de forma
privados, que educam e cuidam de crianças

15
de 0 a 5 anos de idade no período diurno, estados atuarão subsidiariamente, porém,
em jornada integral ou parcial, regulados e necessariamente, em apoio técnico e financeiro
supervisionados por órgão competente do aos municípios, consoante o art. 30, VI, da
sistema de ensino e submetidos ao controle Constituição Federal.
social. É obrigatória a matrícula na Educação A educação da criança de até 6 anos
Infantil de crianças que completam 4 ou 5 anos insere-se nas ações do Ministério da Educação
até o dia 31 de março do ano em que ocorrer (MEC) desde 1975, quando foi criada a
a matrícula. As crianças que completam 6 anos Coordenação de Educação Pré-Escolar.
após o dia 31 de março devem ser matriculadas Atualmente cabe à Coordenação-Geral
na Educação Infantil. A frequência na Educação de Educação Infantil vinculada à Diretoria de
Infantil não é pré-requisito para a matrícula no Currículos e Educação Integral da Secretaria de
Ensino Fundamental. Educação Básica do MEC propor e implementar
Nessa contextualização da Educação ações de apoio técnico à educação infantil.
Infantil no Brasil, é essencial que se destaquem Partindo das políticas já existentes, das
as competências dos entes federados, não se demandas de estados e municípios e tendo em
perdendo de vista o cumprimento do regime vista as metas e estratégias do Plano Nacional
de colaboração que deve orientar as ações de Educação, Lei nº 13.005 de 25 de junho de
educacionais voltadas para a infância. 2014, o Ministério da Educação vem atuando
Na distribuição de competências na consolidação da identidade da Educação
referentes à Educação Infantil, tanto a Infantil no âmbito do sistema educacional por
Constituição Federal quanto a LDB são meio de cinco linhas de ação comprometidas
explícitas na corresponsabilidade das três com a melhoria da qualidade:
esferas de governo – município, estado e União
• Acesso
– e da família. A articulação com a família visa,
• Currículo
mais do que qualquer outra coisa, ao mútuo
• Financiamento
conhecimento de processos de educação,
• Formação dos profissionais
valores, expectativas, de tal maneira que a
• Avaliação
educação familiar e a escolar se complementem
e se enriqueçam, produzindo aprendizagens Em relação a ampliação do acesso,
coerentes, mais amplas e profundas. Quanto o Ministério da Educação (MEC) e o Fundo
às esferas administrativas, a União e os Nacional de Desenvolvimento da Educação

16
(FNDE) lançaram, em 2007, o Programa Nacional parceiros de referência como a União Nacional
de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos dos Dirigentes Municipais de Educação
para a Rede Escolar Pública de Educação (UNDIME), a União dos Conselhos Municipais de
Infantil (Proinfância), com objetivo de ampliar Educação (UNCME), as Universidades Federais,
a rede física escolar pública de atendimento da o Ministério Público e os Fóruns de Educação
Educação Infantil. O Proinfância prevê projetos Infantil.
arquitetônicos especialmente planejados Este livro apresenta a experiência de
com centralidade na criança, recursos para a trabalho conjunto do MEC/SEB/Coedi e o Centro
construção de creches e pré-escolas e aquisição de Educação, Núcleo de Educação Infantil (NDI),
de equipamentos e mobiliários visando a Unidade de Educação Infantil Ipê Amarelo da
ampliação progressiva do acesso de crianças Universidade Federal de Santa Maria (UFSM),
menores de seis anos de idade à Educação no assessoramento técnico-pedagógico aos
Infantil. municípios executores do Proinfância na região
Contudo, apenas a construção do central e do noroeste do estado do Rio Grande
espaço físico não garante o direito à Educação do Sul. Foram dimensões prioritárias: docência,
Infantil e a qualidade do trabalho pedagógico currículo e espaços e tempos na Educação
desenvolvido. Desta forma, o MEC, por meio Infantil.
da Coordenação-Geral de Educação Infantil Para mim é uma alegria prefaciar este
(COEDI), implementa diferentes estratégias livro que concretiza uma experiência coletiva
de assessoramento técnico-pedagógico de colaboração entre universidade e ministério,
aos municípios executores do Proinfância: entre pesquisa e política, entre União e
reuniões técnicas estaduais, visitas in loco, municípios.
envio de material, resposta a consultas O livro traz contribuições para pensar
via e-mail ou por contato telefônico para o cotidiano da Educação Infantil. Constitui
orientações sobre estrutura e funcionamento importante subsídio para fortalecer a relação
da nova instituição, elaboração da proposta de apoio técnico e financeiro do MEC e expressa
pedagógica, regulamentação e autorização compromisso acadêmico e político de seus
de funcionamento, constituição do quadro autores.
de recursos humanos e critérios de matrícula,
entre outras. As estratégias de assessoramento, Rita de Cássia de Freitas Coelho
também, mobilizam nos estados diferentes Coordenadora-Geral de Educação Infantil

17
Apresentação

[...] é necessário que tomemos consciência de O livro está organizado em artigos prove-
que, hoje, falar de criança ou falar da infância é
nientes dos municípios representantes dos três po-
algo cada vez mais difícil e cada vez mais comple-
xo [...] há mudanças na sociedade, mudanças do los de Santa Maria, Ijuí e Passo Fundo, e tem como
tipo antropológico, do tipo cultural, mudanças eixo central a discussão de Docências na Educa-
que também afetam aos adultos que trabalham ção Infantil: Currículo, Espaços e Tempos. Divi-
com as crianças. E, aqui, a razão pela qual falar
da criança, hoje, signifique abordar um tema so- dido em duas partes, Docências nas Unidades do
bre o qual é necessário refletir muito fortemente Proinfância e Relatos de Experiências nas Unida-
e com muito empenho (Loris Malaguzzi, 1986). des do Proinfância, na primeira parte, contamos
com um artigo apresentando o Projeto de Asses-
As razões que nos levaram a produzir este
soramento e Acompanhamento Pedagógico às
livro foram a possibilidade de dar aos municí-
Redes e Sistemas de Ensino na Implementação
pios participantes do Projeto a oportunidade de
do Proinfância em Municípios da Região Central
apresentarem os processos vividos durante o as-
sessoramento, refletindo sobre suas propostas/ e do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. Os
ações pedagógicas com crianças de 0 a 5 anos das textos seguintes fazem uma discussão de uma
Unidades do Proinfância da região Central, Norte Docência na Educação Infantil a partir dos Ciclos
e Nordeste do Rio Grande do Sul. Os artigos origi- Formativos e/ou da formação em Contexto reali-
naram-se de Resumos Expandidos organizados zada com os professores nas Unidades do Proin-
por professores dos municípios que foram apre- fância em vários municípios da região de imple-
sentados em uma Roda de Conversas durante o II mentação do projeto. Na segunda parte do livro,
Seminário do Proinfância – “Crianças, Infâncias e apresentamos as experiências de professores
Docências na Educação Infantil”. de Unidades do Proinfância, trazendo à discus-

19
são temas como ações pedagógicas com bebês, Entrelaçados a esses temas, aprofunda-
a construção de práticas de avaliação, reflexões mos os estudos acerca das políticas para a pe-
sobre a organização de espaços e tempos, a res- quena infância em nosso país, em específico, com
significação das rotinas, a diversidade de gênero a discussão da implementação das Diretrizes
e étnico-racial (a partir das etnias presentes nas Curriculares Nacionais para a Educação Infantil
unidades do Proinfância da região de abrangên- (2009) e os documentos complementares cons-
cia do projeto) na Educação Infantil, entre outros. truídos em decorrência daquelas. Nessa perspec-
Foi a partir desses temas que discutimos tiva, fica o desafio a ser enfrentado pelos municí-
entre os municípios as especificidades de uma pios de continuar com a expansão da educação
Docência na Educação Infantil, estruturada na infantil na garantia de uma educação infantil de
perspectiva da Pedagogia das Infâncias, rela- qualidade. Além disso, ficamos com a expectativa
cionada a uma concepção de infância que con- da continuidade da formação de professores para
sidere a criança como sujeito de diretos e prota- atuar junto às crianças de 0 a 5 anos, em conso-
gonista de suas ações. Desse modo, possibilita-se nância com o novo Plano Nacional de Educação
aos adultos envolvidos, a compreensão de que (2014-2024) que assegura a importância da for-
são todos corresponsáveis pelos processos pe- mação inicial e continuada de professores para
dagógicos que se estabelecem e que estão, coti- atuar nesta etapa da Educação Básica.
dianamente, envolvidos em despertar a curiosi- Esperamos que o livro possa contribuir
dade das crianças, em refletir sobre as situações para socializarmos ideias, assim, nos encorajan-
educacionais que se constituem na diversidade, do a pensar e repensar nossas práticas pedagó-
da relevância do olhar e da escuta atenta dos gicas cotidianas com as crianças de 0 a 5 anos,
adultos, da sensibilidade ética, estética e política, e reconhecendo as possibilidades de políticas
da aproximação entre crianças e comunidade, públicas de educação para esta etapa da Educa-
do estabelecimento de tempos e espaços de re- ção Básica, numa perspectiva de uma Educação
flexão e planejamento, a compreensão acerca da Infantil mais igualitária.
relevância dos registros e da documentação na Nossos agradecimentos a cada um dos
busca por uma postura investigativa entre adul- autores, e os convidamos à leitura para compar-
tos e crianças e pela construção de relações ati- tilharem críticas e contribuições.
vas, dentre outros elementos, que nos remetem
as crianças como centro de toda a proposta na Débora Teixeira de Mello
educação infantil. Aruna Noal Correa

20
PARTE I

Docências nas
Unidades do PROINFÂNCIA
1
O PROJETO DE ASSESSORAMENTO TÉCNICO E
PEDAGÓGICO EM UNIDADES DO PROINFÂNCIA

Viviane Ache Cancian


Simone Freitas da Silva Gallina

[...] um ‘aprender’ infinito que, por natureza Técnico Pedagógico na implementação do


difere do saber, pois aprender evolui inteiramen-
Proinfância, em Municípios da Região Central,
te na compreensão dos problemas enquanto
tais, na apreensão e condensação das singula- Norte e Noroeste do Estado do Rio Grande do
ridades [...]. Aprender a nadar, aprender uma Sul. O assessoramento e o acompanhamento
língua estrangeira, significa compor os pontos foram desenvolvidos nos municípios dessas três
singulares de seu próprio corpo ou de sua pró-
pria língua com os de uma outra figura, de um
regiões, que aderiram ao Programa Nacional de
outro elemento que nos desmembra, que nos faz Reestruturação e Aquisição de Equipamentos
penetrar num mundo de problemas até então para a Rede Escolar Pública de Educação Infantil
desconhecidos, inauditos. – Proinfância1.
E a que estaríamos destinados senão a proble-
mas que exigem até mesmo a transformação de Assumir um projeto dessa envergadura,
nosso corpo e de nossa língua? em 150 municípios situados geograficamen-
(Deleuze, 2006, p.272) te em três regiões diferentes, nos possibilitou
buscar parcerias com professores da Universi-
Entre o período de 2012 a 2015, o Núcleo dade do Noroeste do Rio Grande do Sul (UNI-
de Desenvolvimento Infantil (NDI), do Centro JUÍ) e da Universidade de Passo Fundo (UPF),
de Educação (CE) e a Unidade de Educação estabelecendo uma constante interlocução de
Infantil Ipê Amarelo (UEIIA) da Universidade saberes entre as Universidades e os municípios,
Federal de Santa Maria (UFSM) assumiram o que pactuaram participar do projeto de asses-
desafio proposto pela Secretaria de Educação soramento através de um termo de adesão.
Básica (SEB), pela Coordenadoria de Educação
Infantil (COEDI), pelo Ministério de Educação
(MEC) através do projeto de Assessoramento 1 Resolução nº 6, de 24 de abril de 2007.

23
Viviane Ache Cancian e Simone Freitas da Silva Gallina

Municípios participantes Região Central, Noroeste e Norte do RS

Figura 1 - Região de abrangência do projeto Proinfância.

24
O PROJETO DE ASSESSORAMENTO TÉCNICO E PEDAGÓGICO EM UNIDADES DO PROINFÂNCIA

O projeto buscou pedagogicamente as-


sessorar e acompanhar as redes e sistemas de
ensino na implementação do Proinfância, visan-
do qualificar a Educação Infantil no atendimento
à criança de zero a cinco anos, e contribuir com
o fortalecimento das políticas públicas munici-
pais na implementação das Diretrizes Curricu-
lares Nacionais de Educação Infantil (Resolução
CEB/CNE 05/2009), no cotidiano destes novos
espaços educativos para crianças pequenas.
Para operacionalizar o projeto nas três
regiões, os municípios foram organizados em
3 (três) polos: 1 (um) para a região Central, 1
(um) para região Noroeste e 1 (um) para a re-
gião Norte. O polo da região Central na cidade
de Santa Maria, o polo da região Noroeste na
cidade de Ijuí e o polo da região Norte na cida- Figura 2 – Fonte autoras

de de Passo Fundo. Cada um desses polos foi


subdividido em 4 municípios-referência, nos
quais foram organizados os encontros forma-
tivos em função da proximidade de acessos ro-
doviários conforme figuras a seguir:

Figura 3 – Fonte autoras

25
Viviane Ache Cancian e Simone Freitas da Silva Gallina

Figura 4 – Fonte autoras Figura 6 – Fonte autoras

Figura 5 – Fonte autoras Figura 7 – Fonte autoras

26
O PROJETO DE ASSESSORAMENTO TÉCNICO E PEDAGÓGICO EM UNIDADES DO PROINFÂNCIA

Figura 8 – Fonte autoras

Figura 9 – Equipe do projeto Proinfância/2015

27
Viviane Ache Cancian e Simone Freitas da Silva Gallina

Equipe do projeto de assessoramento do que acontece2 com as crianças, algo lhes


acontece, ou seja, as crianças experimentam,
Pensar a formação para as redes e sistemas aprendem algo que diz da vida, do seu viver
implicou propor uma metodologia para a forma- no mundo com outros. A perspectiva da expe-
ção continuada que considerasse os sujeitos que rimentação pedagógica interroga as práticas
vivem o dia a dia nas unidades do Proinfância, ou que estão atreladas à lógica da velocidade e
seja, os docentes, os gestores, suas realidades, do consumo, que perdem de vista os princí-
contextos, culturas institucionais, e a racionalida- pios éticos e estéticos da vida, deixando de
de que permite que esses sujeitos se compreen- reconhecer as diferenças que pautam a diver-
dam e compreendam suas práticas educativas e sidade de cultura, gênero, sexualidade, raça,
pedagógicas num constante vir a ser. etnicidade, religiosidade.
Propor esse movimento de forma-
ção para os docentes e gestores, a partir das Princípios teórico-metodológicos
suas vivências, práticas, teorias e concepções
aprendidas e, ao mesmo tempo que busca Propomos uma perspectiva de formação
articulação com a política para Educação In- continuada cujas bases estão no processo de
fantil, implica uma pedagogia da infância, das problematizar e criar possibilidades, ou seja, para
crianças. Uma pedagogia sensível às dinâmi- além do ‘assessoramento/apoio técnico-pedagó-
cas culturais, que tecem relações e práticas gico’, a finalidade foi potencializar a aprendiza-
gem, por que não dizer, criar formas de aprender
dos sujeitos que vivem os tempos-espaços
a partir dos problemas vivenciados e experien-
das infâncias nas instituições, implica questio-
ciados, nas unidades, por gestores, docentes, pais
namentos dessas práticas e das teorias apren-
e pelas crianças-infâncias.
didas num esforço de sensibilizar e problema- O primeiro princípio a sensibilização, da
tizar a constituição da docência. escuta à escrita, às práticas e aos diagnósticos foi
Partimos da ideia de que as diversida- marcadamente constituído pelos registros das vi-
des que permeiam os diferentes contextos sitas técnicas, tanto na forma escrita e oral quan-
possibilitam aos sujeitos criar conexões para to no registro de imagens. Também podemos
os conhecimentos previamente aprendidos. destacar alguns estudos de referência na área de
Quando tais sujeitos são sensíveis aos signos
2 A noção de acontecimento que estamos pensando se refere
a abordagem de Jorge Larrosa no texto: Notas sobre a experiência
e o saber de experiência, In: RBE. Jan/Fev/Mar/Abr 2002 N. 19.

28
O PROJETO DE ASSESSORAMENTO TÉCNICO E PEDAGÓGICO EM UNIDADES DO PROINFÂNCIA

Educação Infantil e estudos-situação que apre- tante aos ciclos formativos e autoformativos, vi-
sentam dados quantitativos reunidos de diversas sitas técnicas, devolutivas, coletivo/redes, forma-
fontes, como IBGE, TCE-RS, INEP. ção em contexto.
O segundo princípio a problematização
parte da premissa de que se algo está acontecen-
do a ponto de interferir na dimensão pedagógica
das práticas educativas na Educação Infantil, ele
foi constituído a partir de uma questão buscando
relacioná-la com pressupostos políticos, sociais e
culturais.
O terceiro princípio a investigação tem exi-
gido do grupo de trabalho uma saída do lugar
do saber constituído, impondo um movimento
de constituição de novos territórios de aprendi-
zagem sobre a educação infantil considerando o
constante confronto entre as concepções teóri-
co-práticas dos membros da equipe com aquilo
que efetivamente tem sido a prática em educa-
ção infantil, em boa parte das escolas vincula- Figura 10 – Fonte autoras
das ao Proinfância. Esse aspecto nos possibilitou
A auto-formação e a formação
constatar que é preciso entender as causas para
podermos propor experimentações educativas
O primeiro esforço do projeto foi elabo-
no tempo espaço com crianças.
O quarto princípio a criação tem a ver com rar a relação entre as abordagens qualitativa
os devires da infância, com o que caracteriza a e quantitativa da pesquisa, o quadro de refe-
infância, um devir de possibilidades, a partir da rência conceitual, tendo em vista o que propu-
criação de práticas educativas e com a docên- nha o projeto, a participação dos municípios,
cia, com crianças pequenas levando-se em con- os dados, as análises, a legislação e a política
ta que as práticas educativas com crianças são a para Educação Infantil. As estratégias metodo-
composição dos seus direitos e as possibilidades lógicas e os procedimentos selecionados para
de respeito às crianças e às infâncias. a pesquisa respondem à necessidade de com-
Tais princípios se retroalimentam, ou seja, preender a investigação em educação como
contribuem com a docência que se dá concomi- uma atividade complexa.

29
Viviane Ache Cancian e Simone Freitas da Silva Gallina

Buscou-se para deflagrar o projeto a au- nicipais de Educação e Coordenadores(as) de


to-formação da equipe de assessoramento Educação Infantil dos municípios conveniados.
composta por participantes das três Universi- Novamente em fevereiro de 2013 reali-
dades, ou seja, dos assistentes de pesquisa, pro- zou-se o contato com todos os municípios con-
fessores formadores, supervisoras de pesquisa e veniados com o Proinfância nas três regiões
dos coordenadores com encontros presenciais para apresentação do projeto e proposta de
no polo de Santa Maria, encontros bimestrais a adesão. Foi realizado um encontro inicial em
distância e com reuniões semanais de estudo cada uma das regiões atendidas pelo proje-
das equipes nos polos das três Universidades; to, sendo o primeiro deles no município polo
com planejamento, elaboração de materiais de e sede do projeto – Santa Maria; o segundo
apoio, realização e avaliação do processo. em Passo Fundo, e o terceiro em Ijuí. Foram
A auto-formação é compreendida como apresentados os objetivos, os compromissos
o momento em que o grupo se organiza para e os princípios do projeto de assessoramento
realizar estudos que subsidiam as ações no técnico-pedagógico do programa Proinfância-
projeto. O grupo retomou estudos a partir de -UFSM. Ao final de cada encontro, os gestores
referenciais teóricos de pesquisadores nacio- firmavam o Termo de Adesão ao projeto, me-
nais e internacionais articulados à especificida- diante a assinatura do documento. Cabe desta-
de do trabalho na Educação Infantil das Dire- car que a equipe de assessoramento da região
trizes Curriculares Nacionais para a Educação de Ijuí realizou visitas em todos os municípios-
Infantil (2009) e das publicações do Programa do polo de Ijuí em busca da pactuação, tendo a
de formação de professores em serviço na Edu- participação de 100% posteriormente dos ges-
cação Infantil – Proinfantil. Em cada reunião, a tores das unidades na reunião.
equipe de apoio técnico ou as assistentes de Paralelamente a isso, buscou-se uma in-
pesquisa produziam uma memória que era en- terlocução com o projeto Proinfância UFRGS e
caminhada para toda a equipe. com os Fóruns Regionais de Educação Infantil
Em dezembro de 2012, realizou-se jun- das três regiões, nas quais foram realizadas dis-
tamente com o Seminário do Curso de Espe- cussões com o coletivo (equipes de pesquisa e
cialização em Docência na Educação Infantil representantes de municípios) nestes espaços,
a apresentação do Projeto, desenvolvido no e a interlocução a distância entre as equipes
município polo da Região Central, Santa Maria, dos três polos e municípios através de Blog,
com a participação da Coordenadora Geral da e-mail, web conferência, redes sociais e Skype,
Educação Infantil - COEDI/MEC, Rita de Cássia em que a equipe de apoio técnico procurou
de Freitas Coelho, dos(as) Secretários(as) Mu- manter os contatos entre as equipes e municí-

30
O PROJETO DE ASSESSORAMENTO TÉCNICO E PEDAGÓGICO EM UNIDADES DO PROINFÂNCIA

pios, fornecendo materiais didáticos e informa- Proinfância por município referência, sendo
ções gerais sobre o projeto. um deles, se possível, o município referência;
Além disso, realizou-se o levantamento e as Unidades em funcionamento a mais tempo;
tabulação de dados de cada município (dados proximidade de acesso. A proposta foi realiza-
do IBGE, TCE/RS, INEP, Censo Escolar 2012), e da em 8 municípios de cada região, totalizando
dos perfis como atividade prévia à realização 24 unidades.
das visitas. Os aspectos que compõem os da-
dos do perfil foram definidos pela equipe, de
acordo com a necessidade do grupo.
O grupo decidiu que uma das metodo-
logias seriam as visitas técnicas nos municípios
e, em função das características geopolíticas de
cada polo, cada equipe de trabalho organizou-se
de acordo com as especificidades da região. Fo-
ram organizadas visitas exploratórias, nas quais
as equipes acompanharam a organização da
estrutura e do funcionamento, do trabalho peda-
gógico desenvolvido nas Unidades, conversan-
do com docentes, crianças, os(as) gestores(as) e
secretários(as) municipais, observando as carac-
terísticas e adequações da estrutura física e co-
nhecendo os documentos oficiais das Unidades,
produções dos docentes e das crianças. Figura 11 – Fonte autoras
A realização das visitas técnicas foi reali-
Essas atividades de assessoramento
zada pelos(as) assistentes de pesquisa de cada
técnico-pedagógico realizadas in loco nas
pólo, com roteiro de observação pré-estabele-
Unidades Proinfância envolveram interações
cido. Após a realização de cada visita, os(as) as-
com crianças, familiares, docentes, coorde-
sistentes de pesquisa elaboravam um relatório
nação pedagógica, direção e gestores. As
da visita que era apresentado e discutido em
relações estabelecidas junto às Unidades
formações semanais de cada equipe.
Para isso, buscou-se estabelecer crité- Proinfância são consideradas estratégicas
rios para a definição dos municípios que rece- e ricas em possibilidades. Por esta razão, as
beriam as visitas técnicas: duas Unidades do questões de impasse, verificadas junto aos

31
Viviane Ache Cancian e Simone Freitas da Silva Gallina

contextos, foram tomadas como objeto de de Educação dos municípios escolhidos como
problematização em tempo real nas visitas, municípios referência do Polo Regional de San-
chamando os diferentes atores para uma po- ta Maria, Ijuí e Passo Fundo.
sição de reflexão e responsabilidade frente à Tendo em vista as observações realiza-
Educação Infantil. das nas Unidades e o perfil dos municípios da
As visitas técnicas definem-se como me- região visitada, os(as) professores(as) formado-
todologias participativas e sensíveis às deman- res(as) planejavam a formação nos municípios
das e singularidades locais de cada escola e sua referência de cada polo, os ciclos formativos.
comunidade, com o objetivo de acompanhar No primeiro encontro de cada ciclo formativo
a organização da estrutura e o funcionamento estavam presentes a coordenação, supervisão
das Unidades Proinfância, com vistas à imple- e professores(as) formadores(as) do Projeto.
mentação das Diretrizes Curriculares Nacionais Nos próximos ciclos, cada encontro foi realiza-
para a Educação Infantil (2009). do durante todo o dia, com a participação das
Após estudo e discussão dos relatórios professoras formadoras, de dois Coordenado-
das visitas técnicas realizadas nos municípios res(as) da Educação Infantil da Secretaria Mu-
de cada polo, construiu-se um documento nicipal de Educação e dois professores(as) de
Educação Infantil de cada município. Ao longo
base para a devolutiva e formação nas unida-
do Projeto de assessoramento, aconteceram os
des. As devolutivas das vistas técnicas se de-
Ciclos Formativos I, II, III e IV realizados nos mu-
ram com os auxiliares de pesquisa (algumas
nicípios-referência nos polos de Santa Maria,
vezes acompanhadas pela coordenadora do
Ijuí e Passo Fundo. Cabe ressaltar que, enquan-
projeto, professoras formadoras e supervisoras
to as visitas técnicas abrangeram 24 municí-
de pesquisa) nas 24 unidades do Proinfância,
pios, os ciclos formativos contemplaram parti-
com gestores, secretarias de educação, coor-
cipantes de todos os municípios assessorados.
denadores pedagógicos e docentes das uni-
A cada encontro formativo realizado no
dades. Nessas reuniões de devolutivas, foram
município referência, era proposta uma forma-
realizadas orientações para que as Unidades ção em rede nas Unidades. Os(as) coordenado-
pudessem resolver os problemas pontuados res(as), gestores(as) e professores(as) das Unida-
pela equipe técnica do Proinfância e foi solici- des de Educação presentes voltavam para seus
tado um Plano de Ação para 2014; constituição municípios com uma tarefa que consistia em or-
de rede de comunicação com as coordena- ganizar encontros formativos com a toda a equi-
ções pedagógicas das Secretarias Municipais pe de sua Unidade, a partir do que havia sido

32
O PROJETO DE ASSESSORAMENTO TÉCNICO E PEDAGÓGICO EM UNIDADES DO PROINFÂNCIA

debatido no encontro do município referência. cia e das secretarias de Educação, e que, em


Os encontros de formação definem-se muitos municípios, não chegavam nas salas,
como metodologias participativas, objetivan- para o trabalho com as crianças. Com isso re-
do a formação continuada com Gestores e Do- tomamos o diálogo com gestores e decidimos
centes das redes e sistemas públicos de ensino estudar a perspectiva teórica de formação
na construção da proposta político-pedagógi- em contexto, Oliveira-Formosinho e Araujo
ca das Unidades Proinfância e na implementa- (2013) assim como aproximar essa perspecti-
ção das Diretrizes Curriculares Nacionais para a va das Unidades que receberam visita técnica
Educação Infantil – DCNEI (2009), numa perspec- e devolutivas.
tiva em que partir da prática, da observação da
Retomamos com essas Unidades do
ação, da teorização dos contextos possibilita uma
Proinfância a importância do coletivo e do
compreensão, que é o conhecimento, um reen-
protagonismo dos sujeitos que vivem o dia a
caminhamento para a prática, para a sala com as
dia nas Unidades, a importância de partir das
crianças. Coletivos/redes (Benincá, 1994).
práticas pedagógicas, dos princípios trabalha-
dos no projeto com o assessoramento, sen-
sibilização, problematização, investigação e
criação. Tínhamos como propósito superar a
concepção de que era preciso vir alguém de
Figura 12 – Fonte dados do projeto. fora para falar para o grupo, e sim que com-
preendessem a importância do fortalecimento
Constituir coletivos/redes demandou
do grupo, de que investigassem suas ações,
uma avaliação constante das nossas ações no
realidades, analisando de forma crítica e bus-
projeto e, após um ano de trabalho desen-
cando alternativas de forma compartilhada,
volvido nos diferentes polos, cuidando para
com vistas à transformação; que assumissem
respeitar as especificidades de cada equipe,
suas formações, problematizando, teorizando
as condições de trabalho, a receptividade dos
e reconstruindo suas práticas, rompendo com
municípios e condições de participação em
práticas cristalizadas e com uma racionalidade
cada polo, concluímos que os processos for- de aplicabilidade. De acordo com (Oliveira-
mativos realizados e as visitas técnicas com -Formosinho & Formosinho (2001), a formação
devolutivas estavam em grande parte quali- em contexto desenvolve uma perspectiva em
ficando gestores das Unidades do Proinfân- que os profissionais são sujeitos da formação,

33
Viviane Ache Cancian e Simone Freitas da Silva Gallina

ação profissional situada, referenciada, ética política de formação inicial e continuada; re-
e complexa. Uma formação do contexto para lação escola e comunidade; organização cur-
a práxis, que exige conscientização e tomada ricular; didático-pedagógico e infraestrutura e
de consciência, uma pedagogia da escuta, da foi solicitado um plano de ação com metas de
infância, com processos formativos respeitado- curto, médio e longo prazo. Os planos de ação
res das crianças e suas infâncias. foram solicitados para todos os municípios que
Dentre as ações, procurou-se realizar
participaram do projeto e principalmente para
dois encontros com os gestores (prefeitos, se-
os que receberam visita técnica, devolutiva e
cretarias de Educação, coordenações pedagó-
formação em contexto.
gicas das Secretarias de Educação e equipes
diretivas das unidades do Proinfância nos Mu- Além das visitas técnicas, ciclos formati-
nicípios) nos polos de Santa Maria Ijuí e Passo vos e auto-formativos, tivemos também duas
Fundo, pois ao longo do ano de 2013, a parti- edições do Seminário Regional Proinfância: Ci-
cipação nos ciclos formativos apresentou alta clo Formativo e Auto Formativo dos Coletivos,
rotatividade, em cada encontro uma represen- II Seminário do Curso de Especialização em
tação e isso implicava a ruptura e não a consoli- docência na Educação Infantil. As temáticas
dação do coletivo/redes. Retomou-se a adesão abordadas foram relacionadas ao Currículo na
ao projeto e o compromisso com a formação Educação Infantil e Linguagens. O número de
continuada dos sujeitos que atuam nas Uni- participações, inscrições foi de (340) pessoas
dades do Proinfância, com a importância de por município. A participação efetiva, entretan-
qualificar o quadro docente e manter os pro- to, registrou 450 participantes, pois alguns mu-
fessores nas Unidades, pois havia uma prática
nicípios trouxeram mais participantes do que
de anualmente mudar as pessoas de Unidades
o previsto pelo projeto. O Seminário Regional
e inclusive de nível de escolaridade. Nesses en-
do Projeto contou com a participação de todos
contros procurou-se também estabelecer um
diálogo com o Ministério Público e com o Tri- os polos e com a participação das três equipes
bunal de Contas do Estado, pois muitas são os e de dois representantes de cada município.
questionamentos dos municípios e a busca por As temáticas desenvolvidas nos Seminários
respostas junto a esses órgãos. surgiram das necessidades identificadas tanto
Num desses encontros foi trabalhado nas visitas técnicas quanto no 1º ciclo forma-
o resultado do diagnóstico realizado com os tivo à luz das Diretrizes Curriculares Nacionais
municípios em 2013, as metas e as ações para da Educação Infantil e também a partir da reu-
Educação Infantil nas seguintes dimensões: nião com os representantes do Ministério da

34
O PROJETO DE ASSESSORAMENTO TÉCNICO E PEDAGÓGICO EM UNIDADES DO PROINFÂNCIA

Educação, em janeiro, na UFRGS. Sendo que o der e revelar”. E logo após uma mesa redonda: As
II Seminário Regional Proinfância: Crianças, in- crianças e as artes, Sandra Regina Simonis Rich-
fâncias e Docências na Educação Infantil bus- ter, Mário Balentti, Maria Carmen Silveira Barbosa.
cou contemplar as temáticas que emergiram Buscamos compartilhar essa experiência
do processo de assessoramento, aquelas que vivida pelos bebês no teatro aos professores e
de algum modo demonstravam ser as mais re- gestores como uma oportunidade dos corpos
levantes para os docentes e gestores de serem desses adultos se colocarem nas estéticas e poé-
pontuadas na formação. ticas de linguagem, numa tentativa de reencan-
O II Seminário Regional Proinfância, III Se- tamento do mundo, de uma linguagem, que os
minário do Curso de Especialização em Docên- permita voar, viajar e alçar voos através da arte.
cia na Educação Infantil e I seminário do Curso Uma relação mais estésica da linguagem, que
de Aperfeiçoamento em Docência na Educação nos faça sair de nós, que nos revele como sujeitos
Infantil “Crianças, Infâncias e Docências na Edu- únicos, numa dimensão criadora e inventiva, nos
cação Infantil” buscou contemplar as temáticas interrogando sobre a linguagem, sobre o que
que emergiram do processo de assessoramento, oferecer a criança em termos de experiência poé-
aquelas que de algum modo demonstravam ser tica e estética com crianças pequenas.
as mais relevantes para os docentes e gestores O II Seminário Regional exigiu a contra-
de serem pontuadas na formação. As temáticas
como Políticas Públicas para Educação Infantil;
Relações Etárias entre crianças pequenas da Edu-
cação Infantil; Organização do Espaço e Pedago-
gia das relações, da diferença e da escuta; Produ-
ção das Infâncias e das Culturas: brinquedos e
brincadeiras; Crianças, Infâncias: qual docências
para a Educação Infantil; Formação em Contexto.
Iniciamos com o Cuco: a linguagem dos
bebês no teatro, dirigido por Mário Balentti, Figura 13 - Teatro Cuco
onde mostra o encantamento dos bebês, das
partida das unidades de produzir um relato de
crianças pequenas com os atores, com a música,
experiência para compor as Rodas de conversa
com a arte, com a poética do espetáculo na expe-
durante as sessões do Seminário, essa exigência
riência estética dos bebês no jogo entre “ escon-
foi atribuída principalmente àquelas vinte quatro

35
Viviane Ache Cancian e Simone Freitas da Silva Gallina

(24) unidades contempladas com as visitas técni- relações entre as Universidades (UFSM, UNI-
cas, devolutivas e formação em contexto. A fina- JUÍ, UPF) exigindo que a equipe atendesse a
lidade das Rodas de conversa foi de estabelecer formação das três regiões, com características
relações de conhecimento sobre as práticas de- culturais e sociais muito diversas, e os quais
senvolvidas em outras unidades. Nesse sentido, ao mesmo tempo em que buscavam fazer
podemos afirmar que a propositiva dessa ativida- um movimento de inserção, e intervenção na
de foi extremamente relevante para a percepção realidade das unidades, acreditamos que seu
dos desdobramentos das ações do projeto de protagonismo deveria responder ao pressu-
assessoramento às redes e sistemas. posto epistemológico que orientou os princí-
O protagonismo de docentes e gestores foi pios formativos.
evidenciado nos momentos de exposição de suas Assumir esse projeto de Cooperação
vivências a partir do contexto formativo e auto- Técnica das Universidades nos permitiu esta-
-formativo que o projeto deflagrou nas unidades. belecermos diálogo a fim de contribuir com
o fortalecimento das Políticas de Educação
Infantil e, ao mesmo tempo, perceber a ne-
cessidade de manter esses processos de coo-
peração técnica, assim como, os cursos de es-
pecialização e aperfeiçoamento em docência
na Educação Infantil para que possamos qua-
lificar a educação nos municípios e garantir
que as práticas com crianças pequenas pos-
sam ser processos formativos de respeito às
crianças e suas infâncias.
Mais do que nunca o desejo é de que
seja possível uma docência na educação infan-
Figura 14 – Foto do Seminário Regional em Santa Maria 2015.
til que escape do mesmo, do lugar da repro-
Apontamentos da trajetória do asses- dução de concepções, a qual sabe-se não dão
soramento conta da complexidade que envolve a infância
na contemporaneidade, neste sentido é preci-
O projeto, através da sua equipe e ao so dialogar com os elementos teórico-práticos
longo do processo, estreitou e qualificou as que permeiam a docência na Educação Infantil.

36
O PROJETO DE ASSESSORAMENTO TÉCNICO E PEDAGÓGICO EM UNIDADES DO PROINFÂNCIA

A metodologia adotada exigiu dos su- âmbito das formações continuadas realizadas
jeitos uma contrapartida de auto organização nas escolas).
das redes formativas, para tanto, reafirma-se, Cabe ainda, continuar os estudos acerca
ao concluir o projeto, a importância do copro- das Diretrizes Curriculares da Educação Infan-
tagonismo dos docentes, das equipes diretivas, til (2009), de modo que todos os segmentos
gestores das Unidades do Proinfância e das Se- da escola possam apropriar-se delas e, cole-
cretarias de educação, numa prática de forma- tivamente, qualificar as ações desenvolvidas
ção em contexto, de formação continuada e de em prol das crianças. Sendo assim, entende-
uma formação no âmbito de suas realidades. mos que na Educação Infantil prioritariamen-
Aos municípios, cabe retomar as escutas te: cada sala de aula necessita ter professor
atentas dos docentes e equipes diretivas das em turno integral, e não auxiliar respon-
Unidades do Proinfância que se expressam dendo como professor; que os professores
nas seguintes questões: repensar as funções tenham formação em Pedagogia; quadro de
de coordenação pedagógica, em particular, professores de Educação Infantil, com conhe-
no âmbito da escola de educação infantil; a cimento na área de Educação Infantil; pro-
formação continuada: rever as estratégias fessores concursados, garantindo concurso
utilizadas (por exemplo, palestras), as quais na área. Professores que foram concursados
muitas vezes acabam por restringir o espaço para os Anos Iniciais precisam desejar atuar
para que as educadoras possam compartilhar na etapa de ensino que lhes interessa; quadro
experiências e refletir coletivamente a partir permanente de professores nas escolas. Evitar
da análise do contexto da escola; continuida- trocas anuais de professores de uma escola
de dos professores na mesma instituição, na para outra, pois não se apropriam e não se im-
mesma etapa da educação básica em função plicam com seus fazeres; respeito aos direitos
da alta rotatividade; possibilitar tempos espa- das crianças; superar a compreensão de que o
ços para que as educadoras possam ter aces- tempo das crianças deve ser pensado em fun-
so a pesquisas e materiais pedagógicos como ção das crianças e não dos adultos.
livros, revistas, etc. Por exemplo, citamos a Essas demandas levantadas nas Uni-
utilização de ferramentas da web como blogs dades vão ao encontro da necessidade dos
com links para sites (MEC, revistas eletrônicas, municípios pensarem em um planejamento
sites com indicações de leituras que possam a curto, médio e prazo para atender as me-
subsidiar os estudos e reflexões realizados no tas da CONAE (2014) de universalização do

37
Viviane Ache Cancian e Simone Freitas da Silva Gallina

atendimento, assegurando progressivamente Referências bibliográficas


seu atendimento por profissionais com nível
superior e garantia de formação continuada
BENINCÁ, Elli et al. A Memória como elemento
(Brasil/ MEC, 2010, p. 68); retomar a discussão
educativo. In; Mühl, Eldon Henrique et al (org.)
sobre a disparidade de acesso, faixa etária, ur-
O diálogo ressignificando o cotidiano esco-
bano/rural, incluindo as indígenas e quilom-
lar. Passo fundo: UPF, 2004. p. 52-87.
bolas, racial, renda, e aproximar as Políticas
Municipais das Políticas Nacionais num reco- BRASIL. Congresso Nacional. Constituição da
nhecimento de qual infância brasileira quere- República Federativa do Brasil. Brasília: DOU.
mos e precisamos para a implementação das 1988.
Diretrizes Nacionais de Educação Infantil para ____. Ministério da Educação. Indicadores
as Unidades do Proinfância, com diagnóstico qualidade na Educação Infantil. Brasília,
e conhecimento dos déficits, de quem são os MEC/SEB/COEDI, 2009.
professores de Educação Infantil no Brasil,
____. Conselho Nacional de Educação. Câmara
qual nível de escolaridade, menores salários
de Educação Básica Resolução nº 5 de 17 de
e extensas jornadas de trabalho, sem espaço/
Dezembro de 2009. Fixa as Diretrizes Curricu-
tempo para formação e para planejamento.
lares Nacionais para Educação Infantil. Brasília,
Deflagrou-se um processo que necessita
CNE/CEB, 2009a.
dar continuidade às reuniões com os gestores
(Prefeitos, secretarias de Educação, Coordena- ____. Conselho Nacional de Educação. Câmara
ções Pedagógicas das Secretarias de Educação de Educação Básica Parecer 20, de 11 de No-
e Equipes Diretivas das Unidades do Proinfân- vembro de 2009. Revisão das Diretrizes Cur-
cia nos Municípios), momentos extremamente riculares Nacionais para Educação Infantil.
importantes vividos no processo para pactuar Brasília, CNE/CEB, 2009b.
responsabilidades, propor rupturas em práti- ____. Conselho Nacional de Educação. Câmara
cas cristalizadas nos Municípios e nas Unida- de Educação Básica. Resolução CNE/CEB nº
des do Proinfância. Processos de formação em 04/2009. Diretrizes Curriculares Nacionais
contexto permitem uma desconstrução e Re- Gerais para Educação Básica. Brasília, CNE/
construção de novas práticas. CEB, 2009.
_____. Ministério da Educação. Resolução nº6,

38
O PROJETO DE ASSESSORAMENTO TÉCNICO E PEDAGÓGICO EM UNIDADES DO PROINFÂNCIA

de 24 de abril de 2007. Brasília, CNE, 2007.


CAMPOS, Maria Malta; ROSEMBERG, Fúlvia. Cri-
térios para um atendimento em creches que
respeite os direitos fundamentais das crian-
ças. Brasília: MEC/SEB, 6ª Ed, 2009.
LARROSA, Jorge. Notas sobre a experiência e o
saber de experiência, In: RBE. Jan/Fev/Mar/Abr
2002 N. 19.
Oliveira-Formosinho, J., & Formosinho, J. (Orgs.)
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formação em contexto. Coleção Minho Univer-
sitária. Braga: Livraria Minho.
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(Org.) Formação em contexto: uma estratégia
de integração. São Paulo: Pioneira Thomson
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sidades. Portugal: Porto, 2013.
GANDINI, Lella; EDWARDS, Carolyn. Bambini:
A abordagem italiana à Educação Infantil. Por-
to Alegre: Artmed, p. 150-169, 2002.

39
40
2
DOCÊNCIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: REFLEXÕES SOBRE
OS CICLOS DE FORMAÇÃO NO PROJETO PROINFÂNCIA

Débora Teixeira de Mello


Aruna Noal Correa

As vivências de pesquisa que são apre- Os encontros formativos com gestores e


sentadas neste texto se originaram do Projeto docentes das instituições promoveram investi-
de Assessoramento Pedagógico com as unida- gação e análise reflexiva acerca dos processos de
des do Proinfância (Programa de Reestrutura- gestão, planejamento e avaliação que permeiam
ção e Aquisição de Equipamentos para a Rede as práticas pedagógicas nas unidades. O acom-
Escolar Pública de Educação Infantil/MEC) na re- panhamento dos processos formativos foram re-
gião Central, Norte e Noroeste do estado do Rio gistrados, produzindo sistematizações de forma
Grande do Sul, em um trabalho conjunto entre articulada com estudos teóricos no âmbito da
a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), ação pedagógica na Educação Infantil.
Universidade do Noroeste do Rio Grande do Sul Durante o desenvolvimento do projeto
(UNIJUI) e Universidade de Passo Fundo (UPF). algumas questões foram surgindo: Quais as
Para a operacionalização do projeto fo- concepções de infância que pautam as propos-
ram utilizados instrumentos para a coleta de tas pedagógicas desenvolvidas no âmbito da
dados com registros realizados por intermédio Educação Infantil, nas unidades do Proinfân-
de diários de campo, observações, entrevistas cia, no que tangem ao planejamento, prática
e acompanhamento das ações desenvolvidas pedagógica e avaliação na Educação Infantil?
no cotidiano das unidades. Houve ações rea- Qual(is) as percepções/reflexões produzidos
lizadas a partir de Visitas Técnicas, Ciclos For- pelas educadoras no decorrer do processo for-
mativos com as redes municipais das regiões mativo? Que perspectivas teóricas têm sido re-
de abrangência do projeto, e de Formação em ferência na construção de uma ação/proposta
Contexto nas unidades do Proinfância. pedagógica com crianças pequenas?

41
Débora Teixeira de Mello e Aruna Noal Correa

Nestes termos, nos remetendo a Faria É, portanto, a partir desse contexto que
(1999), a autora ressalta a importância do prota- o projeto procurou ampliar a discussão com
gonismo atribuído às crianças pequenas como professores da educação infantil, das dire-
prova inconteste de suas potencialidades e trizes e princípios que orientam uma prática
saberes, bem como da importância de que os pedagógica com crianças pequenas de 0 a 6
espaços coletivos de sua educação pratiquem
anos. E nessa perspectiva, que o projeto pro-
uma adequada pedagogia da infância. O reco-
pôs uma reflexão da prática/ação pedagógica
nhecimento desta criança pequena como um
a partir da formação de professores em um es-
ser de cultura e que produz cultura, estende-
-se àquelas na faixa etária de até 6 anos1, ma- paço que permitiu aos professores criar uma
terializando a concepção afirmada pela CF/88 forma de refletir, falar e reconhecer seu papel
em relação ao direito da família e da criança ao de professor da educação infantil.
atendimento em creche e pré-escola. O projeto teve como proposta trazer
Com a aprovação da CF/88 e da LDBEN para discussão temáticas da Educação Infan-
9394/96, de 1996, o Ministério da Educação til que implicam na formação de professores/
apresenta um conjunto de documentos que educadores, entre elas: projeto pedagógico e
vão, gradativamente, compondo um conjun- educação infantil; planejamento/ação peda-
to de materiais orientadores que oferecem gógica com crianças pequenas; currículo na
diretrizes para esta oferta no campo educa-
Educação Infantil; organização do espaço e
cional e induzem estados e municípios a ade-
do tempo; perspectivas da avaliação e docu-
quarem suas políticas públicas. Os Referen-
mentação e registros na Educação Infantil. A
ciais Curriculares Nacionais para a Educação
Infantil – RCNEI (1998), Resolução CNE/CEB medida que o projeto avançava permitia aos
01/99, que vigorou por dez anos, foram se- professores refletir, estudar, pesquisar e pla-
guidos por diversos outros documentos, até nejar em conjunto, o que possibilitava uma
chegarmos às atuais Diretrizes Curriculares ação-reflexão da prática pedagógica, tornan-
Nacionais da Educação Infantil (2009), esta- do-a mais qualificada.
belecidas pela Resolução CNE/CEB 05/2009 e Durante o desenvolvimento do proje-
demais documentos. to optou-se pelo desenvolvimento de Ciclos
Formativos integrando diversos municípios
1 As autoras fizeram a opção por delimitar a faixa etária de 0
a 6 anos de idade, assim incluindo as crianças que completaram
de uma mesma região, e a partir das temáti-
6 anos após a data de 31 de março e estão matriculadas na edu-
cação infantil.

42
DOCÊNCIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: REFLEXÕES SOBRE OS CICLOS DE FORMAÇÃO NO PROJETO PROINFÂNCIA

cas selecionadas elaborou-se súmulas com os Assim, procuramos discutir com o gru-
conceitos a serem estudados com os profes- po, durante os Ciclos de Formação, qual o
sores e gestores das unidades, sempre tendo significado dos momentos da rotina para as
como base as DCNEIs (2009). crianças, questionando as rotinas engessadas,
O primeiro Ciclo implementado teve horários rígidos, procurando esclarecer cultu-
como Súmula I: Concepções de infância e suas ralmente o que significa cada momento da ro-
implicações para o trabalho pedagógico junto tina para as crianças desde o almoço, a ida ao
às crianças de até seis anos de idade. As crian- banheiro, o momento do pátio, o momento
ças em sua diversidade nas culturas contem- do brincar livre. Refletimos sobre como tornar
porâneas em diferentes tempos e espaços na estes espaços e rotinas mais qualificados para
educação infantil (creches e pré-escolas) nas as crianças, tornando-as protagonistas nestes
Unidades do Proinfância. Entendendo o espa- espaços.
ço como mais um educador, conforme Mala- No decorrer deste trabalho, algumas
guzzi (1999), e da importância da qualidade questões foram surgindo, tais como: qual a
do espaço oferecido às crianças na educação melhor forma de dispor os jogos e brinque-
infantil, buscamos refletir com os professores dos ao alcance das crianças, como ampliar o
e gestores das unidades do Proinfância sobre espaço dos berçários, diminuindo o número
cada momento da rotina das unidades, tra- de berços e bebês conforto e deixando o am-
balhando com imagens e observações gera- biente mais acolhedor, de que forma qualificar
das nas próprias unidades, a partir de visitas o espaço dos banheiros para promover a au-
técnicas2 e através da análise de registros tonomia das crianças, como organizar o pátio
documentais como observações, fotos e do- externo com mais brinquedos e permitindo
cumentos como projeto pedagógico e regi- o deslocamento das crianças em segurança,
mento. como reorganizar a disposição do mobiliário
no espaço das salas permitindo as crianças fá-
cil acesso aos materiais e com espaço para a
2 Visitas Técnicas de assessoramento e acompanhamento à exposição das produções das crianças.
organização da estrutura e do funcionamento das unidades do
PROINFÂNCIA em 24 (vinte e quatro) municípios distribuídos em
03 três polos entre a Região Central , Norte e Noroeste/RS.

43
Débora Teixeira de Mello e Aruna Noal Correa

Bebês explorando os espaços externos e internos da Unidades.

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DOCÊNCIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: REFLEXÕES SOBRE OS CICLOS DE FORMAÇÃO NO PROJETO PROINFÂNCIA

Compreendendo como Rinaldi (2012), protagonistas e produtoras de cultura neste


que o projeto pedagógico deve estar entrela- espaços: Como trazer atividades mais diversifi-
çado com o projeto arquitetônico. Pensar os cadas para o cotidiano das crianças (diminuindo
espaços na Educação Infantil é pensar também e até retirando a televisão dessa rotina)? Como
as rotinas, e nesses termos, nos fez refletir sobre receber as crianças diariamente de forma mais
os espaços disponíveis às crianças, procuramos diversificada, com um momento de acolhimen-
estabelecer alguns critérios de qualidade para to? Como superar as atividades mecânicas, mais
este espaço na educação infantil, segundo a voltadas para a reprodução, do que para a cria-
autora, que permitissem às crianças: ção? Como os espaços educam? Que pedagogia
norteia a concepção de espaço para que crian-
expressar seu potencial, suas aptidões e sua ças pequenas desenvolvam sua autonomia?
curiosidade;
Que concepções de infância temos “presentes”
explorar e pesquisar sozinhas e com os ou-
tros, tanto colegas quanto adultos; nos diferentes espaços da escola?
perceber a si mesmas como construtoras de
projetos e do projeto educativo geral levado
a cabo pela escola;
reforçar suas identidades, autonomia e segu-
rança;
trabalhar e se comunicar com os outros;
saber que suas identidades e sua privacidade
serão respeitadas (p.162-163).

Neste contexto, pensar a organização


dos espaços nos faz refletir junto ao grupo de
professores e gestores sobre as rotinas encon-
tradas nas visitas técnicas das unidades do
Proinfância. Iniciamos o trabalho a partir da dis-
cussão de que concepção de infância norteia a
nossa prática pedagógica com crianças peque-
nas, concepção que acabaram por influenciar
na organização dos tempos e espaços nas ins-
tituições de educação infantil. E algumas ques- O brincar e suas diferentes intencionalidades.

tões emergiram ao pensar nas criança como

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Débora Teixeira de Mello e Aruna Noal Correa

Para nossas reflexões, partimos da análise seguimos, junto com os professores, elencar
das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educa- alguns elementos do espaço e das rotinas que
ção Infantil (BRASIL, 2009). Tendo em vista que o apresentavam situações que dificultam a or-
mesmo é um documento considerado de extre- ganização e o protagonismo das crianças em
ma relevância para uma ação/prática pedagógi- relação aos espaços: o excesso de mobiliários
ca de qualidade, discutimos com os municípios nas salas comprometendo o espaço de movi-
retomando os princípios das DCNEIs sobre o mentação das crianças; os jogos e brinque-
tema espaços e tempos. dos fora do alcance das crianças; os brinque-
Nas reuniões regionais com os municí- dos existentes muito desgastados e inclusive
pios na discussão deste tema, ao apresentar- alguns danificados; a falta de materiais, brin-
mos estas questões problematizadoras con- quedos e jogos/livros adequados para todas
as idades atendidas; o espaço de circulação
para as crianças limitado, devido a presença
de muitos móveis dispostos na sala; a ênfase
em materiais (brinquedos) com pouco atenção
as relações, interações e brincadeiras que se
acontecem para além do brincar com brinque-
dos; a confecção massificada de cartazes indi-
cando silêncio, os modos de comportamento,
o ajudante do dia, chamada, como está o dia.
Com este diagnóstico inicial e a partir das
visitas técnicas consolidamos dados de uma
pesquisa realizada junto as unidades em fun-
cionamento nos municípios, conseguimos jun-
to com professores e gestores produzir alguns
indicadores de ações a serem implementadas
para qualificar os espaços das unidades para as
crianças, entre eles: ampliar a pracinha e o nú-
mero de brinquedos neste espaço, providenciar
material e mobiliário adequado a faixa etária de
A simbologia da massa de modelar na escola da pequena infância. cada grupo de crianças possibilitando a elas o

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DOCÊNCIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: REFLEXÕES SOBRE OS CICLOS DE FORMAÇÃO NO PROJETO PROINFÂNCIA

pequenos cenários convidativos; disponibilizar


brinquedos e diferentes materiais adequados as
necessidades das crianças pequenas (explorar
texturas, sons, formas e pesos, morder, puxar,
por e retirar, empilhar, abrir e fechar ligar e des-
ligar encaixar e empurrar) em quantidade sufi-
ciente. E, através destas reflexões, conseguimos
trazer para o grupo a necessidade de modificar,
de dar novas configurações aos espaços/am-
bientes das unidades e tornando-os mais inte-
rativos para as crianças, numa nova perspectiva,
como destaca Barbosa (2010):

A pesquisa sobre o espaço físico da escola


nos ensina que os ambientes possuem uma
linguagem silenciosa, porém potente. Ele
nos ensina como proceder, como olhar, como
participar. Uma sala limpa, organizada, ilu-
minada, com acessibilidade aos materiais,
objetos e brinquedos é muito diferente de
uma sala com muitos móveis, com objetos e
brinquedos fora do alcance das crianças e es-
A descoberta de si, do espaço e do outro na relação com as pos- cura ou abafada. Cada um destes ambientes
sibilidades promovidas pelo espelho. nos apresenta uma concepção de infância,
de educação e cuidado. Os ambientes são a
materialização de um projeto educacional e
cultural ( p.7).
alcance dos materiais; adquirir espelhos segu-
ros expostos na altura das crianças para todos
E os tempos? Quando pensamos nos
os espaços, para que possam brincar e observar
tempos para crianças pequenas, devemos lem-
a própria imagem diariamente; ampliar os can-
brar que ela precisa de um tempo maior para
tinhos e áreas de interesse semiabertas para as
realizar suas atividades com possibilidades de
crianças: como o cantinho do teatro, das ativi-
interação/exploração do ambiente, para rea-
dades plásticas, dos jogos, do faz de conta, com
lizar a simples tarefa de comer, lavar as mãos,

47
Débora Teixeira de Mello e Aruna Noal Correa

Dentre as possibilidades despertas pelos materiais oferecidos, a menina interage com o jogo de encaixe.

juntar um brinquedo, vestir um casaco, calçar as crianças submetidas aos tempos dos adultos
um tênis, um sapato... Então, no decorrer dos com a possibilidade da criança ir desenvolvendo
encontros, refletimos sobre estes tempos nas sua autonomia nas suas atividades cotidianas.
unidades do Proinfância: que proposta de ro- Nossas observações e discussões com
tina menos engessada, seria possível? Como os municípios foram possibilitando fazermos
adequar os horários (a rotina) aos interesses das algumas considerações sobre os tempos/as ro-
crianças? Como flexibilizar momentos como o tinas nas unidades, e nossas reflexões giraram
horário do sono, conforme a necessidade das em torno de como podemos tornar as crian-
crianças? Nossas reflexões eram em torno de re- ças protagonistas nestes espaços quando nós
pensar o tempo a favor das crianças, respeitan- adultos organizamos a distribuição do tempo
do as suas características, respeitando o ritmo nos espaços coletivos, e nestes termos esclare-
das atividades realizadas por elas, sem deixar ce Fortunati (2014, p. 19):

48
DOCÊNCIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: REFLEXÕES SOBRE OS CICLOS DE FORMAÇÃO NO PROJETO PROINFÂNCIA

tos de exploração/interação, a disponibilida-


A ideia de que o protagonismo das crianças
de de vários elementos para exploração, em
não seja apenas um conceito para evocar, mas
um potencial em torno do qual proporcionar um ambiente organizado que estimule a ação
condições e oportunidades também leva a da criança. As DCNEI (BRASIL, 2009) vem pro-
conclusão de que o dever de testemunhar,
este protagonismo deve ser a meta princi-
por uma ação dos professores que construam
pal da pedagogia da primeira infância, para propostas pedagógicas que deem às crianças
compensar a falta de visibilidade das crianças autonomia na realização das suas interações
possuem como pessoa nem sempre reconhe-
cidas no seu próprio direito de opinião e de em todos os momentos da rotina: no brincar,
expressão (...). do jogar, na ida ao banheiro, nas refeições, na
hora do sono.
Quando planejamos os tempos conside- Na continuidade do trabalho foram
rando a criança como protagonista, isto requer realizadas algumas reflexões sobre o cotidia-
uma atitude de observação, de escuta de como no das unidades com os professores e gesto-
as crianças se expressam oferecendo momen- res das redes municipais procurando discutir a

A autonomia na rotina de alimentação.

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Débora Teixeira de Mello e Aruna Noal Correa

construção de uma nova rotina mais flexível, A proposta pedagógica das instituições
de Educação Infantil deve ter como objeti-
que respeite os tempos das crianças e fomos
vo garantir à criança acesso a processos de
estabelecendo alguns princípios norteadores apropriação, renovação e articulação de co-
para qualificar as práticas/ações pedagógicas nhecimentos e aprendizagens de diferentes
neste cotidiano: a) adequar os horários (roti- linguagens, assim como o direito à proteção,
à saúde, à liberdade, à confiança, ao respeito,
nas) as necessidades das crianças; b) executar à dignidade, à brincadeira, à convivência e à
diariamente planejamento conjunto com as interação com outras crianças.
crianças, oportunizando a tomada de decisões
para compor a rotina, negociando os tempos, Neste sentido, as diferentes linguagens
retomando, antecipando e encadeando even- foram consideradas e construídas também na
tos através de uma rotina ilustrada com foto- relação entre seus tempos e espaços, e estru-
grafias, desenhos ou objetos significativos; c) turados em decorrência das necessidades que
conscientizar os professores da importância emergiam destas interações, amparados por
do registro através de reuniões, onde se te- diálogos entre a pedagogia e a arquitetura em
nha embasamento teórico que fundamente busca de “fazer brotar e a reafirmar os direi-
esta prática, iniciando registros; d) aumentar a tos de autodeterminação da infância” (CABA-
frequência dos registros e das produções das NELLAS, ESLAVA E TEJADA, 2005, p. 145).
crianças; e) diminuir o tempo de TV; f ) propor- Assim, buscamos construir com os
cionar mais atividades diversificadas; g) revisar profissionais envolvidos com o cotidiano das
os horários do sono – compreendendo que unidades do Proinfância, uma abordagem di-
nâmica de reflexão acerca do que representa o
nem todas as crianças têm necessidade de
desenvolvimento de propostas que abarquem
sono ao mesmo tempo. 
as múltiplas linguagens das crianças pequenas.
O segundo ciclo foi permeado pela pro-
Dentre os elementos ressaltados em momentos
posta da Súmula II - Linguagens Infantis – As
de formação evidenciamos a ênfase, com base
especificidades do trabalho com os bebês e com
nas DCNEIs (BRASIL, 2009), na promoção do
as crianças de 4 a 6 anos em função das áreas de
conhecimento de si e do mundo aliado a am-
conhecimento no Currículo. Com isso, objetiva-
pliação das experiências sensoriais, expressivas,
mos refletir sobre essa dimensão de trabalho corporais, com base na possibilidade de movi-
orientados pelas Diretrizes Curriculares Nacio- mentação ampla, expressão da individualidade
nais para a Educação Infantil (BRASIL, 2009) e respeito pelos ritmos e desejos das crianças.
que orientam em seu artigo 8º que:

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DOCÊNCIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: REFLEXÕES SOBRE OS CICLOS DE FORMAÇÃO NO PROJETO PROINFÂNCIA

Imagens de salas de berçário com intervenções construídas pelos adultos da escola.

Ainda, ressaltamos o objetivo de imer- Assim, no sentido de situar as lingua-


são das crianças em convívio com as diferentes gens, enquanto ações (orais, gestuais, expressi-
linguagens e o progressivo domínio dos dife- vas, simbólicas, científicas, artísticas, tecnológi-
rentes gêneros e formas de expressão: gestual, cas) impregnadas por significados socialmente
verbal, plástica, dramática e musical. Bem como, construídos e enquanto geradoras de práticas
a possibilidade de potencializar experiências de sociais, proporcionamos a vivência de ações
narrativas, de apreciação e interação com a lin- que promovessem a valorização das lingua-
guagem oral e escrita, e convívio com diferen- gens próprias das crianças pequenas, expres-
tes suportes e gêneros textuais orais e escritos, sas através do falar, escrever, manipular, ex-
como forma de impulsionar a curiosidade, a ex- pressar e produzir um número ilimitado de
ploração, o encantamento, a indagação e a am- pensamentos e experiências. Considerando,
pliação do repertório cultural das crianças, em sobremaneira, que:
relação ao mundo físico e social, conectadas aos
contextos dentre os quais estavam inseridas.

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Débora Teixeira de Mello e Aruna Noal Correa

Atividade de integração multidade - dramatização apresentada pelas professoras da EMEI.

A espécie humana pode exprimir-se em uma “as experiências não são mais colocar em rela-
pluralidade de linguagens. Todas as lingua-
ção somente a percepção visual mas se trans-
gens se constroem em condições de recipro-
cidade e se desenvolvem através da experiên- formam em oferta de polisensorialidade3 tátil,
cia. Todas as linguagens têm o poder de gerar sonora, gustativa, olfativa etc” (HOYUELLOS,
outras linguagens, novas lógicas e potenciali- 2004, p.120).
dades criativas. São linguagens das milhares
de representações que as crianças devem
indagar como prolongamento do próprio eu
(HOYUELLOS, 2004, p.123). 3 Polisensorialidade no sentido de que “a qualidade de
um ambiente é resultado de uma multiplicidade de fatores:
influencia a forma do espaço, a organização funcional, sobre a
Buscando, com isso, enfatizar no de- percepção sensorial (luz, cor, regime acústico e microclimático,
sugestão tátil). A lógica que regula tal percepção não é única [...]
correr dos ciclos formativos, que nem todas as O ambiente deve ser concebido como um espaço polisensorial,
culturas, em especial escolares, valorizam as não tanto no sentido de ser rico de estimulação, quanto no
sentido de ser envolto de diferentes valores sensoriais na
mesmas linguagens e oferecem para todos a direção em que cada um possa sintonizar-se segundo a própria
oportunidade de desenvolvê-las. Dessa forma, característica individual” (CEPPI e ZINI, 2011, p. 16. Original em
italiano. Tradução livre das autoras).

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DOCÊNCIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: REFLEXÕES SOBRE OS CICLOS DE FORMAÇÃO NO PROJETO PROINFÂNCIA

Acrescidas dos diferentes saberes que as


crianças trazem de suas particularidades de con-
vivência nos grupos sociais em que estão inseri-
das, e destes com o transbordamento de sentidos
entrelaçados aos saberes pessoais e profissionais
daqueles adultos que as recebem na escola de
educação infantil, emerge um circuito de comu-
nicação (HOYUELLOS, 2004, p. 129), pois:

Ao centro, ao invés da didática e da filosofia


pedagógica, a valorização das linguagens das
crianças, [...] que constitui a ênfase da peda-
gogia prática e da literatura [...] Se as crianças
para comunicar, para conhecer, para expres-
sar-se, em suma no seu relacionamento com o
A experiência com pesquisas a partir da curiosidade das crianças. mundo, usam não somente a linguagem ver-
bal, mas uma infinidade de linguagens (cem
O que torna imprescindível o exercício linguagem, diz Malaguzzi), a escola deve en-
cotidiano de escuta das crianças, com ênfase tão instrumentalizar, escutar e produzir uma
cultura capaz de orientar, ampliar, sustentar,
na Pedagogia da Escuta4 cunhada por Loris
desenvolver com diversos instrumentos e no-
Malaguzzi. Justamente por acreditarmos que vas competências as linguagens das crianças
as linguagens das crianças, das infâncias e dos (HOYUELLOS, 2004, p.55).
adultos, são despertas nesse exercício cotidia-
no de comunicação, que tem origem a partir Concepções e postura que deram su-
das interações sociais e culturais. porte ao ciclo formativo permeado por esta
súmula, centrada nas linguagens infantis, e em
sua contribuição para a construção de propos-
4 Para Hoyuellos (2004, p. 130 - 131) “é necessário declarar
uma pedagogia da escuta (não somente a nível de ouvido) que tas coesas vinculadas a escuta das curiosidades
provoque o espanto de quem escuta. Espanto como a capacida- das crianças e as especificidades do trabalho
de de esperar o inesperado e o imprevisto. Trata-se, melhor, de
contemplar algo com deleite, confiança e apreço. A escuta como com as crianças pequenas em função das áreas
atitude ética e estética, significa desconfiar do que veem nossos de conhecimento no currículo.
olhos e ouvem nossos ouvidos [nos levando] a compreender
como as crianças pensam, desejam, fazem teorias ou nos intro- Ao elaborarmos a Súmula III – Currículo
duzem em seus caminhos emocionais” (Original em espanhol. e trabalho pedagógico – plano de ação para a
Tradução livre das autoras).

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Débora Teixeira de Mello e Aruna Noal Correa

educação Infantil (subsídios teórico-metodológi- Nossa preocupação nos encontros for-


cos para a elaboração de propostas pedagógicas/ mativos foi de contemplar uma discussão de
DCNEI, 2009). Elaboração do Plano de Ação Insti- currículo com uma base teórica que permitisse
tucional – municipal, unidades de educação in- ao grupo de professores, pensar em um cur-
fantil e planejamento e registro (por faixa etária). rículo em outra dimensionalidade a partir do
Formação dos coletivos formativos em nível mu- cotidiano das vivências e do mundo que está
nicipal e de microrregiões (municípios próximos) no entorno das crianças. Um currículo que pos-
– apropriação dos conhecimentos em redes. sibilitasse construir com as crianças o conheci-
mento, através das múltiplas linguagens (oral,
escrita, movimento, pintura, música e dança),
assim superando a visão de um currículo como
programa escolar, ou como uma lista de con-
teúdos fragmentados. Pensando em um cur-
rículo estruturado a partir da curiosidade das
crianças. Quando situamos as discussões sobre
o currículo para a educação infantil, dirigimos
reflexões no sentido de pensar que o currículo
tem de ser construído a partir das necessidades
cotidianas originárias das problematizações
das crianças. Sabemos e viemos incorporando
ao longo do projeto, uma perspectiva de cur-
rículo flexível, processual, que se oriente pelos
movimentos particulares das unidades.
O currículo não pode ser definido pre-
viamente, precisa emergir e ser elaborado em
ação, na relação, entre o novo e a tradição. É
necessário, que se encontrem interrogações
nos percursos que as crianças fazem. Para tan-
Espaços que despertam a curiosidade das crianças. Na imagem,
to, é fundamental, possibilitar experiências e
o menino compara o tamanho da ferramenta aos elementos vivências, complexas que despertem sua curio-
dispostos na parede.
sidade (BARBOSA, 2010).

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DOCÊNCIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: REFLEXÕES SOBRE OS CICLOS DE FORMAÇÃO NO PROJETO PROINFÂNCIA

A partir do entendimento de currículo piadas como atividade central, utilizada muitas


na educação infantil como práticas culturais vezes diariamente pelos professores. Entendo
e sociais vivenciadas pelas crianças cotidiana- o currículo na educação infantil, como Oliveira
mente, iniciamos a discussão com os professo- (2010, p.4):
res e gestores dos municípios das unidades do
Proinfância. Procuramos problematizar algumas O currículo busca articular as experiências e
os saberes das crianças com os conhecimen-
questões, que encontramos com pesquisas rea-
tos que fazem parte do patrimônio cultural,
lizadas in loco nas unidades como: datas come- artístico, científico e tecnológico da socie-
morativas como eixo central do planejamento, dade por meio de práticas planejadas e per-
atividades mecânicas mais voltadas à reprodu- manentemente avaliadas que estruturam o
ção do que a criação pelas crianças, ausência cotidiano das instituições. Esta definição de
currículo foge de versões já superadas de
de acompanhamento nos planejamentos e de
conceber listas de conteúdos obrigatórios,
coordenação pedagógica nas unidades, desen- ou disciplinas estanques, de pensar que na
volvimento do mesmo tema de projeto para Educação Infantil não há necessidade de
todas as turmas, não havendo subtemas espe- qualquer planejamento de atividades, de re-
cíficos para atender as necessidades de cada ger as atividades por um calendário voltado
a comemorar determinadas datas sem avaliar
turma, padronização de atividades, excesso de
o sentido e o valor formativo dessas come-
folhas fotocopiadas com modelos a serem re- morações, e também da ideia de que o saber
produzidos e ainda, trabalhos de recorte, cola- do senso comum é o que deve ser tratado
gem e pintura em figuras estereotipadas como com crianças pequenas.
atividades pedagógicas centrais.
Neste contexto, buscamos refletir nas Com essas questões, nossa proposta foi
formações com os professores e gestores em de pensarmos como construir um currículo a
como superar a visão de um currículo cons- partir de temas que emergem do interesses
truído com temas de projetos em comum para das crianças, observando os grupos de crianças
toda a unidade, sem respeitar a identidade de e dando valor a escuta das suas falas. Diante do
cada turma. Procuramos refletir sobre um currí- exposto, encontramos uma linha de condução
culo que tem por base as datas comemorativas para que pudéssemos melhorar a qualidade
esvaziado de sentido para as crianças. E pro- da ação/prática pedagógica com as crianças e
blematizamos também os modelos de ativi- isto, a partir de um trabalho conjunto dos pro-
dades a partir da reprodução de folhas fotoco- fessores e gestores na unidade.

55
Débora Teixeira de Mello e Aruna Noal Correa

Propostas construídas para despertar o interesse pelo conhecimento de si e do outro

Então, a partir dos Seminários de Forma- de realizar reuniões pedagógicas quinzenais


ção, passamos a eleger algumas práticas que com os professores; proporcionar momentos
poderiam auxiliar as unidades na implementa- de encontros com os gestores para trocas de
ção de um projeto pedagógico, tendo a criança experiências; rever plano de trabalho da Equi-
como protagonista. E, em relação a formação pe Pedagógica e técnica; discutir os planos de
dos professores e gestores, conseguimos elen- atividades e proposta pedagógica da unidade;
car alguns eixos norteadores, que considera- retomar a sistemática do Projeto Pedagógico
mos centrais para o trabalho pedagógico: es- como documento referência para o trabalho
tudar e implementar as Diretrizes Curriculares pedagógico da escola e discutir as práticas de
para a Educação Infantil (BRASIL, 2009) funda- observação, registro e documentação; prever
mentando a prática pedagógica; a necessidade mais horas de formação e planejamento se-

56
DOCÊNCIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: REFLEXÕES SOBRE OS CICLOS DE FORMAÇÃO NO PROJETO PROINFÂNCIA

manais; e ainda, proporcionar momentos de para tornar o espaços das unidades espaços
formação voltados ao estudo das atividades, de vivências, de experiências mais enrique-
projetos e outros documentos referentes ao cedoras para as crianças onde elas possam
desenvolvimento do trabalho com as crianças conhecer, interagir e produzir cultura a partir
e aumentar a frequência dos registros e das das experiências proporcionadas nestes espa-
produções das crianças. ços.
E em relação a mudanças nas práticas Numa interpretação de currículo na
pedagógicas cotidianas (rotinas e currículo) educação infantil fundamentado nas práticas
elegemos algumas prioridades: adequar os sociais, superando a ideia de currículo como
horários (rotinas) as necessidades das crian- um programa preestabelecido de ações para
ças; melhorar o desenvolvimento do currículo produzir resultados. Fortunati (2014) conside-
por meio de acompanhamento sistematizado ra que um currículo a partir do protagonismo
do setor pedagógico da SME (Secretaria Mu- das crianças deve advir:
nicipal de Educação); diminuir o tempo de
TV; tornar a rotina flexível e com atividades (...) da “nova imagem” da criança tão ligada a
pedagogia de Malaguzzi, a qual a reconhece
diversificadas; promover um diálogo constan-
como sujeito “rico” significa uma criança que é
te entre professores, pais e escola; estimular e competente e curiosa, sociável e forte, e ativa-
incentivar as crianças para que desenvolvam mente engajada na criação de experiências e
sua autonomia; continuar com as formações na construção de sua própria identidade e de
seu próprio conhecimento (2014, p.20).
dos docentes sobre a importância e as formas
de organização da rotina, ponderando que
esta deve vir para organizar e planejar o tem- E nesta perspectiva, acreditamos que
po e as atividades pedagógicas, sem engessá- podemos superar práticas pedagógicas com
-las; estimular os docentes para que ofereçam currículos pensados a partir de conquistas de
sempre mais o contato das crianças com ele- habilidades e conteúdos a serem desenvolvi-
mentos da natureza; inclusive os bebês serem dos com as crianças por faixa etária, currículos
levados ao pátio e poderem ter contato com a que muitas vezes apresentam como eixo cen-
terra, grama, até mesmo com a areia e promo- tral as datas comemorativas, se distanciando
ver passeios em bibliotecas, museus. Estes são da referência de uma criança que aprende na
alguns aspectos que consideramos relevantes interação com seu contexto cultural e social.

57
Débora Teixeira de Mello e Aruna Noal Correa

O brincar aliado a exploração de materiais, medidas, quantidades, na vida em coletivo.

Para o quarto Ciclo de Formação foi elabo-


rada a Súmula IV – Ação Pedagógica com Crianças
Pequenas. Sob esta proposta, utilizamos como
material para a construção do diagnóstico, as vi-
sitas técnicas, os encontros formativos, o material
de apoio produzido pelo MEC e os materiais pro-
duzidos para as formações.
Dentre as Práticas Pedagógicas, os pontos
que se destacaram para construção do diagnós-
tico foram baseados em aspectos tais como a
interação, observando a mediação dos adultos,
entre eles e as crianças, das crianças entre elas,
bem como, com os espaços das unidades. Com
relação às brincadeiras, consideramos os tempos,
espaços, brinquedos e o fator mediação. Relacio-
nado ao trabalho com os bebês, resgatamos ele-
mentos permeados pelo número de crianças e
de adultos, a interação entre as crianças bem pe- As descobertas e intencionalidades do bebê, que brinca atrás do
quenas, a organização e ocupação dos espaços. sofá, com a exploração dos espaços.

58
DOCÊNCIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: REFLEXÕES SOBRE OS CICLOS DE FORMAÇÃO NO PROJETO PROINFÂNCIA

Quanto a formação inicial e continuada, Consequentemente e sob esta perspec-


nos detivemos na formação profissional ini- tiva, no decorrer das observações junto as uni-
cial em curso superior, na periodicidade dos dades, passamos a refletir, também, acerca dos
encontros de formação continuada, nas temá- tempos planejados para as crianças. Em espe-
ticas discutidas, dentre outros. Quanto a ava- cial, com as rotinas estabelecidas, preocupan-
liação das crianças, questionávamos sobre sua do-nos quanto a alimentação e autonomia das
metodologia, se descritiva por conceito, for- crianças, a mediação dos adultos, a organiza-
mativa, processual, anual ou semestral, como ção dos espaços, o tipo de refeição oferecido
ocorria a participação das crianças e o envolvi- às crianças, a estruturação e planejamento dos
mento das famílias. tempos, a forma como eram efetivados os mo-
No que tange a leitura e escrita, preocu- mentos para descanso, de sono e de recepção
pamo-nos com o processo de alfabetização in- das crianças, ou seja, a chegada na unidade e
tencional e com objetivos distantes da educa- os momentos de trânsito no interior das unida-
ção infantil que presenciamos, permeada por des, com filas, trenzinhos e silêncios.
situações claramente focadas no letramento, Foram estes, alguns dos elementos que
com a padronização de atividades, com o uso nos proporcionaram caracterizar as propostas
de apostilas e materiais didáticos, bem como, a pedagógicas de cada unidade do Proinfância
antecipação de processos. Buscando, priorita- e construir instrumentos que conectassem
riamente, “garantir que as crianças vivam a ‘ex- aquilo que observávamos na prática e no dis-
periência de infância’ [porque] Antecipar mui- curso dos adultos que constituíam as equipes
tas vezes é perder tempo e não ganhar tempo” pedagógicas das unidades, com aquilo que en-
(CRAIDY E BARBOSA, 2012, p. 35). contrávamos nos documentos organizados e
Ao analisar o pensamento ético de Loris entrelaçados aos embasamentos teóricos que
Malaguzzi, Hoyuellos (2004a, p. 62), expõe que: se apresentavam.
Priorizando esta temática formativa,
[...] um dos mais perigosos males atuais con-
consideramos alguns aspectos que compro-
siste em uma mania obsessiva, intelectual e
materialista, que quer acelerar o crescimento metiam a qualidade das propostas desenvol-
e a produtividade cognitiva da criança [...] re- vidas nas unidades do Proinfância, tal como a
tirando-lhe de seus tempos e ritmos de jogo oferta de atividades mecânicas, mais voltadas à
e de conhecimento, deturpando-o como uma
reprodução do que a criação, o fato de as esco-
personalidade complexa e unitária, violando
os direitos que lhe correspondem. las aparecerem mais como um direito dos pais

59
Débora Teixeira de Mello e Aruna Noal Correa

trabalhadores do que das crianças, a ausência Nesse sentido, a intenção central do


de professores com formação específica em Ciclo de Formação foi garantir a promoção de
determinados momentos do dia (geralmente uma experiência educativa que refletisse em
início e fim de turno e no intervalo do meio dia) qualidade nas ações pedagógicas implemen-
ou ainda em apenas um dos turnos, a atuação tadas cotidianamente dentro das unidades do
de auxiliares sem formação específica (esta- Proinfância. Pois são nestes espaços e tempos
giários do ensino médio), que acompanhavam planejados e constituídos pelos adultos, que
sozinhas as crianças, dentre outros elementos as crianças irão vivenciar, agora na vida em
que refletiam diretamente na ação pedagógica coletivo, propostas semelhantes àquelas que
cotidiana construída com as crianças. vivenciam em suas famílias, como: comer, brin-
car, fazer a higiene, dormir, interagir, dialogar,
escutar, desenvolver a criticidade, movimentar.
Passando a articular, a partir de então, os
desafios da vida coletiva numa cultura diversifi-
cada e, primordialmente, conectada às exigên-
cias de um projeto pedagógico sistematizado,
que englobasse essa diversidade, enfatizando,
de forma concomitante, propostas que promo-
vessem a integração e inclusão entre as crian-
ças. Atendendo a demanda das comunidades
que fazem parte das Unidades do Proinfância,
contextualizados com as necessidades de cada
região, reconhecendo a constituição plural das
crianças.
Assim, o Ciclo de Formação foi estrutu-
rando, primordialmente e com base na refle-
xão sobre as crianças de zero a três anos de
idade, reflexões sobre estes espaços-tempos
de vida coletiva na escola da pequena infância.
A interação entre as crianças e o jogo simbólico aliado às descober-
tas acerca da identidade e da diversidade. Resgatando concepções de infância, criança/
bebê e escola de educação infantil construí-

60
DOCÊNCIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: REFLEXÕES SOBRE OS CICLOS DE FORMAÇÃO NO PROJETO PROINFÂNCIA

das no decorrer das formações anteriores, des- o contexto que os cercam. Postura que pode
construindo as “[...] certezas sobre as crianças estar relacionada a imersão do adulto no mun-
incompletas, incapazes, “não falantes”, que do das palavras ou na imagem preconcebida
pensam somente com 9 anos, egocêntricas, da ausência de linguagem antes da fala.
pesquisadas no contexto mãe-filho [...] que, Ainda, durante este Ciclo de Formação,
apesar de não falarem, [...] inusitadamente se enfatizamos que as oportunidades para o de-
comunicam entre elas de muitas maneiras” senvolvimento das crianças bem pequenas são
(MELLO; BARBOSA, 2011, p. x). infinitas, destacando a organização dos espa-
Aspecto este, que instigou a reflexão ços, com base em Emmi Pikler (2010), para pro-
e diálogo sobre a capacidade que as crianças moção do movimento livre dos bebês e crian-
bem pequenas possuem de se comunicar, e ças pequenas, tal como o excesso de berços,
da centralidade do papel do adulto nestas mesas e cadeiras nas salas, a eleição estratégi-
construções, na medida em que promovem ca dos materiais, sugerindo que o excesso de
situações e implementam ambientes favorá- informação não é condizente com um espaço
veis (GOLDSCHMIED e JACKSON, 2007; PIKLER, rico e que eleger os materiais significa que os
2010) ao desenvolvimento integral. Isto, em adultos debruçam-se em pesquisas de mate-
oposição ao fato de deixar os bebês “presos” riais que sejam instigantes, para além das for-
em cadeiras, carrinhos ou dentro de berços, mas plásticas que temos encontrado.
por exemplo, impedindo o contato e a relação Demais reflexões estiveram conectadas
com o espaço e o mundo que os cerca. ao tempo de distanciamento entre crianças e fa-
Isto nos sugeriu, sobremaneira, a miliares e o prolongado período de tempo que
construção de um circuito de comunicação as crianças passam, grande parte de seus dias,
(HOYUELLOS, 2004), que enaltecesse o sentido dentro das instituições. É neste tempo que as
da escuta, e que resgatasse nos adultos e nas crianças se encontram aprendendo sobre o mun-
crianças, como co-protagonistas deste pro- do, sobre as relações humanas, sobre si e sobre o
cesso de constituição das escolas da pequena outro e, por isso, a necessidade de nos dedicar-
infância, os diferentes sentidos incorporados mos a pensar sobre as condições criadas a elas
às linguagens das crianças. Aprofundando as e a forma como permitimos que elas atuem e se
discussões acerca de nossa incompletude para desenvolvam plenamente, pois os materiais que
compreender os bebês e as crianças pequenas possibilitamos às crianças fazem emergir novos
e as diferentes formas de estar em contato com direcionamentos à suas explorações.

61
Débora Teixeira de Mello e Aruna Noal Correa

que promovessem a autonomia das crianças


pequenas, com momentos valorizados por sua
ação de planejar, refletir, dialogar entre adultos
e, fundamentalmente, com as crianças, sobre
as dimensões éticas, estéticas e criativas, per-
meadas pelo prazer de fazer parte deste con-
texto. Uma postura que se preocupasse mais
com os processos do que com os produtos
construídos durante estes.

Os espaços e tempos programados para os bebês interagirem e


produzirem conhecimento entre eles.

Outro aspecto que permeou este Ciclo


de Formação foi a mediação pedagógica do
adulto, através do despertar de um olhar minu-
cioso, com efetivação de uma observação flu-
tuante5, com intervenções potencializadoras e

5 Para Malaguzzi representa uma observação ativa, atenta,


sensível, (HOYUELLOS, 2004, p. 135-158). O pensamento de Lo-
ris Malaguzzi, organizado por Alfredo Hoyuellos entre a ética,
estética e política, fala sobre a necessidade que Malaguzzi sentia
de, cotidianamente, olhar de outras maneiras para o mesmo, ou
seja, uma postura de estranhamento daquilo que transforma-
mos em rotineiro, como “[...] inovação educativa; é dizer, como
uma recriação circular na busca de novos pontos de vista inter-
pretativos, interdependentes e intercambiáveis, em contextos
específicos, das aparentemente mesmas atividades que sempre
viemos efetuando. Se perdermos a atitude de reinterpretar (ou
inovar) o que aparentemente sempre viemos fazendo, isto pode Exploração prazerosa dos corpos em movimento, das interações,
levar-nos a uma rotina inercial” (HOYUELLOS, 2006, p. 121-122), dos espaços.
uma observação flutuante entendida como “[...] capacidade po-
tencial de olhar de outra maneira o mesmo” (p. 122).

62
DOCÊNCIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: REFLEXÕES SOBRE OS CICLOS DE FORMAÇÃO NO PROJETO PROINFÂNCIA

Desenvolvida com base na Pedagogia promoção de registros e de uma documentação


da Escuta, essa proposta, baseada em Loris Ma- rica em detalhes, tal como a fonte de seus da-
laguzzi, ressaltou a valorização de atitudes e dos, seja esta, o cotidiano das crianças na escola.
planejamentos desenvolvidos a partir de uma Assim, após os Ciclos Formativos, dentre
escuta ativa (HOYUELLOS, 2004, p.131), alerta, os elementos de valorização da qualidade das
que deixasse de considerar acontecimentos e ações pedagógicas destacaram-se nas unida-
situações cotidianas como naturais. des do Proinfância, a abertura para o diálogo,
por parte dos professores e secretarias, poten-
Minha tese é que, se não aprendemos a es- cializando a qualificação do processo de for-
cutar as crianças, será difícil aprender a mação, a busca de formação continuada para
arte de estar com eles (de conversar em um qualificar as ações docentes; planejamento
sentido físico, formal, ético e simbólico).
dos tempos, espaços e materiais oferecidos
Será também difícil, acaso impossível, às crianças, como a ocupação do solário com
compreender como e porque pensam e fa-
lam as crianças, compreender o que fazem,
brinquedos, ampla e bem equipada pracinha
pedem, planejam, teorizam ou desejam; com areia, espaços para organização dos brin-
compreender qual mensagem proferem, quedos, preocupação com o bem estar e segu-
quais procedimentos exploram ou elegem rança das crianças.
para influenciar seu entorno ou construir
conhecimento6 (Loris Malaguzzi apud
Ainda, evidenciamos a preocupação
HOYUELLOS, 2004, p. 131). na adaptação ao tempo e clima do espaço físi-
co das unidades as necessidades das crianças;
Um exercício que deve ser trabalhado o planejamento e a inserção de peças de teatro
incessantemente pelos adultos inseridos na organizadas pelas professoras para as crianças;
escola. Como uma escuta minuciosa voltada às encontros mensais de formação continuada
necessidades das crianças, buscando construir com toda a equipe ou somente com professo-
conhecimentos envoltos pela bagagem cultural ras e auxiliares, dependendo do assunto trata-
e de experiência das crianças no espaço insti- do; professoras e auxiliares com formação es-
tucional da escola da pequena infância. Nesse pecífica; concurso para professores e auxiliares;
sentido, a formação construída em detrimento horários de chegada e saída das professoras e
das ações pedagógicas com as crianças peque- auxiliares foram adequados de acordo com a
nas nas unidades do Proinfância incentivou a necessidade da escola e das turmas; organiza-
ção de trabalhos a partir de temas geradores
6 Original em espanhol - tradução livre das autoras.

63
Débora Teixeira de Mello e Aruna Noal Correa

e projetos; espaços para repouso em separado todas as turmas; espelhos baixos nas salas de
daquelas que permanecem acordadas; bebês berçários; as crianças participando na organi-
ocupando a pracinha e espaços para além da zação de hortas, dentre outros elementos per-
sala de aula; momentos de integração com meados pelo cotidiano das Unidades.

Atividades de integração multidade. Horta Pedagógica.

64
DOCÊNCIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: REFLEXÕES SOBRE OS CICLOS DE FORMAÇÃO NO PROJETO PROINFÂNCIA

Mudanças que demonstraram uma sando qual o currículo a ser desenvolvido com
maior preocupação com as intencionalidades o grupo de crianças de 0 a 6 anos, e acerca do
pedagógicas planejadas para e com as crian- processo de aprendizagem dessas crianças.
ças, acrescidas agora da comunidade escolar. Nesse sentido, acreditamos que esses encon-
Com isso, nossa compreensão foi de que, nesse tros entre professores permitirá aos grupos a
processo, os professores tornaram-se atentos à realização da sua formação continuada, com
atividade das crianças, procurando responder pesquisas sistemáticas sobre o seu fazer peda-
seus questionamentos, suas necessidades. gógico, refletindo sobre o seu trabalho diário
Durante esse processo de escuta das ne- com as crianças, sobre planejamento e currícu-
cessidades destes coletivos, o adulto passou lo na educação infantil.
a agir como memória do grupo, discutindo a
documentação registrada durante o desen- Considerações Finais
volvimento dos projetos, o que permitiu às
crianças, ao fazer parte destas propostas, revi- Refletindo sobre os Ciclos de Forma-
sitar suas observações e percepções, para um ção esperamos que eles tenham permitido a
resgate mais aprofundado do conhecimento construção de subsídios teóricos e práticos
elaborado durante os projetos e atividades para consolidar uma prática/ação pedagógica
elaboradas. E, assim, os professores passaram com crianças de 0 a 6 anos na Unidades do
a estimular e desafiar as crianças para que en- Proinfância.
contrem hipóteses sobre suas dúvidas e sobre Foi a partir da reflexão sobre o cotidia-
a temática desenvolvida (EDWARDS, 1999). nos das instituições de Educação Infantil, que
Emergiram, então, aliado a estes proces- conseguimos junto aos professores, gestores
sos, uma documentação e registro sistemáti- construir uma nova imagem de infância/crian-
cos dos professores, sobre o desenvolvimento ça como um sujeito de possibilidades e prota-
dos projetos pedagógicos com as crianças que, gonista de suas ações desde os primeiros me-
posteriormente discutidos com o grupo geral ses de vida.
de professores, passou a permitir um acompa- É numa perspectiva de uma identidade
nhamento do desenvolvimento de suas ações pedagógica, social, cultural e política destas Uni-
pedagógicas, refletindo constantemente sobre dades, que devem ter como foco a criança que
ela. E, nesse momento, os professores também desenvolvemos este projeto. Assim, procuramos
passaram a constituir-se pesquisadores, repen- auxiliar no desafio constante de consolidar e sus-

65
Débora Teixeira de Mello e Aruna Noal Correa

tentar novas práticas pedagógicas na Educação de Educação. Lei 10.172/01.


Infantil, com a convicção do compromisso assu-
CABANELLAS, Isabel; ESLAVA, Clara; TEJADA,
mido pelos municípios e a Universidade com esta
Miguel. Espacios construidos desde propues-
importante etapa da Educação Básica.
tas pedagógicas. CABANELLAS, Isabel; ESLAVA,
Clara (Coords.). In: Territorios de la infancia.
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66
DOCÊNCIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: REFLEXÕES SOBRE OS CICLOS DE FORMAÇÃO NO PROJETO PROINFÂNCIA

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Belo Horizonte, novembro de 2010.

67
68
3
A FORMAÇÃO EM CONTEXTO E A CONSTRUÇÃO DE UMA
IDENTIDADE EM DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Noeli Valentina Weschenfelder


Denise Motta Marchand
Vladinei Roberto Weschenfelder

O campo de discussão tuição de uma identidade de docência na Edu-


cação Infantil.
Este artigo realiza um movimento de re- As aproximações com estudos e discus-
flexão a respeito da experiência de assessora- sões sobre formação em contexto realizadas por
mento a um conjunto de escolas de Educação Oliveira-Formosinho e Araújo (2013), oferece-
Infantil vinculadas ao Programa Proinfância1. A ram subsídios importantes para a construção
partir deste movimento de aproximação e in- de uma reflexão e uma sistematização sobre o
terlocução com os sujeitos, fomos desafiados a processo de trabalho, reconhecendo a existên-
uma posição de reflexão sobre as concepções cia de elementos de convergência e de contra-
e estratégias de formação em contexto que es- pontos entre a experiência de assessoramento
tiveram presentes ao longo do percurso. realizada e esta matriz de análise. A construção
Ao realizar este exercício de sistemati- de um diálogo crítico com os sujeitos e com os
zação vamos executar um recorte de análise referenciais teóricos e metodológicos, em um
sobre o lugar da formação em contexto nos movimento de problematização permanente
processos de formação continuada e na consti- do próprio processo formativo, assegurou a
elaboração de uma identidade de assessora-
1 Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipa-
mentos para a Rede Escolar Pública de Educação Infantil – Proin- mento consistente com a realidade, superan-
fância. O programa realiza assistência técnica e transfere recursos
do o risco de uma abordagem prescritiva ou
financeiros a municípios e ao Distrito Federal para construção de
escolas e aquisição de equipamentos e mobiliários para a Edu- essencializante para a formação em contexto.
cação Infantil.

69
Noeli Valentina Weschenfelder, Denise Motta Marchand e Vladinei Roberto Weschenfelder

Esta experiência insere-se em um con- espaços institucionais de forma clara e precisa,


texto mais amplo que diz respeito ao Projeto de chamando atenção para as funções de edu-
Assessoramento e Acompanhamento Pedagógi- cação e cuidado das crianças de 0 a 5 anos de
co às Redes e Sistemas de Ensino na Implemen- idade, regulados e supervisionados por órgão
tação do Proinfância em Municípios da Região competente do sistema de ensino e submeti-
Central, Norte e Noroeste do Estado do Rio Gran- dos ao controle social.
de do Sul - MEC/UFSM 2. Diz respeito ao trabalho O projeto de assessoramento insere-se
realizado com uma amostra formada por 08 neste contexto de responsabilidades, e esta-
escolas, que foram extraídas do conjunto de belece como objetivo mais amplo contribuir
46 municípios que integram a região noroeste para o fortalecimento da Educação Infantil, de
do projeto de assessoramento, referenciados modo a qualificar o atendimento a estes pe-
ao Polo de Ijuí. A amostra em questão compõe quenos sujeitos.
o grupo de municípios que recebeu assessora- Esta discussão sobre a promoção de pa-
mento diferenciado in loco, através de visitas drões de qualidade mais adequados em creches
técnicas e formações em contexto no decorrer e pré-escolas constitui um campo de investiga-
dos dois anos do projeto, enquanto os demais ção complexo e controverso, a começar pela
municípios do polo receberam acompanha- própria noção de qualidade e as suas amarra-
mento através de encontros regionais em mi- ções com as concepções de criança e de peda-
cro polos do território de abrangência. gogia da Educação Infantil (MEC/SEB, 2006). Ao
mapear critérios que definam um atendimento
Processos formativos e identidade de qualidade, que garanta o bem-estar e o de-
docente senvolvimento pleno das crianças, Campos e
Rosemberg (2009) sinalizam a compreensão de
A Educação Infantil, enquanto primeira que esta realidade se materializa a partir de uma
etapa da educação básica, materializa-se na articulação de compromissos não somente no
oferta de atendimento em creches e pré-es- âmbito pedagógico, mas também nas esferas
colas. As Diretrizes Curriculares Nacionais para de atuação política e de gestão.
a Educação Infantil (2009) caracterizam estes Existe um consenso quanto ao papel
determinante exercido pela formação dos pro-
2 O Projeto de Assessoramento nas Regiões Central, Norte e
fissionais na produção de impacto e qualidade
Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul teve abrangência so- na educação. Barreto (1994) traz referências
bre um conjunto de 155 municípios.

70
A FORMAÇÃO EM CONTEXTO E A CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE EM DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

importantes sobre a revisão de literatura em Ao pensarmos em processos de forma-


pesquisas sobre esta temática, justificando a ção continuada, assim como na formação ini-
construção de propostas singulares para os cial, é importante observarmos a dimensão
processos de formação dos profissionais que teórico-prática do trabalho realizado pelas pro-
atuam na Educação Infantil (Rosemberg, 1992). fessoras. Desse modo, fica difícil pensarmos em
Desse modo, o debate sobre uma Educa- um processo de reflexão que esteja fora desta
ção Infantil de qualidade passa necessariamen- articulação com os elementos do cotidiano.
te pelo pressuposto de desenvolvimento pro- Não se trata simplesmente de combinar as re-
fissional das professoras. Um desenvolvimento ferências teóricas ou legais com as situações
que está para além da formação tecnicista ou concretas que são vivenciadas pelas professo-
burocrática que tem na professora uma mera ras. Trata-se de incorporar o exercício da práxis
executora mecânica de procedimentos. como um elemento chave nos processos de
Desenvolvimento profissional que diz formação continuada, em especial da forma-
respeito necessariamente à construção de uma ção em contexto.
identidade de docência integrada a um sujeito Em um giro um pouco mais ampliado
pensante, com a possibilidade de articulação deste pressuposto, poderíamos afirmar que
teórica e contextualização da realidade. a construção de uma identidade de docência
Libâneo e Pimenta (1999) realizam uma passa necessariamente pela problematização
discussão interessante neste sentido, desta- do próprio processo formativo e até mesmo do
cando na identidade de docência esta capaci- exercício da docência na Educação Infantil.
dade de análise crítica sobre as próprias práti- Estas percepções sobre os processos de
cas e sobre as concepções que suportam estas formação e a construção da identidade docen-
práticas. Neste encontro do cotidiano com as te tomam uma dimensão mais contundente ao
produções teóricas estaria fundamentada uma considerarmos as fragilidades históricas que
práxis que faz a articulação da identidade pro- dizem respeito à formação inicial e a constitui-
fissional, considerando que as transformações ção dos quadros de profissionais que atuam
das práticas docentes só se efetivam na medida junto ao campo. Barreto (1991) desenha um
em que o professor amplia sua consciência sobre mapa sobre a geografia do professor leigo que
a própria prática, a da sala de aula e a da escola atua junto a Educação Infantil, especialmente
como um todo, o que pressupõe conhecimentos no atendimento a crianças de 0 a 3 anos, esbo-
teóricos e críticos sobre a realidade (p. 260). çando um percurso que parece andar em círcu-

71
Noeli Valentina Weschenfelder, Denise Motta Marchand e Vladinei Roberto Weschenfelder

los, partindo da frágil qualificação acadêmica conseguem cumprir a orientação relativa à


e profissional, transitando pela baixa remune- formação inicial, descumprindo a orientação
ração e pela atuação em condições precárias, quanto ao cargo das profissionais. A estraté-
chegando finalmente à construção de práticas gia na realidade é muito simples. Realizam as
pedagógicas com qualidade também muito nomeações por concurso público preferen-
modestas. cialmente para o cargo de Auxiliar de Ensino
A legislação que regulamenta a atuação ou seu equivalente, com formação em peda-
na Educação Infantil estabelece que a forma- gogia ou magistério, deste modo atendendo
ção das professoras deva ser em nível supe- a exigência de formação mínima. Apesar de
rior, admitindo a formação mínima em nível não serem concursadas para o cargo de Pro-
médio, na modalidade normal (Lei 9.394/96, fessoras de Educação Infantil, são direciona-
Art. 62) e a forma de ingresso mediante con- das no cotidiano para a regência das turmas.
curso público de provas e títulos (Art. 67, Inc. I). De um ponto de vista mais instrumental de
Nas escolas em assessoramento parece haver gestão acaba sendo um artifício conveniente:
uma preocupação em assegurar junto a cada remuneração e encargos mais baixos e o do-
grupo de crianças a presença de pelo menos bro da carga horária de uma professora.
uma profissional com formação concluída ou Este artifício pode ser encontrado no
em andamento na área de atuação, em nível conjunto das escolas, e principalmente nas tur-
de magistério ou pedagogia. A quantidade e a mas de berçário e maternal. Apesar de não ser
proporção de profissionais em cada grupo de reconhecido em nível de discurso, está implí-
crianças são atendidas na totalidade das esco- cita a identificação da educação das crianças
las da amostra, sendo relativamente comum menores como uma modalidade menor de
encontrar no atendimento em berçário a pre- educação, onde não está pressuposta a figura
sença de até três profissionais por grupo. de uma professora. Essa situação parece trazer
Por outro lado, é referida uma dificul- um custo nas relações de trabalho, ao ponto
dade de gestão no sentido de assegurar a de algumas escolas não exigirem das auxiliares
nomeação de profissionais para o cargo de e monitoras a realização de planejamentos ou
Professora de Educação Infantil. Neste sen- pareceres e relatórios, expressando também o
tido, existe uma estratégia sendo realizada receio de abrir precedentes legais para deman-
pelo conjunto dos municípios que se encon- das trabalhistas. Nestes casos, o planejamento
tram em assessoramento. De certa forma, e os pareceres costumam ficar a cargo da su-

72
A FORMAÇÃO EM CONTEXTO E A CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE EM DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

pervisão ou coordenação pedagógica da esco- relação com os aspectos de formação acadê-


la, o que traz sérias implicações sobre as práti- mica, remuneração digna, além do apoio pe-
cas pedagógicas e acrescenta um componente dagógico e institucional.
de alienação importante ao trabalho docente. A realidade mostra nestas situações a
Também foram encontradas situações sua dimensão de complexidade, ao produzir
de desvio de função, com professoras originá- alternativas singulares para os impasses do co-
rias dos anos iniciais e até mesmo visitadoras tidiano. Alternativas que, ao oferecer respostas,
do PIM (Programa Primeira Infância Melhor), estabelecem novos impasses com amarrações
concursadas para 40 horas junto ao município muito intrincadas. A problematização destes
e cedidas 20 horas para atuação junto à es- elementos no processo de assessoramento
cola, justificadas pela direção e coordenação vai acontecendo em um contexto de debate
pedagógica em razão da formação acadêmica mais amplo e difícil, que tem como horizonte
compatível com a normativa legal. Outra situa- o imperativo de uma política de recursos hu-
ção relativamente corriqueira nos contextos é manos própria para a Educação Infantil. Uma
a presença significativa de estagiárias remu- política com a estruturação de um quadro de
neradas, de modo geral estudantes de ensino pessoal, um plano de carreira, de cargos e sa-
médio em cursos técnicos como auxiliar de lários e, fundamentalmente, um processo de
administração, química industrial, informática formação continuada, que esteja pautado por
e, excepcionalmente, magistério, através do pressupostos éticos e políticos, reconhecendo
CIEE (Centro de Integração Empresa-Escola) ou a necessidade de constituir direções e coorde-
CEFORRS (Centro de Formação e Treinamento nações pedagógicas legítimas e fortalecidas
Regional do Rio Grande do Sul). junto às escolas.
Em muitos casos, a proporção de pro- No que se refere aos processos de forma-
fissionais no cargo de Professora de Educação ção continuada, verifica-se que estes buscam
Infantil no conjunto da escola chega a menos suprir carências específicas e conferir alguma
da metade do quadro docente. Em casos extre- homogeneidade ao trabalho desenvolvido. No
mos a totalidade do quadro docente na escola contexto de formação continuada das escolas
era constituída por monitoras. São questões e das redes municipais é bastante comum a
que trazem implicações significativas junto ao contratação de instituições de ensino superior
contexto de análise, na medida em que a Edu- ou profissionais de fora dos municípios para o
cação Infantil de qualidade encontra estreita desenvolvimento de palestras e oficinas.

73
Noeli Valentina Weschenfelder, Denise Motta Marchand e Vladinei Roberto Weschenfelder

De modo geral, estes momentos de for- tico voltado à instrumentalização do trabalho


mação acontecem através de eventos em nível cotidiano com as crianças, como a contação
de rede, com um primeiro momento direciona- de histórias e a confecção de fantoches, pales-
do ao conjunto das equipes do município, para tras e oficinas sobre temáticas como disciplina,
em um momento posterior realizar o trabalho agressividade e sexualidade, em uma perspec-
mais específico com os profissionais da Educa- tiva de desenvolvimento.
ção Infantil. Em um dos municípios da amostra As professoras e demais profissionais
foi encontrada uma situação excepcional onde das equipes referem como positiva a possibi-
se configurava a existência de um calendário lidade de compartilhar vivências com os pares
único de formação continuada para a rede em nível de rede e a oportunidade de conhe-
municipal e estadual, sem separação entre a cer as experiências de trabalho existentes na
Educação Infantil e os Anos Iniciais. As dire- realidade de outras escolas ou comunidades. O
ções e coordenações pedagógicas das escolas movimento de problematização destas ques-
em assessoramento referem algo em torno tões com os sujeitos ao longo do assessora-
de 40 horas de formação ao ano, computadas mento permitiu reconhecer a necessidade de
como horas letivas, através de atividades que um trabalho voltado à construção de espaços
costumam acontecer à noite ou aos sábados, coletivos de interlocução.
priorizando a abordagem de temáticas presen- Este elemento de interlocução e cons-
tes nos planos de estudos do município, rela- trução de processos coletivos coloca-se como
cionadas a planejamento, avaliação, currículo, uma demanda e um ponto de fragilidade junto
educação inclusiva, relações professor-aluno, ao campo, constituindo uma lacuna ainda em
musicalidade, entre outros. aberto para a maior parte das equipes. Neste
No entanto, a interlocução com as pro- sentido, os percursos de formação em con-
fessoras sugere que de modo geral existe um texto assumem-se como um exercício de ro-
encadeamento bastante flexível nestes proces- tas alternativas para reflexão sobre as práticas
sos de formação continuada, com a definição pedagógicas e sobre os processos de trabalho,
de temáticas para problematização ao longo onde o próprio processo formativo constitui-se
do ano, não a partir de eixos organizadores ou como objeto de problematização e categoria
teóricos, mas a partir de demandas que dizem de análise.
respeito à aquisição de um conhecimento prá-

74
A FORMAÇÃO EM CONTEXTO E A CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE EM DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Formação em contexto em um cenário a Observação participante total ou completa,


de formação continuada onde existe a possibilidade de imersão sig-
nificativa no campo, mais controversa de um
A observação participante ponto de vista técnico e teórico, sendo mais
indicada em estudos etnográficos. Entre estes
O projeto de assessoramento configu- extremos o autor localiza uma possibilidade
rou uma matriz de atuação desafiadora, en- intermediária, definida como Observação com
volvendo uma complexidade que foi além da participação ativa, mais próxima das estraté-
proposta visualizada inicialmente, trazendo a gias adotadas pelo projeto de assessoramento.
necessidade de estreitamento do diálogo que Nesta modalidade de observação fica
a Pedagogia tem realizado com outros campos compreendida a oportunidade de participação
do conhecimento, como a Filosofia da Infân- dos formadores em todas as atividades do con-
cia, a Sociologia da Infância e a Antropologia texto, tendo um pé dentro e outro fora, de modo
da Criança. Este diálogo toma emprestadas a assegurar certo distanciamento e estranha-
ferramentas conceituais e metodológicas que mento na relação com o outro e com o contex-
qualificam a compreensão da infância, suas ex- to. Esta concepção de observação participante
periências e suas culturas. assume-se como um elemento que perpassa
Ao buscar aproximação com metodolo- toda a experiência de assessoramento às esco-
gias de pesquisa, os profissionais formadores las da amostra, estabelecendo um fio condutor
do projeto de assessoramento passam a ser para o processo de trabalho e assegurando o
compreendidos a um só tempo como investi- rigor metodológico.
gadores e como instrumentos da investigação. A relação de interlocução e troca com os
Este exercício de exploração em campo não é sujeitos no processo de observação com parti-
necessariamente neutro ou desprovido de im- cipação ativa pressupõe uma permeabilidade
plicação. Lapassade (2001) reconhece diferen- com o contexto vivo. Desse modo, a relação de
tes níveis de envolvimento do pesquisador. Em reciprocidade entre os formadores que são de
um extremo localiza a Observação participante fora, e os sujeitos do estudo que são de dentro,
periférica, onde pode existir um pequeno grau implica efeitos produtores de significados.
de implicação do pesquisador no contexto, O exercício de problematização da reali-
mas não tanta que venha a bloquear sua capa- dade vivida entre formadores e sujeitos favore-
cidade de análise. Em outro extremo localiza ce um ambiente onde emergem categorias de

75
Noeli Valentina Weschenfelder, Denise Motta Marchand e Vladinei Roberto Weschenfelder

análise em interlocução com as singularidades ferramentas e estratégias de aproximação e


locais, em um processo que abre a possibili- de conhecimento do campo, como a intera-
dade de ressignificação das práticas pedagó- ção livre com professoras, auxiliares, direção
gicas, dos processos de trabalho e do próprio e demais profissionais da equipe, do mesmo
percurso de assessoramento. modo que a interação com as famílias e com as
crianças. Também foram realizadas entrevistas
Aproximações com a formação em semiestruturadas neste período inicial, focadas
contexto no levantamento de informações e na constru-
ção de uma investigação diagnóstica. A docu-
O assessoramento não se colocou junto mentação deste processo foi realizada através
aos espaços educativos como uma proposta de registros escritos, fotografias, pequenas fil-
pronta e acabada. Realizou um movimento magens, análise de documentos técnicos da
inverso. Em um contexto de observação com escola, além dos documentos produzidos pe-
participação ativa foi construindo um exercício las professoras e pelas próprias crianças.
de diálogo, que permitiu a revisão e transfor- Após a realização das observações os
mação de algumas concepções e estratégias formadores contavam com um breve período
metodológicas. Uma construção de processo em reservado para compartilhar impressões e
em colaboração com os sujeitos. organizar os apontamentos e elementos da do-
Ao longo do primeiro ano do projeto o cumentação levantados ao longo do dia. Então,
assessoramento às escolas da amostra foi rea- como última etapa de cada visita técnica, era
lizado basicamente através de visitas técnicas, realizada uma reunião de sistematização com
as quais eram agendadas previamente e con- pequenos grupos, que eram constituídos basi-
tavam com a imersão dos formadores durante camente por representantes da equipe diretiva
um dia inteiro no cotidiano da escola. e coordenação pedagógica da escola e da Se-
Foram momentos apoiados em estra- cretaria Municipal de Educação, contando fre-
tégias de observação com participação ativa, quentemente com a participação de gestores.
onde o próprio investigador é compreendido Os apontamentos e elementos de do-
como um instrumento de pesquisa que atua, cumentação apresentados pelos formadores
simultaneamente, na coleta e na interpreta- nestas reuniões de sistematização cumpriam
ção dos dados (Lapassade, 2001). Trata-se de uma função meramente deflagradora. O recor-
um método de trabalho complementado com te de discussão e reflexão com os sujeitos não

76
A FORMAÇÃO EM CONTEXTO E A CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE EM DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

poderia ser classificado como uma abordagem niões de sistematização, representadas como
de devolução. O dinamismo próprio e as carac- um espaço privilegiado ao qual poucas pes-
terísticas singulares presentes neste momento soas tinham acesso. Estas questões, aliadas ao
desconstroem a ideia de uma leitura unilateral pressuposto de democratização do acesso aos
da realidade e uma transmissão vertical de co- espaços de interlocução e reflexão, trouxeram
nhecimentos, onde os sujeitos estão supostos gradualmente a necessidade de revisar o for-
a um saber e a uma avaliação externa. mato operacional do assessoramento.
O processo de sistematização buscou Então, a partir do segundo ano do pro-
suporte em um exercício de problematização, jeto, a imersão dos formadores no cotidiano
onde os traços de uma análise diagnóstica fo- da escola foi substituída pelos encontros de
ram emergindo como resultado de um proces- formação em contexto. Neste momento, es-
so coletivo de discussão, em um esforço com- tabelecemos um contraponto significativo
partilhado de leitura da realidade, articulando em relação à metodologia postulada por Oli-
um debate onde as Diretrizes Curriculares Na- veira-Formosinho e Araújo (2013), que vem
cionais para a Educação Infantil (2009) e os In- caracterizada pelo envolvimento continuado
dicadores de Qualidade (2009) exercem posi- e progressivo entre uma professora e um pes-
ção de centralidade. Este movimento permitiu quisador externo, em uma relação dual.
realizar a investigação de questões significati- O projeto de assessoramento subverte
vas junto ao contexto das escolas da amostra. esta premissa de relação dual, propondo a ins-
Permitiu também o mapeamento de questões tituição de espaços coletivos de interlocução e
que não estavam previstas inicialmente, e que reflexão em nível de equipe, apoiados na inves-
tiveram a oportunidade de emergir como cate- tigação sistemática das práticas pedagógicas e
gorias de análise a partir do discurso dos sujei- das concepções que oferecem sustentação a
tos e das interações com o contexto. estas práticas.
As trocas com o conjunto da equipe no Nestes encontros de formação em con-
decorrer das visitas técnicas eram enriquece- texto, que eram negociados e agendados pre-
doras, mas permaneciam restritas a contatos e viamente com a direção, as escolas suspen-
interações pontuais, sem a potencialidade do diam o atendimento às crianças para realizar
debate coletivo. Desse modo, prevalecia um uma série de atividades formativas com o con-
sentimento de desconexão com o processo junto da equipe, desde a direção e a coordena-
de assessoramento e a mistificação das reu- ção pedagógica, as auxiliares e monitoras, até

77
Noeli Valentina Weschenfelder, Denise Motta Marchand e Vladinei Roberto Weschenfelder

as estagiárias e os profissionais de apoio, repre- partida para a análise crítica da realidade e a


sentados por funcionárias da área administrati- geração de alternativas de uma forma compar-
va, cozinha e limpeza. A dinâmica de trabalho tilhada. O projeto de assessoramento dialoga
nesta etapa se organizava também em torno com este pressuposto de interlocução, envol-
da investigação de elementos presentes no co- vendo sujeitos e formadores em uma relação
tidiano e das categorias de análise construídas onde o contexto emerge como categoria de
ao longo do processo, com a problematização análise, oferecendo condições que favorecem
e a sistematização em espaços coletivos de in- a transformação da realidade.
terlocução. No entanto, estas aproximações não
Ao ampliar o circuito de ação para o con- tratam simplesmente de replicar uma concep-
junto da equipe da escola, o assessoramento ção e uma metodologia, onde o estranho que
propõe uma desconstrução do contexto de vem de fora não produz alteridade. Do mesmo
análise, desafiando os sujeitos a produzirem modo, não se trata de estabelecer uma relação
um deslocamento, assumindo eles próprios a de conveniência frouxa com as referências teó-
posição de pesquisadores, juntamente com os ricas e técnicas, como em um bufê a quilo. Tra-
formadores externos, em um movimento sis- ta-se da construção de um diálogo crítico em
temático de investigação e problematização movimento de aproximação com o contexto
do cotidiano e dos elementos que constituem vivo, onde o próprio processo formativo assu-
este território. me-se como objeto de problematização, asse-
Esta noção de deslocamento da posição gurando a construção de uma identidade de
de objeto para uma posição de sujeito da aná- assessoramento consistente com a realidade,
lise foi explorada ao longo de todo o assesso- buscando superar a abordagem prescritiva ou
ramento com as escolas da amostra. Porém, a essencializante.
partir do segundo ano do projeto, este movi- Desse modo, a metodologia de asses-
mento passou a realizar progressivas aproxi- soramento foi passando por um percurso de
mações com as concepções de formação em transformação, em um diálogo estreito com as
contexto propostas por Oliveira-Formosinho e equipes das escolas e dos municípios, em uma
Araújo (2013). As autoras reconhecem as prá- dimensão instituinte (Castoriadis, 1995) de prá-
ticas do cotidiano em uma posição de centra- ticas e saberes compartilhados.
lidade neste processo, oferecendo ponto de

78
A FORMAÇÃO EM CONTEXTO E A CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE EM DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Os objetos de problematização Algumas destas decisões têm sérios efei-


tos sobre os processos de trabalho em nível de
O processo de sistematização realizado equipe, sobre a organização dos tempos e espa-
ao longo do projeto de assessoramento per- ços com as crianças e, portanto, sobre as práti-
mitiu construir os traços de uma análise diag- cas pedagógicas. O trabalho de assessoramento
nóstica, onde os objetos de problematização trouxe a possibilidade de problematizar estes
foram se assumindo como resultado de um elementos em nível equipe, contextualizan-
processo coletivo de discussão. Este movimen- do os efeitos destas situações no cotidiano de
to permitiu também o mapeamento de ques- trabalho com as crianças, uma vez que muitas
tões que não estavam previstas inicialmente
decisões estavam restritas à gestão. Verificou-se
no contexto de investigação, e que tiveram a
ao longo do projeto que alguns municípios rea-
oportunidade de emergir como categorias de
lizaram a reversão de decisões sobre a utilização
análise a partir do discurso dos sujeitos e das
dos espaços, que se encontravam distantes da
interações com o contexto.
proposta original e despotencializados. O deba-
Os principais elementos que emergem
te sistemático sobre as noções de infância e de
da realidade e se impõe nos processos de pro-
blematização ao longo do assessoramento são práticas pedagógicas presentes na gestão dos
brevemente apresentados a seguir: espaços permitiu um movimento progressivo
de articulação entre a tomada de decisões e as
a) Obra física e obra pedagógica concepções político-pedagógicas.

O assessoramento realizado não possui b) A proposta pedagógica


objetivo ou prerrogativa de análise sobre as
condições de execução ou de utilização das A proposta pedagógica, ou projeto po-
Unidades Proinfância. No entanto, é reconhe- lítico pedagógico, enquanto resultado de um
cida a indissociabilidade existente entre a obra processo coletivo, mostra-se muito frágil no
física e a obra pedagógica, conceito apresenta- contexto das escolas em assessoramento. As
do por Melo (2011, p. 8). Desse modo, a apro- realidades são muito distintas neste sentido,
priação simbólica dos espaços sugere passar havendo situações onde o documento exis-
pela intervenção concreta, sendo comum en- te, mas mostra-se estranho ao coletivo de
tre as escolas da amostra a realização de ajus- trabalho, sugerindo sua concepção em outro
tes arquitetônicos ou mesmo a subversão de contexto e parecendo cumprir uma demanda
finalidades dos espaços educativos.

79
Noeli Valentina Weschenfelder, Denise Motta Marchand e Vladinei Roberto Weschenfelder

meramente formal e documental. Em outras tas professoras é dolorosa a percepção sobre o


situações, percebe-se um esforço pontual de efeito massificador dessa dinâmica, claramen-
construção de percurso, mas sem um enten- te materializada na uniformidade de conteú-
dimento claro quanto à finalidade e eventuais dos trabalhados nos diferentes grupos, desde
parâmetros para discussão e formalização. o maternal até a pré-escola e, eventualmente,
Ao longo do projeto surgiram muitas in- até mesmo nos berçários.
terrogações a respeito dos elementos que ba- O exercício de planejamento no trabalho
lizam as práticas pedagógicas no cotidiano de com os bebês e com as crianças bem pequenas
trabalho das escolas. Apesar do claro desejo de mostra-se muito tímido junto ao contexto de
assumir a condução desse processo, o que se assessoramento, havendo insegurança entre
verifica é uma tendência a oferecer respostas as professoras quanto aos caminhos de arti-
pontuais frente às demandas da realidade. Es- culação teórica e técnica. Este campo ainda é
tas questões, que têm na proposta pedagógica pouco conhecido e pouco refletido junto às es-
um pano de fundo, possuem uma densidade colas, prevalecendo as iniciativas apoiadas em
e uma complexidade significativas. Apesar de concepções de desenvolvimento e estratégias
terem sido objeto de análise sistemática pelos de estimulação. No percurso de assessoramen-
sujeitos ao longo de todo o percurso de asses- to mostraram-se muito valiosas as articulações
soramento, em muitos aspectos permanecem entre as concepções de documentação peda-
como pontos de impasse ainda em aberto. gógica e progetazione (Gandini e Goldhaber,
2002, p. 154; Fochi, p. 82, 2015), favorecendo
c) O planejamento uma compreensão da documentação peda-
gógica enquanto ferramenta que possibilita
Em um contexto ideal as situações de a construção de um conhecimento e um diá-
planejamento possuem estreita relação com a logo respeitoso com a criança pequena, afas-
proposta pedagógica da escola, e são construí- tando-se da ideia de currículos predefinidos e
das em uma matriz significante onde as con- estágios de desenvolvimento e, consequente-
cepções de criança e de currículo assumem- mente, aproximando-se de uma ideia de abor-
-se como determinantes. No que diz respeito dagem geral mais flexível e também complexa.
ao planejamento, especificamente, verifica-se No período inicial do assessoramento
que o calendário de datas comemorativas as- foi verificada uma única experiência de traba-
sume uma posição de centralidade. Para mui- lho com a metodologia de projetos (Barbosa e

80
A FORMAÇÃO EM CONTEXTO E A CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE EM DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Horn, 2008), com objetivos claros e uma abor- de habilidades e competências sociais, afeti-
dagem participativa, focada na construção de vas, intelectuais e motoras das crianças, além
um processo mais do que em resultados. Nesta de referências ao trabalho desenvolvido para
situação as crianças tinham papel ativo, sendo alcançar estes objetivos. É clara a relação com
buscada uma articulação das experiências e uma concepção de aprendizagem focada em
dos saberes destes pequenos sujeitos com os resultados e na explicitação dos métodos para
elementos apresentados pela professora, em se atingir estes resultados.
um contexto de pesquisa e sistematização. A Ao longo de todo o assessoramento foi
investigação e discussão destes elementos ao realizado um movimento de interlocução, re-
longo do assessoramento permitiu testemu- fletindo sobre esta noção pontual de registro
nhar uma movimentação crescente em torno e avaliação, buscando desconstruir a ideia de
do planejamento autônomo nos diferentes um foco restrito à criança e ampliando a aná-
grupos, com processos um pouco mais flexí- lise para o contexto das relações e das práti-
veis, em sucessivas aproximações e diálogos cas pedagógicas. O registro e avaliação com
com as crianças. o foco nos processos é um movimento de di-
fícil compreensão e assimilação ao cotidiano.
d) Registro e avaliação As discussões realizadas buscaram suporte
nas concepções de documentação pedagógi-
As concepções e experiências de regis- ca (Dahlberg, Moss e Pence, 2003; Gandini e
tro e avaliação encontram no plano ideal, do Goldhaber, 2002), de modo a incorporar uma
mesmo modo que o planejamento, estreita dimensão mais reflexiva e democrática para
relação com a proposta pedagógica. Naquilo as práticas pedagógicas, especialmente no
que se refere à avaliação, as experiências en- trabalho com as crianças em idade precoce
contradas não são muito diversificadas. A ela- no berçário e no maternal, favorecendo uma
boração de parecer descritivo individual e a ampliação do olhar. O entendimento de que
organização de cadernos ou pastas constituem existe a possibilidade de integrar os atos de
as principais estratégias para acompanhamen- observação e registro, e também os atos de
to do trabalho pedagógico e para avaliação da refletir, analisar e compartilhar parece abrir
evolução das crianças. O formato predominan- rotas alternativas nas relações com as crian-
te de parecer é aquele focado em aspectos de ças, com o conjunto da equipe e, fundamen-
desenvolvimento, com atenção ao domínio talmente, com as famílias.

81
Noeli Valentina Weschenfelder, Denise Motta Marchand e Vladinei Roberto Weschenfelder

e) A escolarização na educação infantil si mesmo só não é maior que o desconforto


por abrir mão de certezas e convicções. Neste
As experiências presentes nas escolas da sentido, esse processo não passa por rupturas,
amostra no início do projeto eram reveladoras mas por uma desconstrução progressiva, em
de uma abordagem escolarizada, com um viés uma caminhada que é dolorosa e que envolve
desenvolvimentista e preparatório para alfabe- certo luto. Muitas professoras, ao analisarem
tização, a partir do maternal e especialmente suas práticas, compartilham a angústia de es-
nas turmas de pré-escola. As práticas pedagó- tar diante de um abismo. Desse modo, o diálo-
gicas pareciam organizadas em uma dicotomia go e a troca com os pares cumpre uma função
entre os momentos de brincadeira livre ou diri- afirmativa de novas possibilidades e de deslo-
gidas e os momentos de aprendizagem. camentos do olhar, percorrendo as bordas de
Estes momentos de aprendizagem se- outros discursos.
guiam um padrão homogeneizado e estavam
presentes no cotidiano de todas as escolas da f) O lugar da coordenação pedagógica
amostra, dizendo respeito a atividades fotoco-
piadas, baixadas da internet ou reproduzidas a As professoras indicam ao longo do as-
partir de apostilas, que abarrotavam as pastas sessoramento uma carência nas escolas quan-
e os cadernos individuais das crianças. Em uma to a espaços e momentos de trabalho coletivo
das escolas da amostra o município já havia e de reflexão, levantando uma análise sobre a
realizado um investimento significativo de re- função e a atuação das coordenações pedagó-
cursos no apostilamento para a Educação In- gicas junto ao contexto.
fantil. Nos demais, as atividades eram bem ilus- A coordenação pedagógica da escola
tradas em planos de aula que se assemelham está pressuposta neste lugar de interlocução,
muito entre as diferentes escolas e seguiam de guardiã das conexões (Gandini, p. 90, 2012).
uma rotina quase idêntica ao longo dos dias. A problematização deste lugar desestabiliza os
No decorrer do projeto vão sendo per- sujeitos e desconstrói a zona de conforto que
cebidas experimentações graduais, no sentido vem apoiada em uma inserção profissional
de dialogar com os interesses e curiosidades burocratizada e de gabinete. Desafia a pensar
das crianças. Este movimento de experimenta- uma atuação produtora de alteridade, com ar-
ção diz respeito a um processo de apropriação ticulações individuais e coletivas, não somente
que é lento, onde o desconforto de olhar para com as professoras e demais profissionais da

82
A FORMAÇÃO EM CONTEXTO E A CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE EM DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

equipe; uma articulação com as famílias e com um território. Neste sentido, a sala do grupo
a comunidade onde a escola encontra-se inse- e a escola são mais do que simplesmente um
rida, em uma relação com o currículo e com o espaço onde as coisas acontecem. Trata-se de
contexto vivo; uma articulação entre a teoria e um ambiente que exerce função simbólica,
a prática, desafiando a documentação, a socia- que favorece ou limita o desenvolvimento in-
lização e reflexão sobre as experiências; e, fun- telectual, a imaginação, a criatividade e a troca
damentalmente, uma articulação e um diálogo com outras crianças e com os adultos.
com os sujeitos infantis. Esta discussão nas escolas remete a
Esta noção de formação em contex- uma percepção inicial de empobrecimento.
to organiza um endereçamento ao lugar da As próprias professoras reconhecem os gran-
coordenação pedagógica. Ao distanciar-se do des espaços planos e vazios, ou então espaços
pressuposto de um interlocutor ou pesquisa- povoados por mesas, classes e cadeiras, em
dor externo, permite fazer uma aproximação uma perspectiva de escolarização que limita
com o pressuposto de um interlocutor inter- e despotencializa as vivências lúdicas, afetivas
no, integrante da própria equipe. Ao fazer este e intelectuais das crianças. Outro aspecto que
movimento, a formação em contexto abre um emerge da análise diz respeito à estética das
conjunto de possibilidades mais próximas da salas, marcada por uma carência quase abso-
realidade, demarcando um empoderamento luta de expressão das identidades e das cul-
local e, por isso mesmo, trazendo uma dimen- turas infantis. Muitos espaços eram coloridos
são de responsabilidade que gera certa inse- e repletos de adereços decorativos, com uma
gurança em algumas profissionais. Trata-se de onipresença de modelos produzidos e massi-
um elemento que nos faz pensar na importân- ficados pela cultura de consumo. Os espaços
cia de estratégias de formação continuada e educativos que escapavam desta impressão no
de instrumentalização teórica e técnica para as início do projeto eram excepcionais.
coordenações pedagógicas. É muito interessante acompanhar no
assessoramento o modo como o discurso dos
g) A construção de territórios sujeitos vai buscando uma apropriação destes
códigos de leitura da realidade, nas preocu-
As crianças possuem uma característica pações conceituais, que vão produzindo no-
inerente de interagir com os pares e com os vos sentidos para experiências tão enraizadas.
ambientes onde se encontram, constituindo Uma apropriação que não é rápida e nem asse-

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Noeli Valentina Weschenfelder, Denise Motta Marchand e Vladinei Roberto Weschenfelder

gurada na partida, que precisa ser carinhosa- riais naturais coletados no ambiente externo,
mente acolhida como um processo, de modo registros de investigações e pesquisas, bem
a compreender juntamente com os sujeitos as como as referências pessoais e familiares, que se
contradições em nível de discursos e de prá- apresentam no discurso, nos traços de memó-
ticas. Existe uma dificuldade em reconhecer ria, nas fotografias e em outros objetos trazidos
estas contradições como aspectos de um pro- do contexto familiar. Passa fundamentalmente
cesso que exige um tempo de assimilação e pelo reconhecimento da criança, mesmo em
elaboração. E, por outro lado, uma dificuldade idade precoce, como sujeito curioso, que obser-
em se reconhecer o papel da coordenação pe- va e brinca, que ao brincar constrói hipóteses e
dagógica no mapeamento e reflexão coletiva aprende, na relação com o outro e com o mun-
sobre estas contradições. do, um sujeito que tem imaginação e, por isso
mesmo, fantasia, deseja, constrói sua identida-
de e produz cultura. Neste sentido, percebe-se
h) A infância que transborda
ao longo do assessoramento um movimento
progressivo de diálogo onde as identidades e
É da condição humana esta busca pelo
as culturas infantis vão muito lentamente cons-
outro, especialmente na infância. Curiosamen-
truindo pequenos territórios.
te, este movimento perseguido insistentemen-
te pelas crianças, através do brinquedo, do
Considerações finais
faz de conta, através da conexão com o outro,
acaba colocando-se como transgressivo, sub- O processo de formação em contexto
vertendo a tarefa proposta em algo colorido, não diz respeito simplesmente a um conjunto
divertido. O desejo das crianças realmente pa- de atividades formativas realizadas junto à rea-
rece maior. Transborda para além das tarefas lidade concreta da escola. Diz respeito funda-
propostas, como se transitasse por caminhos mentalmente a um trabalho onde o contexto
diferentes. Como se a infância fizesse resistên- e as microrrelações emergem como objetos de
cia, entrincheirada na fantasia. problematização, desafiando a desconstrução
Neste sentido, o diálogo com as culturas de um sistema de pensamento fechado onde
infantis passa necessariamente pela valorização as crianças são tomadas como objeto passivo
das produções individuais e coletivas das crian- de uma prática pedagógica apoiada na trans-
ças, sejam elas pinturas, colagens, desenhos, missão. Um sistema de pensamento onde o
adulto encontra-se em posição de centralida-
rabiscos, esculturas de barro ou sucata, mate-
de, e não a criança.

84
A FORMAÇÃO EM CONTEXTO E A CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE EM DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Derrida (1999) discute esta ideia de des- cem excluídas ou reprimidas, quase invisíveis,
construção como um quase-conceito, que não sendo lançadas à margem e, por isso mesmo,
carrega em si uma definição precisa ou definiti- assumindo um caráter transgressivo neste que
va. Assim, mais do que um método, diz respei- parece ser o lugar da boa educação.
to a um gesto e uma postura ética e política, Esta interlocução vai desenhando suas
profundamente preocupada com a alteridade. bordas na relação com o outro e, por isso mes-
Este exercício de desmontagem do discurso mo, envolve um exercício de alteridade (Der-
abre a possibilidade de revelar os elementos rida, 1999). Trata-se de um exercício que de-
que estão dissimulados ou que permanecem manda certo estranhamento de si mesmo. Um
invisíveis na leitura da realidade e nas boas afastamento daquelas certezas construídas ao
práticas, demonstrando os lapsos, os espaços longo da trajetória pessoal e profissional.
em branco, e desvelando os infinitos discursos Não se trata de um movimento simples,
que estão por trás da aparente unidade. Neste pois requer o estabelecimento de um discerni-
sentido, o autor vislumbra a necessidade de re- mento crítico e reflexivo sobre as próprias prá-
conhecer o não-dito tanto quanto aquilo que é ticas e concepções. Desse modo, trata-se de
expressamente dito em um discurso. uma desconstrução. Muitas professoras refe-
Aqui tomamos o discurso em sua ma- rem desconforto e sofrimento ao vivenciarem
terialidade, em uma dimensão mais ampla, este processo. Elas sofrem e não estão conten-
não somente nas falas, nos documentos pro- tes. A percepção de que as suas práticas peda-
duzidos pelas professoras e nos registros das gógicas com as crianças estão articuladas com
crianças. Mas também nos planejamentos, na uma concepção específica de sujeito produz
escolha das literaturas infantis, na organização interrogações no campo ético e político, que
dos espaços e materiais, nos tempos e rotinas, desestabilizam algumas convicções que estão
nas concepções de identidade presentes no profundamente enraizadas. Convicções que
contexto e na estética das salas. Discursos que orientam, consciente ou inconscientemente,
constituem o território e que fazem a coloni- as decisões que são tomadas no cotidiano.
zação da infância. Uma colonização que usual- Nem todos os sujeitos colocam-se da
mente não reconhece os desejos e as culturas mesma forma diante deste processo. Algumas
infantis e, não reconhecendo, deixa de dialogar professoras parecem simplesmente imper-
com estes pequenos sujeitos. Trata-se de um meáveis a este tipo de interlocução e não fa-
discurso onde as culturas infantis permane- zem o distanciamento necessário para analisar

85
Noeli Valentina Weschenfelder, Denise Motta Marchand e Vladinei Roberto Weschenfelder

o seu fazer e o seu pensar, reiterando práticas se pressuposto de processos coletivos, onde a
mecânicas e descontextualizadas. Outras pro- coordenação pedagógica da escola constitui
fessoras, ao sentirem balançar suas referências, uma referência de articulação e de responsa-
fazem um rápido movimento na busca de sub- bilidades. Uma coordenação pedagógica com-
sídios para operar conceitualmente sobre a petente e qualificada de um ponto de vista
realidade, alcançando um efeito notável sobre teórico e técnico para operar dialogicamente.
as suas práticas e suas relações com as crianças. Desse modo, o debate sobre o desen-
Por outro lado, aquelas professoras que já pos- volvimento profissional das professoras pas-
suem uma trajetória profissional e intelectual sa necessariamente pela construção de uma
identificada com estes pressupostos, parecem identidade de docência integrada a um sujei-
exercer um efeito de convergência na relação to pensante, com a possibilidade de articula-
com os pares, constituindo pequenos núcleos ção teórica e contextualização da realidade.
de articulação e de trocas significativas. Trata- Assim, retomando o argumento central da
-se de um diálogo que desafia o pensamento discussão, destacamos esta capacidade de
sobre as concepções e a transformação não so- análise crítica sobre as próprias práticas e so-
mente das práticas pedagógicas, mas também bre as concepções que suportam estas práti-
do próprio processo de assessoramento onde cas, fundamentando uma práxis que estabe-
opera esta interlocução. lece a base da identidade de docência para
Este movimento não acontece em uma a Educação Infantil, em um exercício que se
esfera abstrata. Vem apoiado em um trabalho assume como elemento chave nos processos
sistemático de registro, socialização, discussão de formação continuada, em especial da for-
e análise com pares e com as famílias. Assim, mação em contexto.
ao tomar o cotidiano como objeto de conheci- Trata-se de uma reflexão significativa,
mento, abre-se a possibilidade deste cotidiano que aposta no protagonismo intelectual co-
ser investido de uma intencionalidade, tanto nectado ao contexto. Um processo em posi-
naquilo que diz respeito às práticas pedagógi- ção de centralidade no trabalho da professora,
cas quanto àquilo que diz respeito aos proces- proporcionando uma inserção profissional ca-
sos de trabalho. paz de transformar a si mesma e a realidade na
Compreendemos, a partir da experiência qual se encontra inserida.
de assessoramento, que as possibilidades de
transformação da realidade vêm apoiadas nes-

86
A FORMAÇÃO EM CONTEXTO E A CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE EM DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

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Noeli Valentina Weschenfelder, Denise Motta Marchand e Vladinei Roberto Weschenfelder

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88
90
4
A CONTRIBUIÇÃO DA MEMÓRIA NOS PROCESSOS DE
FORMAÇÃO DO EDUCADOR INFANTIL E NA ELABORAÇÃO
DA DOCUMENTAÇÃO PEDAGÓGICA

Sussi Abel Menine Guedes


Bianca Lopes Bertuol

MEUS OITO ANOS O poeta, Casimiro de Abreu transcende


o tempo com o seu poema ”MEUS OITO ANOS”,
Oh! que saudades que tenho
que ao lê-lo, nos remetemos a memórias de in-
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
fância, que de muitas maneiras vivenciamos ,
Que os anos não trazem mais! experimentando cada momento com todos os
Que amor, que sonhos, que flores, sentidos, cheiros, aromas, lugares.
Naquelas tardes fagueiras A partir do registro em forma de poema,
À sombra das bananeiras, embaixo dos laranjais! vamos compreendendo as diferentes maneiras
Como são belos os dia
pelas quais a memória nos auxilia na elabora-
Do despontar da existência!
ção das narrativas pessoais, assim como tam-
— Respira a alma inocência
Como perfumes a flor; bém nos favorece compreender o mundo na-
O mar é — lago sereno, O céu — um manto tural e social que interagimos, na medida em
azulado, que os registramos através da escrita, possibili-
O mundo — um sonho dourado, tando sempre uma nova interpretação.
A vida — um hino d’amor! Ao procurarmos na bibliografia dispo-
Que aurora, que sol, que vida,
nível definições para o conceito de memória,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
encontramos inúmeras ideias e formas de
Naquele ingênuo folgar! abordá-lo, apresentando ao conceito uma
(Casimiro de Abreu) compreensão polivalente. A Universidade de
Passo Fundo (UPF) ao longo de três décadas

91
Sussi Abel Menine Guedes e Bianca Lopes Bertuol

vem utilizando em diferentes momentos a me- Nesse sentido, o autor ainda, destaca
mória como “elemento metodológico” na for- que a memória, como elemento metodológi-
mação em nível de graduação, na, extensão e co, auxilia tanto o acadêmico a pensar sobre o
na pesquisa , e isso se vislumbra – por meio seu processo de formação, especialmente no
dos estudos e trabalhos sobre a formação de Curso de Pedagogia (teoria e prática), como
professores, realizadas e coordenadas pelo também o instrumentaliza a pensar sobre a
Professor Benincá (1981, 1996, 2002) e seus
prática pedagógica e as implicações no pro-
sucessores (Tedesco (Org.) 2002; Sartori e Wes-
cesso de ensinar e aprender no momento em
chenfelder (org.) (2007), Mühl (2004), professo-
que realizam o estágio em Anos Iniciais ou
res e pesquisadores da Faculdade de Educação
Educação Infantil. Já no âmbito da formação
(FAED) da referida Universidade.
Ao contextualizar sobre a importância continuada, as dimensões da pesquisa e da ex-
da memória como recurso pedagógico na for- tensão, possibilitam aos professores iniciantes
mação de professores da UPF - Faculdade de ou experientes na carreira docente a constituí-
Educação, Benincá (2002) destaca que, na sua rem-se pesquisadores da sua própria prática.
origem, a memória já havia sido utilizada como Nesse contexto, a proposta de que os profes-
uma proposição de observação, de registro e sores se tornem pesquisadores de sua própria
avaliação das experiências vivenciadas no inte- prática (BENINCÁ, 2002, p.109) desenvolveu-se,
rior da sala de aula pelos professores no início no sentido idealizado pelo autor, através do re-
da década de 1980. Em 1995, o autor desenvol- curso da memória em aula – registro e reflexão
ve projeto de pesquisa denominado: no trabalho e do trabalho docente.
No decorrer dos anos, nos processos de
“A relação teoria e prática no cotidiano dos
professores” envolvendo três campos de formação de professores, na graduação, pós-
ação: a prática de ensino e estágios supervi- -graduação e nas atividades de extensão, a
sionados, a educação continuada-extensão
memória tem contribuído em alguns momen-
e sala de aula. Seus participantes observam,
sistematizam a prática através do recurso da tos como elemento metodológico articulador
memória, formando-se em um processo re- das discussões sobre a prática pedagógica
flexivo que contribui para a qualificação da
na FAED/UPF. Observa-se que nas atividades
ação do sujeito e, consequentemente, para a
transformação dos universos de trabalho do- desenvolvidas em nível de graduação e nas
cente. atividades de extensão, a memória se consti-

92
A CONTRIBUIÇÃO DA MEMÓRIA NOS PROCESSOS DE FORMAÇÃO DO EDUCADOR INFANTIL E NA ELABORAÇÃO DA
DOCUMENTAÇÃO PEDAGÓGICA

tui em um recurso pedagógico fundamental,” Na região Norte/RS, o projeto Proinfância2


entendida no processo de pesquisa como um foi coordenado pela Universidade de Passo Fun-
momento reflexivo do sujeito sobre a sua prá- do, sendo esta responsável por 54 municípios
tica, que se materializa na escrita” segundo os integrantes deste programa. No decorrer do pro-
estudos de Benincá (2002,p.108): A memória é cesso de pesquisa “in loco” e extensão - formação
um processo de construção das compreensões em serviço foram selecionados oito municípios
para fazerem parte da amostra da pesquisa.
dos dados ou fatos que os registros apresen-
O projeto percorreu várias etapas neste
tam [...]” e também “A memória deve ser uma
processo, desde a realização de pesquisas nos
interlocução entre o próprio processo de for-
oito municípios selecionados, elaborando um
mação e a construção dos conhecimentos so-
diagnóstico do município e das escolas infan-
bre essa formação. tis, bem como a realização processos formati-
Neste artigo, temos como objetivo refle- vos para os docentes da educação infantil das
tir sobre uma das dimensões da extensão cuja redes municipais em serviço dos 54 municí-
ênfase recai sobre o processo de formação de pios. Essas etapas realizaram-se no período de
professores em serviço e as práticas pedagógi- 2013 a 2015, destacando inicialmente a for-
cas construídas no desenvolvimento do proje- mação de diferentes coletivos para as forma-
to Proinfância/MEC/RS/Região Norte, que ini- ções nos diferentes polos (equipes Proinfância
ciou no ano de 2012 sob a coordenação geral UFSM/UNIJUI/UPF/SME; Professores/Gestores
da Universidade Federal de Santa Maria1. e suas Unidades escolares). As discussões nos
diferentes coletivos proporcionaram o plane-
1 Autores: Sussi Abel Menine Guedes: Professora Ms. da Uni-
jamento das ações, desde a seleção de temas
versidade de Passo Fundo/RS e Supervisora Proinfância. Profes- oriundos das realidades em contexto da edu-
sores que compõem a Equipe do Polo Norte Proinfância: Marina
Grando: Professora formadora. Bianca Lopes Bertuol: Professora
cação infantil que nortearam as formações em
Formadora. Queila Dias: Professora Pesquisadora. Cristiane Oli- serviço, como também a documentação deste
veira: Professora Pesquisadora.
2-Projeto de Assessoramento e Acompanhamento Pedagógico
processo, o registro e a memória.
às Redes e Sistemas de Ensino na Implementação do Proinfância
em Municípios da Região Central e do Noroeste do Estado do
Rio Grande do Sul (UFSM, 2012). Seu objetivo é assessorar e 2 O programa foi instituído pela Resolução nº 6, de 24 de abril
acompanhar pedagogicamente as redes e sistemas de ensino de 2007, e é parte das ações do Plano de Desenvolvimento da
na implementação do Proinfância, visando qualificar a Educação Educação (PDE) do Ministério da Educação. Seu principal objeti-
infantil nos municípios do Estado do Rio Grande do Sul para al- vo é prestar assistência financeira ao Distrito Federal e aos muni-
cançar a excelência em qualidade no atendimento à criança de cípios visando garantir o acesso de crianças a creches e escolas
zero a seis anos. de educação infantil da rede pública.

93
Sussi Abel Menine Guedes e Bianca Lopes Bertuol

A UPF/RS tem inserção significativa na zarmos a memória como fonte dos registros da
formação inicial e continuada de professores produção de pesquisadoras e professores das
para Anos Iniciais e Educação Infantil na região unidades de educação infantil, de gestores das
norte do estado. Muitos dos municípios envol- Secretarias de Educação, das visitas técnicas
vidos na pesquisa já participaram em algum realizadas nas unidades de educação infantil
momento de cursos de formação inicial ou destacadas no estudo. A memória como recur-
continuada de professores e assim, tendo uma so metodológico cumpriu também a função
apropriação da metodologia da memória. de registrar as aprendizagens coletivas das
O projeto de Assessoramento Pedagógi- professoras formadoras e elaboraram junto
co, no cumprimento ao objetivo de qualificar com educadores nos encontros de formação.
as ações pedagógicas no interior das unidades A concepção de memória nesse caso
de educação infantil - do programa Proinfân- está indicada em Benincá (2002, p. 64):
cia, envolvendo as redes de ensino dos muni-
cípios da região, desenvolveu através da me- A memória deve ser uma interlocução entre
o próprio processo de formação e a constru-
todologia da memória uma forma de realizar a
ção dos conhecimentos sobre essa formação.
extensão das experiências a serem analisadas, A memória é um processo de construção das
discutidas em seus elementos político-peda- compreensões dos dados ou fatos que os re-
gógicos e divulgadas no contexto do projeto gistros apresentam [...].

Proinfância na região de abrangência da UPF


vivenciadas no processo. A partir dessas considerações, apresen-
Ao pensar as metodologias a serem tamos a contribuição da Memória nos pro-
utilizadas no desenvolvimento desse Projeto cessos de formação do Educador Infantil e na
Proinfância em Municípios da Região Central, elaboração da documentação pedagógica,
Norte e Noroeste do Estado do Rio Grande do destacando os pressupostos teóricos dos refe-
Sul, em nossa perspectiva a memória assumiu renciais de Benincá e colaboradores.
papel fundamental em dois sentidos: enquan- Neste trabalho, a utilização do elemento
to documento para análise dos dados coleta- memória teve como objetivos:
dos, e fonte de documentação do processo de- - Compreender a concepção dos concei-
senvolvido nas ações dos diferentes coletivos tos registro e memória na formação continua-
da nossa equipe (Proinfância UPF/polo Norte). da dos professores que atuam nas unidades do
A função metodológica se apresentou ao utili- Proinfância;

94
A CONTRIBUIÇÃO DA MEMÓRIA NOS PROCESSOS DE FORMAÇÃO DO EDUCADOR INFANTIL E NA ELABORAÇÃO DA
DOCUMENTAÇÃO PEDAGÓGICA

- A partir dos registros e memórias pro- projetos evidenciaram a necessidade de resig-


duzidos nos diferentes coletivos compreender nificar as concepções de criança, infância, cur-
a formação critica do professor e a percepção rículo para bebês, brincar e etc., considerando
da construção de uma prática em sala de aula os referencias teóricos abordados nos proces-
emancipatória; sos de formação.
- Apontar indicativos que sinalizam a Durante todo o percurso do projeto
contribuição da metodologia de memória na Proinfância a equipe da UPF-polo norte utili-
formação do programa do Proinfância. zou-se dos registros e da memória para reto-
A partir desses objetivos, temos pre- mar os pontos principais observados durante
sente que o processo vivenciado no assessora- as visitas técnicas realizadas nos oito municí-
mento do Proinfância, a memória constituiu-se pios referências do Polo Passo Fundo.
em um elemento pedagógico que auxiliou a As visitas técnicas realizadas pelas pes-
análise e reflexão das experiências vividas, e quisadoras, possibilitou a produção de re-
sua utilização ocorreu durante todo processo gistros e memória, ou seja, através das ob-
de auto-formação e formação dos coletivos, servações feitas nas redes, verificou-se que
oportunizando um diálogo entre as diferentes a equipe de professores municipais conside-
realidades das unidades antes, durante e de- rou e sustentou suas ações segundo as quais
pois dos encontros formativos. a educação infantil defende uma concepção
Através das memórias construídas pela de criança sujeito de Direitos. Essa perspectiva
equipe, foi possível conhecer melhor a realida- educacional vem provocando inquietação nos
de dos munícipios envolvidos no processo de professores em serviço, funcionárias temporá-
assessoramento. rias, estagiários e auxiliares, pois exige dos su-
Os municípios da pesquisa do Proinfân- jeitos uma atitude de observação, a prática de
cia da região Norte apresentaram-se de duas registros, e de revisão de referenciais; ou seja,
formas distintas no que se refere à construção exige olhar a criança de perto, entender o que
do Projeto Pedagógico e práticas desenvolvi- ela manifesta com seus gestos e suas formas
das com as crianças: apresentação de um Pro- verbais e não verbais que utiliza para expressar
jeto já existente de outro contexto que vem a o que ela pensa, quais são as suas curiosidades
ser inserido em uma nova Unidade; projetos e anseios, quais são suas manifestações das
elaborados contemplando a realidade das culturas populares que trazem de casa (KISHIMO-
novas Escolas Infantis. No entanto, ambos os TO, 2010), o que já sabem sobre si e sobre o seu lu-

95
Sussi Abel Menine Guedes e Bianca Lopes Bertuol

gar no mundo, de onde elas vêm, como vivem. O respeito incondicional ao brincar e à brin-
cadeira é uma das mais importantes funções
Estes elementos tomados como referentes da
da educação infantil, não somente por ser no
concepção de criança e infância no escopo do tempo da infância que essa prática social se
projeto Proinfância geraram questionamen- apresenta com maior intensidade mas, justa-
tos que mobilizam alguns profissionais da mente, por ser ela a experiência inaugural de
sentir o mundo e experimentar-se, de apren-
educação, deslocando sua forma de enxergar
der a criar e inventar linguagens através do
a criança como ser que desde que nasce inter- exercício lúdico da liberdade de expressão.
roga o mundo, aprende com os outros e com Assim, não se trata apenas de um domínio da
o ambiente no qual está inserida. Nesse sen- criança, mas de uma expressão cultural que
especifica o humano.
tido, percebe-se que os sujeitos participan-
tes do projeto Proinfância foram instigados a
buscar outras práticas para além daquilo que No processo vivenciado no assessora-
já vinham reproduzindo com base nas refe- mento do Proinfância, o recurso metodológico
rências da docência da escola fundamental, da memória constituiu-se em um elemento pe-
baseadas estas em práticas tradicionais de dagógico que auxiliou a análise e reflexão das
ensino-aprendizagem, ensino formal de con- experiências vividas por ambos sujeitos, e sua
ceitos e baseado em “produtos” ao final de utilização ocorreu durante todo processo de
cada situação de aprendizagem como, por auto-formação e formação dos coletivos. Sua
exemplo, as folhas xerografadas, atividades função também foi a de oportunizar o diálogo
com cartilhas, etc., sem relação alguma com entre as diferentes realidades das unidades an-
as funções contemporâneas a serem desem- tes, durante e depois dos encontros formativos,
penhadas pelas instituições de educação o que potencializou a reflexão entre as pessoas
destinadas às crianças menores de seis anos. a partir da constatação das diferenças entre as
Estamos nos referindo aos eixos articulado- práticas político-pedagógicas das instituições
res de toda proposta curricular da educação de educação infantil, e as concepções que sus-
infantil (BRASIL, 2009), cuja sustentação está tentam tais práticas. Por conseguinte, o diálo-
amplamente abordada no Relatório práticas go deixava marcas nos sujeitos, registradas nas
cotidianas na Educação Infantil - Bases para memórias produzidas durante os encontros
a reflexão sobre as orientações curriculares formativos pelas quais se lançavam novos de-
(BRASIL,2009, p.70), segundo o qual: safios aos sujeitos visando ora modificar suas
concepções, ora visando ascender a patamares

96
A CONTRIBUIÇÃO DA MEMÓRIA NOS PROCESSOS DE FORMAÇÃO DO EDUCADOR INFANTIL E NA ELABORAÇÃO DA
DOCUMENTAÇÃO PEDAGÓGICA

mais elevados de compreensão teórica sobre a bre os indicativos selecionados individualmen-


criança, a infância e a educação infantil. te, a partir das temáticas debatidas), e c)teoria
As memórias foram escritas durante as e prática (momento em que se referenda a luz
formações, e ao término das mesmas, quando da teoria indicativos de reflexão elencados).
se realizava a reflexão do encontro, dos saberem Ainda, enfatiza-se, que essa metodo-
adquiridos, agregando-se teorias que funda- logia foi utilizada na formação dos diferentes
mentam e sustentam estas reflexões, de forma coletivos do projeto, conforme ilustrado na fi-
a reorientar o próximo trabalho a ser realizado. gura A. - A partir dos registros e das memórias,
Nessa perspectiva, a memória organi- construídos nos encontros de fórum, os muni-
za-se contemplando os seguintes aspectos: a) cípios repassaram as temáticas abordadas para
descritivo (relatando as experiências e conhe- o coletivo de seu município, oportunizando,
cimentos vivenciados no encontro de forma- assim, que as reflexões fossem socializadas e
ção), e cumprindo a função de documentar as apropriadas pela rede de professores e gesto-
situações; b) reflexivo (momento em que edu- res nos diferentes municípios.
cadores e gestores refletem e sistematizam so-

PROINFÂNCIA - COLETIVOS

UFSM
ESCOLA
E SEU POLOS
UFSM POLO COLETI- REPRE- COLETI-
UFSM SENTANT COLETIVO
POLOS VO EM VO DAS
COORD. E NO INTER
MUNIC. CADA ESCOLAS
COLETIVOS COLETIVO
COM SEU MUNICÍ- MUNICI- MUNICIPAL
POLOS MUNICI- MUNICIP
PAIS COLETIVO PIO PAIS
AL

SEMINÁRIO
Figura A – Esquema de constituição dos Coletivos. FINAL
Fonte: Projeto Proinfância UFSM, 2012.

97
Sussi Abel Menine Guedes e Bianca Lopes Bertuol

A Equipe Polo Passo Fundo, disponibili- dagógico desenvolvido em nossa escola,


zou um informativo que continha as referências buscando ter o olhar voltado às crianças,
seu desenvolvimento e seu bem estar.
bibliográficas utilizadas, os links do Portal do
Ministério da Educação, nos quais encontram-se Algumas ações que estão sendo colo-
cadas em prática em nossa escola são:
os textos e a legislação vigente; e materiais que Valorização e priorização da brincadei-
auxiliam na organização da prática pedagógica. ra como algo fundamental e que deve
O relato de um município que participou estar presente no dia a dia das crianças,
dos encontros de formação, e dos coletivos e sendo disponibilizado às mesmas o con-
tato com diferentes tipos de brinquedos,
vivenciou esse processo, percebeu o quanto brincadeiras e de ambientes que possam
foi significativo compartilhar as experiências ser explorados ludicamente (Fragmento
para o grupo da escola, em especial para os de um registro memória. Equipe Diretiva
docentes que são o foco central do trabalho de Barão de Cotegipe, 26 de maio de 2014).
formação, pois cabe a eles realizar na prática,
um trabalho de qualidade e que contemple as Além desse caso, outras cidades também
orientações da legislação vigente. Além disso, relataram essa prática de levar a reflexão aos
era consenso a necessidade dos gestores mu- seus professores baseando-se nas memórias
nicipais disporem de subsídios atualizados e escritas nos encontros. Por vezes, foi solicitado
embasados para orientar seus professores nas auxílio aos formadores do Projeto Proinfância
unidades de Educação Infantil. no Polo Norte/UPF, principalmente quanto a
materiais didáticos preparados para esta fina-
lidade e utilizados pela equipe formadora polo
Falas Coordenadoras do Proinfância
Norte, para que fossem compartilhados pelos
Nós da EMEI Barãozinho, de Barão de Co-
coletivos municipais e socializados dentro da
tegipe, gostaríamos de salientar que as
orientações repassadas pelo Proinfância rede, o que foi atendido.
são de grande valia para o desenvolvi- Contudo, também foi evidente a difi-
mento das práticas realizadas em nossa culdade de construir esse processo em alguns
escola, pois as mesmas nos servem como
municípios, seja por não estarem com a escola
um norte para a realização de um bom
trabalho. concluída, e, por conseguinte, sem a equipe
formada, ou mesmo por ficarem aguardando
As trocas de ideias foram muito positivas,
pois nos fizeram refletir sobre o que já tí- os próximos encontros, para reunir mais mate-
nhamos de bom e sobre as mudanças que riais e então compartilhar com o grupo.
nos auxiliariam a aprimorar o trabalho pe-

98
A CONTRIBUIÇÃO DA MEMÓRIA NOS PROCESSOS DE FORMAÇÃO DO EDUCADOR INFANTIL E NA ELABORAÇÃO DA
DOCUMENTAÇÃO PEDAGÓGICA

Portanto, o trabalho foi iniciado, mas a memórias para a continuidade dos trabalhos.
cada encontro era reforçada a necessidade de Nesse aspecto, Saraiva (2007) auxilia ao lem-
se construir o registro e a memória e de conti- brar da evolução que se tem ao produzir tex-
nuar o fluxo formativo projetado no esquema tos: “é a questão do exercício das habilidades
dos coletivos, pois esta dinâmica era crucial de ouvir, falar, ler e escrever” (p.67).
para que o assessoramento fosse acompanha- Nesse sentido, percebe-se a dificuldade
do pela Unidade como um todo, reunindo sob de comunicação dos professores em expressar-
os mesmos pressupostos teóricos e metodoló- -se, expor suas ideias e suas propostas e práti-
gicos a equipe gestora, os docentes e agentes cas pedagógicas a um grupo maior de pessoas,
da política pública na Secretaria de Educação. distinto daquele de seu contexto conhecido de
Ao se construir uma memória a partir de trabalho. Isso pode ocorrer pelo receio de se-
uma vivência, é possível realizar a reflexão so- rem criticadas de uma maneira negativa, sem
bre os discursos e narrativas feitas pelos sujei- se darem conta que poderá ser, por outro lado,
tos. A estratégia da memória reporta a prática muito rica e oportuna a contribuição que ocor-
da escrita, conduzindo a uma reflexão e toma- re na troca de saberes.
da de consciência sobre os conhecimentos e os Além disso, a memória cria a possibilida-
fazeres pedagógicos relacionados à situação de de diálogos ao ser lida em outro momento,
em estudo, ou à realidade que está em análise. de retomar pontos que foram conduzidos, re-
Durante as formações nos municípios fletidos e que precisam de continuidade para
participantes do Projeto Proinfância UPF - Polo serem desenvolvidos e sistematicamente trata-
Norte, percebeu-se o receio desta produção dos proporcionando avanços para outra etapa,
por parte de alguns profissionais envolvidos, fundamentada teoricamente. As reelaborações
considerando-a desnecessária, ou demons- teóricas nos permitem ter uma ressignificação
trando não perceber o cunho pedagógico que dos conceitos e do processo desencadeado
isso poderá proporcionar, com contribuições nos coletivos.
para elaborarem novamente suas ações-refle- Nesse sentido, com a escolha das memó-
xões-ações e, consequentemente, as transfor- rias como opção metodológica nas formações foi
mações necessárias. possível perceber a continuidade dos trabalhos
Assim, tornou-se necessário, no momen- nos coletivos dos municípios, pois as aprendiza-
to inicial, que houvesse a conscientização por gens dos agentes que participavam dos encon-
parte dos participantes da importância das tros formativos do Projeto Proinfância – gestores

99
Sussi Abel Menine Guedes e Bianca Lopes Bertuol

e professores de cada um dos 54 municípios par- que ela necessita” (Trecho retirado de uma me-
ticipantes, reorganizavam suas aprendizagens mória de Formação do IV ciclo Passo Fundo RS
para repassar aos seus pares a partir das contri- 29/04 /2014. Água Santa).
buições e experiências vivenciadas. A equipe de assessoramento percebeu
Além disso, a própria prática cotidia- os benefícios e o sucesso da escolha metodoló-
na pode ser repensada na medida em que a gica do registro memória, também pela forma
equipe de formação trouxe elementos novos, que foi utilizada dessa prática como uma estra-
outros modos de pensar, ponderações e con- tégia na continuidade dos ciclos de formação
tribuições que podem qualificar a práxis peda- nos coletivos da formação e reflexão nos mu-
gógicas dos professores das Unidades de edu- nicípios, qualificando o trabalho desenvolvido
cação infantil do Proinfância, e dos sistemas nas escolas, alcançando, assim, os objetivos
municipais de educação. propostos pelo projeto.
Como exemplo dessa evolução da prá-
tica educativa com as crianças, podemos citar Referências bibliográficas
algumas atitudes tomadas pelas equipes das
unidades educativas como: a reorganização
BRASIL, MEC . BARBOSA, Maria Carmen Silvei-
dos horários de sono, respeitando as caracterís-
ra. Práticas cotidianas na Educação Infantil:
ticas de cada criança; o olhar mais direcionado
bases para a reflexão sobre as orientações
ao letramento das crianças, e menos pelas prá-
curriculares. Brasília, DF: MEC/SEB, 2009. Dis-
ticas concebidas como pré-alfabetização, que
ponível em: <http://portal.mec.gov.br/dmdo-
comumente são descontextualizadas; a valo-
cuments/relat_seb_praticas_cotidianas.pdf>.
rização da produção da criança, no lugar dos
Acesso em: 21/06/2010.
trabalhos xerocopiados; a disposição de brin-
quedos ao alcance das crianças; a organização BENINCÁ, Elli. A memória como elemento edu-
dos tempos priorizando momentos lúdicos; o cativo in: Tedesco, João Carlos. Usos de Memó-
olhar pedagógico direcionado ao berçário. A rias. Passo Fundo/RS: Editora da UPF, 2002.
percepção dessa mudança pode ser identifi- BENINCÁ, Elli et al. A Memória como elemento
cada no registro de uma das participantes dos educativo. In; MüHL, Eldon Henrique et al (org.)
encontros formativos, em que afirma “O tempo O diálogo ressignificando o cotidiano esco-
da criança é diferente do nosso, devemos dar lar. Passo fundo: UPF, 2004. p. 52-87.
ou favorecer a criança o seu tempo, o tempo

100
A CONTRIBUIÇÃO DA MEMÓRIA NOS PROCESSOS DE FORMAÇÃO DO EDUCADOR INFANTIL E NA ELABORAÇÃO DA
DOCUMENTAÇÃO PEDAGÓGICA

KISHIMOTO, Tizuko Morchida. Alfabetização


e letramento/literacia no contexto da edu-
cação infantil: desafios para o ensino, para a
pesquisa e para a formação. In: FRADE, Isabel
Cristina Alves da Silva et al. Convergências e ten-
sões no campo da formação e o trabalho docen-
te. Belo Horizonte/MG: Autêntica, 2010.
SARAIVA, Irene. A memória em Aula in:Sartori,
Jerônimo e Weschenfelder, Lorita. (Org.) Práti-
cas pedagógicas: vivências e reflexões. Passo
Fundo: Ed. Universidade de Passo Fundo,2007.

101
PARTE II

Relatos de Experiências nas


Unidades do PROINFÂNCIA
POLO DE SANTA MARIA
106
5
RESSIGNIFICANDO SABERES A PARTIR DO PROJETO DE
ASSESSORAMENTO PROINFÂNCIA UFSM/MEC

Caroline Silveira Spanevello


Lisandra Locateli Pereira

Introdução turas diante da criança da educação infantil fo-


ram adotadas pelos docentes. Em 2012, com a
O presente resumo tem por objetivo inauguração da Primeira Unidade Proinfância
apresentar, de forma sucinta, algumas práticas, do Município, uma nova possibilidade educati-
considerações e construções de aprendiza- va passou a ser construída tendo em vista que,
gens realizadas junto à uma Escola Municipal com a disponibilização de novos espaços e de
de Educação Infantil, no município de Faxinal uma nova reorganização das turmas, as práti-
do Soturno/RS, as quais foram implementadas cas passaram a ser mais direcionadas e orga-
a partir da proposição de um Plano de Ação nizadas, respeitando as demandas das crianças
dentro das atividades do projeto de assessora- de acordo com seus interesses e necessidades.
mento às Unidades do Proinfância UFSM/MEC. Contudo, ainda fazia-se necessário um melhor
É válido salientar que neste município, a entendimento dos reais objetivos da educação
construção do entendimento de Educação In- infantil enquanto espaço de construção de
fantil como primeira etapa da Educação Básica aprendizagens com propósitos educacionais.
é parte fundamental e imprescindível do pro- Paralelamente à certeza de que o tra-
cesso educativo de crianças, vem acontecendo balho não poderia mais focar-se em questões
há aproximadamente dez anos, quando a en- meramente assistencialistas, surgiam muitas
tão “Creche” foi legalmente constituída como dúvidas em torno do trabalho da educação
Escola Municipal de Educação Infantil. De lá infantil. A possibilidade de parceria com a
para cá, muitas discussões e mudanças de pos- Universidade Federal de Santa Maria, através

107
Caroline Silveira Spanevello e Lisandra Locateli Pereira

de assessorias propostas pelo Ministério da Metodologia


Educação, representou um marco no desen-
volvimento das ações das turmas de educação O trabalho proposto pela Universida-
infantil, pois a partir deste trabalho foram visí- de Federal de Santa Maria à EMEI, através do
veis as modificações em práticas, discussões e Projeto de Assessoramento UFSM/MEC às Uni-
entendimentos por parte dos docentes acerca dades Proinfância, partiu de três orientações
do trabalho com as crianças desta etapa da básicas: um olhar sobre a própria prática, uma
educação, os quais poderão ser visualizados, reflexão em torno desta e uma reconstrução de
acompanhados e compreendidos ao longo fazeres a partir das próprias reflexões. Seme-
deste resumo que traz algumas experiências lhante ao que propõe Carr e Kemis (1986) com
e também algumas construções teóricas pro- a Pesquisa-Ação, a metodologia de trabalho da
duzidas pela equipe da Unidade Proinfância de Assessoria Proinfância motivou os professores
Faxinal do Soturno/RS. a tornarem-se pesquisadores de suas próprias
Inicialmente, serão apresentadas algu- práticas dando a elas um novo significado. Isso
mas práticas pedagógicas resultantes dos des- evidencia-se no relato da professora (D.C – M
dobramentos dos planos de ação propostos na III1): “A partir da Assessoria do Proinfância pude
Unidade. A seguir são trazidos alguns resulta- perceber visivelmente a mudança em minha prá-
dos, discussões e construções teóricas imple- tica pedagógica no que diz respeito a autonomia
mentados pelos docentes dentro da proposta. no planejamento e reflexão a partir de situações
Ao final, as conclusões apontam os caminhos vivenciadas em sala de aula”.
já percorridos e as buscas que ainda são ne- Com esta afirmação, a professora (D.
cessárias para a continuidade do trabalho. A C – MIII) deixa transparecer seu entendimen-
construção deste trabalho deu-se por meio to sobre a importância destas duas ações na
de relatos escritos das docentes da instituição construção de aprendizagens significativas por
acerca de práticas pedagógicas desenvolvidas parte de seus alunos, uma vez que explicita ter
ao longo do ano de 2014. A partir de cada um dado um novo sentido ao seu próprio fazer. É
dos relatos, realizamos uma seleção de falas e o que enfatizam Barbosa e Horn (2008, p. 35):
indicações, as quais remetessem ao tema em
questão as quais estarão citadas ao longo do 1 Sempre que forem apontados relatos das professoras,
serão utilizadas suas iniciais seguidas das turmas com que tra-
texto, com a indicação das letras iniciais das balham, sendo, BI (Berçário I), BII (Berçário II), MI (Maternal I), MII
docentes. (Maternal II), MIII (Maternal III), MIV (Maternal IV), PA (Pré-Escola
A), PB (Pré-Escola B).

108
RESSIGNIFICANDO SABERES A PARTIR DO PROJETO DE ASSESSORAMENTO PROINFÂNCIA UFSM/MEC

“Para haver aprendizagem, é preciso organi- alunos ambientes mais ricos em interação,
zar um currículo que seja significativo para as com atividades de pintura livre com diferen-
tes materiais, experimentação com várias
crianças e também para os professores”. sensações (quente, frio, duro, mole, sabores,
Partindo desses pressupostos algumas cores...). O projeto “Os Sentidos” propiciou
ações foram sendo implementadas na EMEI ao explorar com maior propriedade o manu-
longo deste projeto, seguindo a metodologia seio de diferentes materiais, em especial a
tinta. Este projeto, de um modo geral, visava
proposta pela Assessoria Proinfância UFSM/MEC perceber o mundo através de uma redesco-
e considerando a definição de currículo que traz berta intra e interpessoal através dos órgãos
o Parecer CNE/CEB nº 20/2009, em seu Art. 3º: dos sentidos, enriquecendo e desenvolven-
do habilidades. (Professora G.B – MI)
O currículo da Educação Infantil é concebido Outro relato que traz experiências seme-
como um conjunto de práticas que buscam lhantes é o da Professora (G.U – BI):
articular as experiências e os saberes das
crianças com os conhecimentos que fazem
parte do patrimônio cultural, artístico, am-
biental, científico e tecnológico, de modo
a promover o desenvolvimento integral de
crianças de 0 a 5 anos de idade.

Esta definição de currículo põe o foco na


ação mediadora da instituição de Educação In-
fantil como articuladora das experiências e sa-
beres das crianças e os conhecimentos que cir-
culam na cultura mais ampla e que despertam
o interesse das crianças. A Professora (G.B – MI)
relata que a partir da Assessoria e do incentivo
da coordenação da escola resolveu ir além de
uma prática superficial, entendendo que não
bastava apenas contar uma história ou fazer
um desenho ou colagem. Precisava propiciar
às crianças experiências mais significativas. Figura 1 – Crianças do MI explorando a tinta em espaço externo
da escola.

Havíamos decidido tentar proporcionar aos

109
Caroline Silveira Spanevello e Lisandra Locateli Pereira

Durante o desenvolvimento do projeto “Desco- mentos para o estabelecimento do jogo sim-


brindo as sensações e brincando de montão”
bólico ampliando a possibilidade da experi-
com a turma do Berçário I, uma das atividades
propostas foi a chegada de uma banheira na mentação e da criação.
sala, inicialmente com água morna. A princi-
pio as crianças apenas tocaram, se molharam, Propus uma atividade de interação com o Ber-
sentiram a sensação quentinha da água. Após çário II, em um espaço diferente da sala de aula
fomos colocando brinquedos na água. No final (solário), colocando uma criança dentro de
da manhã a banheira foi colocada no freezer da uma caixa de papelão e posteriormente movi-
escola, permanecendo da mesma forma que as mentando-a com o auxílio das outras crianças
crianças haviam deixando no último momento, da turma. Nesta atividade pude observar a in-
com os brinquedos e a mesma água dentro. No teração entre turmas, o momento de esperar a
dia seguinte esta banheira foi colocada no cen- sua vez de participar da atividade e a alegria de
tro da sala, já para receber as crianças. Foi en- estar em um ambiente diferente da sala de aula
cantador ver as reações delas. Alguns tentavam (Professora D.D – BII).
tirar os objetos sem sucesso, outros não gosta-
ram da sensação de frio na mão e outros puxa-
Além destas propostas, trazemos tam-
vam para tirar os brinquedos que ficaram com
água congelada apenas na metade submersa. bém para apreciação, duas experiências extre-
mamente significativas desenvolvidas ao lon-
Nos dois relatos percebe-se que as pro- go desta trajetória de assessorias que tiveram
fessoras estabeleceram a possibilidade de jogo seus objetivos voltados para a interação das
com as crianças, sensibilizando-as para o dese- famílias com o trabalho proposto na escola. A
jo pela experimentação e para criação. Winni- primeira delas foi desenvolvida pela Professora
cott (1975) refere que o jogo é uma experiência (L.C – MII) chamada “Amigos pra Valer”:
criativa, uma experiência situada em tempos e
Este projeto surgiu em nossa turma através de
espaços. Para ele, estas situações de jogo (brin- observações das crianças, nas brincadeiras e ati-
car) são a base para o desenvolvimento da cria- vidades, pois havia certa resistência em dar as
tividade. mãos para alguns colegas. Com isso surgiu a ne-
cessidade de trabalhar a amizade que se constrói
E neste sentido, é válido salientar que o na convivência e nas ações do dia a dia. Utiliza-
brincar não precisa, necessariamente de “obje- mos uma mascote da turma, a Lulu. A atividade
tos simbólicos” (SOMMERHALDER, 2011), que proposta era desenvolver o vínculo afetivo entre
as crianças e a personagem, onde as mesmas
seriam os chamados “brinquedos prontos”. Os deveriam levá-la para casa e cuidá-la até o ou-
objetos de uso cotidiano e não cotidiano da tro dia da aula. A família esteve envolvida neste
criança podem tornarem-se importantes ele- processo auxiliando na criação do vínculo das

110
RESSIGNIFICANDO SABERES A PARTIR DO PROJETO DE ASSESSORAMENTO PROINFÂNCIA UFSM/MEC

crianças com a Lulu, o que foi muito positivo e faltando na casinha? Use sua criatividade
significativo dentro do projeto proposto. e ajude seu filho nesta construção, somen-
te com alguma coisa, pois esta casinha irá
visitar outros coleguinhas. Amanhã esta-
A outra proposta foi desenvolvida pela remos ansiosos aguardando a surpresa. A
Professora (D.C – MIII) onde ela relata: partir daí iniciou a casinha nas casas dos
alunos. Em aula, orientei-os sobre o que
Apropriei-me de um livrinho da histó- deveriam contar para os pais (cuidadores).
ria (3 Porquinhos), encapei uma caixa de Fui surpreendida com o tamanho do en-
sapatos com papel pardo e pelo lado de volvimento e dedicação dos mesmos em
dentro da caixa colei o seguinte bilhete: realizar a atividade solicitada. A minha
Papai e Mamãe! Estamos aprendendo na intenção era oportunizar momentos pra-
escola que a família é a base de tudo. E a zerosos de aprendizagem junto da família
prof. disse que os três porquinhos decidi- da criança, incentivando a curiosidade e
ram morar juntos porque o lobo assoprou estimulando a criatividade.
a casa dos irmãos mais novos. Mas a casa
nova não está pintada, não tem o que A partir desse relato, assim como do an-
comer, nem onde cozinhar e dormir. Por
isso estamos pedindo ajuda: O que está
terior, é possível perceber que o trabalho está
pautado nas DCNEI (2009), tendo a brincadeira

Figura 2 – Crianças do MIII em interação com a casinha construída a partir da participação das famílias

111
Caroline Silveira Spanevello e Lisandra Locateli Pereira

como eixo norteador, que envolve não só as onde as crianças puderam observar o processo
crianças mas também as famílias. E esta, por de preparo da terra, plantar, regar para que a
plantinha pudesse nascer. Após essas descober-
sua vez, tem desempenhado um papel cada tas, realizamos a construção de uma horta na
vez mais importante e significativo na constru- escola. Os canteiros foram construídos repre-
ção das aprendizagens infantis, sendo impor- sentando as figuras geométricas pelos próprios
tante colaboradora da escola. alunos e professora utilizando garrafas pets e
água com guache colorido, onde foi explorado
A família, “[...] Moderna, principalmente
o tamanho das garrafas, cores, texturas, bem
a partir do século XVI, redefine seu papel pe- como a exploração sobre a textura do solo, chei-
rante a criança, assumindo uma função edu- ro, umidade. A seguir realizamos o plantio de di-
cativa [...] O eixo da família moderna passa a ferentes sementes e mudas (temperos, verduras)
na horta; por meio deste projeto, as crianças pu-
ser a criança, transformada em objeto de seus
deram compreender a importância das plantas,
cuidados, de seu amor e de seu controle [...]” desenvolveram o raciocínio lógico, a linguagem
(BACHA, 2002 apud SOMMERHALDER, 2011, oral, a coordenação motora fina e grossa, o uso
p.32). Esta afirmação justifica a importância de material reciclável, o trabalho em equipe,
a interação social, o respeito mútuo, além de
assumida pelas propostas de ambas as profes-
despertar o interesse pela preservação do meio
soras, e o envolvimento imediato e intenso das ambiente, assim como as formas de vida e sua
famílias nas atividades, já que as crianças são sobrevivência”. (Professora L.B – MIV). “Confec-
capazes de influenciar diretamente nas ações cionamos um cartaz com personagens da histó-
ria. Todos pintaram com tinta guache. Colamos
das famílias. Outra proposição realizada pelas
girassóis no cartaz. Depois plantamos o girassol
educadoras e que merece destaque, foram as em potes de iogurte. As crianças felizes levaram
atividades voltadas à exploração do meio am- a semente de girassol plantada no pote, para
biente, especialmente as plantas. casa. Depois de uns vinte dias trouxeram de
volta e transplantamos para o pátio da escola.
Através da história A viagem da sementinha (Professora I.C – MIV)
(Maria Saiderberg/adaptado por Àlvaro Cos-
ta), as crianças desenvolveram a consciência
de que necessitamos um meio ambiente sau- A partir destes relatos de ações torna-se
dável. Realizamos dramatizações, construí- possível a visualização do quão significativas
mos painel coletivo sobre o que a sementinha
foram as construções produzidas a partir da
necessita para nascer, onde a professora foi o
escriba; realizamos experiências com bonecos proposta das assessorias, das práticas pedagó-
ecológicos utilizando meia, alpiste e serragem, gicas implementadas e da importância que este

112
RESSIGNIFICANDO SABERES A PARTIR DO PROJETO DE ASSESSORAMENTO PROINFÂNCIA UFSM/MEC

Figura 3 – Crianças do MIV em atividade junto a horta construída por elas, a partir do tema proposto pelas professoras.

assessoramento teve para ampliar a discussão Na perspectiva da Proinfância em nossa escola


sobre o papel da educação infantil como algo podemos refletir sobre nossa prática pedagógica
nas turmas de pré-escola, colocando a criança
que ultrapassa as paredes da sala de aula. A se- como centro do trabalho, atendendo os interes-
guir, apresentaremos alguns resultados obtidos ses delas, partindo do que elas sentem prazer em
a partir deste trabalho considerando a fala das aprender. (Professoras D.D, J.D, J.G – PA e PB).
docentes envolvidas. Fica para nós a certeza de que a assessoria pe-
dagógica nos trouxe a possibilidade da quebra
de paradigmas. Nos fez ter um novo olhar sobre
Resultados/Discussão
nossa prática docente, mostrando que ela pode
ser constantemente renovada e que podemos
A construção de um novo pensar e um cada vez mais aprimorá-la. (Professora G.B – MI)
novo agir nas turmas da Educação Infantil a Baseada nas orientações da Assessoria Proin-
partir da proposta de assessoramento às uni- fância, foi possível perceber a importância da
dades Proinfância UFSM/MEC trouxe significa- participação ativa dos alunos em diversas ati-
vidades propostas e em diferentes ambientes.
tivas mudanças de comportamento e de con- Atividades que contaram com a alegria e a
cepções aos professores envolvidos: construção de momentos socializadores, sem
deixar de intrinsecamente, desenvolver o objeto
do planejamento. (Professora R.L – MII).

113
Caroline Silveira Spanevello e Lisandra Locateli Pereira

Deste modo, pode-se aferir que os resul- mada da discussão teórica, da reflexão sobre
tados obtidos foram extremamente positivos a prática e da ressignificação de saberes para
e trouxeram importantes contribuições para o que todo o trabalho desenvolvido ao longo
fazer pedagógico das professores envolvidas, das assessorias não se perca em meio à força
principalmente nas questões relacionadas ainda presente na formação/prática docente,
a não mais a utilização de folhas impressas de uma trajetória histórica de educação infantil
para que as crianças pintassem um desenho que se confunde com assistencialismo e esco-
padronizado ou reproduzissem letras e núme- larização.
ros, o abecedário preso à parede, tomando o Nessa mesma linha de pensamento se-
lugar que poderia ser das produções autôno- gue a preocupação da rede municipal e do po-
mas das crianças. der público em garantir aos docentes todas as
O tempo de espera que subtraía os mo- políticas educacionais capazes de dar-lhes sub-
mentos de brincadeiras no pátio ou dentro de sídio ao trabalho como um todo. Assim, desde
sala, questões relevantes que foram sendo dis- o início do ano de 2014, os professores contam
cutidas e trabalhadas a partir da assessoria do com a disponibilidade de um terço de sua car-
Proinfância. Nesta mesma linha, destacamos ga horária para planejamento, conforme prevê
também a compreensão por parte das docentes a legislação brasileira. Esses passos são dados
da importância de se respeitar as necessidades pensando na promoção da escola de educa-
das crianças e não impor-lhes as vontades dos ção infantil como espaço de aprendizagens
adultos. Exemplo disso foi a aceitação de que em que os professores necessitam deste tem-
cada criança terá seu horário de sono em tem- po, em serviço, para estudos, planejamentos e
pos diferentes, ou não terá horário de sono na reflexões coletivas com seus pares.
escola, prática que antes era entendida como
algo comum à todos ao mesmo tempo. Conclusões
Contudo, há que se considerar que este
é um processo em construção. Muito embora Face ao exposto, é possível concluir que
existam vários relatos de práticas que conside- o trabalho desenvolvido na EMEI, baseado nas
ram a criança como centro do processo traba- assessorias e na proposição de um plano de
lhando à partir da perspectiva da construção ação, apresentou dados importantes e signifi-
do conhecimento, temos percebido, em de- cativos para o entendimento de que a reflexão
terminados momentos, a necessidade da reto-

114
RESSIGNIFICANDO SABERES A PARTIR DO PROJETO DE ASSESSORAMENTO PROINFÂNCIA UFSM/MEC

na ação e sobre a ação é capaz de levar os pro- Referências bibliográficas


fessores à mudanças em torno do seu pensar e
do seu fazer pedagógico. BARBOSA, M.C.S; HORN, M.G.S. Projetos Peda-
Contudo, não é um trabalho de poucas gógicos na Educação Infantil. Porto Alegre:
horas. Precisa uma continuidade e um aperfei- Grupo A, 2008.
çoamento para que práticas antigas, porém já
BRASIL, PARECER CNE/CEB Nº: 20/2009 - Re-
arraigadas ao fazer docente, não se sobrepo-
visão das Diretrizes Curriculares Nacionais para
nham ao entendimento de que a Educação
a Educação Infantil, 2009.
Infantil é uma etapa da educação que encer-
ra-se em si mesma e que possui construtos de CARR, W.; KEMMIS, W. Becoming critical ed-
conhecimento que possibilitam à criança ser ucation: Action knowledge and action re-
criança e desenvolver seu pleno potencial cria- search. London and Philadelphia: The Palmer
tivo e criador, dando a ela a possibilidade da Press, 1986.
autonomia que deve ser elemento primordial SOMMERHALDER, A. Jogo e a Educação da In-
na construção das práticas educativas como fância: muito prazer em aprender. Curitiba,
um todo. PR: CRV, 2011.
Conclui-se, então, com a certeza de que
WINNICOTT, D. W. O brincar e a realidade. Rio
o trabalho das assessorias representa um di-
de Janeiro: Imago editora LTDA, 1975.
visor de águas para o trabalho de muitos pro-
fessores, trazendo importantes e significativas
mudanças de posturas, concepções e práticas.
Há, porém, que se pensar no seu desenrolar para
os próximos anos, pois é sempre fundamental e
necessário a criação de novas propostas de for-
mação continuada no “chão” das escolas, para
que os professores não percam de vista seus
objetivos, suas aprendizagens e a compreen-
são de que um fazer pedagógico só é signifi-
cativo quando assumido desta forma também
pelas crianças.

115
6
A MÚSICA COMO PROPOSTA DE CANTO E ENCANTO
NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Patricia Storck Ghisleni


Neide Inez Werle
Marcia Spezia

A linguagem musical no cotidiano da e coordenação motora das crianças. Sugerindo,


educação infantil ainda, a compreensão de que a música atua
como facilitadora do processo de aprendiza-
A partir de reflexões feitas acerca da gem e também favorece a construção da sensi-
nossa prática junto às crianças na Educação In- bilidade, possibilitando recordar sensações que
fantil e de observações das práticas cotidianas as acompanham desde suas primeiras experiên-
que envolviam a linguagem musical, contra- cias musicais.
pondo com os estudos teóricos que vínhamos É importante situar o leitor de que,
realizando, sentimos a necessidade de ampliar para fundamentar nosso trabalho, buscamos
as potencialidades e possibilidades desta lin- embasamento no projeto de assessoramento
guagem, desenvolvendo situações de aprendi- dos Ciclos Formativos do Proinfância – efetiva-
zagem que a atendessem de forma mais signi- dos através da Universidade Federal de Santa
ficativa. Maria - UFSM, para construirmos esta perspec-
Conforme Brito (2003), uma das princi- tiva de trabalho com as crianças. Isto, por estar-
pais bases teóricas utilizadas para a construção mos desenvolvendo um trabalho com objeti-
do projeto, a música representa um importan- vos comuns à outra escola da rede municipal
te papel na educação das crianças pequenas, de Teutônia/RS, conveniada a esta formação,
contribui significativamente para o desenvolvi- com trabalhos pedagógicos que compartilha-
mento sócio afetivo, cognitivo, linguístico, con- vam das mesmas orientações, bem como de-
centração, memorização, consciência corporal mais subsídios e referenciais.

117
Patricia Storck Ghisleni, Neide Inez Werle e Marcia Spezia

Nessa direção, entendemos que a mú- entre a música e o ser. Considerando que desta
sica na educação infantil, de um modo geral, interação resulta uma produção musical, Bri-
sofreu (e ainda sofre) com conceitos equivo- to (2003) nos sugere que a mesma ocorra por
cados, sendo utilizada para condicionar mo- meio de dois eixos, sejam estes a criação e a
mentos do cotidiano como a hora do lanche, reprodução, que garantem três possibilidades
de dormir, de ir embora, tornando essa expe- de ação: interpretação, improvisação e com-
riência musical vazia e sem significado, uma posição. Assim, durante o desenvolvimento do
vez que a criança somente estará reproduzin- projeto, nos preocupamos em realizar experi-
do o que lhe fora ensinado, sem uma reflexão mentações e oportunizar situações que des-
ou experimentação possível. Neste sentido, as sem conta destes eixos.
ponderações desta natureza nos mobilizaram Ainda, de acordo com a autora, é rele-
para qualificarmos nossa prática cotidiana. vante conceituar que a interpretação se ca-
racteriza pela qualidade da apropriação do
O nascimento do projeto de música conhecimento musical e sua relação com suas
vivências e experiências afetivas, não se tra-
Aliando a importância de realizar um tra- tando apenas de uma simples imitação. O que
balho de qualidade com a linguagem musical, nos faz refletir acerca de práticas que reforçam
sentíamos a necessidade de também desen- a preocupação em as crianças repetirem músi-
volver práticas coletivas que integrassem os cas da forma exata como estas lhe são repassa-
grupos de crianças e possibilitassem a intera- das, sem permitir que estas envolvam-se com a
ção das diferentes idades. Segundo as Dire- música, sensibilizando-se com esta.
trizes Curriculares Nacionais para a Educação
Infantil (2010, p. 25), “as práticas pedagógicas Os seres humanos estão imersos no ambiente
sonoro desde antes do seu nascimento. Estu-
da educação infantil devem ter como eixos
dos demonstram que os bebês desenvolvem
norteadores as interações e brincadeiras”. Par- capacidades surpreendentemente precoces
tindo deste pressuposto, consideramos a pre- de percepção e compreensão dos fenômenos
valência do lúdico enquanto organizador das sonoros, ainda dentro do útero materno. Ao
nascer, as crianças iniciam sua participação
ações que estaríamos realizando.
num mundo repleto de sons e música, que
Passamos a acreditar, a partir dos apro- durante toda a vida integrarão suas formas
fundamentos teóricos (BRITO, 2003), que o fa- de se comunicar e de falar (OLIVEIRA, 2012,
zer musical acontece quando existe interação p.144).

118
A MÚSICA COMO PROPOSTA DE CANTO E ENCANTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Assim, considera-se de suma importân-


cia que a música também se faça presente
nas turmas de berçário, com uma proposta de
qualidade planejada, exigindo conhecimento
do profissional que atua com esta faixa etária,
para que possa realizar uma prática condizente
e intencional.
A música, como os demais conheci-
mentos, se constrói com base em vivências e
reflexões e, desta forma, é importante para o
desenvolvimento musical que a criança esteja
habituada a expressar-se musicalmente desde
os primeiros anos de vida, para que assim a Menino do Maternal explorando instrumento musical alternativo.
música venha a se constituir numa faculdade
permanente do seu ser, e que desperte o senso
crítico e estético diante da apreciação de re- Nessa direção, em nossa escola, possi-
pertórios diferenciados. bilitamos desde o berçário a incorporação de
Quando o bebê e a criança pequena objetos sonoros nos momentos de exploração,
cantam, batem palmas ou qualquer forma sendo estes confeccionados juntamente com
pela qual a criança utilizar para produzir som, as crianças, suas famílias ou ainda adquiridos
a “transformam em som”, representando a si pela escola. Ainda, realizamos pesquisas junto
própria, explorando sonoramente o mundo as famílias para introduzir no cotidiano da sala
que a rodeia e comunicando-se através dos de aula cantigas e acalantos que estão presen-
diferentes sons que produz. Dessa forma, os tes em seu meio familiar. Exploramos através
tempos destinados a esta proposta de explo- da apreciação, ritmos variados, descobrindo
ração sonoro-musical, as atividades lúdicas, preferências e possibilitando a descoberta de
as brincadeiras, são as melhores formas da diversos gêneros musicais como possibilidade
criança se apropriar do conhecimento musical, de ampliação do conhecimento cultural.
pois quando brinca, ela se diverte e concentra A improvisação, segundo Brito (2003),
é uma atividade orientada por critérios, pois
maior atenção naquilo que faz (BRITO, 2003).
neste improviso as ideias musicais não se per-

119
Patricia Storck Ghisleni, Neide Inez Werle e Marcia Spezia

dem totalmente, elas vão e vem transforman- jetos do cotidiano, por instrumentos musicais
acústicos, elétricos (...)”. (Brito, 2003, p. 59).
do-se, exercitando a imaginação a capacidade
de criação e transformando em som aquilo que
deseja. Como forma de abordar a improvisação Desta forma, utilizamos uma variedade
foram oportunizados momentos de criação li- de materiais sonoros, como chocalhos, reco-
vre para as crianças reelaborarem cantigas que -reco, clavas e sinos, estimulando as crianças a
lhes eram familiares e também exploradas em inicialmente explorarem os instrumentos e os
nosso dia-a-dia, criando paródias. Como, por sons produzidos por estes, para posteriormen-
exemplo, com a cantiga “Atirei o pau no gato” te iniciarem a criação e improvisação.
onde as crianças substituíam palavras a partir De acordo com Maffioletti (1998, p.118):
das combinações feitas.
As crianças precisam ter experiências concre-
Segundo Brito, a composição caracteri- tas com objetos que emitem sons, instrumen-
za-se pelo registro musical na tentativa de pre- tos musicais ou outros e formar um vocabulá-
servá-lo, pressupondo o entendimento daque- rio específico para se referir a eventos sonoros.
le que a lê. A criança representa graficamente o
som de uma forma próxima a que ela percebe Através do manuseio destes materiais
e executa, seja pelo registro na memória, por construímos diversas aprendizagens, tais como
gravação ou ainda notação (BRITO, 2013). Com a classificação de sons (forte, fraco), sequências
o intuito de desenvolver práticas relacionadas (pandeiro, violão, pandeiro, flauta, pandeiro),
ao registro musical consideramos como regis- noção temporal (antes, depois), duração (mui-
tro a apropriação da canção ou utilizando re- to, pouco tempo).
cursos simbólicos como sinais, uma vez que Segundo Brito (2003), na educação infantil
nossos pequenos ainda não se apropriaram da é possível reunir uma grande variedade de mate-
linguagem escrita convencional. riais sonoros, sendo, inicialmente, indicados ins-
Assim, através de construções coletivas, trumentos musicais pelos quais os sons são pro-
realizamos alguns registros musicais com linhas, duzidos pelo próprio corpo dos instrumentos,
decalques de mãos e pés, figuras recortadas, de- como chocalho, reco-reco, clavas, sinos e outros.
senhos de símbolos, entre outras situações. A autora ainda sugere que, posteriormente, ati-
vidades com materiais que necessitam de maior
Chamamos de fontes sonoras todo e qualquer coordenação motora são interessantes por esti-
material produtor e propagador de sons: pro- mularem a criança para a criação e improvisação.
duzidos pelo corpo humano, pela voz, por ob-

120
A MÚSICA COMO PROPOSTA DE CANTO E ENCANTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Delalande (2000), pôde nos auxiliar a da da exploração é a repetição, de onde des-


conhecer melhor o modo como as crianças cobre a variação sonora de um mesmo objeto.
se relacionam com o universo de sons e mú-
sica. Para o compositor e pesquisador francês O projeto Música: “Palavras que can-
“as condutas da produção sonora da criança, tam e encantam”
revelam a ênfase num ou noutro estágio de
atividade lúdicas”. Com base nas descrições O projeto de música, como citado an-
sobre a proposta deste autor (BRITO, 2003), a teriormente, surgiu de uma necessidade per-
exploração (sensório motor), desde os primei- cebida na Escola. Desta forma, construímos o
ros meses vida, a atividade sensório motora do projeto coletivamente, sendo a equipe diretiva
bebê pode tomar a forma de uma exploração da Escola responsável por sua elaboração teó-
de objetos que produzam ruídos. Por volta dos rica, organização e proposição de algumas si-
8 meses observam-se comportamentos mais tuações de atividades, principalmente aquelas
elaborados, nos quais a modificação dos ges- nas quais estariam ocorrendo situações coleti-
tos introduz variações de resultados sonoros. vas, ou integradoras, isto é que promovessem a
Já nas crianças de 4 a 5 anos a forma privilegia- integração de todas as crianças da Escola.

IMAGEM 2: Alunos do Maternal manuseando instrumentos musicais convencionais e outros construídos com materiais alternativos.

121
Patricia Storck Ghisleni, Neide Inez Werle e Marcia Spezia

Além disso, também oportunizou-se, sonoros, principalmente para a turma do ber-


em reunião pedagógica o estudo mais deta- çário. Esta integração foi importante, em es-
lhado desta linguagem. A partir deste início pecial, por reforçar a parceria família-escola.
cada turma da Escola, organizou atividades Foram construídos materiais que fica-
que fossem adequadas a sua faixa etária, uma ram a disposição das crianças, como tambo-
vez que na Escola contamos com turmas de res, bateria, chocalhos, violão, e outros, todos
berçário, maternal e pré-escola, totalizando a partir de materiais alternativos. Da mesma
cerca de sessenta alunos. forma as demais turmas engajaram-se na pro-
Este projeto, assim como outros que dução de objetos sonoros, entretanto, agora
surgiram da necessidade de se trabalhar com envolvendo as crianças nestas construções.
maior propriedade e segurança, saberes e
conhecimentos sugeridos pelas Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação In-
fantil (2010), permanecem ativos na Escola,
pois tornaram-se parte de nossa rotina. Hoje,
contamos com uma professora de música,
que está encarregada de dar continuidade as
práticas desenvolvidas no ano de 2014. Con-
tudo, no dia a dia da Escola, percebemos que
muitos dos conhecimentos construídos por
nós educadoras, permanecem presentes em
nossas práticas pedagógicas e estão retrata-
dos nas situações de aprendizagens propos-
tas.
O projeto foi intitulado “Palavras que
cantam e encantam”, fazendo referência a ci- IMAGEM 3: aluna do Pré A, construindo chocalho.
dade de Teutônia que por uma forte tradição
musical nomeia-se “Teutônia cidade que can- A confecção dos materiais com as crian-
ta e encanta”. ças enriqueceu o trabalho, por tratar-se de ati-
Durante o projeto solicitamos a parce- vidade que desperta a curiosidade e estimula
ria das famílias para a produção de materiais a experimentação de sons. Além de contribuir,

122
A MÚSICA COMO PROPOSTA DE CANTO E ENCANTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

de acordo com Brito (2003), para o entendi- quais eram os recursos disponíveis, bem como
mento de questões elementares referente a a evolução destes materiais sonoros. Também
produção dos sons e suas qualidades, sendo foi proporcionado momentos de exploração
que a construção de instrumentos estimula a de instrumentos originais, como o pandeiro,
pesquisa, a imaginação, o planejamento, a or- clavas, tambor, violão, com os quais foram rea-
ganização e a criatividade. lizados momentos de cantigas, exploração e
Em acordo com a autora, esta constru- manuseio pelas crianças.
ção pode ser mais rica se estabelecemos rela- Segundo Brito (2003), as crianças, por
ções com a história deste instrumento, com volta de quatro a cinco anos, passam a expres-
seu papel nas diferentes culturas, refazendo o sar-se através do jogo simbólico, representan-
caminho traçado pela humanidade na busca de do em suas brincadeiras a realidade, que está
meios para a expressão musical. (BRITO, 2003). diretamente relacionada às suas vivências afe-
O que foi estabelecido durante a construção e tivas. Inclusive, utilizando-se, nesses jogos de
efetivação do projeto, em situações de rodinha, faz de conta, da representação de sons e ges-
nas quais buscamos conversar com as crianças tos, que fazem parte de suas vivências, como
sobre a criação dos primeiros instrumentos quando imitam o som de um carro, ao mesmo
pela humanidade, como eram confeccionados, tempo em que brincam de dirigi-lo.

IMAGEM 4: Apresentação para os colegas da Escola.

123
Patricia Storck Ghisleni, Neide Inez Werle e Marcia Spezia

Assim, exploramos estas práticas a par- O projeto de música no cotidiano das


tir de brincadeiras e rodas cantadas, nas quais crianças: crescimento no coletivo da creche
também utilizamos materiais que representa-
vam os sons. Um exemplo é a brincadeira da Com o desenvolvimento deste projeto
“Caça ao ursinho”, na qual as crianças manu- percebemos a ampliação do leque de possibi-
searam objetos diversos para reproduzirem os lidades acerca da linguagem musical, aprimo-
sons da história e também do próprio corpo. rando a prática musical e, por consequência,
De acordo com Brito (2003), as brinca- as construções individuais das crianças. Ressal-
deiras cantadas infantis são uma das primeiras ta-se, em muito, a construção que ocorreu de
manifestações do jogo musical com regras. forma coletiva, onde todas as educadoras da
Desta forma, oportunizamos brincadeiras com escola envolveram-se na busca de estratégias
a incorporação de algumas regras. Por exem- e ações, havendo com isso constantes trocas
plo, a cantiga “A linda rosa juvenil”, na qual as no grupo, o que enriqueceu imensamente o
crianças combinavam entre si quem represen- trabalho desenvolvido em conjunto.
taria cada papel, além do respeito a ordem de Nas salas de aula, anteriormente, não
ação destes personagens a partir da música. se percebia intencionalidade educativa na ex-
Considerando a necessidade de ampliar- ploração de materiais sonoros ou musicais, o
mos o repertório de conhecimentos, também que foi modificando-se no decorrer do proje-
musicais, das crianças e a possibilidade de to, dando-se, também, mais ênfase a produção
desenvolver sua expressão, organizamos mo- sonora das crianças, bem como a percepção
mentos nos quais, semanalmente, uma das da necessidade de construirmos e adquirir-
turmas envolvidas no projeto ficava responsá- mos um número maior e diversificado de ins-
vel por organizar uma situação musical. Assim, trumentos. Sendo estes agora, utilizados em
o grupo, de forma coletiva, elegia uma música diferentes momentos de nossas práticas coti-
ou canção a partir da qual planejava movimen- dianas.
tos para apresentá-la aos demais colegas da Es- Outro aspecto fundamental que temos
cola. Após estas encenações também ocorriam percebido refere-se à ampliação do repertó-
momentos nos quais todas as crianças da Es- rio musical das crianças e adultos da escola,
cola vivenciavam situações prazerosas de par- com relação à diversidade de músicas que fo-
tilha de conhecimentos musicais, ampliando o ram trazidas para apreciação e exploração das
repertório de todos. crianças, com a introdução de ritmos dos quais

124
A MÚSICA COMO PROPOSTA DE CANTO E ENCANTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

estes não estavam habituados, bem como va- Referências bibliográficas


lorizando canções que compõem o repertório
cultural das próprias crianças, como por exem-
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de
plo, os cantos religiosos que são expostos por
Educação Básica. Diretrizes Curriculares Na-
estes aos colegas nos momentos de expressão
cionais para a Educação Infantil/Secretaria
musical livre.
de Educação Básica. – Brasília: MEC, SEB, 2010.

Aprendizagens para além do projeto: BRITTO, Teca Alencar de. Música na Educação
considerações finais Infantil, propostas para a formação integral
da criança. São Paulo: Pierópolis, 2003.
Acreditamos que muito ainda temos para MAFFIOLETTI, Leda de Albuquerque. Práticas
construir, a fim de ampliar a formação musical musicais na escolar infantil. In: CRAIDY, Car-
de nossos pequenos, uma vez que o estudo rea- mem Maria e KAERCHER, Gladis Elise Pereira
lizado a partir do projeto Proinfância, da Univer- da Silva. Educação Infantil: p’ra que te quero?
sidade Federal de Santa Maria, nos possibilitou Porto Alegre: UFRGS/Governo do Estado do RS,
esclarecer o quanto esta linguagem é importan- 1998.
te para o desenvolvimento integral de nossas
OLIVEIRA, Zilma Ramos de (org.) O trabalho
crianças. Concordamos que temos o compro-
do professor da Educação Infantil. São Pau-
misso de continuar investindo neste trabalho.
lo: Biruta, 2012.
Assim, acreditando que é na ação e re-
flexão de nossas práticas, aliada a discussão PIZZATO, Miriam Suzana. Brincando com a
com nossos pares na escola, que poderemos escuta musical na educação infantil. Revista
ampliar e aprimorar o que já fazemos, temos a Pátio – Educação Infantil, Ano XI nº35, abr/jun,
convicção de que necessitamos continuar em 2013.
nosso processo de busca para conhecer ainda
mais os elementos que compõem essa lingua-
gem e as possibilidades metodológicas que
possam favorecer o desenvolvimento musical
das crianças. Pois, com o pouco que fizemos,
podemos visualizar o tanto que ainda podere-
mos fazer.

125
7
OS BEBÊS NA EDUCAÇÃO INFANTIL:
TRANSFORMAÇÕES NA AÇÃO PEDAGÓGICA

Neusa Maria Gregory


Marli Spellmeier
Berta Carina Sippel

diversidade de sujeitos, nos diferentes espaços,


em contato com as diversificadas manifestações
Introdução culturais que fazem parte de seu contexto de ori-
gem. Essas vão se ampliando, ao longo do seu
O presente artigo é proveniente de prá- processo de desenvolvimento/aprendizagem.
ticas organizadas pelas professoras das turmas Assim, na vivência de experiências significativas
de berçário, da Escola Municipal de Educação vão construindo suas funções mentais superio-
Infantil Sonho de Criança, do município de res, determinando novas maneiras de se inseri-
Teutônia, com o objetivo de ampliar e diversi- rem no mundo, na medida em que estão em con-
ficar suas ações, ampliando as possibilidades e tato permanente com a cultura, mediadas pelas
potencialidades provenientes da relação entre múltiplas linguagens (SALLES E FARIA, 2012).
o cuidar e o educar. Foi a partir das formações Nos dias de hoje muitas crianças, em ge-
estruturadas com a equipe do projeto Proin- ral a partir de quatro meses, já frequentam a
fância que fomos levadas a pesquisar, refletir e escola de educação infantil, algumas vezes por
dialogar sobre as práticas implementadas até necessidade financeira dos pais, outros também
então, e pensar nas mudanças que poderíamos por pertencer ao grupo de risco, ou ainda por
realizar junto ao cotidiano dos bebês que fre- uma opção dos pais que acreditam na impor-
quentavam a escola. tância da Educação para o desenvolvimento in-
A criança é um ser social e sua identidade fantil. Sendo a família o primeiro contexto de
se constitui nas relações que estabelece com a educação da criança pequena, é no seio desta

127
Neusa Maria Gregory, Marli Spellmeier e Berta Carina Sippel

que os primeiros significados são mediados e as pretá-los exige disponibilidade, conhecimento


primeiras experiências afetivas vivenciadas. e interesse” (COUTINHO, 2013, p.9).
Assim, ao chegarem a uma instituição de Pensando nisso, nossa escola promove
Educação Infantil, trazem marcas de sua cul- a cada ano estudos de aprofundamento com
tura e de sua história e, em contato com ou- base em materiais encaminhados pelo Minis-
tras culturas e histórias, de sujeitos próximos e tério da Educação (MEC), formações continu-
distantes, vão se transformando e construindo adas com profissionais qualificados e também
sua subjetividade. Acerca disto, Barbosa (2010, em 2013 e 2014 o assessoramento do projeto
p.3) sugere que “nesse lugar, junto com seus Proinfância da Universidade Federal de Santa
amigos e amigas, sob a coordenação de adul- Maria, que contribuiu para repensarmos e qua-
tos especializados, que as crianças têm a possi- lificarmos nossa prática pedagógica com os
bilidade de experimentar, aprender e construir bebês, visto sua importância e necessidade de
relações afetivas”. olhar atento as especificidades que esta faixa
O bebê, que em nossa Escola compre- etária exige.
ende a faixa etária entre quatro meses a dois
anos, necessita de cuidados básicos ou res- O desenvolvimento da proposta
postas às suas necessidades primordiais como
alimentação, conforto, cuidados com higiene, A especificidade da pedagogia para os
entre outras. O organismo humano é, no início, bebês se dá nas relações sociais e nas brinca-
incapaz de responder a um estado de tensão deiras, como ponto central do trabalho peda-
fisiológico sozinho, sendo extremamente de- gógico que será desenvolvido. Assim, é por
pendente do adulto para sua sobrevivência meio das interações com os outros e das brin-
(ORTIZ E CARVALHO, 2012, p.33). cadeiras que a criança bem pequena inicia seu
Desta forma, as especificidades do desen- processo de desenvolvimento.
Ao perceber o brincar como uma lingua-
volvimento infantil, nesta faixa etária, exigem
gem que permite a criança, desde bebê, se ex-
que se propiciem diferentes experiências que
pressar e desenvolver habilidades corporais e
lhes permitem entrar em contato com o mun-
cognitivas, aprendendo assim a se conhecer e
do e com os outros, mediadas pela ludicidade,
experimentar sentimentos (FORTUNA e SILVA,
imaginação e fantasia. Assim, “o desafio de estar
2013), buscamos desenvolver uma prática que
com bebês passa pela comunicação, pois inter-
ampliasse as possibilidades de brincadeiras no

128
OS BEBÊS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: TRANSFORMAÇÕES NA AÇÃO PEDAGÓGICA

berçário, inclusive explorando espaços diversos. mos almofadas, cortinas coloridas, tapetes com
Oportunizando, ainda, interações qualificadas diferentes texturas, como forma de organizar o
entre os bebês e nós professoras, bem como ambiente a fim de propiciar a exploração e tam-
dos bebês entre eles (STAMBAK et al., 2011). bém a interação dos bebês. Porque, segundo
Assim, procuramos oferecer experiências Fortuna e Silva (2013, p.5) “para promover o brin-
com brinquedos de texturas diferenciadas, tra- car das crianças bem pequenas, é essencial um
zendo materiais como retalhos de madeiras e ambiente apropriadamente estimulante e uma
blocos para construção, que puderam ser ma- interação qualificada”. Que instigue a interação
nipulados, empilhados, jogados, rolados, expe- dos bebês com os espaços e materiais oferecidos.
rimentados em diferentes posições e composi- Com o intuito de oferecer uma maior
ções. Chocalhos, latas com pedrinhas e garrafas gama de experimentações, promovemos ex-
pet pequenas, objetos usados como brinquedos plorações com gelatinas de vários sabores, cre-
sonoros que foram manipulados e explorados mes com maizena para que eles colocassem
em diferentes possibilidades de sons e ritmos. as mãozinhas ou tintas, sentindo as texturas
Com estes materiais objetivamos, em e temperaturas (mole, duro, gelado e mor-
especial, despertar diferentes interesses nos no), como também experimentar os sabores e
bebês, ampliando suas experiências, estimu- nos dias de calor também proporcionamos o
lando os sentidos, a fim de que, ao explorar e
experimentar os objetos, entendam o mundo
em que vivem. Construímos móbiles que opor-
tunizavam diferentes propostas e objetos ao
alcance das crianças que poderiam ser movi-
mentados por elas ou apenas admirados em
seus movimentos, cores e formas, feitos com
fios ou elásticos, bichinhos para morder, den-
tre outros elementos que promovessem a ex-
ploração sensorial dos bebês, inclusive com a
boca, pois é pertinente que consideremos que
é, em geral, através da boca, que o bebê faz
suas primeiras experimentações sensoriais.
Construímos cantinhos nos quais dispo- IMAGEM1: Crianças manuseando tintas.

129
Neusa Maria Gregory, Marli Spellmeier e Berta Carina Sippel

brincar com areia e água, sempre instigando a e caminhões que passavam, gatos e cachorros
curiosidade das crianças bem pequenas. que caminhavam no nosso trajeto.
Tendo a intenção de oportunizar experi- Realizamos alguns passeios particular-
ências em espaços diferentes ao que a turma mente interessantes a um parque próximo a
estava acostumada, incorporamos, na rotina escola. E foi predominante, durante estes mo-
dos bebês, passeios nos arredores da escola, mentos, um clima de festa, pois brincavam e
para isso utilizamos uma carretinha, onde os interagiam com a terra e a areia, apreciando os
mesmos eram “puxados” pelas professoras. canteiros de flores e aquilo que encontravam
Fazendo várias paradas no caminho, para que pelo caminho. O que nos chamou atenção foi
instigássemos com perguntas sobre o meio que as crianças ficavam maravilhadas ao en-
ambiente, estimulando a observação e a aten- contrarem pequenos insetos como formigas,
ção a tudo o que nos rodeia, como árvores, flo- borboletas e também minhocas, dando gritos
res, casas, pessoas caminhando na rua, carros e risadas de alegria, querendo pegá-los. Então,
aproveitamos a oportunidade para realizar ob-
servações e conversações, mostrando a eles que
a natureza é linda e devemos amá-la e cuidá-la,
construindo uma perspectiva de cidadãos parti-
cipativos e conscientes. O que salientamos com

IMAGEM 2: Passeio do berçário. IMAGEM 3: Explorando a natureza.

130
OS BEBÊS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: TRANSFORMAÇÕES NA AÇÃO PEDAGÓGICA

a leitura de Salles e Faria (2012, p. 57): e a coordenação motora, desafiando-os a su-


perarem suas potencialidades.
Ao considerarmos a criança um ser da natu- As contações de histórias passaram a
reza, recuperamos a dimensão biológica da
ocorrer em diversos momentos, oportunizan-
espécie humana. Ao mesmo tempo, estamos
dizendo que não vivemos sós no planeta Ter- do que os bebês assistissem dramatizações e
ra, que o compartilhamos com numerosas apresentações de textos com fantoches, mate-
outras espécies das quais dependemos para riais que ilustrassem as histórias ou fantasias,
continuar existindo. envolvendo eles quando possível. Assim, apro-
veitamos esses momentos para “interrogar” as
Nesta direção, e quando o clima nos imagens, identificando personagens, eventos,
permitia, procurávamos, também, explorar to- desenvolvendo e estimulando a linguagem
dos os espaços no pátio da escola, levando os oral, a observação, atenção a sons e ruídos pro-
bebês para a pracinha, para incentivar o con- duzidos, trabalhando sentimentos ambíguos
vívio com os maiores, realizando integrações, como o medo e o prazer.
inclusive brincando com eles no carrossel e no Realizamos explorações com pincéis
balanço vai e vem, para aprimorar o equilíbrio e tintas, pintanto o muro da escola, deixando
que escolhessem suas cores, pintando livre-
mente, expressando suas ideias. Ainda na dire-
ção da interação entre os bebês e na constru-
ção coletiva, na sala oferecemos giz de cera e
papel pardo, para que explorassem e interagis-
sem com o material a partir da mediação dos
adultos que ali se encontravam. E foi visível a
satisfação dos pequenos.

Em Artes Visuais, o professor é aquele que pro-


porciona a diversidade de experimentações
para que as crianças possam ter vivências sen-
soriais, entrar em contato e se apropriar dos
diferentes materiais existentes, saber como
funcionam, seus usos, os efeitos de sua ação
sobre eles, os gestos e movimentos que con-
seguem produzir com o uso destes materiais,
IMAGEM 4: Pintura muro da Escola. ou seja, os materiais artísticos precisam ser

131
Neusa Maria Gregory, Marli Spellmeier e Berta Carina Sippel

explorados como outros quaisquer (ORTIZ, a fruta do conde, mas mesmo assim, tiveram a
CARVALHO, 2012, p.126).
curiosidade de experimentá-las.
A partir do material e do vídeo sobre o O mesmo trabalho realizamos com as
“Cesto dos Tesouros” (GOLDSCHMIED, 2005) verduras, momento no qual demonstraram
realizamos um trabalho de releitura da pro- curiosidade em ver a professora cortar o pepi-
posta, relacionando à alimentação saudável, no, observando as sementinhas. Desfolhar o pé
construindo o cesto dos tesouros com frutas, de alface também envolveu a todos. Vimos as
inserindo variados tipos de frutas, oferecidas as mais diversas reações nos rostinhos dos bebês,
crianças para a exploração dos sentidos, como cheirando, mordendo, experimentando outros
a visão, a partir da observação, com o tato, e sabores, mas também se negando a experi-
a percepção das texturas, do olfato e o aroma mentar certas frutas e verduras.
das frutas, e logo mostraram interesse em ex-
perimentar, explorando o paladar e desenvol- Discussão dos Resultados
vendo suas preferências sobre a alimentação.
No decorrer da exploração com a cesta das fru- Foi possível observar que, a cada dia, os
tas, observamos que muitos bebês não conhe- bebês avançavam e se desenvolviam em todos
ciam algumas frutas como o maracujá, a lima e os sentidos. Percebemos isso durante as diver-
sas explorações realizadas, através das brinca-
deiras direcionadas para despertar a curiosida-
de e dentre as brincadeiras organizadas pelos
bebês, o que nos fez refletir sobre a contribui-
ção que nossa prática/ação docente possibilita
aos bem pequenos, na direção de descobrir o
mundo, formando pessoas conscientes, com
amor e respeito aos seus desejos e, mesmo as-
sim, possibilitando uma relação de proximida-
de, entrelaçada pela afetividade.
Compreendemos que é no cotidiano
com os bebês que vamos construindo nosso
fazer pedagógico, identificando o que pode
IMAGEM 5: Cesto dos Tesouros das frutas. ser feito a mais ou mesmo de forma diferente.

132
OS BEBÊS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: TRANSFORMAÇÕES NA AÇÃO PEDAGÓGICA

Fomos construindo e criando novas ações no ir muito além do que, costumeiramente, está-
decorrer do nosso trabalho cotidiano com os vamos habituadas. Tínhamos o desejo de poder
bebês, intervindo de forma a construir possi- incentivar e desafiar nossos bebês e isso nos
bilidades de brincadeiras, facilitando e promo- motivou a buscar alternativas, tornando nossa
vendo as interações entre as crianças. As quais, rotina bem mais divertida e também proveitosa.
já demonstram iniciativas a fim de criar e in- Contudo, estamos sentindo a necessi-
ventar, convidando os parceiros para a brinca- dade de, além de ampliar estas possibilidades,
deira, utilizando objetos variados em suas ex- também repeti-las constantemente. Assim,
perimentações, iniciando jogos simbólicos em acreditamos que além de podermos observar
seu faz de conta, imitando ações dos colegas, reações diversas, também estaremos possibili-
familiares e professoras. tando a ampliação de aprendizagens.
Outro aspecto observado diz respeito a É importante ressaltar que todas as expe-
interação com os demais alunos da Escola, pois rimentações realizadas, nos permitiram perceber
inicialmente os bebês demonstravam muito interesses e necessidades das crianças, fazendo
receio em sair de sua sala e estar em meio a co- com que, cada vez mais, nos sintamos motivadas
legas maiores. Hoje já solicitam, a sua maneira, a criar e promover novas situações de aprendi-
o desejo de irem ao pátio ou de brincarem com zagens. Assim, também, buscar fundamentação
outras crianças, aprimorando sua socialização. para compreender com maior clareza o desen-
O desenvolvimento integral vem acontecendo volvimento da criança e as formas mais instigan-
de muitas formas, acreditamos que, em parte, tes de mediação como educadoras.
devido à variedade de espaços nos quais po-
dem andar, correr, brincar, vencendo obstácu- Referências bibliográficas
los que em sala de aula pouco teriam oportu-
nidade.
BARBOSA, Maria Carmem. Especificidades da
ação pedagógica com os bebês. In: Anais... I
Conclusão
Seminário Nacional: Currículo em Movimento
– Perspectivas atuais. Belo Horizonte, 2010.
Ao iniciarmos nosso trabalho com o gru-
po de bebês da escola, fomos descobrindo, COUTINHO, Angela Scalabrin. A prática do-
principalmente junto a estes, suas potencialida- cente com os bebês. Revista Pátio – Educação
des e assim percebendo o quanto poderíamos Infantil. Ano XI, nº35 ABR/JUN, 2013.

133
Neusa Maria Gregory, Marli Spellmeier e Berta Carina Sippel

FORTUNA, Tânia Ramos; SILVA, Natália Souza


da. Concepções sobre o brincar dos bebês.
Revista Pátio – Educação Infantil. Ano XI, nº35
ABR/JUN, 2013.
GOLDSCHMIED, Elinor. Vídeo Cesto dos Te-
souros. Associació de Mestres Rosa Sensat,
2005.
ORTIZ, Cisele. CARVALHO, Maria Tereza Ven-
ceslau. Interações: Ser professor de bebês –
cuidar, educar e brincar, uma única ação. São
Paulo: Blucher, 2012.
SALLES, Fátima; FARIA, Vitória. Currículo na
educação infantil – Diálogo com os demais
elementos da proposta pedagógica. São Paulo:
Ática, 2012.
STAMBAK, Mira et al. Os bebês entre eles: des-
cobrir, brincar, inventar juntos. Campinas: Au-
tores Associados, 2011.

134
136
8
RESSIGNIFICANDO AS PRÁTICAS DE AVALIAÇÃO
NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Cornélia Maria Spies Danzer


Mara Regina Leidemer
Renata Fabiana Larssen

Introdução
Para a Educação Infantil a avaliação é concebi-
da como um processo de acompanhamento
Falar em avaliação sempre mobiliza os do desenvolvimento individual e coletivo do
professores. Por mais que se estude, se discu- aluno nos aspectos social, afetivo, cognitivo e
ta, reflita, o assunto nunca se esgota e sem- psicomotor, sempre tendo como referência as
fases evolutivas da criança, respeitando o de-
pre parece novo. Sempre é tarefa difícil, para senvolvimento e progresso de cada um den-
qualquer profissional da educação, por repre- tro do seu próprio tempo (PPP, 2012).
sentar uma responsabilidade muito grande
em função de seu caráter subjetivo. Compro- Desta forma, ao “olharmos” criticamen-
metendo e envolvendo o professor, pois ele te, para os registros de avaliação que conti-
irá estabelecer com cada criança, maiores ou nuamente estamos produzindo, procuramos,
menores, vínculos intelectuais e afetivos. Esta primeiramente, contemplar nossa Proposta
Pedagógica, mas também buscamos funda-
tomada de consciência é relevante para po-
mentação nas Diretrizes Curriculares para a
der refletir e não incorrer em preconceitos e
Educação Infantil (BRASIL, 2009) e materiais
prejulgamentos.
oferecidos pela assessoria do projeto Proinfân-
Na Educação Infantil não é diferente,
cia, da Universidade Federal de Santa Maria.
pois a avaliação, não possui a finalidade de pro- Quando iniciamos nossa caminhada
moção, como no Ensino Fundamental. Como em 2011, antes mesmo de termos elaborado
aponta nossa Proposta Pedagógica: nossa Proposta Pedagógica e Regimento

137
Cornélia Maria Spies Danzer, Mara Regina Leidemer e Renata Fabiana Larssen

próprio, fomos orientados pela Secretaria devido ao fato de que, muitas vezes, a criança
de Educação para, em conformidade com o reage de diferentes formas com uma e com
Regimento Municipal, as avaliações seriam outra e também devido às diferentes percep-
trimestrais e em forma de relatórios. Hoje, ções. O que para uma pode chamar atenção,
isso está contemplado em nossa Proposta para outra pode passar despercebido. Assim, é
Pedagógica: importante haver a possibilidade de encontro
entre essas pessoas, para discussão e compar-
A avaliação será feita mediante acompanha- tilhamento das percepções sobre cada criança.
mento, intervenção, registros individuais de
O que vem funcionando muito bem são
seu desenvolvimento e considerando os di-
ferentes instrumentos de avaliação, sem o os registros em forma de anedotário, onde
objetivo de promoção, mesmo para acesso ao todas têm acesso e podem registrar suas per-
ensino fundamental e registrado em forma de cepções em relação às crianças, o que tem sido
relatórios de avaliação, entregues trimestral-
muito útil na hora de elaborar os relatórios. Nos
mente aos pais (PPP, 2012).
primeiros relatórios construídos, percebia-se
uma predominância em relação ao comporta-
Desde o início, as professoras e monitoras
mento e a convivência no grupo, aspectos cog-
foram orientadas para ter um caderno na sala
nitivos apareciam em alguns momentos. Con-
onde todas as profissionais teriam acesso para
tudo, se enfocava o que a criança ainda não
registrar tudo o que acontece, tanto no período
tinha atingido, não sendo mencionado o que
da manhã, quanto no da tarde. Além dos acon-
ela já dominava e, ainda, seu desenvolvimento
tecimentos da rotina também deveriam ser ano-
quase não era mencionado.
tados observações quanto ao desenvolvimento
Tivemos algumas formações através do
e conquistas das crianças e também atividades e
Projeto Proinfância e da Secretaria Municipal
brincadeiras realizadas. Então, a cada trimestre,
de Educação, refletindo sobre o tema em en-
as professoras, em parceria com as monitoras,
contros com os profissionais das escolas de
elaboraram os relatórios que eram entregues
Educação Infantil analisamos e reescrevemos
à direção que os revisava e fazia as devolutivas
diferentes relatórios e com isso aprendemos
para ajustes necessários.
muito. A partir disso, a escrita dos relatórios
Em função de que para que se construa
seguintes já obteve uma melhora significativa.
uma boa avaliação, se faz necessário a partici-
Percebeu-se um olhar mais atento, uma descri-
pação de todas as pessoas que trabalham com
ção das reações e evoluções de cada criança
a criança, tanto professoras quanto monitoras,
na sua individualidade. Ainda, sentiu-se a ne-

138
RESSIGNIFICANDO AS PRÁTICAS DE AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

cessidade de estabelecer mais momentos de também passaram a ser complementados com


encontro entre professoras e monitoras para fotos, o que facilita o relato sobre cada criança
trocas mais significativas e combinamos que de forma mais efetiva e particular.
a cada trimestre teríamos uma reunião a mais Enviamos junto ao primeiro relatório
para tratar somente das avaliações. Contudo, um questionário aos pais, perguntando a es-
ainda não é o suficiente, porque nem sempre tes acerca da qualidade, clareza dos relatos, se
todas conseguem participar. E, nesta direção, eles concordavam com o que estava descrito
vamos continuar persistindo, porque essas tro- e, também, abrindo um espaço para sugestões.
cas são valiosas e tornam os relatórios mais ricos As respostas, praticamente em unanimidade,
e com informações mais detalhadas, acerca do falavam que os relatórios eram claros e na fala
desenvolvimento e aprendizagem da criança. de alguns pais: “ao ler o relatório via seu filho(a)
Com a Assessoria do Projeto Proinfância, na sua frente realizando as ações descritas ou o
o estudo das Diretrizes Curriculares Nacionais jeito dele”. O que, para nós, como escola, é mui-
para a Educação Infantil (BRASIL, 2009) e a re- to importante para ver se estamos nos fazendo
flexão sobre os Parâmetros de Qualidade para entender, se a linguagem utilizada é adequada
a Educação Infantil (BRASIL, 2006), nosso traba- e compreensível e se nossa visão sobre a crian-
lho pedagógico, assim como a avaliação, me- ça é compatível com a deles.
lhorou ainda mais. A avaliação também tem seu reflexo na
Para elaboração dos primeiros relatórios ação e planejamento do professor que deve
do ano de 2014, em reunião pedagógica, re- compreender e acompanhar o desenvolvi-
fletimos sobre o que traz a nossa Proposta Pe- mento infantil para poder replanejar a ação
dagógica referente à avaliação para estarmos educativa, levando em conta o currículo, que
em conformidade entre a teoria e a prática. segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais
Neste ano de 2014 passou a integrar o grupo para a Educação Infantil (BRASIL, 2009) é:
a Supervisora que tem acompanhado mais de
perto o planejamento, o trabalho e também os O conjunto de práticas que buscam articular
as experiências e os saberes das crianças com
relatórios de avaliação, colaborando para mais
os conhecimentos que fazem parte do patri-
um avanço nesse sentido. A documentação mônio cultural, artístico, ambiental, científico
passou a ser registrada de diferentes formas e, e tecnológico, de modo a promover o desen-
além dos registros escritos, também são feitas volvimento integral de crianças de 0 a 5 anos
de idade.
filmagens e fotos. Sendo assim, os relatórios

139
Cornélia Maria Spies Danzer, Mara Regina Leidemer e Renata Fabiana Larssen

Então, analisando o que uma criança é Sendo assim, a avaliação está sempre pre-
capaz de fazer em cada faixa etária, de acordo sente no fazer pedagógico. Quando o professor
com as fases do desenvolvimento infantil, per- observa e percebe se as crianças aprenderam o
cebe-se quando as situações que estão sendo que se pretendeu no planejamento ou se apren-
oferecidas contribuem para o seu desenvol- deram outras coisas igualmente interessante, se
vimento. Assim como, o que necessita de um é preciso introduzir outras atividades, ou ainda
replanejamento, a fim de que a criança possa se a atividade programada deve ser adiada. As-
continuar avançando. Isso vem ao encontro do sim, estará em constante busca de alternativas,
que defende Vygotsky: para alcançar seus objetivos.

O professor não deve levar em conta, como Para Jussara Hoffmann (2012, p. 14 e 15):
ponto de partida para a ação pedagógica,
apenas o que a criança já conhece ou faz,
Mesmo que se acompanhe e conheça todas
mas, principalmente, deve levar em conta
as reações de uma criança, não se estará ava-
suas potencialidades cognitivas, fazendo ou-
liando, no sentido pleno, se a intenção não
tros desafios e mais exigentes no sentido de
for a de auxiliá-la, de um fazer pedagógico
envolvê-las em novas situações de modo a
que contribua para o seu desenvolvimento.
provocá-las, permanentemente, à supera-
Avaliar, na concepção mediadora, portanto,
ção cognitiva (VYGOTSKY apud HOFFMANN,
engloba, necessariamente, a intervenção pe-
2012, p. 21).
dagógica. Não basta estar ao lado da criança,
observando-a. Planejar atividades e práticas
É preciso sempre se deixar uma porta pedagógicas, redefinir posturas, reorganizar
aberta e mostrar confiança nas possibilidades o ambiente de aprendizagem e outras ações,
com base no que se observa, são procedi-
das crianças, refletindo sobre o que agora ain-
mentos inerentes ao processo avaliativo. Sem
da não é capaz de realizar, mas o que podemos a ação pedagógica, não se completa o ciclo da
fazer para que mais tarde ela consiga. avaliação na sua concepção de continuidade,
De acordo com Bassedas (1999 p. 178 - 179): de ação-reflexão-ação.

É preciso recolher dados, observar, obter in- Nesse sentido, os relatórios de avaliação
formações sobre o que as crianças são capa- representam, ao mesmo tempo, reflexo do traba-
zes de fazer, porém, o que realmente importa
lho, reflexão e abertura a novas possibilidades.
é que tais informações sejam úteis para poder
tomar decisões, para poder ajudar os meninos Ao registrar o que observa, o professor reflete so-
e as meninas e para propor-lhes um ensino bre a evolução de seu trabalho e revela a dimen-
cada vez mais ajustado às suas necessidades.

140
RESSIGNIFICANDO AS PRÁTICAS DE AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

são qualitativa do seu agir pedagógico, de suas panhar o trabalho realizado e apreciar seus
concepções e posturas diante dos seus alunos. filhos interagindo em diferentes situações, até
Assim, com base no acompanhamento se surpreendendo em ações que em casa não
que temos realizado, tanto do trabalho, pla- são propostas ainda, tais como a participação
nejamento e registros, é possível que perce- na organização, autonomia quanto à alimenta-
bamos as necessidades de ações, reflexões e ção, trocas de roupas, amarrar cadarços, entre
estudos junto ao grupo de educadoras. Tendo outros. Ainda se realiza o registro em forma de
como objetivo principal a qualificação de nos- vídeos que são utilizados em sala para que as
sas práticas pedagógicas e, por conseguinte a crianças possam se ver em cena.
qualidade de nosso atendimento às crianças. Os registros em fotos e vídeos passaram
a ser selecionados e compactados para serem
Discussão de Resultados apresentados para os pais em momentos de
reuniões nas entregas de avaliações. Isso refor-
Durante nossa caminhada, com os apro- ça a confiança e fortalece o vínculo entre es-
fundamentos teóricos a partir dos estudos rea- cola e família, pois uma vez que a família toma
lizados e com a orientação do grupo da UFSM, conhecimento do trabalho que é feito na esco-
através do Projeto Proinfância, percebemos la, a satisfação aumenta e para a escola é moti-
que houveram muitos avanços em relação vação para melhorar cada vez mais.
à avaliação das crianças e também do fazer No retorno dos questionários envia-
pedagógico das educadoras. Aprendemos a dos aos pais isso foi perceptível com a grande
relacionar melhor a teoria com a prática, a es- maioria sugerindo que se continuasse o bom
tabelecer objetivos mais claros e a registrar as trabalho que já vem sendo realizado, enalte-
situações, reações e evoluções das crianças, cendo o trabalho com a horta e o contato com
utilizando diferentes subsídios para tal. a natureza, os momentos de dramatizações e
Adotamos o anedotário onde cada contato com a literatura, brincadeiras coleti-
criança tem um espaço específico num cader- vas, as integrações entre escola e famílias. Com
no e cada educadora tem acesso para fazer o isso tudo, se percebe o grupo de profissionais
registro de suas percepções em relação a cada motivado a buscar ainda mais conhecimentos
uma delas. Também intensificamos o regis- através da leitura e momentos de formação
continuada para aprimorar o trabalho na edu-
tro por fotos, expostas em painéis pela Escola
cação infantil.
onde os pais e a comunidade podem acom-

141
Cornélia Maria Spies Danzer, Mara Regina Leidemer e Renata Fabiana Larssen

Conclusão

Para uma boa prática pedagógica é im-


prescindível uma boa avaliação e vice versa.
Isso só é possível com estudo, reflexão, obser-
vação e registro. Em nossa caminhada, aqui na
escola, percebemos que já temos essa cons-
ciência e que muito já evoluímos, mas tam-
bém, que devemos continuar e intensificar
o estudo, as trocas entre os educadores, para
cada vez mais enriquecer a prática pedagógica
e as avaliações na nossa escola.

Referências bibliográficas

BASSEDAS, Eulália. HUGUET, Teresa. SOLÉ, Isa-


bel. Aprender e Ensinar na educação infan-
til. Porto Alegre: Artmed, 2011.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de
Educação Básica. Diretrizes curriculares na-
cionais para a educação infantil/Secretaria
de Educação Básica. – Brasília: MEC, SEB, 2009.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de
Educação Básica. Parâmetros de Qualidade
para a Educação Infantil. Brasília DF, 2006.
HOFFMANN, Jussara. Avaliação e Educação
Infantil: Um olhar sensível e reflexivo sobre a
criança. Porto Alegre: Mediação, 2012.
PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO, Escola Mu-
nicipal S. C. 2012.

142
9
POR UM MUNDO MAIS COLORIDO: CONHECENDO E
APRENDENDO MAIS SOBRE DIVERSIDADE RACIAL

Moira Poema Closs Gaspar


Janete Cândida Sulzbach Bilo
Miriam Beatriz Röhsler dos Santos

Introdução Trabalhar a temática dentro da


Educação Infantil possibilita que se instigue a
A proposta pedagógica em questão, ini- construção de um conhecimento que respeite
ciou-se a partir de nossa percepção e reflexão a diversidade, que saiba suas raízes e que
sobre a necessidade de elaboração do enten- possibilite a sua extensão ao meio familiar e
dimento das crianças sobre as diferenças entre a sociedade. Assim, instigada pela temática e
os seres humanos. Nesse sentido, por acredi- pela necessidade de trabalhar, uma vez que
tarmos que é imprescindível desenvolver a algumas crianças apresentavam atitudes e
temática da diversidade na Educação Infantil, conceitos permeados pelo preconceito, foi
que passamos a apresentar o trabalho desen- desenvolvido um projeto que explorasse
volvido junto às crianças. esse campo, ainda encarado com medo por
O tema justifica-se, ainda, por ser muitos docentes, me propus a estudar o tema
abordado dentro das Diretrizes Curriculares e planejar a melhor forma de apresentar e
Nacionais da Educação Infantil (BRASIL, trabalhar com as crianças.
2009). Além disso, mostra-se cada vez mais Dessa forma, surgiu a proposta de estu-
relevante trabalhar essa questão dentro da dar a temática, observar as crianças e planejar
escola como alvo de conhecimento, uma vez formas e maneiras de intervir e instigar o co-
que midiaticamente se propagam notícias de nhecimento de maneira lúdica, respeitando a
preconceito, das mais variadas formas, ainda faixa etária, mas sem deixar de trabalhar va-
frutos da falta de conhecimento por parte da lores, princípios, da diversidade, da cultura e
sociedade. principalmente do respeito a diferença.

145
Moira Poema Closs Gaspar, Janete Cândida Sulzbach Bilo e Miriam Beatriz Röhsler dos Santos

Metodologia As crianças gostavam de conversar e


se posicionar frente as temáticas abordadas
A turma da Pré-Escola nível A, onde a (opinando, discutindo, trocando informações).
proposta foi desenvolvida, possuía vinte crian- A escola, dentro do seu projeto pedagógico,
ças. A turma sempre foi curiosa e mostrava-se adotava a metodologia de projetos, traba-
sempre em “movimento” e em construção de lhando através da curiosidade despertada nas
conhecimento vivo e rico de exemplos e expe- crianças. A escola possui até hoje o direciona-
riências. No período em que se estabeleceu, mento de um projeto central, com a temática
estavam em uma idade em que exigiam posi- estabelecida no início do ano letivo, a partir da
cionamento, autoridade e desenvolvimento de percepção das necessidades da escola ou da
autonomia e independência. atualidade.

Figura 1 As crianças explorando dedoches construídos a partir de Literatura Infantil sobre a temática da Diversidade Racial.

146
POR UM MUNDO MAIS COLORIDO: CONHECENDO E APRENDENDO MAIS SOBRE DIVERSIDADE RACIAL

Assim, ao ser definido o projeto anual, crianças, e suas curiosidades e necessidades, sem
fica a critério do professor trabalhar a temática deixar de contemplar os objetivos da proposta.
do projeto central dividindo-a em pequenos A partir das Diretrizes Curriculares da
projetos ao longo do ano letivo que abranjam Educação Infantil (BRASIL, 2009) buscou-se as-
a temática proposta anualmente. As temáticas segurar o “reconhecimento, a valorização, o
são trabalhadas de maneira integral através respeito e a interação das crianças com as his-
da ludicidade e de atividades do cotidiano. As tórias e as culturas africanas, afro-brasileiras,
atividades desenvolvidas buscam a integração bem como o combate ao racismo e à discrimi-
das turmas e equipe pedagógica, buscando nação”. A dignidade da criança como pessoa
uma formação integral. humana e a proteção contra qualquer forma
Dessa forma, nesta proposta aqui apresen- de violência – física ou simbólica – e negligên-
tada, buscamos trabalhar os conceitos de diversi- cia no interior da instituição ou praticadas pela
dade, de respeito, de conhecimento, de direitos família, prevendo os encaminhamentos de vio-
e de igualdade, respeitando a faixa etária das lações para instâncias competentes.” (BRASIL,
2005).

Figura 2: Crianças da Turma da Pré-escola Nível A e o Boneco “João da Silva”.

147
Moira Poema Closs Gaspar, Janete Cândida Sulzbach Bilo e Miriam Beatriz Röhsler dos Santos

Assim, traçaram-se como objetivos: abor- todo o processo da proposta buscamos reno-
dar o preconceito contra os afro-brasileiros e var as atividades e adaptá-las aos resultados
trabalhar a temática de forma a combatê-lo; que vínhamos coletando.
instigar a construção de conhecimento sobre a O projeto utilizou como instrumentos
Temática Afro-brasileira já a partir da Educação materiais diversos, como revistas, literatura in-
Infantil; possibilitar a construção de uma rede fantil, bonecas, materiais de uso pedagógico
de conhecimento sobre a cultura afro-brasilei- para produção de material, músicas, massa de
ra; desenvolver uma proposta inovadora, que modelar, vídeos do Youtube, culinária, pesquisa
contemple ludicidade, criatividade e conhe- de interesse junto aos pais e construção de bo-
cimento de forma integral; respeitar a criança neco. Os materiais eram disponibilizados pela
como um ser social construtor e propagador turma, alguns pela escola e alguns dos pais.
de identidade e cultura; explorar as curiosida- Durante toda a proposta íamos perce-
des, ansiedades e dúvidas das crianças em re- bendo as necessidades das atividades e pla-
lação a diversidade racial, desvendando os pre- nejando os materiais de apoio. Muitas vezes
conceitos e transformando-os em sementes de era preciso um replanejamento adaptando os
conhecimento; trabalhar a temática de forma a materiais conforme os valores disponibilizados
propiciar a construção de uma rede de conhe- para o desenvolvimento, a disponibilidade em
cimentos entre escola, família e sociedade, ins- nosso bairro e a capacidade de compreensão
tigando conhecimentos e a propagação deles. das crianças no uso do material ou em sua
Ao propor traçar esses objetivos para a manipulação. Apresentamos a proposta para
proposta pedagógica buscamos sempre estar os alunos a partir de uma necessidade da tur-
consciente das necessidades da turma, da ma, pois percebeu-se que as crianças, algumas
escola e do bairro e da relevância de buscar vezes, utilizavam de termos pejorativos ao se
alcançá-los nas atividades desenvolvidas, para referirem aos colegas negros ou alguém negro
que de forma geral, todas as atividades viessem (professora, mãe de colegas, pai de colegas,
ao encontro dos objetivos, dialogando entre si etc.). Falavam por exemplo “a mãe negrinha”;
e buscando objetivos comuns. “ela é pretinha”; “mas ela é preta né?”, ou até
Para organizar a proposta estudamos mesmo nas brincadeiras quando optavam por
sobre a temática em diversas fontes de ma- sentar ao lado de outros colegas.
teriais, e após o aporte teórico, planejamos e Partindo disso, em um momento de in-
traçamos os passos principais de desenvolvi- tervenção de uma dessas percebeu-se que o
mento da proposta com as crianças. Durante tema estava latente e precisando ser trabalha-

148
POR UM MUNDO MAIS COLORIDO: CONHECENDO E APRENDENDO MAIS SOBRE DIVERSIDADE RACIAL

do com as crianças. Enquanto não nos debruçá- forma mais metafórica, onde distribuíamos as
vamos na proposta íamos observando as falas bonecas livremente e apenas observávamos as
e as interações da turma para perceber quais crianças em suas brincadeiras, percebendo as
seriam as reais necessidades da proposta. evoluções do tema nas brincadeiras de faz-de-
Iniciamos a proposta com uma pesquisa -conta. Outra atividade que desenvolvemos foi
junto aos pais, com um questionário, pergun- a exploração de literaturas Infantis que abor-
tando sobre a cultura negra, o que conheciam, dam a temática da diversidade racial, focada
se já haviam presenciado algum caso de pre- principalmente na cultura negra.
conceito e de como passavam as informações Abordamos os livros Infantis diversifica-
e conhecimentos relativos a diversidade racial dos como Manuela (Regina Rennó), Menino
para as crianças. Os pais colaboraram e retor- Marrom (Ziraldo), Bruno e a Galinha d’ Angola
naram o questionário com participação. (Geralga de Almeida), Minha família é colorida
A segunda atividade, que partiu dessas (Georgina Martins), A bonequinha Preta (Alaí-
respostas coletadas com os pais, baseou-se em de Lisboa de Oliveira), Minha mãe é negra sim!
ofertar duas bonecas as crianças, uma boneca (Patrícia Santana), As cores de Mateus (Marisa
branca e uma negra, e pedir que as crianças Lopez Soria), Betina (Wilma Lino Gomes), entre
manipulassem ambas em uma roda de conver- outros livros infantis (O cabelo de Lelê, As pan-
sa. Primeiramente oferecemos a boneca branca quecas de Mama Pany, As tranças de Bintou).
e orientamos que deveriam tocá-la (deixamos Nas literaturas exploramos o enredo, os per-
que cada criança pegasse e tocasse a boneca sonagens e construímos registros como dese-
de sua forma) e depois oferecemos a boneca nhos, pintura e dedoches.
negra e orientamos sob o mesmo enfoque. Construímos também um boneco gran-
Após, em uma roda de conversa fala- de “João da Silva” que visitou as crianças em
mos sobre como foi a reação das crianças e se suas casas como um convite ao diálogo sobre a
aconteceram diferentes contatos nas duas bo- diversidade racial e o preconceito, envolvendo
necas, explorando a observação e as análises os pais. Os pais se mostraram participativos, e
das crianças. Algumas crianças hesitaram em entusiasmados com a proposta. A parceria dos
encostar-se à boneca negra e isso foi apontado pais nos projetos e propostas precisa sim ser
pelas demais, e então, intervimos e repetimos bem enfatizada e construída, pois quando se
a atividade. Essa atividade sempre foi retoma- deixa a desejar na constituição desse elo, per-
da durante o processo, mas algumas vezes de de-se um dos objetivos do projeto que é esse

149
Moira Poema Closs Gaspar, Janete Cândida Sulzbach Bilo e Miriam Beatriz Röhsler dos Santos

engajamento. O boneco primeiramente iria ir Exploramos fantoches também recon-


um dia na casa de cada criança, e voltaria para tando as literaturas infantis de maneira lúdica
a escola, mas percebendo a falta de tempo de desenvolvendo faz-de-conta e a reprodução
alguns pais, mudamos a proposta durante o de- das aprendizagens sob olhar crítico das crian-
senvolvimento e propomos dois dias em cada ças. E também exploramos a culinária da cul-
casa, possibilitando maior organização dos pais. tura africana onde reproduzimos as receitas
Outra atividade desenvolvida foi o re- (fazendo elo de ligação com a literatura Infantil
corte de pessoas corpos em revistas de forma “As panquecas de Mama Pany”) e exploramos
“livre”. Depois todas as imagens foram dispos- os gostos e temperos. Construímos a nossa
tas no chão e separamos por tamanho, gênero, literatura Infantil com desenhos e textos das
roupa, até que chegamos ao parâmetro “cor”. crianças sob a nossa orientação e supervisão.
As crianças hesitaram e então intervir suge-
rindo que separássemos sim por cor, e assim
Resultados e Discussão
o fizeram. Depois então pedimos que os dois
grupos fossem comparados e apontadas ou-
Neste projeto avaliamos a participação
tras diferenças dentro do grupo e então as
e o envolvimento das crianças, dos pais e da
crianças foram em diálogo concluindo que os
comunidade. Sabe-se que muitas crianças en-
dois grupos possuíam pessoas com as mesmas
volvem-se mais que outras, mas pode-se per-
características, apenas diferenciando-se na cor
ceber um envolvimento coletivo e um interesse
da pele. Voltamos a tornar todas um grupo só
de pessoas e classificados como diversidade de aprendizagem além das expectativas iniciais.
racial (cabe ressaltar que havia imagens de ja- Foram avaliados na dedicação que apresenta-
poneses, alemães, negros,etc.). vam nas atividades e na participação e obser-
Posteriormente, realizamos uma ofici- vações apontadas nas rodas de conversa.
na construindo brinquedos africanos com as O projeto teve culminância com a
crianças, onde exploramos usos de diferentes construção do livro Infantil pelas crianças,
materiais. As crianças perceberam que muitas onde destacaram-se os aprendizados voltados
brincadeiras que utilizamos em nosso coti- ao respeito a diversidade racial. Os resultados
diano de sala de aula são de origem africana que observamos foram satisfatórios uma vez
e quanto todos gostam de praticá-las sem co- que as crianças se envolveram e aprenderam,
nhecer a origem. a comunidade e os pais participaram

150
POR UM MUNDO MAIS COLORIDO: CONHECENDO E APRENDENDO MAIS SOBRE DIVERSIDADE RACIAL

(mesmo que algumas vezes tendo que serem trabalhados, dentro do plano de ação e meto-
chamados para um compromisso maior e de dologia do projeto uma educação voltada para
maior dedicação frente aos nossos objetivos) a cidadania, a diversidade e a isonomia. Dentro
e conseguimos conjuntamente atingir os do desenvolvimento da proposta pedagógi-
objetivos propostos. ca foram alcançados os objetivos, dentro das
Os maiores resultados estão nas crianças, possibilidades e alcances da faixa etária e da
pois perceber no cotidiano as ricas aprendiza- comunidade escolar. Foi construída uma rede
gens e experiências por elas vivenciadas, e a de conhecimentos sobre a cultura afro-brasi-
transformação por elas construida é algo que leira, que possibilitou explorar as ansiedades e
por si só mostra o quão relevante foi a temática dúvidas das crianças em relação a diversidade
e a proposta para eles e as familias. O elo que racial, desvendando os preconceitos e trans-
construimos, como professora com os pais, formando-os em sementes de conhecimento.
e as crianças com as educadoras e seus pais, Ainda durante toda a proposta conseguimos,
permitiu crescermos juntos e criamos uma com um olhar atento, respeitar a criança como
“missão” de conhecimento. Esse projeto serviu um ser social construtor e propagador de iden-
como um dispositivo que pode contribuir no tidade e cultura, acompanhando e instigando
processo de formação das crianças como cida- o seu desenvolvimento dentro de sua faixa etá-
dãs de uma sociedade voltada para a diversi- ria e de seus desejos. A proposta ainda conse-
dade racial. guiu envolver a comunidade escolar nos seus
objetivos, propagando a temática e ampliando
Conclusão sua rede de alcance, engajando um grupo de
sujeitos capazes de potencializar a proposta e
Destarte, com a realização da proposta fazê-la tornar forma e força. A realização deste
pedagógica explorando a temática da Diversi- trabalho demonstra a relevância da temática, a
dade Racial, e assim contemplando Diretrizes efetivação do Currículo para Educação Infantil
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil dentro de uma proposta ativa e que respeite a
(2009) pode-se visualizar e vivenciar transfor- faixa etária, envolvendo a comunidade e per-
mações e construções de conhecimentos a par- mitindo avanços reflexivos.
tir do desenvolvimento do projeto. Como tra-
çado inicialmente como objetivo geral foram

151
Moira Poema Closs Gaspar, Janete Cândida Sulzbach Bilo e Miriam Beatriz Röhsler dos Santos

Referências bibliográficas de Educação Básica, Brasília, DF, 19 dez. 2009,


seção 1, p. 18.
BRASIL. Congresso Nacional. Lei n. 10.639, de BENTO, M. A.S. Educação infantil, igualdade
9 de janeiro de 2003. Altera a lei n. 9.394, de racial e diversidade: aspectos políticos, jurídi-
20 de dezembro de 1996, que estabelece as cos, conceituais. São Paulo (SP), 2012: Centro
diretrizes e bases da educação nacional, para de Estudos das Relações de Trabalho e Desi-
incluir no currículo oficial da rede de ensino a gualdades - CEERT, 2012.
obrigatoriedade de temática “História e Cultura
Afro-Brasileira”, e dá outras providências. Diário
Oficial da União, Brasília, DF, 10 jan. 2003.
_____. MEC/SECAD/SEPPIR.  Diretrizes Cur-
riculares Nacionais para a Educação das
Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana
e referenciais para a Formação de Professo-
res. Brasília, DF: Ministério da Educação, 2005.
_____. Congresso Nacional. Lei n. 11.645, de
10 de março de 2008. Altera a lei n. 9.394, de
20 de dezembro de 1996, modificada pela lei n.
10.639, de 9 janeiro de 2003, que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional, para
incluir no currículo oficial da rede de ensino a
obrigatoriedade de temática “História e Cultu-
ra Afro-Brasileira e Indígena”.  Diário Oficial da
União, Brasília, DF, 11 mar. 2008.
_____. Resolução n. 5, de 17 de dezembro de
2009. Diretrizes Curriculares Nacionais para
a Educação Infantil. Diário Oficial da Repúbli-
ca Federativa do Brasil, Ministério da Educa-
ção/ Conselho Nacional de Educação/ Câmara

152
154
10
EDUCAÇÃO INFANTIL:
UM NOVO OLHAR

Nilza Maria Fiss Scapin


Raquel Miranda Keisman

Falar da creche ou da educação infantil é muito A iniciativa inspirou duas outras: uma no
mais do que falar de uma instituição, de suas
Colégio Menezes Vieira (Rio de Janeiro -1875) e
qualidades e defeitos, da sua necessidade so-
cial ou da sua importância educacional. É falar no Caetano de Campos (São Paulo - 1896), que
da criança. De um ser humano, pequenino, adaptou a pedagogia de Fröebel para a reali-
mas exuberante de vida (DIDONET, 2001). dade brasileira. Em 1924, já eram 47 as institui-
ções entre creches e jardins de infância pelo
As primeiras instituições brasileiras de Brasil, principalmente nas capitais. A partir daí,
atendimento às crianças de zero a cinco anos, muitas creches foram instaladas para atender
segundo RUIZ (2011), surgiram ainda no Império aos filhos dos operários, sempre ligadas à As-
com intuito de amparar as que eram abandona- sistência Social, embora houvesse, em muitos
das nas ruas das cidades, como os orfanatos, os casos, profissionais da área pedagógica orien-
asilos para pobres e a Santa Casa de Misericórdia. tando seu funcionamento.
Um dos pioneiros nessa experiência no A partir de 1980 a sociedade passa a dis-
exterior foi o médico Friedrich Fröebel - ideali- cutir a possibilidade de inclusão das pré-esco-
zador dos Jardins de Infância. Essa ideia chega las na Educação Básica, intenção concretizada
ao Brasil na década de 1870, com divulgação na Constituição de 1988. A Lei de Diretrizes e
no jornal do médico Carlos Costa, e é aplicada Bases da Educação Nacional 9394 de 1996, ra-
na sala de jardim de infância aberta ao lado de tifica essa decisão, enfatizando que a Educação
uma igreja protestante americana instalada é um direito da criança e que deve, portanto,
em São Paulo. ser universal.

155
Nilza Maria FissScapin e Raquel MirandaKeisman

O município de Dona Francisca, locali- a trabalhar na creche Pedagogas para começa-


zado na quarta colônia de imigração Italiana, rem a desenvolver um trabalho mais voltado à
emancipada no ano de 1965, no qual e eco- educação. Mas as salas estavam cheias e dividi-
nomia é basicamente agrícola, tendo o arroz das somente entre berçário e maternal, as pré-
como principal produto e uma população de -escolas funcionavam nas escolas de ensino
aproximadamente 3.401 habitantes, iniciou o fundamental. Portanto, o trabalho educativo,
seu atendimento em creche no ano de 1996 mesmo com o interesse dos professores ficava
somente aos filhos de mães trabalhadoras. deficitário, pois o espaço era limitado, mas era
O nome do estabelecimento na ocasião o que podíamos oferecer e não queríamos pri-
era Creche Dente de Leite e, seu enfoque, vol- var nenhuma criança de atendimento.
tava-se somente para o cuidar. O espaço físico Porém, a preocupação com a educação
dispunha de apenas duas salas de aula. O nú- infantil era constante entre professores e a Ad-
mero máximo de crianças chegou a 40. As cui- ministração Municipal, principalmente por en-
dadoras possuíam, inicialmente, apenas o 2º tendermos que esta modalidade de ensino hoje
grau, sendo que algumas por interesse próprio requer, do profissional envolvido, uma visão his-
foram fazer magistério. tórica abrangente sobre as mudanças que vêm
Segundo relato de professores e da atual ocorrendo na sociedade como um todo.
Secretária da Educação que já atuava como Os avanços em termos de políticas públi-
professora na rede Municipal de Ensino nesta cas para a educação infantil, principalmente a
época e, muitas vezes esteve na mesma para partir da década de 1990, com a ampliação da
acompanhar o desenvolvimento de algumas oferta e inclusão de tal etapa na Educação Bási-
atividades, podemos afirmar que no início de ca a partir da Lei 9394/96 - LDBEN (BRASIL, 1996)
funcionamento da Escola as atividades eram culminou também em mudanças no atendi-
sistematizadas e rotineiras: todos os dias as mento e na qualificação dos profissionais. Se
crianças chegavam, tomavam café, brincavam por um lado, a criança passou a ser reconhe-
um pouquinho, dormiam, almoçavam, dor- cida como um ser diferenciado do adulto, com
miam novamente, brincavam e iam para casa. característica própria, capaz de realizar deter-
Aquelas que não dormiam deviam permane- minadas tarefas e auto realizar-se enquanto
cer em silêncio para não acordar os demais. sujeito independente, autônomo e criativo,
A cadeira do pensamento era uma práti- por outro, a própria sociedade impõe-lhe, mui-
ca constante. Depois de alguns anos passaram tas vezes, tarefas e responsabilidades, privan-

156
EDUCAÇÃO INFANTIL, UM NOVO OLHAR

do-a de brincar e até mesmo de ser criança. E humanos estava dentro do esperado, mas e a
a escola, enquanto instituição encarregada de parte pedagógica? Como desenvolveríamos a
formar tais sujeitos, precisa rever seus padrões nossa prática que além de cuidar deveria prin-
pedagógicos. cipalmente educar?
Desfazer a linearidade que forma a es-
cola tradicional, e transformá-la numa escola Educar significa, portanto, propiciar situações
de cuidados, brincadeiras e aprendizagens
dinâmica, crítica-reflexiva e construtiva, o que
orientadas de forma integrada e que possam
se torna um desafio a ser vencido pelos pro- contribuir para o desenvolvimento das capaci-
fissionais da educação. Para que pudéssemos dades infantis de relação interpessoal, de ser e
atender a este novo modelo de Educação In- estar com os outros, em uma atitude de acei-
tação, respeito e confiança, e o acesso pelas
fantil, fomos em busca não só de uma nova
crianças, aos conhecimentos mais amplos da
metodologia de trabalho, mas também de um realidade social e cultural (BRASIL, 1998a, p. 23).
novo espaço, onde pudéssemos atender a to-
dos com o mínimo de qualidade indispensável Sobre o cuidar, estávamos cientes que
ao desenvolvimento infantil. deveria ser entendido como parte integrante
Fomos contemplados através do Gover- da educação, demandando a integração de vá-
no Federal com o novo modelo de creche do rios campos de conhecimentos e a cooperação
Proinfância. E em junho de 2012 inauguramos de profissionais de diferentes áreas. Mas como
a tão sonhada Escola de Educação Infantil a Es- fazer tudo isto?
cola Municipal de Educação Infantil Dente de Foi então que recebemos a assessoria
Leite Professora Ivani Lurdes Barchet Tessele. pedagógica do programa Proinfância, atra-
Realmente um sonho! Tudo tão bonito... As sa- vés da Universidade Federal de Santa Maria -
las lindas, mobiliário lindo, tudo perfeito! Mas UFSM, para auxiliar-nos nesta importante fase
como seria nosso trabalho que, de um dia para de transição. A cada visita gerava-se uma crise
o outro, passou de 40 para 100 crianças, pois na escola. A sensação de que toda uma cami-
a educação infantil foi centralizada. Teríamos nhada desenvolvida junto as nossas crianças
que nos adequar a nova realidade, pois de iní- estava sempre errada nos causava desconfor-
cio passamos a atender quatro turmas com alu- to. O novo nos assustava.
nos em dois turnos e outros em turno integral, Sabemos do nosso compromisso em
a maioria com um professor e uma atendente assumir a responsabilidade na educação co-
por turma. A parte física, a parte de recursos letiva das crianças, complementando a ação

157
Nilza Maria FissScapin e Raquel MirandaKeisman

das famílias. Sabemos que a criança é um su- tir de dramatizações, contações de histórias,
jeito histórico e de direitos que se desenvolve etc. Percebemos que nós professores temos
nas interações, relações e práticas cotidianas na experiência conjunta com elas a excelente
a ela disponibilizada e, nessas condições ela oportunidade de nos desenvolvermos como
faz amizades, brinca, deseja, aprende, obser- pessoa e como profissionais e, que o importan-
va, conversa, experimenta, constrói sentidos te é apoiar as crianças desde cedo e ao longo
e conceitos sobre o mundo e produz cultura. de suas experiências na Educação Infantil de
Mas como realizar, no dia a dia, atividades pe- modo, a proporcioná-las, diferentes experiên-
dagógicas que concretizassem esta realidade, cias de interações que lhes possibilitem cons-
pois tínhamos o conhecimento nos faltava a truir saberes, fazer amigos, aprender a cuidar
coragem para agir? de si e a conhecer suas próprias preferências e
Com as assessorias conseguimos, aos características, possibilitando sua participação
poucos, ir vencendo as barreiras e começamos em diversas formas de agrupamentos forma-
um trabalho diferente com nossas crianças. dos com base em critérios estritamente peda-
Passamos a compreender melhor que cada gógicos.
criança apresenta um ritmo e uma forma pró- Além desta caminhada, estamos cientes
pria de se relacionar e de interagir. Manifesta que muitos são os desafios que ainda temos
suas emoções e expressa suas curiosidades de que enfrentar em prol de uma educação infan-
forma diferente. E, aos poucos, em nossas reu- til de qualidade tais como: recursos financeiros
niões pedagógicas íamos assumindo nossos para serem aplicados nesta modalidade de
verdadeiros papéis de educadoras e inovando ensino; atendimento a todas as crianças nes-
nosso ambiente de trabalho. ta faixa etária; formação inicial e continuada
E passamos a preparar o nosso ambiente do professor que priorize a integração entre
a cada dia de forma diferente para esperá-los; os cuidados e a educação da criança pequena;
as nossas práticas já não são mais as mesmas; ludicidade como elemento fundamental na or-
nossas salas já não possuem mais classes; pra- ganização do trabalho pedagógico; espaço físi-
teleiras são da altura dos nossos pequenos, fo- co contendo mobiliário e material pedagógico
tocópias eventualmente fazem parte das nos- adequado à idade das crianças; articulação en-
sas atividades pois buscamos intensificar as tre esse nível de ensino e os anos iniciais do en-
atividades que favoreçam às crianças produzi- sino fundamental. Afinal, o nosso maior desa-
rem suas próprias criações, por exemplo, a par- fio será assumir a nossa responsabilidade por

158
EDUCAÇÃO INFANTIL, UM NOVO OLHAR

esta modalidade de ensino, fazendo do nosso


ambiente escolar um espaço que respeite, efe-
tivamente, o desenvolvimento e aprendizado
da criança em idade de creche.

Referências bibliográficas

BRASIL. Constituição. Constituição da Re-


pública Federativa do Brasil. Brasília, DF,
Senado, 1988.
BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes
curriculares nacionais para a educação in-
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lia: MEC, SEB, 2010.
BRASIL, LDB. Lei 9394/96 – Lei de Diretrizes e
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cisca Sua Terra Sua Gente – Dona Francisca,
1983.
DIDONET, Vital. Creche: a que veio, para onde
vai. In: Educação Infantil: a creche, um bom
começo. Em Aberto/Instituto Nacional de Es-
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RUIZ, Jucilene de Souza. O Surgimento da
Creche: Uma Construção Social e Histórica.
UFSC: Florianópolis, 2011.

159
POLO DE IJUÍ
11
REFLEXÃO SOBRE ESPAÇO E TEMPO
E O REGISTRO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Claudiane Marta Zamboni


Claudia Maria de Oliveira Becker Spies
Josiele Bedin

O cotidiano de trabalho com crianças Organizar o cotidiano das crianças da Educa-


ção Infantil pressupõe pensar que o estabele-
na Educação Infantil encontra-se imerso em
cimento de uma sequência básica de ativida-
questões relativas a espaço e tempo, levan- des diárias é, antes de mais nada, o resultado
tando interrogações sobre como organizar da leitura que fazemos do nosso grupo de
os momentos de brincar, de tomar banho, de crianças, a partir, principalmente, de suas ne-
se alimentar, de repousar. Como organizar os cessidades. É importante que o educador ob-
serve o que as crianças brincam, como estas
tempos das vivências infantis junto aos dife-
brincadeiras se desenvolvem, o que mais gos-
rentes espaços de brincadeiras e interações tam de fazer, em que espaços preferem ficar,
que existem na escola, nas salas de atividades, o que lhes chama mais atenção, em que mo-
no parque, no refeitório, no banheiro, no pátio, mentos do dia estão mais tranquilos ou mais
agitados. Este conhecimento é fundamental
de modo a favorecer os processos de aprendi-
para que a estruturação espaço-temporal te-
zagem e o desenvolvimento das crianças? Para nha significado. Ao lado disto, também é im-
organizar o espaço e o tempo na creche e na portante considerar o contexto sociocultural
pré-escola precisamos inicialmente refletir so- no qual se insere e a proposta pedagógica
da instituição, que deverão lhe dar suporte.
bre como pensamos a criança e os processos
(BARBOSA; HORN, 2001, p. 67)
educativos. Maria Carmen Silveira Barbosa e
Maria da Graça Souza Horn (2001) refletem so-
Neste sentido, a organização do espa-
bre esta questão:
ço e dos tempos na Educação Infantil é muito
reveladora. A maneira como o material está

163
Claudiane Marta Zamboni, Claudia Maria de Oliveira Becker Spies e Josiele Bedin

organizado em sala, a disposição dos móveis Se partirmos do pressuposto de que


e a própria ambientação deste espaço nos in- criança é um sujeito criativo, capaz de se ex-
forma sobre as concepções que orientam as pressar de diferentes formas, e que buscamos
práticas da professora e a sua proposta peda- o desenvolvimento integral desta criança, al-
gógica. Na ânsia por apresentar um ambiente guns pontos precisam ser analisados. O espaço
bonito e acolhedor, a professora muitas vezes então deve ser fruto da relação estabelecida
preenche as paredes da sala com imagens que com as crianças. No arranjo dos espaços devem
nada tem a ver com o que o grupo realmente estar presentes suas dúvidas, anseios, desco-
está interessado. Ou seja, uma sala repleta de bertas e interesses. Enfim, o percurso realizado
elementos que não representam efetivamente pela turma que utiliza este lugar, com cartazes,
as crianças que passam o dia naquele espaço. produções individuais e coletivas, que repre-
sentem as crianças ali inseridas. Estamos falan-
do da construção de uma estética que materia-
lize as identidades das crianças.
Essa visibilidade das produções coleti-
vas e individuais das crianças precisa ter uma
sensibilidade, ou seja, precisa ser arranjada
de uma forma que reconheça e valorize estes
pequenos sujeitos. Quando as crianças parti-
cipam da organização do espaço, e quando as
suas produções e contribuições são valoriza-
das neste processo, o sentimento que prevale-
ce é significativo, gerando pertencimento. Este
processo de pertencimento é nítido quando
seus pais ou familiares chegam para buscá-las
e elas querem logo mostrar suas fotos, seus de-
senhos e pinturas com bastante entusiasmo:
Vejam o que fiz na escola hoje! Maria da Graça
Souza Horn, reflete sobre estas questões com
propriedade:
Os bebês explorando possibilidades.

164
REFLEXÃO SOBRE ESPAÇO E TEMPO E O REGISTRO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

O olhar de um educador atento é sensível


a todos os elementos que estão postos em
uma sala de aula. O modo como organizamos
materiais e móveis, e a forma como crian-
ças e adultos ocupam esse espaço e como
interagem com ele são reveladores de uma
concepção pedagógica. Aliás, o que sempre
chamou minha atenção foi a pobreza fre-
quentemente encontrada nas salas de aula,
nos materiais, nas cores, nos aromas; enfim,
em tudo que pode povoar o espaço onde co-
tidianamente as crianças estão e como pode-
riam desenvolver-se nele e por meio dele, se
fosse mais bem organizado e mais rico em
desafios. (HORN, 2004, p. 15)

As escolas de Educação Infantil têm na


sua organização de espaços e tempos uma
ferramenta pedagógica muito importante. Se
a escola pensa numa proposta onde a crian-
ça é autora, onde há uma troca de saberes e
uma conquista conjunta de objetivos, todos os
Explorando o espaço e superando desafios.
registros, os planejamentos, os tempos e o es-
paço no qual as crianças circulam, estarão cen- Neste sentido, o espaço deve ser atraen-
trados na própria criança, nas suas necessida- te, questionador, deve levar em conta o inte-
des e expectativas, levando em consideração a resse da criança a aprender e a buscar o seu
faixa etária de cada grupo. Se, por outro lado, a pleno desenvolvimento. Deve ser algo que está
escola compreende que está nas mãos da pro- em constante mudança, atendendo aos novos
fessora ensinar e que esta é uma tarefa de mão interesses e descobertas do grupo. À medida
única, a organização das salas estará centrada que o espaço se torna desafiador, ele propicia
na figura da professora e todas as ações das às crianças novas descobertas, ampliando as
crianças dependerão de um comando dessa possibilidades de exercitarem sua autonomia,
professora. liberdade, iniciativa, livre escolha. Por fim, o
espaço precisa ser organizado de modo a con-

165
Claudiane Marta Zamboni, Claudia Maria de Oliveira Becker Spies e Josiele Bedin

templar as diferentes dimensões humanas: o de auto referência e ainda fonte de teorização


lúdico, o artístico, o afetivo e o cognitivo. Então da própria prática, servindo como instrumento
nos questionamos: como temos encarado o es- de sua autonomia intelectual, mostrando-lhe
paço que organizamos? Há muito que estudar, como pode ser construída como profissional: “E
refletir e avançar. quanto maior for a nossa consciência das nossas
Uma das ferramentas que pode ser uti- práticas pedagógicas maior será a nossa possi-
lizada na organização dos espaços é o registro bilidade de mudar” (DAHLBERG, MOSS, PENCE,
das atividades em local visível, com atenção 2003, p. 200). Morais, citado por Gontigo (2011,
especial aos conhecimentos, as percepções, as p. 121) retoma este aspecto do registro em uma
angústias e descobertas do grupo. O exercício dimensão reflexiva:
de registro é uma estratégia de observação e
sistematização das práticas pedagógicas, tanto A documentação é um processo dinâmico,
contextualizado, que permite à professora
para a professora quanto para as crianças, po-
conhecer e compreender as crianças através
dendo ser materializado de diferentes formas, de seus sentimentos, interesses, ideias e po-
em desenhos, pinturas, recortes, anotações tencialidades. A professora que documenta
tendo a professora como escriba, entre outras. tem a possibilidade de analisar, refletir e com-
A partir destas ferramentas de documentação, partilhar interpretações sobre as crianças e a
maneira como aprendem. Essa experiência
podem ser definidas novas estratégias e obje-
provoca um trabalho mais produtivo e pro-
tivos a serem alcançados, uma vez que permi- fuso, porque permite à professora participar
tem a observação das atividades e dos percur- de um processo de discussão coletiva, e não
sos realizados pelo grupo, desafiando todos a apenas de reflexão individual.
refletir sobre o cotidiano. Neste sentido, como
instrumento pedagógico, favorece condições e Podemos verificar que todo o trabalho
possibilidades de conhecimento sobre si mes- da documentação, considerando as experiên-
ma e sobre as crianças. Estas análises e reflexões cias da criança no contexto escolar, será pos-
constituem um rico material para novos percur- sível na medida em que a professora perceber
sos e estratégias de trabalho com as crianças. a criança como um sujeito que experimenta o
A documentação pedagógica oportuni- mundo e sente-se parte deste mundo. Somos
za a reflexão sobre o sentido da própria expe- educadoras capazes de registrar tudo que nos-
riência, favorecendo, de certo modo, a formação sas crianças fazem, fantasiam e imaginam a
permanente da educadora, uma vez que possi- cada dia, fazendo com que os principais auto-
bilita à professora a apropriação do seu fazer res da escola sejam os sujeitos infantis.
pedagógico, tornando-se fonte de consulta e

166
REFLEXÃO SOBRE ESPAÇO E TEMPO E O REGISTRO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

As Diretrizes Curriculares Nacionais para


a Educação Infantil (DCNEI, 2009) reconhecem
a Educação Infantil como a primeira etapa da
educação básica, afirmando o seu papel no
desenvolvimento integral de crianças de 0 a 5
anos de idade, em seus aspectos físicos, psico-
lógico, intelectual e social, complementando a
ação da família e da comunidade. Neste senti-
do, uma educação de qualidade deve favore-
cer a relação entre a família e a escola, em uma
relação fluía com o mundo natural e social.
A nossa escola possui este interesse e
este compromisso, buscando estratégias de
aproximação e estreitamento de laços, desa-
fiando pais e familiares a se apropriarem des-

Projeto de horta com as crianças.

Sabemos que toda criança necessita de


um ambiente agradável e saudável, que esti-
mule desenvolvimento e auxilie a mesma na
construção de conhecimentos e no desenvolvi-
mento de suas potencialidades. Não podemos
compreender as crianças de forma descontex-
tualizada. Neste sentido, nosso papel é buscar
uma aproximação maior com os pais, de modo
que possam se envolver em diferentes aspec-
tos do processo pedagógico, desde a organi-
zação dos espaços, participando de atividades
significativas e construindo uma articulação
neste trabalho com as crianças. Momento de cuidado e interação com os animais de estimação.

167
Claudiane Marta Zamboni, Claudia Maria de Oliveira Becker Spies e Josiele Bedin

te espaço através de uma participação ativa e das atividades, da produção do conhecimento


carregada de significados. Nossa escola reali- de forma coletiva e participativa, onde todos
zou recentemente o projeto Família na Escola, possam ser reconhecidos e se reconheçam
alcançando uma enorme participação dos pais como protagonistas da prática pedagógica.
junto a esse espaço, favorecendo o conheci-
mento e a discussão sobre a rotina diária de
seus filhos. Neste contexto, pais e filhos tive- Referências bibliográficas
ram a oportunidade também de compartilhar
experiências novas, através de brincadeiras BARBOSA, M. C. S.; HORN, M. G. S. Organização
dirigidas, rodas cantadas, contações de histó- do espaço e do tempo na escola infantil. In:
rias, entre outras estratégias lúdicas, permitin- CRAIDY, C.KAERCHER, G. E. Educação Infantil
do um reencontro de pais e mães com as suas Pra que te quero? Porto Alegre: Artmed, 2001.
próprias memórias infantis.
BRASIL. Ministério da Educação. PARECER CNE/
Estas práticas pedagógicas foram sig-
CEB nº 20/2009 de 11 de novembro de 2009.
nificativas, e serviram como oportunidade de
Diretrizes curriculares nacionais para a edu-
reflexão sobre a nossa ação enquanto educa-
cação infantil. Brasília: Conselho Nacional de
doras. Tivemos a oportunidade de perceber
Educação. Câmara de Educação Básica. Nov.
que estes movimentos de aproximação favore-
2009.
cem a integração e fortalecem as relações en-
tre escola e famílias, que passam a fazer parte DAHLBERG, G., MOSS, Peter e PENCE Alan.
de uma forma diferente da educação de seus Qualidade na educação da Primeira Infân-
filhos, apropriando-se talvez deste lugar. Da cia: perspectivas pós-modernas. Porto Ale-
mesma forma, a aproximação das crianças em gre: Artmed, 2003.
relação aos processos de decisão, através de
GONTIGO, Flávia Lamounier. Documentação
uma escuta e de um diálogo que gera perten-
pedagógica como instrumento de reflexão
cimento, permitiu materializar aspectos signifi-
e produção docente na Educação Infantil.
cativos das identidades infantis na organização
Revista Paidéia, Curso de Pedagogia da Facul-
e na relação com os tempos e espaços. Trata-se
dade de Ciências Humanas, Socias e da Saúde
de experiências importantes também para a
da Universidade FUMEC,  Belo Horizonte, Ano
escola, que conseguiu uma integração e apoio
8, nº 10, p. 119/134, jan./jun., 2011.
maior das famílias para enfrentar os desafios
do dia a dia. Esta troca, entre escola, crianças e HORN, Maria da Graça de Souza. Sabores, co-
famílias, nos mostrou a importância do registro res, sons, aromas. A organização dos espaços
na educação infantil. Porto Alegre: Artmed, 2004

168
12
CONHECENDO O MUNDO ATRAVÉS DOS PASSEIOS

Luciana dos Santos


Elisete de Jesus Kempf
Joice Prediger

O valor do trabalho com a natureza não está Esta experiência foi realizada com uma
em experimentos sofisticados, mas sim na turma de pré-escola, com crianças de idade
simplicidade das descobertas [...] a coisa não
entre 4 e 5 anos, junto à EMEI Pequeno Polegar
está nem na saída, nem na chegada, mas sim
na travessia[...] (MORAES, 2012). - Professora Gerarda Michels Prante, no Municí-
pio de Quinze de Novembro. Trata-se de uma
O projeto Conhecendo o mundo através pequena comunidade, onde a interação com es-
dos passeios surgiu no início do ano de 2014, paços abertos e o contato com a natureza é favo-
a partir da fala das crianças que, nas rodas de recido. Assim, o objetivo do projeto passou por
conversas e diálogos paralelos, convidavam interagir com o ambiente natural e social com
uns aos outros para passear e conhecer suas autonomia, com a possibilidade de construir a
casas, em discussões animadas sobre itine- identidade de maneira saudável, explorando
rários e outras questões interessantes. Deste aspectos da comunidade por ora desconheci-
modo, a experiência teve origem nas inquie- dos pelas crianças. Estas práticas permitem uma
tações infantis, onde todas as pessoas envol- articulação entre as experiências e saberes das
vidas, desde as crianças, as professoras e até crianças com os aqueles conhecimentos que
mesmo as famílias, tiveram a oportunidade de constituem o patrimônio da humanidade em
construir laços e pertencimentos, permitindo diferentes campos e linguagens, aproximando-
que as aprendizagens fossem mais significati- -se da ideia de currículo para a Educação Infantil
vas e próximas da realidade. (DCNEI, Parecer 20/2009).

171
Luciana dos Santos, Elisete de Jesus Kempf e Joice Prediger

Durante as ações do projeto tivemos a Os passeios nos ajudaram a construir


oportunidade e o privilégio de interagir com as significados e relacioná-los com nossa prática
famílias das crianças em suas casas, conhecen- docente. Em alguns momentos saíamos para
do novos espaços e criando uma rotina pró- identificar mudanças na vegetação e no cli-
pria, permitindo a sensibilidade para o mundo ma, em outros momentos saíamos para visitar
à sua volta. Nestes momentos, a escuta sensível o museu e outros espaços mantidos por enti-
às vozes infantis transformou o planejamento e dades, ou mesmo a casa dos colegas, para ver
a prática pedagógica em um lugar que permi- sua família, seus brinquedos e outras surpresas
tia a criança a apropriação do processo e o en- que se apresentassem durante nossa visita.
contro com a própria história. Neste momento Os itinerários envolveram diferentes
inicial do projeto, buscamos conhecer melhor aprendizados em contato com a natureza e
as famílias de nossas crianças, identificando
também a socialização destas experiências, nas
os pontos em comum e as singularidades que
trocas com adultos e com outras crianças. Fa-
pudessem tornar mais interessante o exercício
voreceram o enriquecimento do vocabulário,
de visitação. Dessa forma se estabeleceu uma
a compreensão a respeito das transformações
rotina de passeio surpresa com a turma, con-
da natureza, a classificação e quantificação de
tando desde o início com o comprometimento
materiais coletados nos passeios, a criação de
e a colaboração das famílias.
coleções e inventários, com folhas, pedrinhas,
Estes passeios abriram ricas oportunida-
des para situações de sociabilidade durante os sementes e gravetos. A exploração de diferen-
trajetos, situações que não estavam restritas ao tes elementos como água, areia, terra e o con-
destino final. Quando as saídas ocorriam nas tato com animais também foram privilegiados,
imediações da escola, os moradores, principal- bem como a cooperação e a solidariedade
mente os idosos, já sabiam que se tratava de quando ocorriam situações inesperadas, como
um passeio da escola e logo vinham cumpri- uma queda no meio caminho.
mentar na porta de suas casas a passagem das Sabemos que a criança nesta etapa da
crianças. As praças da cidade também serviram Educação Infantil aprende essencialmente
de acolhida para as brincadeiras e descobertas pela corporeidade e pelas experiências práti-
da turma, juntamente com as professoras, em cas que lhe são proporcionadas (BRASIL, 2009).
situações de piqueniques e rodas cantadas, Neste sentido, o passeio permitia o movimen-
conversas, escutando os sons da natureza, es- to e a expressividade, visto que a criança pre-
calando, coletando. cisa criar suas hipóteses, testar possibilidades

172
CONHECENDO O MUNDO ATRAVÉS DOS PASSEIOS

Passeio nos arredores da escola: “eu vou, eu vou, passear agora eu vou...”

e vencer dificuldades. Sentimos que o nosso As atividades do projeto foram planeja-


papel é orientar as crianças para que, progres- das de forma a permear o corpo e a percepção
sivamente, descubram por si mesmas soluções da criança como um todo, sendo instigantes,
que as satisfaçam, mesmo que provisoriamente. vivas e lúdicas. Os passeios tiveram a inten-
Consideramos ainda que é necessário valorizar cionalidade de permitir à criança aprender no
as ações da criança, sobretudo em relação ao seu tempo, mapeando percursos e buscando
contexto em que está inserida, colocando-a na novos conhecimentos, coletando informações,
base de todo e qualquer conhecimento, que sistematizando e refletindo sobre o lugar onde
deve ser explorado a partir dos seus interesses, vivem. A curiosidade em aprofundar alguns
instigando sua curiosidade e imaginação, para temas também permitiu a pesquisa teórica e
que a aprendizagem seja realmente significati- metodológica, além de experiências que foram
va e prazerosa. Assim, a criança poderá ser sujei- constantemente compartilhadas com os pais e
to do seu conhecimento e construtora de hipó- a comunidade.
teses sobre a realidade que a cerca, construindo Compreendemos que a criança na Edu-
questionamentos, experimentando, elaboran- cação Infantil precisa ter contato com ambien-
do conceitos e estabelecendo relações. tes que fortaleçam seu vínculo com a comu-

173
Luciana dos Santos, Elisete de Jesus Kempf e Joice Prediger

nidade e o meio onde vivem. Os passeios nas dos afetos, percepções e movimentos, permitem
imediações da escola permitiram o conheci- a apropriação de mundo e estão diretamente re-
mento de mundo e diferentes trocas de sabe- lacionadas ao currículo da Educação Infantil.
res. Neste processo as crianças foram desafia-
das a interagir com a natureza, a realizar trocas Essa visão propicia a passagem de uma pers-
pectiva da aprendizagem individual e racio-
de conhecimentos e relações de cooperação e
nal para uma perspectiva social e multidi-
solidariedade. Os diferentes obstáculos e traje- mensional. Destaca-se a concepção de que
tos permitiram o movimento das crianças e a os processos de aprendizagem são racionais,
ampliação da coordenação, bem como a inves- sensoriais, práticos, emocionais e sociais ao
mesmo tempo, isto é, todas as dimensões da
tigação e a descoberta.
vida – a emoção, a cognição, a corporeidade
Todos os passeios foram aguardados com – estão em ação quando se aprende. Portan-
expectativa e curiosidade pelas crianças, que to, as práticas educativas devem levar em
discutiam os itinerários antes mesmo de sair. Ao conta os vários aspectos humanos quando
o objetivo é auxiliar os alunos a interpretar e
chegar aos lugares programados conseguiam
compreender o mundo que os circunda e a si
fazer relação com o que tinham investigado em mesmos. Nesse sentido, para provocar apren-
sala anteriormente e também com as vivências dizagens, é preciso fazer conexões e relações
das famílias. As atividades posteriores, de siste- entre sentimentos, ideias, palavras, gestos e
ações (BARBOSA & HORN, 2008, p. 26).
matização e reflexões sobre os passeios, a partir

Passeio ao Museu e visita à Mostra de antiguidades.

174
CONHECENDO O MUNDO ATRAVÉS DOS PASSEIOS

Entendemos que a escola, quando as- artista Romero Britto. A partir desta interação,
sume o papel de mediadora destas vivências, iniciamos o projeto de artes onde analisamos
permite à criança a exploração do mundo que diferentes linguagens, como artes gráficas,
a cerca e amplia suas possibilidades sem um esculturas, modelagens, colagens e pinturas.
tempo e espaço que a limite. Para a evolução Realizamos diferentes trabalhos com olhar
deste processo o conhecimento de si e as ex- sensível e investigativo, culminando em uma
periências são essenciais, pois o conhecimento viagem de estudos a um museu referência em
se constrói com as experiências, permitindo artes plásticas da região, o Museu de Artes Vi-
para a criança formar vínculos com a comuni- suais Ruth Schneider, onde visitamos as exposi-
dade onde vive, colaborando ativamente para ções e realizamos uma oficina de modelagem.
preservar a sua história, a cultura e o ambiente Quando a visita era realizada na casa de
em que está inserida. algum colega, os familiares recepcionavam o
grupo e guiavam o passeio, emprestando os
Passeio e visitas: ao Museu e à brinquedos e apresentando os espaços para
Mostra de antiguidades livre exploração pelas crianças, e oferecendo o
lanche, que era sempre aguardado com gran-
Em visita ao Museu as crianças pude- de expectativa pelas crianças.
ram conhecer materiais produzidos por nossos
antepassados e hoje sem uso na sociedade
tecnológica. O penico, a lamparina e a bota
do gigante que morava na região no século
passado permearam as conversas na sala por
muito tempo. A partir disso muitas investiga-
ções começaram a ser realizadas, despertando
a curiosidade por conhecer o tamanho do pé e
da mão, a altura, o peso, entre outras questões
muito interessantes.
Em visita ao Centro de Referência em
Assistência Social do Município, entre tantos
passeios significativos, tiveram contato com
pinturas dos alunos que estavam estudando o
Passeio na casa de um aluno: “nooossa profe... quantos bichinhos”.

175
Luciana dos Santos, Elisete de Jesus Kempf e Joice Prediger

Estas visitas às casas dos colegas também Conclusão


proporcionaram momentos de grande encan-
tamento e descobertas. Em cada casa uma di- O processo vivenciado com as crianças
nâmica diferente e uma maneira distinta de se permitiu que estas fossem se apropriando da
apropriar do ambiente. Foi enriquecedor per- realidade como sujeitos de sua aprendizagem.
ceber a alegria das crianças ao pegar um coe- No decorrer do projeto, os aprendizados se en-
lho no colo e sentir a pelagem macia, ver uma trelaçaram com as vivências do cotidiano e os
chocadeira de passarinhos ou mesmo andar caminhos que percorremos se transformaram
a cavalo. Em outros momentos os brinquedos em sala de aula. Madalena Freire refere que
chamavam mais atenção. Realidades diferentes, não podemos alienar nossos alunos, confiná-
famílias diferentes, aprendizados diferentes. -los à sala de aula para aprender, mas sim per-
mitir que experimentem o mundo a sua volta,
A aprendizagem somente será significativa a sua realidade:
se houver a elaboração de sentido e se
essa atividade acontecer em um contexto
Quando se tira da criança a possibilidade de
histórico e cultural, pois é na vida social que
conhecer este ou aquele aspecto da realida-
os sujeitos adquirem marcos de referência
de, na verdade se está alienando-a da sua
para interpretar as experiências e aprender a
capacidade de construir seu conhecimento.
negociar os significados de modo congruente
Porque o ato de conhecer é tão vital quanto
com as demandas da cultura. A presença
comer ou dormir, e eu não posso comer ou
do outro, adultos ou pares, e a coerência
dormir por alguém. A escola em geral tem
de interações com conflitos, debates,
esta prática, a de que o conhecimento pode
construções coletivas são fontes privilegiadas
ser doado, impedindo que a criança, e tam-
de aprendizagem (BARBOSA & HORN, 2008, p.
bém os professores, o construam. Só assim
26).
a busca do conhecimento não é preparação
para nada, e sim VIDA, aqui e agora. E é esta
O planejamento dos passeios, com a vida que precisa ser resgatada pela escola.
definição dos locais e o que seria visto nestes Muito temos a caminhar para isso, mas é no
momentos, permitiu que fossem abordados hoje que vamos viabilizando esse sonho de
temas que tinham proximidade com as práti- amanhã (FREIRE, 1989, p. 15).

cas sociais, e permitiu também que a criança


desenvolvesse de forma ampla sua capacidade Esta relação com o mundo natural e so-
de negociar e resolver problemas. Sentimos a cial mostra que as práticas escolares não pre-
partir do projeto a necessidade cada vez maior cisam ser estáticas e inertes. Elas podem estar
de articular a prática pedagógica com o prazer cheias de sutileza, criatividade e movimento.
da criança, seus desejos e suas possibilidades.

176
CONHECENDO O MUNDO ATRAVÉS DOS PASSEIOS

Deste modo, as experiências em Educação In-


fantil precisam ser significativas, pois exercem
efeitos de subjetivação e se inscrevem de uma
forma singular na criança, constituindo a sua
maneira de ver, sentir e explorar o mundo.

Referências bibliográficas

BARBOSA, Maria Carmem Silveira; HORN, Ma-


ria da Graça Souza. Projetos Pedagógicos
na Educação Infantil. Porto Alegre: Grupo A,
2008.
BRASIL. Ministério da Educação. PARECER CNE/
CEB nº 20/2009 de 11 de novembro de 2009.
Diretrizes curriculares nacionais para a edu-
cação infantil. Brasília: Conselho Nacional de
Educação. Câmara de Educação Básica. Nov.
2009.
FREIRE, Madalena. A paixão de conhecer o
mundo. 7º ed. São Paulo: Paz e Terra, 1989.
MORAES, Sylvana Carpes. Indicadores Metodo-
lógicos – Natureza. In: Prefeitura Municipal de
Passo Fundo. Secretaria Municipal de Educa-
ção. Conhecendo o mundo: do saber infan-
til ao conhecimento científico: projetos de
trabalho na educação infantil. Passo Fundo:
Berthier, 2012.

177
13
METAMORFOSE

Jocemara da Rosa

Em relação a qualquer experiência da apren- Quando pensamos apressadamente em


dizagem que seja trabalhada pelas crianças,
Educação Infantil nos vem à cabeça as tradicio-
devem ser abolidos os procedimentos que
não reconhecem a atividade criadora e o pro- nais atividades de recorte e colagem, a pintura
tagonismo da criança pequena, que promo- dentro de limites, o treinamento de amassar e
vam atividades mecânicas e não significativas rasgar papel, as manipulações com massinha
para as crianças (DCNEI, Parecer 20/2009).
de modelar, os desenhos impressos para se-
rem pintados pelas crianças, entre outras mais.
Este artigo apresenta um breve relato
Podemos então nos perguntar sobre o lugar da
das experiências de trabalho e deste lugar de
criança nesta visão de Educação Infantil, e se
Coordenação Pedagógica junto à EMEI Santa
de fato a criança é encarada como centralidade
Rita, em Campo Novo, durante o período de
e prioridade nas práticas pedagógicas.
acompanhamento pelo Projeto de Assesso-
As Diretrizes Curriculares Nacionais para
ramento do Proinfância. A partir destes mo-
a Educação Infantil (DCNEI, 2009) têm servido
mentos de formação e reflexão, começamos
como referência para esta fase de transição
a vivenciar o nosso próprio processo de meta-
que está ocorrendo na Educação Infantil, tra-
morfose enquanto escola. Começamos juntos
zendo muitas questões que, de certo modo,
a discutir e delinear os primeiros passos nesta
provocam e convidam as educadoras a desa-
caminhada de reorganizar as práticas peda-
comodar-se, desconstruindo antigos conceitos
gógicas e os processos de trabalho, buscando
e reinventando as práticas pedagógicas com
a qualificação do atendimento oferecido às
crianças pequenas.
crianças.

179
Jocemara da Rosa

Estamos enquanto grupo de trabalho vi- Diante deste desafio, demos início a dois
venciando um pouco deste processo. A partir grandes processos de mudança na escola, en-
da realização de diferentes momentos em for- volvendo todas as pessoas que estão presentes
mações, discussões, estudos e planejamentos, nesse cotidiano, desde as professoras, as auxi-
estamos começando a traçar em conjunto com liares, o administrativo, a cozinha e a limpeza, a
todos os profissionais da escola as estratégias de equipe gestora e até mesmo os pais.
mudança. Estamos conseguindo agregar mais O primeiro processo de mudança foi
qualidade ao trabalho realizado com as crianças. em relação aos espaços das salas. Realizamos
Os resultados estão presentes em dife- adequações, como a instalação de biombos
rentes dimensões da instituição, mas estes só se articulados com as paredes, permitindo mo-
tornaram possíveis por que a equipe inteira se bilidade e versatilidade no uso dos espaços e
comprometeu com a mudança que vem ocor- a tão desejada construção de áreas de interes-
rendo. Em determinados aspectos a mudança é se. Nestes espaços as professoras instalaram
visível, pois diz respeito à adequação de espa- cantinhos temáticos, com pequenos cenários,
ços, mobiliários e materiais. Em outros aspectos onde as crianças têm encontrado a oportuni-
a mudança é lenta, mas contínua, pois diz res- dade de brincar e explorar das mais diferentes
peito a rever concepções e práticas pedagógi- formas. Além da qualificação dos ambientes
cas presentes na relação com as crianças. existentes em cada sala, foi realizada a estrutu-

Momento de alimentação. Espaço da brinquedoteca.

180
METAMORFOSE

ração de uma brinquedoteca para uso coletivo. em áreas de interesse e também a elaboração
Estas modificações foram levando a uma pro- coletiva de um Plano de Ação com estratégias
gressiva transformação da nossa relação com claras e objetivas, definindo as pessoas res-
o espaço e com os materiais, permitindo tam- ponsáveis e os prazos de realização das ações
bém uma organização diferente dos recursos e tarefas. Este trabalho de fortalecimento tam-
existentes nas salas, de modo mais acessível às bém nos permitiu perceber a necessidade de
educadoras e às crianças. Estas adequações fo- construir com os pais um conjunto de combi-
ram realizadas com o envolvimento efetivo dos nações sobre o cotidiano escolar, demarcando
pais, desde o planejamento, a aquisição e até responsabilidades e favorecendo a aproxima-
mesmo nas atividades de marcenaria, pintura e ção entre a escola e as famílias. O espaço pri-
instalação, em um esforço solidário de respon- vilegiado onde este trabalho tem acontecido
sabilidades compartilhadas com a escola. são as reuniões pedagógicas, que vêm aconte-
O segundo processo de mudança diz cendo mensalmente, possibilitando uma refle-
respeito à reorganização pedagógica da es- xão continuada sobre todos esses aspectos da
cola. Este processo é complexo, envolvendo escola, deixando claro para todas as pessoas
estratégias em duas linhas de trabalho simul- envolvidas esta dimensão de responsabilidade
tâneas. A primeira linha de trabalho consiste compartilhada e de protagonismo.
em um acompanhamento individualizado de A apresentação das questões ao lon-
cada professora no momento do planejamen- go deste artigo possui uma característica de
to e na elaboração dos projetos a serem desen- sistematização e reflexão que não consegue
volvidos com as crianças. A segunda linha de alcançar o dinamismo e a complexidade da
trabalho consiste em um fortalecimento dos realidade vivida com o grupo. Também não
espaços de discussão com o grupo de profes- consegue captar a profundidade dos tensio-
soras e auxiliares, trazendo para as reuniões namentos que foram enfrentados ao longo
pedagógicas o exercício de avaliar as práticas deste processo, exigindo de todas as pessoas
que realmente estão sendo desenvolvidas na envolvidas um grande esforço colaborativo. As
escola, retomando as discussões e a análise so- DCNEI (2009) nos serviram de horizonte nesta
bre o planejamento, a organização e a execu- caminhada, permitindo buscar consistência e
ção das atividades com as crianças. coerência nos momentos de impasse, em rela-
Este trabalho de fortalecimento do grupo ção à organização efetiva das rotinas das crian-
nos permitiu avaliar como adequar os espaços ças, em relação à utilização de agendas para

181
Jocemara da Rosa

registros e, do mesmo modo, na flexibilização A relação com as famílias também foi


dos horários de sono e na qualificação ativa objeto de tensionamentos, exigindo um mo-
das situações de interações e brincadeiras com vimento sistemático de interlocução. Não po-
as crianças. A melhor palavra para definir as demos deixar de mencionar a cobrança de
marcas desta caminhada talvez seja realmente muitos pais em relação a algumas medidas
o diálogo. Durante este período temos busca- adotadas pela escola que, no nosso modo de
do suprir estas carências com muita conversa e ver, visavam à qualidade do atendimento. Pla-
muitas leituras, tentando reconhecer a criança nejamos um calendário com datas em que a
como centralidade do processo pedagógico. escola estaria fechada para que as professoras
tivessem um tempo para estudar e conversar
juntas sobre questões significativas que dizem
respeito ao trabalho com as crianças, investin-
do em uma formação continuada com as pro-
fessoras e qualificando aspectos pontuais do
planejamento e da elaboração de pareceres
descritivos. A função de apoio que a escola de-
sempenha para algumas famílias precisou ser
problematizada com os pais, em contraponto
à função pedagógica e à necessidade de qua-
lificação do trabalho com as crianças. Com o
passar do tempo esta cobrança amenizou um
pouco, na medida em que foi possível verificar
a evolução que a escola estava construindo,
tanto nas condições de atendimento quanto
na dimensão pedagógica.
A procura por vagas na escola tem au-
mentado, em uma clara relação com a melhor
qualidade do atendimento. Hoje, os pais co-
bram e acompanham mais de perto o trabalho
Momento de investigação com tintas
das professoras, estão mais interessados em
conhecer o que está sendo desenvolvido com

182
METAMORFOSE

Crianças em atividade de exploração no pátio de areia da escola

as crianças. Este é um ponto interessante e que tado inicialmente pelas professoras como co-
tem trazido uma nova dinâmica para a escola, brança, passa a ser experimentado como inte-
pois as professoras da Educação Infantil, espe- resse e estreitamento de laços.
cialmente de 0 a 3 anos, não eram cobradas ou Diante dos desafios e das necessidades
interrogadas sobre a sua função como educa- de mudança que têm sido apresentadas à es-
doras. As conversas com os pais eram limitadas cola, constata-se que o agente fundamental
somente aos aspectos de cuidar, alimentar e é realmente a professora. Se esta não se reco-
higienizar a criança. Ao que parece, as famílias nhece e não se coloca como parte do processo,
vêm se apropriando deste espaço representa- a mudança não ocorre. É a postura da profes-
do pela escola, construindo um conhecimen- sora que faz a diferença. A escola pode ter salas
to e um conjunto de expectativas em relação amplas e iluminadas, variedade brinquedos,
ao trabalho, mesmo com as crianças em idade jogos e literaturas, móveis adequados, entre
precoce. E aquilo que vinha sendo experimen- outras coisas. Mas se a professora não possi-

183
Jocemara da Rosa

bilita à criança experiências que lhe ajudem a Referências bibliográficas


desenvolver a sua autonomia, o senso critico,
a expressividade, e não coloca a criança como BRASIL. Ministério da Educação. PARECER CNE/
centro da proposta de trabalho, as mudanças CEB nº 20/2009 de 11 de novembro de 2009.
não ocorrem, e permanecemos distante da Diretrizes curriculares nacionais para a edu-
Educação Infantil de qualidade, vivenciando cação infantil. Brasília: Conselho Nacional de
uma fratura entre o discurso e a prática. Neste Educação. Câmara de Educação Básica. Nov.
contexto, a Coordenação Pedagógica assume 2009.
frente a este processo uma posição de respon-
sabilidade e referência que não pode ser des-
prezada, enquanto figura deflagradora e arti-
culadora.
Neste processo de metamorfose que vi-
vienciamos como grupo, o mais difícil, e talvez
o mais sofrido, diz respeito à transformação pe-
dagógica. Mexer no espaço e nos materiais até
que é fácil. A mudança de postura que a pro-
fessora precisa ter na relação com as crianças
e na efetivação do planejamento é realmente
mais difícil e demorado. Para todas as pessoas
envolvidas é necessário desconstruir antigos
conceitos em relação ao seu papel e a forma
de atuar com as crianças e com a equipe, assim
como também em relação às práticas peda-
gógicas. A grande maioria das profissionais da
escola está consciente da necessidade da mu-
dança, mas tem dificuldade em efetivar este
processo na sua prática diária. Talvez porque a
mudança mais importante passe por uma me-
tamorfose, uma transformação de si própria, e
não somente das suas práticas.

184
14
TEMPO E ESPAÇO DE SER CRIANÇA:
UMA PROPOSTA DE EDUCAÇÃO INFANTIL

Débora Dorneles dos Santos


Eleandro José Lizot
Leila Marlise Cavinato Karlinski
Valdir Jose Sandri

Falar de Educação Infantil é falar de mui- integra o sistema público de educação. Ao


fazer parte da educação básica, ela é concebi-
tas conquistas e desafios. Conquistas que his-
da como questão de direito, de cidadania e de
toricamente se efetivaram e desafios que per- qualidade. (BRASIL, 2012, p. 11).
manentemente se interpõem ao cotidiano da
Educação. A Secretaria Municipal de Educação O reconhecimento da criança enquan-
de Ijuí em relação à Educação Infantil tem mui- to sujeito de direitos, ativo e cidadão desde o
to para contar sobre esse histórico de desafios nascimento, aliado aos estudos da infância têm
e conquistas, que iniciou em 1997, com a tran- propiciado grandes avanços no que diz respei-
sição das creches mantidas pela Secretaria da to ao olhar sobre a criança e ao trabalho a ser
Assistência Social para a Secretaria de Educa- desenvolvido neste nível de ensino, principal-
ção. Já no ano de 1998 foi realizado concurso mente no que se refere ao seu atendimento na
público para o cargo de professor da Educação Educação Infantil.
Infantil. Aos poucos, a estrutura física, equipa- O atendimento em creches e pré-esco-
mentos e o quadro profissional das “creches” las na área da educação representa um grande
foram organizados para constituírem-se nas passo na superação do caráter assistencialista
Escolas Municipais de Educação Infantil. dos programas voltados para essa faixa etária,
existentes até a promulgação da Lei de Dire-
A educação da criança pequena foi considera-
da, por muito tempo, como pouco importan- trizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN,
te, bastando que fossem cuidadas e alimen- Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. A
tadas. Hoje, a educação da criança pequena Educação Infantil foi conceituada, no art. 29 da

187
Débora Dorneles dos Santos, Eleandro José Lizot, Leila Marlise Cavinato Karlinski e Valdir Jose Sandri

LDBEN (BRASIL, 1996), como sendo destinada (...) compreender, conhecer e reconhecer o
jeito particular das crianças serem e estarem
às crianças de até cinco anos de idade, com a
no mundo é o desafio que se apresenta às
finalidade de complementar a ação da família instituições de educação infantil. Embora os
e da comunidade, objetivando o desenvolvi- conhecimentos vindos da psicologia, antro-
mento integral da criança nos aspectos físicos, pologia, sociologia, medicina, etc., serem de
grande importância para desvelar o universo
psicológicos, intelectuais e sociais.
infantil, apontando algumas características
comuns de ser das crianças, elas permanecem
O acesso à Educação Infantil como direito únicas em suas individualidades e diferenças
assegurado pela educação pública a todas e por isso merecem o reconhecimento de se-
as famílias que assim o desejarem, esta meta res únicos (Parecer CMEI nº 02/2008).
precisa ser clara e equalizada de forma aberta,
pois garantir acesso com qualidade é com-
promisso de todos os brasileiros com nossas
crianças (ORTIZ, 2012, p.26). Atualmente na rede municipal de ensino
de Ijuí estão integradas dez escolas de Educa-
O conceito de infância repercute for- ção Infantil e duas escolas do Ensino Funda-
temente no papel da Educação Infantil, pois mental que atendem do berçário ao quinto
redimensiona todo o atendimento prestado à ano do Ensino Fundamental. A Educação Infan-
criança, e tal conceito tem sua evolução mar- til integra o “Programa Ser Criança”1, mantido
cada pelas transformações sociais que origina- pela Secretaria Municipal de Educação, que or-
ram um novo olhar sobre e a partir da criança. ganiza o atendimento nas escolas da rede com
A infância está relacionada a um determinado garantia de um trabalho de qualidade.
tempo e espaço, sendo histórica e socialmente Nesse novo contexto em que a Educação
construída. Infantil está incluída, o cuidar e o educar assu-
Considerar que a criança vive um mo- mem caráter de indissociabilidade. É preciso
mento específico de sua existência significa
dizer que a infância é um dos períodos que
1 Programa de Atendimento à criança na escola de Educação
caracteriza a vida humana e, como tal, tem es- Infantil que a Secretaria Municipal de Educação de Ijuí mantém.
pecificidades que precisam ser conhecidas e Abrange e integra crianças na faixa etária de zero a cinco anos,
matriculadas nas escolas da Rede Municipal de Ijuí, com o obje-
respeitadas, tanto no olhar ao sujeito que vive tivo de garantir um trabalho de qualidade na Educação Infantil,
este período, como à sociedade que cultural- contemplando as especificidades da infância, considerando-a
como categoria social e plural em sua constituição nas diferen-
mente lhe dá significado. tes realidades que compõem a abrangência das escolas da Rede
Municipal.

188
TEMPO E ESPAÇO DE SER CRIANÇA: UMA PROPOSTA DE EDUCAÇÃO INFANTIL

entender que o cuidar e o educar precisam ser


vivenciados nas interações e práticas sociais,
possibilitando acesso às diferentes linguagens
e conhecimentos para o desenvolvimento da
identidade e autonomia da criança. Exige por-
tanto, que os educadores voltem suas ações
para o desenvolvimento integral das crianças.
Assim, a ênfase dada ao cuidar antes da LDBEN
(BRASIL, 1996) toma novas dimensões ceden-
do um espaço significativo ao educar.
De acordo com Oliveira (2010), o cuidar
e o educar de forma indissociável precisam ser
contemplados pelo professor através do:

Trabalho pedagógico organizado em creche


ou pré-escola em que cuidar e educar são as-
pectos integrados, se faz pela criação de um
Falar de Currículo, é considerar a crian-
ambiente em que a criança se sinta segura,
satisfeita em suas necessidades, acolhida em ça como foco do trabalho pedagógico, e, assim
sua maneira de ser, onde ela possa trabalhar sendo, é pensar na organização dos espaços,
de forma adequada em suas emoções e lidar nas vivências que serão propostas, é conhecer
com seus medos, sua raiva, seus ciúmes, sua
sobre o desenvolvimento infantil e considerar a
apatia ou hiperatividade, e possa construir
hipóteses sobre o mundo e elaborar sua iden- criança em cada uma de suas fases, estimulando
tidade (p. 10). e enriquecendo suas experiências. O currículo
na Educação Infantil deve ser “um conjunto de
Os momentos vividos pela criança são práticas que buscam articular os saberes e expe-
educativos à medida que ela interage com o riências das crianças com o patrimônio cultural,
meio que a rodeia. Assim, é indispensável uma artístico,  ambiental,  cientifico e tecnológico, de
organização curricular que considere o cotidia- modo a promover o desenvolvimento integral
no, com um currículo amplo em possibilidades da criança” (BRASIL, 2009).
para que se proporcionem diferentes práticas A Proposta Curricular “Tempo e Espaço
que buscam articular as experiências e saberes de Ser Criança” da Educação Infantil da Rede
da criança. Municipal de Ensino de Ijuí, destaca a impor-

189
Débora Dorneles dos Santos, Eleandro José Lizot, Leila Marlise Cavinato Karlinski e Valdir Jose Sandri

tância do trabalho pedagógico da escola, no


sentido de considerar quem é a criança com a
qual se convive, como ela se constrói, que mar-
cas culturais ela traz, o que pensa, o que gosta.
Todos estes aspectos, sem dúvida, apontam
para complexidade da infância.

A organização curricular da Educação Infantil


da Rede Municipal de Ensino está pautada na
lógica dos sujeitos, centrada sua ação edu-
cativa em um ambiente de acolhimento, de
segurança e de confiança, o qual oportuniza
e desafia a vivência de experiências de satisfa-
ção de necessidades, como também a expres-
são de desejos e sentimentos (Proposta Cur-
ricular Tempo e Espaço de Ser Criança – Rede
Municipal de Ensino de Ijuí – p. 28).
auxiliares/monitores e servidores, pois se
Dessa forma, a construção da Proposta acredita na necessidade de um grupo de pro-
Curricular tem por objetivo consolidar a iden- fissionais capacitado e comprometido com
tidade da Educação Infantil da Rede Municipal o desenvolvimento integral da criança. Um
de Ensino de Ijuí, respeitando e valorizando grupo diverso que possa atender as neces-
as características e singularidades da criança, sidades das crianças, preocupando-se com a
a realidade em que está inserida e as relações aprendizagem e o desenvolvimento integral.
interpessoais que se estabelecem na escola. E, Na organização da jornada de trabalho,
também orientar o trabalho do professor, tor- os professores tem garantido um terço da sua
nando-se referência e sustentação da prática carga horária para estudo e planejamento,
pedagógica, promovendo aprendizagens e o pois a complexa tarefa de educar exige um
desenvolvimento integral da criança. profissional atuante, promotor de situações de
As escolas de Educação Infantil da Rede aprendizagens que envolvam as múltiplas lin-
Municipal de Ensino de Ijuí, são constituídas guagens, práticas pedagógicas transformado-
de equipes diretivas (diretores, vice-diretores ras, metodologias e estratégias de intervenção
e coordenadores pedagógicos), professores, pedagógica adequada à criança. O professor

190
TEMPO E ESPAÇO DE SER CRIANÇA: UMA PROPOSTA DE EDUCAÇÃO INFANTIL

deve estar envolvido com o desenvolvimento va, a formação continuada conquistou espaço
da criança, com o planejamento, o contato com privilegiado, por permitir a aproximação en-
a família, a observação e o acompanhamento tre os processos de mudança que se deseja
periódico do processo através do registro. fomentar no contexto da escola e a reflexão
intencional sobre as consequências destas
A formação continuada consiste de ações de mudanças.
formação dentro da jornada de trabalho (...).
Ela se faz por meio do estudo, da reflexão, da
A mudança de que a escola precisa é uma mu-
discussão e da confrontação das experiências
dança paradigmática. Porém, para mudá-la,
dos professores. É de responsabilidade da ins-
é preciso mudar o pensamento sobre ela. É
tituição, mas também do próprio professor,
preciso refletir sobre a vida que lá se vive, em
porque o compromisso com a profissão requer
uma atitude de diálogo com os problemas e
que ele tome para si a responsabilidade com a
as frustrações, os sucessos e os fracassos, mas
própria profissão (LIBÂNEO, 2004, p. 229).
também em diálogo com o pensamento, o
pensamento próprio e dos outros (ALARCÃO,
2001, p. 15).

A Formação Continuada passou a ser


entendida como um processo crítico-reflexivo
sobre o fazer em suas múltiplas determinações,
oportunizada de forma intencional e planejada,
com vistas à qualificação profissional através de
uma prática reflexiva, crítica e criativa, capaz de
(re)produzir conhecimento e intervir na realida-
de. Neste sentido, vem sendo propostos para
os profissionais da Educação Infantil formação
mensal, respeitando as especificidades quanto
Nesse sentido, a formação continuada à função exercida e as faixas etárias atendidas
veio a contribuir de forma significativa para (professores que atuam de zero a três anos, qua-
a qualificação do profissional, cujo objetivo tro e cinco anos, coordenadores pedagógicos,
entre outros, é ampliar as capacidades reflexi- diretores, auxiliares/monitores) dentro da jor-
vas sobre a própria prática elevando-a a uma nada de trabalho. A formação continuada dos
consciência coletiva. A partir desta perspecti- professores é organizada em pequenos grupos,

191
Débora Dorneles dos Santos, Eleandro José Lizot, Leila Marlise Cavinato Karlinski e Valdir Jose Sandri

facilitando a discussão e reflexão acerca de te-


Conhecer o professor, sua formação básica e
máticas que vem de encontro ao cotidiano da
como ele se constrói ao longo da sua carrei-
escola. ra profissional são fundamentais para que se
Para Behrens (1996, p.135) “a essência da compreendam as práticas pedagógicas den-
formação continuada é a construção coletiva tro das escolas. Entendemos que se tornar
do saber e a discussão crítica reflexiva do saber professor, é um processo de longa duração,
de novas aprendizagens e sem um fim deter-
fazer”. Partindo desta concepção, as formações
minado (NÓVOA, 1992).
continuadas são organizadas de diferentes ma-
neiras: estudos de textos e teorias, relatos de ex-
Conquistar o professor para querer es-
periências, palestras, vivências em diferentes am-
bientes, formações em contexto, oficinas e ateliês. tar participando dos momentos de formação
continuada, não é tarefa fácil. Neste sentido, é
necessário pensar diferentes estratégias meto-
dológicas que envolvam o grupo e desperte a
discussão e reflexão entre a teoria e a prática
pedagógica. É preciso pensar na ambientação
do espaço em que a formação irá acontecer
para que esta contemple a temática trabalha-
da e também sirva de subsídios para o profes-
sor refletir sobre a sua organização na escola. É
preciso provocar mudanças.
A formação continuada assim entendida
como perspectiva de mudança das práticas no
âmbito da escola possibilita a experimentação
Ao se pensar em formação continuada
do novo, do diferente, a partir das experiên-
para os professores da Educação Infantil, é pre-
cias profissionais que ocorrem neste espaço e
ciso considerar diferentes aspectos, dentre eles
a diversidade de profissionais e suas trajetórias tempo, orientando um processo constante de
de vida, as experiências no campo da educação, mudança e intervenção na realidade em que
a formação inicial de cada professor e ainda con- se insere e predomina esta formação. A forma-
siderar as demandas que surgem no dia a dia das ção continuada é sinônimo de qualificação do
escolas. processo de ensino.

192
TEMPO E ESPAÇO DE SER CRIANÇA: UMA PROPOSTA DE EDUCAÇÃO INFANTIL

Neste sentido, no ano de 2010 o grupo tos para a reorganização da Proposta Curricu-
de professores da Educação Infantil foi desa- lar, para o planejamento das Formações Con-
fiado a socializar as práticas pedagógicas reali- tinuadas e Seminários de Práticas, subsidiando
zadas nas escolas da rede municipal de ensino na escolha dos nomes de Palestrantes para
através de Seminário de Práticas Pedagógicas. provocar a discussão.
O Seminário de Práticas Pedagógicas acontece Além dos momentos propostos pela
anualmente e traz a possibilidade de visualizar, Mantenedora, as equipes das escolas são desa-
discutir e refletir a prática da Educação Infantil fiadas a pensar formações continuadas especí-
na rede municipal e provoca a necessidade de ficas para o grupo de trabalho, respeitando as
rever a proposta curricular Tempo e Espaço de peculiaridades e a proposta político-pedagógi-
Ser Criança. ca de cada instituição. No âmbito escolar, a for-
mação continuada passou a ser vista como ele-
mento qualificador do processo educativo que
envolve todos os segmentos da escola. Portan-
to, planejar, organizar e executar um plano de
formação continuada torna-se essencial aos
profissionais que atuam na educação. Dessa
forma, a formação continuada, incentiva, viabi-
liza e organiza momentos com tempo privile-
giado para estudos coletivos e individuais em
todos os níveis e modalidades de ensino.
O projeto de assessoramento do Proin-
fância veio a contribuir com as discussões e A formação realizada no interior das insti-
tuições por meio do compartilhamento dos
reflexões acerca da Educação Infantil. A pos-
saberes exige também forte parceria com o
sibilidade de estar especificamente voltando coordenador pedagógico condutor da for-
os olhares para a Educação Infantil, refletindo mação, como aquele que pode ajudar mais
e analisando possibilidades foi muito significa- porque tem maior conhecimento das didá-
ticas, porque tem um olhar mais abrangente
tivo. Da mesma forma, a participação nos Se-
sobre as necessidades formativas do grupo.
minários do Proinfância enriqueceram e desa- No entanto, o coordenador pedagógico não
fiaram o repensar da organização da Educação pode realizar nada se não for alimentado pelo
Infantil em nosso munícipio, trazendo elemen- olhar do professor sobre as crianças e sobre o
próprio trabalho (ORTIZ, 2012, p.56).

193
Débora Dorneles dos Santos, Eleandro José Lizot, Leila Marlise Cavinato Karlinski e Valdir Jose Sandri

Percebendo a necessidade de desafiar às diferentes manifestações, pelo seu modo de


os coordenadores pedagógicos a registrar a ser e de estar no mundo.
caminhada da escola em relação à formação É indispensável portanto, voltar os olha-
continuada, instituiu-se o portfólio como ins- res para a infância que emerge nas escolas, a
trumento para registro e reflexão das vivências. qual está a inspirar novos pontos de partida
O portfólio é apontado como um documento para a organização das práticas pedagógicas
reflexivo, compreendido como instrumento da Educação Infantil.
do trabalho pedagógico, ou seja, espaço para
marcar certezas e incertezas, assim como con- Referências bibliográficas
quistas e descobertas. Escrever compromete
mais do que simplesmente falar ou pensar. ALARCÃO, Isabel. Escola reflexiva e nova ra-
Registrar tem a ver com (re)criação de si cionalidade/ Isabel Alarcão (org.). Porto Ale-
mesmo (OSTETTO, 2008). Através do registro, gre: Artmed ed, 2001.
da reflexão e da socialização, é possível ter ele-
mentos suficientes para constituir-se em teoria BEHRENS, Marilda Aparecida. Formação conti-
as vivências e experiências pedagógicas. nuada dos professores e a prática pedagó-
É com o registro dos acontecimentos do gica. Curitiba, PR: Champagnat, 1996.
dia a dia que se aprende a ver o grupo e com- BRASIL. Brinquedos e brincadeiras nas cre-
preender como cada profissional entende o ches: Manual de orientação pedagógica.
que é Educação Infantil, como acontecem suas Brasília: MEC, SEB, 2012.
vivências pedagógicas e as concepções que
BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para
fundamentam os planejamentos, organiza-
a Educação Infantil. Brasília: MEC/SEB, 2009.
ções dos espaços e tempos, dando visibilida-
de à sua caminhada inserida em um contexto BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educa-
educacional. ção Nacional. MEC, 1996.
Nessa visão, é de suma importância que ______. Brinquedos e brincadeiras nas cre-
a Educação Infantil, constitua-se em tempo e ches: Manual de orientação pedagógica.
espaço de escuta e de respeito à criança, em re- Brasília: MEC, SEB, 2012.
lação as suas diferenças e singularidades. Para
IJUÍ, Conselho Municipal de Educação. Parecer
tanto, há que se garantir o seu bem estar, atra-
n°02/2008. CMEI/Ijuí, 2008.
vés de brincadeira, da imaginação, do respeito

194
TEMPO E ESPAÇO DE SER CRIANÇA: UMA PROPOSTA DE EDUCAÇÃO INFANTIL

_____. Secretaria Municipal de Educação. Ser


Criança. Programa de Atendimento à criança
na escola de Educação Infantil. Ijuí/RS, 2005-
2008.
_____. Secretaria Municipal de Educação. Edu-
cação Infantil: Tempo e espaço de ser Crian-
ça, Proposta Curricular. Ijuí/RS, 2014.
LIBÂNEO, José Carlos. Organização e Gestão
da escola – Teoria e prática. 5ª ed. revista e
ampliada – Goiânia: Editora Alternativa, 2004.
NÓVOA, A. (Org). Os professores e a sua for-
mação. Portugal: Porto, 1992.
_____. Formação de professores. 2ª ed. São
Paulo: Unesp, 1998.
OLIVEIRA. Zilma de Moraes de. O Currículo na
Educação Infantil: O que propõem as novas
diretrizes nacionais? 2010.
ORTIZ, Cisele. Interações: Ser professor de
bebês: cuidar, educar e brincar: uma única
ação/ Cisele Ortiz, Maria Teresa Venceslau de
Carvalho, Josca Ailine Baroukh, coordenadora:
Maria Cristina Carapeto Lavrador Alves, organi-
zadora, - SP: Blucher, 2012. (Coleção Interações)
OSTETTO, Luciana Esmeralda. Educação Infan-
til: Saberes e fazeres da formação de profes-
sores/Luciana Esmeralda Ostetto (org.). Cam-
pinas, SP: Papirus, 2008.

195
POLO DE PASSO FUNDO
15
FAMÍLIA PRESENTE NA ESCOLA:
RELATO DE PRÁTICA PEDAGÓGICA

Diana Baségio
Dorilde Nicolau Rogéri
Rosana Araldi

INTRODUÇÃO educacional atual, a família vem cada vez mais


ausentando-se do processo de construção da
A Escola de Educação Infantil é um am- aprendizagem. Não raro, os pais ou responsá-
biente no qual a criança passa várias horas do veis comparecem na escola somente por oca-
seu dia na companhia de pessoas que não fa- sião da matrícula, realizada no início do ano
zem parte de seu meio familiar. Neste contex- letivo, ou em momentos dedicados à festivida-
to, a instituição deve ser apresentada como um des, condição que passa a ser a maior fragilida-
lugar acolhedor e com inúmeras possibilida- de da escola, visto que a ausência da família no
des de estímulos, para que o desenvolvimen- processo de construção da aprendizagem im-
to das crianças ocorra de forma integral. Neste pede a construção de outras relações entre os
ambiente, o professor atua como mediador do dois universos, aos quais a criança encontra-se
processo de aprendizagem, oportunizando inserida naturalmente.
que, através de momentos lúdicos com objeti- Sabendo-se da importância da famí-
vos preestabelecidos, a criança tenha na escola lia na escola, ao longo do ano letivo de 2014
um ambiente favorável ao seu desenvolvimen- optou-se pelo desenvolvimento de uma pro-
to integral. posta pedagógica diversificada, objetivando
Nesse sentido, refletindo na aprendiza- ampliar as relações entre família e escola, por
gem das crianças e da importância da escola meio da realização de múltiplas atividades que
como ambiente estimulador, passa a ser in- permitissem aos familiares o exercício de suas
teressante o desenvolvimento de ações que habilidades, ampliando as relações com o gru-
possibilitem o fortalecimento das relações en- po de educandos, ao mesmo tempo em que
tre a família e a escola, visto que, no contexto funcionariam como fortalecedores da aprendi-

199
Diana Baségio, Dorilde Nicolau Rogéri e Rosana Araldi

zagem, conscientizando a comunidade escolar seguidas, buscando propor soluções que per-
acerca de sua importância na participação das mitissem a solução do problema diagnosticado.
propostas curriculares desenvolvidas e forta- Optou-se por oportunizar momentos
lecendo, dessa forma, os laços afetivos entre a que permitissem a presença dos familiares na
criança, a família e o meio escolar. escola, os quais deveriam participar ativamente
dos momentos lúdicos de aprendizagem. Neste
contexto, desenvolveram-se inúmeros projetos,
METODOLOGIA cada um deles destinados a uma faixa etária es-
pecífica. Dentre estes, destaca-se o projeto “Era
O presente estudo pode ser definido uma Vez”, pela multiplicada de ações envolvidas
como um estudo de campo inferencial, marca- e, especialmente, pelos resultados positivos al-
do pela constante avaliação do projeto desen- cançados no transcorrer do mesmo.
volvido, a fim de que os objetivos alcançados O Projeto “Era uma Vez” foi realizado com
parcialmente pudessem ser repensados e re- as turmas do Berçário (crianças de zero a um ano
construídos de maneiras alternativas, visto que e meio), Maternal I (crianças de um ano e meio
os resultados alcançados somente poderiam ser a três) e Pré A (crianças de quatro a cinco anos),
mensurados ao longo do processo. O campo de tendo como objetivo estimular a imaginação das
estudo foi uma Escola de Educação Infantil, lo- crianças e da família através das histórias infan-
calizada em município do Alto da Serra do Bo- tis. O marco inicial das atividades foi um convite
tucaraí, interior do estado do Rio Grande do Sul. enviado às famílias, solicitando que um mem-
A referida escola conta com oitenta e bro da família viesse à escola em um momento
seis alunos matriculados nos diferentes níveis oportuno para contar à turma uma história que
da Educação Infantil, distribuídos entre o Ber- conhecesse. Ficou combinado que a família po-
çário, o Maternal e a Pré-escola. dia se organizar no dia em que eles tivessem um
O projeto “Família Presente na Escola” tempo disponível para comparecer na escola, no
teve duração de seis meses, sendo desenvol- período determinado pelo projeto.
vido em duas etapas: a primeira iniciou-se no
mês de março, com a realização do diagnóstico RESULTADOS E DISCUSSÕES
da fragilidade e, a partir deste, a construção do
Plano de Ação e a segunda etapa teve inicio no A primeira mãe que compareceu na es-
mês de abril, com o desmembramento do Plano cola contou a história infantil “Cinderela”, adap-
de Ação e a construção de projetos específicos tando o clássico a uma nova realidade, mais
por turmas, para definir as estratégias a serem próxima do universo atual das crianças. Para

200
FAMÍLIA PRESENTE NA ESCOLA: RELATO DE PRÁTICA PEDAGÓGICA

tanto, a mãe trouxe uma boneca, um sapati- As atividades realizadas permitiram


nho de cristal e corações desenhados em cores constatar que a importância da participação
claras e escuras, os quais ilustravam situações da família na escola é fundamental ao desen-
nas quais a Cinderela ficava alegre ou triste. volvimento infantil, visto que as relações en-
Percebeu-se que os alunos gostaram muito da tre os dois contextos são fundamentais para a
presença da mãe na sala de aula e participaram segurança emocional do educando, especial-
ativamente da proposta, visto que a mesma, mente no início de sua vida escolar, quando a
embora conhecida, foi apresentada de uma instituição ainda é uma novidade e apresenta-
forma mais lúdica e dinâmica, despertando -se à criança como um espaço desconhecido
interesse de tal forma que ao longo de vários e, consequentemente, hostil. A comunicação
dias os pequenos lembravam-se dos corações entre a família e os professores também é fun-
da Cinderela e das emoções por eles expressas. damental, pois é nessa fase que a criança passa
Em outra oportunidade, um grupo de a assumir diferentes papéis e gradualmente vai
pais apresentou aos pequenos a história de “Os incorporando outros. Esse processo possibilita
Três Porquinhos” por meio de dramatização (fi- a aprendizagem da criança e ocorre em todo o
gura 1), interagindo com as crianças de acordo local e em toda a atividade (RAU, 2011).
com as diferentes passagens do texto, oportuni- Além das atividades de contação de his-
dade que permitiu uma aproximação maior das tórias, pensou-se em proporcionar momentos
crianças com seus familiares e incrementando lúdicos da criança com a família, por meio de
os laços construídos entre estes e a escola. atividades como a construção de brinquedos:
Os familiares vieram na escola e, com materiais
recicláveis, confeccionaram carrinhos e a seguir
formalizou-se a construção de uma história uti-
lizando o brinquedo confeccionado (figura 2).
Percebe-se um grande um envolvimento da fa-
mília na construção e na contação da história.
Ao longo do projeto, também foi enviada
para a casa das crianças uma bolsa com livros
para alguém da família contar uma das histórias
(figura 3) e, a seguir, relatar como foi o momen-
to de aproximação por meio da história infantil.
Esta foi a atividade que obteve maior resposta,
sem dúvida pelo fato de não exigir o desloca-
Dramatização de história. Registro das autoras, 2014.

201
Diana Baségio, Dorilde Nicolau Rogéri e Rosana Araldi

Construção de materiais e jogos a partir das histórias. Registro das autoras, 2014.

mento dos pais ou familiares à escola, muitos percebeu-se que a participação da família na
dos quais realmente encontram dificuldade em vida escolar das crianças é de suma importân-
virtude de compromissos profissionais. cia para o desenvolvimento integral do edu-
O Projeto “Era uma Vez” pode ser definido cando. Verificou-se que, quando os pais acom-
como extremamente positivo, dados os resul- panham a criança em todo o seu processo de
tados alcançados. Contudo, apesar dos resul- desenvolvimento, desde a Educação Infantil,
tados positivos, percebe-se que a participação esta sente-se valorizada e passa a entender
da família na escola ainda é uma realidade que a escola como um local importante para seu
precisa de estudos e reconstrução constante, desenvolvimento.
visto que menos de um terço das famílias aten- Pode-se afirmar que existem inúmeras
deram ao chamado escola, apesar do contínuo maneiras dos pais participarem desse proces-
chamamento para que estas comparecessem so e, quanto maior for a parceria entre escola e
ao ambiente escolar. família, mais positivos e significativos serão os
resultados, pois é notório que o envolvimento
CONCLUSÃO da família no processo educacional da criança,
principalmente na Educação Infantil, melho-
Ao analisar-se s diferentes ações desen- ra a imagem da escola e o seu vínculo com a
volvidas ao longo do projeto “Era uma Vez” comunidade. Tal envolvimento significa uma

202
FAMÍLIA PRESENTE NA ESCOLA: RELATO DE PRÁTICA PEDAGÓGICA

Família contando histórias em casa. Registro das autoras, 2014.

educação de sucesso, já que a aprendizagem te na Educação Infantil, mas também nas de-
não acontece só na escola. mais etapas da educação básica.
Neste contexto, pode-se afirmar que o
presente projeto, desenvolvido buscando-se
mesclar o papel formativo da família e esco- Referências bibliográficas
la, visto que ambas são de importância ímpar
para o desenvolvimento do cidadão, alcançou
BRASIL. Ministério da Educação. PARECER CNE/
os objetivos propostos inicialmente e configu-
CEB nº 20/2009 de 11 de novembro de 2009.
ra-se como uma experiência eficaz de cons-
Diretrizes curriculares nacionais para a edu-
trução da aprendizagem e da cidadania, pois
cação infantil. Brasília: Conselho Nacional de
além de todos os resultados obtidos, acrescen-
Educação. Câmara de Educação Básica. Nov.
ta-se o orgulho dos filhos com a presença dos
2009.
pais da escola, condição sem dúvida essencial
RAU, Maria Cristina Trois Dorneles. Educação
à formação do educando como agente social
Infantil práticas pedagógicas de ensino e
em construção. Sendo assim, pode-se afirmar
aprendizagem. Curitiba: Ibpex, 2011.
que o desenvolvimento de ações objetivando
a presença dos pais na escola é uma estratégia
que pode – e deve – ser explorada, não somen-

203
16
BRINQUEDOTECA:
UM ESPAÇO DE BRINCADEIRAS E VIVÊNCIAS

Adriane Scarmignani
Franciele Gromann Ribeiro

Introdução prios brinquedos, não precisam dividir, brin-


cam com os seus pais, babás, mandam na brin-
Tendo presente a importância da brin- cadeira e os adultos cedem, fazendo o que a
cadeira para o desenvolvimento integral das criança quer. Na escola os brinquedos são para
crianças de diferentes faixas etárias, mas pen- o uso da turma, as crianças brincam com ou-
sando principalmente nos estudantes da edu- tras crianças e entre as crianças e com os adul-
cação infantil, a partir de um plano de ação, foi tos, pois quando um adulto está brincando ele
realizada uma pesquisa de prioridades onde se lembra da sua infância, das brincadeiras da
percebeu-se a necessidade de construir um es- sua época. As brincadeiras fortalecem os laços
paço para brincadeira e o brincar de forma es- afetivos entre as pessoas, tornando-as mais
pontânea a prazerosa. Assim surgiu a ideia de sensíveis.
construir uma brinquedoteca na escola.
Entende-se que quando a criança está Metodologia
brincando, ela se envolve por inteiro, pois ela
se deixa levar pela sua imaginação e neste Segundo a LDB 9394/96 a Educação In-
momento ela cria, experimenta, sonha, trans- fantil á a primeira etapa da Educação Básica e
forma-se, expressando livremente os seus sen- neste período, são trabalhadas diversas ativi-
timentos. De acordo com Porto (2008, p.28), dades lúdicas que auxiliam no desenvolvimen-
“brincar na escola é diferente de brincar em to integral das crianças de até cinco anos, sen-
casa”. Em casa as crianças possuem os seus pró- do as brincadeiras parte dessas atividades. As

205
Adriane Scarmignani e Franciele Gromann Ribeiro

brincadeiras não devem ter horário nem lugar significativo da criança. Primeiramente reali-
fixo para acontecer, principalmente quando se zou-se um estudo para decidir o melhor local
diz respeito à Educação Infantil. O brincar está para a instalação da mesma. Este deveria ter
presente em todas as dimensões da existência um bom espaço para a mobilidade das crian-
do ser humano e, muito especialmente, na vida ças, bem como ser aconchegante e agradável
das crianças. Pode-se afirmar que “brincar é vi- para elas. Ver figura 1.
ver”, pois a criança aprende a brincar brincando
e brinca aprendendo. A criança brinca porque
brincar é uma necessidade básica, assim como
a nutrição, a saúde, a habitação e a educação
são vitais para o desenvolvimento do potencial
infantil. Para manter o equilíbrio com o mundo,
a criança necessita brincar, jogar, criar e inven-
tar. Estas atividades lúdicas tornam-se mais sig-
nificativas à medida que se desenvolve, inven-
tando, reinventando e construindo.
Sabendo da importância do brincar na
Educação Infantil e após os encontros de for-
mação continuada realizados com os profissio-
nais do Proinfância, os educadores da escola
perceberam a necessidade de construir um
Figura 1. Brinquedoteca.
espaço com ambiente diferenciado que pro-
porcione o desenvolvimento integral dos es-
tudantes por meio da ludicidade, promovendo Durante as reuniões de planejamento
ações de reaproveitamento e a confecção de mensal, iniciou-se o trabalho com o corpo do-
brinquedos com materiais recicláveis. cente, que foi desafiado a confeccionar brin-
Desta forma, através da elaboração quedos de sucata com os estudantes. E também
do “Plano de Ação” orientado pelo Projeto da houve a mobilização das famílias para que doas-
Proinfância decidiu-se então, montar a brin- sem brinquedos, sapatos, roupas, fantasias, len-
quedoteca, considerando o brincar como pro- ços, chapéus e maquiagens para ajudar a mon-
cesso fundamental para o desenvolvimento tar a brinquedoteca com objetos diversificados.

206
BRINQUEDOTECA: UM ESPAÇO DE BRINCADEIRAS E VIVÊNCIAS

Em meio a essa mobilização da comu- Quando a criança está brincando, ela faz
nidade escolar, as educadoras das turmas do relações com o real e o imaginário, desenvol-
Pré-B realizaram uma atividade muito signifi- vendo seus aspectos afetivo, social, cognitivo
cativa que veio de encontro com a proposta e físico. Durante a realização das brincadeiras
da brinquedoteca. Trabalhou-se a história “O o educador deve possibilitar que todos parti-
homem que amava caixas” do autor Stephen cipem e principalmente o educador também
deve brincar estimulando e incentivando as-
Michael King explorando-a por meio da hora
sim seus estudantes. De acordo com Machado
do conto, da expressão oral e dos registros li-
(1994, p.26 e 27),
vres. Porém, o mais significativo deste trabalho,
foi a confecção de um brinquedo com caixas ...a criança que brinca livremente e no seu
diversas como tema de casa juntamente com nível, a sua maneira, está não só explorando
os pais. Os trabalhos ficaram maravilhosos e fo- o mundo ao seu redor, mas também comu-
ram expostos na escola. Após serem expostos, nicando sentimentos, ideias, fantasias, inter-
cambiando o real e o imaginário num terceiro
foram deixados à disposição dos estudantes espaço, o espaço do brincar e das futuras ati-
na brinquedoteca para explorarem de diversas vidades culturais [...] Brincar é viver criativa-
maneiras. Ver figura 2. mente no mundo. Ter prazer em brincar é ter
prazer em viver.

Brincando a criança vai se descobrindo,


aprende a linguagem dos símbolos, cresce e en-
tra no espaço das atividades sócio-criativo-cul-
turais, explorando o mundo, o mundo de den-
tro e o mundo de fora, dando significados a sua
vivência. Cabe muitas vezes ao adulto mediar
às brincadeiras das crianças, quando este deve
estar atento e disponível para ajudar, sem criar
conflitos, deixando expressar-se livremente. Vy-
gotsky (1984) atribui relevante papel ao ato de
brincar na constituição do pensamento infantil.
É brincando e jogando que a criança revela seu
estado cognitivo, visual, auditivo, tátil, motor,
seu modo de aprender e entrar em uma relação
Figura 2. Brinquedos confeccionados com caixas. cognitiva com o mundo de eventos, pessoas,

207
Adriane Scarmignani e Franciele Gromann Ribeiro

coisas e símbolos. A criança, por meio da brinca-


deira, reproduz o discurso externo e o internali-
za, construindo seu próprio pensamento.

Resultados/discussão

A brincadeira espontânea é aquela que


surge da própria criança, quando esta utiliza
o brinquedo que quiser, tendo como única
diretriz a sua imaginação. Entende-se desta
maneira que por meio das atividades lúdicas, Figura 3. Crianças explorando a Brinquedoteca.
a criança reproduz muitas situações vividas
Conclusões
em seu cotidiano, as quais, pela imaginação e
pelo faz-de-conta, são reelaboradas. O lúdico
No transcorrer deste resumo estendido
aplicado à prática pedagógica não apenas con-
procurou-se refletir sobre a importância das
tribui para a aprendizagem da criança, como
atividades lúdicas na Educação Infantil, bem
possibilita ao educador tornar suas aulas mais
como a construção da brinquedoteca, o que
dinâmicas e prazerosas. Por isso a brinquedo-
possibilitou compreender que a ludicidade é
teca está sempre à disposição dos estudantes
de extrema relevância para o desenvolvimento
ficando a cargo do educador a organização
integral da criança, pois para ela brincar é viver.
das atividades a serem realizadas nesse espa-
A vivência escolar é um passo imprescin-
ço, que podem ser livres ou dirigidas. O obje-
dível na vida das crianças, pois este é seu pri-
tivo da brinquedoteca na escola é estimular a
meiro contato com o mundo exterior ao da sua
criança a brincar livremente, com acesso a uma
casa. É na escola que a criança irá dar seus pri-
grande variedade de brinquedos em um am-
meiros passos de independência, onde conhe-
biente especialmente lúdico, no qual a crian-
cerá amigos, continuará sua evolução cognitiva
ça tem a oportunidade de se relacionar com o
e aprimorará os conhecimentos prévios que
grupo de forma agradável e prazerosa, livre do
foram adquiridos em seu âmbito familiar. Sabe-
formalismo. É um espaço onde tudo convida a
mos que as atividades lúdicas estão sendo subs-
explorar, sentir e experimentar. Na brinquedo-
tituídas em nossa sociedade pelos interesses e
teca, brincadeira é coisa séria. Ver figura 3.
ideologias de classes dominantes. Nossos estu-
dantes estão sendo inseridos no mundo adulto
cada vez mais cedo e sendo privados do direito

208
BRINQUEDOTECA: UM ESPAÇO DE BRINCADEIRAS E VIVÊNCIAS

de interagir com outras crianças bem como de VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente.
brincar livremente, daí a necessidade de privile- São Paulo: Martins Fontes, 1984.
giarmos na Educação Infantil, o brincar.
Desta forma, através desta significativa
experiência adquirida com a construção da
brinquedoteca, através da exploração da mes-
ma bem como da interação entre estudantes e
educadoras, observa-se que é necessário e fun-
damental para o desenvolvimento dos estu-
dantes proporciona-lhes um ambiente rico em
atividades lúdicas. É relevante mencionar que
o brincar nesses espaços educativos precisa
estar num constante quadro de inquietações e
reflexões dos educadores que o compõem.
Conclui-se assim que é necessário ao
educador assumir o papel de mediador de um
currículo que privilegie as condições facilitado-
ras de aprendizagens que a ludicidade contém
nos seus diversos domínios assumindo-a como
meta da escola.

Referências bibliográficas

BRASIL. LEI n° 9394, de 20 de dezembro de


1996. Diretrizes e Bases da Educação Nacio-
nal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 de
dezembro de 1996.
MACHADO, Marina Marcondes. O brinquedo-
-sucata e a criança: a importância do brincar,
atividades e materiaias. São Paulo: Loyola,1994
PORTO, Cristina Laclette. O brinquedo como
objeto de cultura. Sétimo Boletim do Programa
Salto para o Futuro. TV Escola: São Paulo: 2008.

209
17
DA CURIOSIDADE À APRENDIZAGEM

Andréia Scarpin Noetzold


Angela Eliane Scarpin Toqueto
Silvane Cadore Piva

Introdução Assim, a Secretaria Municipal de Educação,


juntamente com a Coordenação Pedagógica e
A Educação Infantil, primeira etapa da Direção da Escola, elaborou essa proposta prio-
Educação Básica, a qual envolve o educar, o cui- rizando uma formação específica direcionada
dar e o desenvolvimento integral das crianças para os educadores da Educação Infantil, com o
de zero a cinco anos de idade (BRASIL, 2009), objetivo de que esses pudessem aprimorar suas
exige cada vez mais das redes mantenedoras práticas pedagógicas dentro da sala de aula, as-
e do coletivo de profissionais da instituição de segurando formas de trabalho do coletivo dos
Educação Infantil, ações formativas específicas educadores da instituição de Educação Infantil.
nas diferentes áreas do conhecimento para a
construção da identidade, autonomia e demo- A contribuição da formação continua-
cratização das crianças da Educação Infantil. da para a descoberta de uma metodologia
Nesse sentido, foi organizado, durante de trabalho
os anos de 2013 e 2014, acessoramento do Pro-
jeto Proinfância através do polo de Passo Fun- Através da formação oferecida aos
do. Neste sentido, sentimo-nos desafiados a professores atuantes na Educação Infantil, sur-
desenvolver na escola municipal de educação giram novas possibilidades de planejamento
infantil Vó Elvira Guiland, situada no município e desenvolvimento das atividades em sala de
de Ronda Alta/RS, uma proposta relacionada a aula, valorizando conhecimentos previamente
atender as novas finalidades hoje atribuídas a construídos, bem como, vivências e experiên-
essa modalidade de ensino. cias adquiridas pelas crianças, no meio social.

211
Andréia Scarpin Noetzold, Angela Eliane Scarpin Toqueto e Silvane Cadore Piva

maneira comprometida com o protagonismo


da criança, para que ela seja o fio condutor, exi-
ge um deslocamento nosso, sair do umbigo de
professor, olhar para o outro de fato e perceber
nossas lacunas”. O que nos permitiu verificar,
a partir da formação continuada, que precisa-
mos compreender que a crianças tem muito a
nos dizer sobre o que construímos cotidiana-
mente com elas.

Foto 1: Encontro de Formação Continuada.


Ao mudar o foco de observação, trans-
formamos a prática: o projeto em desenvol-
A referida formação teve a duração de vimento
vinte horas, sendo que, durante este perío-
A participação nos encontros de forma-
do, foram trabalhados na prática assuntos
ção contribuiu muito para a realização do nos-
pertinentes para a faixa etária que abrange a
so projeto, pois há algum tempo as crianças vi-
educação infantil. Em um dos encontros foi
nham demostrando curiosidade em relação ao
explorado o assunto “Contação de Histórias e
corpo humano, do que ele é formado, quais são
Literatura Infantil” de onde surgiu a ideia da
suas partes, suas funções e diferenças físicas.
realização do projeto “Do que somos feitos?”.
Sentindo esse interesse as professoras iniciaram
Acreditamos que a formação continuada
os trabalhos partindo do livro “Maneco Caneco
foi uma forma de melhorar a prática docente Chapéu de Funil” de autoria de Luís Camargo su-
em sala de aula e, nesse sentido, não temos gerido durante os encontros de formação conti-
como pensar em uma educação de qualidade nuada com a equipe de professores da escola.
sem mencioná-la. Barbieri (2012) comenta so- O projeto teve início com a contação
bre a importância da formação continuada dos de história. Para a realização de tal atividade
professores, relatando que é fundamental o o ambiente foi preparado de forma diferen-
professor considerar a realidade de suas crian- ciada, onde as crianças foram organizadas em
ças e a opinião delas, para que a aprendizagem círculo e no centro foi disposto uma caixa com
possa se dar de forma significativa. Ou seja, se- materiais. Enquanto a história era contada, as
gundo Barbieri (2012, p. 150) “trabalhar de uma crianças, seguindo uma ordem previamente

212
DA CURIOSIDADE À APRENDIZAGEM

combinada, buscavam os objetos e montavam Após a atividade de contação de his-


o boneco de acordo com o texto. tórias, foram levantadas algumas ideias de
Durante a atividade houve a preocupação atividades para que as crianças pudessem se
de que algumas falas dos alunos fossem perdi- conhecer melhor e buscar algumas respostas
das, por isso, foi designado às auxiliares das tur- para suas indagações. Foi sugerido que cada
mas que fizessem o registro escrito das principais criança construísse, com a participação dos
falas. Durante o desenvolvimento da proposta, pais, um boneco, utilizando materiais reciclá-
ficou visível o interesse e o envolvimento das veis para que fizesse parte da turma. Em todas
crianças, pois, enquanto contávamos a história, as atividades que são desenvolvidas na escola
havia a participação de todos, complementado sempre procura-se envolver os pais, pois estes
as ideias do livro e repetindo a frase “um nadica são parceiros valiosos para que se faça a inter-
de nada”, mencionada na história sempre que um nalização dos conhecimentos trabalhados no
objeto passasse a fazer parte do boneco (Foto 1). ambiente escolar.

Figura 2. A reflexão entre as crianças acerca da diversidade.

213
Andréia Scarpin Noetzold, Angela Eliane Scarpin Toqueto e Silvane Cadore Piva

A participação dos pais torna-se uma parceria que todos se assemelhavam com o formato
valiosa em todos os sentidos. Para que eles humano, possuindo todos os membros, alguns
possam acompanhar os trabalhos escolares,
observaram que nem todos possuíam articula-
é importante que a escola os mantenha in-
formados sobre os projetos que estão sendo ções, pois alguns não conseguiam dobrar seus
realizados pelas crianças e os temas estuda- joelhos e pernas ou sentar-se. Em uma das tur-
dos para que possam participar na seleção e mas que possui uma criança cadeirante, com
no envio de materiais, na proposição de expe- deficiência física, as crianças também percebe-
riências, na partilha de saberes (BARBOSA &
ram que alguns bonecos se identificavam com
HORN, 2008, p. 90).
ela, pois não conseguiam ficar em pé (Foto 2).
A partir da construção dos bonecos
Ao efetivar e garantir a participação dos
foi possível explorar a identidade a partir do
familiares para a realização desta atividade, foi
proporcionado um tempo para que pais ou
familiares, juntamente com seus filhos, pudes-
sem concretizar a tarefa sugerida. A participa-
ção foi unânime, houve envolvimento de todas
as famílias, sendo que todas as crianças vieram,
na data marcada, com suas produções.
Na oportunidade que os bonecos foram
apresentados por seus criadores para a turma,
aproveitamos para fazer algumas reflexões so-
bre as diferenças, pois cada boneco foi construí-
do com material diferente, sendo que alguns
chamaram mais a atenção pela criatividade, ti-
vemos bonecos construídos com materiais de
sucata (chuveiro, suporte de isopor para gar-
rafas, latas, caixas, potes, lâmpada queimada,
garrafas pet...), haviam bonecos construídos
com tecidos e outros com madeira.
Apesar das diferenças existentes entre
Foto 3: Boneco montado pelas crianças enquanto a história era
os bonecos, as crianças chegaram a conclusão contada.

214
DA CURIOSIDADE À APRENDIZAGEM

nome, e cada criança criou um nome para seu colegas. Também foi criado um porquinho com
boneco, trabalhamos as partes do corpo, e as material reutilizável, como um dos persona-
crianças puderam fazer a análise de seu pró- gens da história, ele passou a circular entre as
prio corpo em frente ao espelho e proporcio- famílias dos alunos com o objetivo de incenti-
nado o contato com o esqueleto humano e o var a leitura. A primeira família que recebeu o
dorso para que as crianças pudessem observar “Porquinho Leitor” em sua casa, recebeu junto
do que nosso corpo é formado. um livro para ser lido e um caderno no qual foi
Paralelo às atividades citadas acima, feito o registro da leitura. Ao retornar para a
foram trabalhados outros conteúdos nas di- escola a criança devolveu o livro emprestado e
ferentes áreas do conhecimento e como cul- trouxe outro como sugestão de leitura para ou-
minância foi realizado uma apresentação em tro coleguinha, assim seguiu a atividade suces-
vídeo elaborado por nós a partir dos registros sivamente até que todas as famílias tivessem a
feitos através de fotos, filmagens e relatos das oportunidade de realizar a proposta.
falas dos alunos, propiciando que as crianças
pudessem visualizar suas construções e a dos

Foto 4: Boneco construído pelas crianças juntamente com os pais.

215
Andréia Scarpin Noetzold, Angela Eliane Scarpin Toqueto e Silvane Cadore Piva

Conclusões BARBOSA, Maria Carmem Silveira; HORN, Ma-


ria da Graça Souza. Projetos Pedagógicos
Ao final, e diante do sucesso das ativi- na Educação Infantil. Porto Alegre: Grupo A,
dades realizadas e o desenvolvimento do pro- 2008.
jeto, destacamos a importância da formação
continuada para os professores na sua área de
atuação, pois temos a oportunidade de trocar
experiências, despertar para novas ideias, agu-
çando a vontade em fazer melhor, e também
foi possível nos permitir avaliar a nossa própria
prática pedagógica enquanto profissionais da
educação.
Com o desenvolvimento das atividades
em sala de aula, pudemos perceber o gran-
de envolvimento das crianças, pois o assunto
abordado veio ao encontro das necessidades
da turma, contribuindo para que o desenvol-
vimento se desse de forma plena. Nesse sen-
tido, também destacamos a importância da
participação dos pais na vida escolar dos filhos,
pois ficou visível a felicidade das crianças com
a oportunidade de fazer suas construções jun-
tamente com seus pais e familiares. Uma inicia-
tiva que certamente passará a fazer parte do
nosso cotidiano na escola da pequena infância.

Referências

BARBIERI, Stela; BAROUKH, Josca Ailine (Coord).


Interações: onde está a arte na Infância? São
Paulo: Blucher, 2012.

216
217
218
18
A ROTINA DA EDUCAÇÃO INFANTIL:
UMA POSSIBILIDADE DE CONSTRUÇÃO

Kely Daiane Machayewski


Manoela Oldra
Eloir Cima

Introdução A rotina escolar nada mais é, em nossa


concepção, do que a organização dos espaços,
A escola vem ganhando novos significa- tempos e materiais necessários para o pleno
dos e assumindo novas identidades ao longo desenvolvimento das crianças e a organização
dos anos, mas de forma mais intensa a partir do trabalho docente. Ou seja, é um planeja-
da intervenção do projeto de assessoramento mento construído a partir da observacão coti-
diana das necessidades das crianças. O que nos
do Proinfância. E, com isso, deixou de ser vis-
preocupava era o fato de que pode representar,
ta apenas como um espaço de transmissão de
também, escolhas pré-julgadas pelo professor
conhecimentos, para se tornar um espaço de
que pode ou não contemplar os desejos das
criação e recriação do saber, possibilitando as
crianças e, é através dela, que podemos com-
crianças, de zero a cinco anos e onze meses, se preender o que pensam os professores a res-
desenvolverem integralmente. Com a adesão peito da educação e da infância. A partir desta
do tempo integral nas escolas de Educação In- visão, as turmas do Maternal II organizaram um
fantil de nossa região, os professores sentiram projeto objetivando a interação das crianças
a necessidade de repensar sua docência, atri- no planejamento da rotina, buscando incluir
buindo um novo conceito para a rotina escolar. nas atividades diárias momentos significativos,
Pensar nessa nova docência implicou em pes- prazerosos e de aprendizagem.
quisa, estudo, debates, criações de projetos e Acreditamos que o projeto tornou-se
uma nova postura diante das avaliações. relevante devido a participação das crianças

219
Kely Daiane Machayewski, Manoela Oldra e Eloir Cima

na escolha das atividades, dos materiais e dos quisa sobre as obras de maior destaque em
espaços, o que possibilitou maior autonomia e nosso país e no mundo, para que ampliásse-
envolvimento na realização do trabalho. mos o repertório de conhecimentos de crian-
ças e adultos envolvidos no projeto. E, no de-
Metodologia correr da pesquisa, optamos por trabalharmos
com aquelas em que os desenhos do artista se
Percebemos que, durante o primeiro assemelhavam com os desenhos das crianças,
semestre, as crianças se divertiam com as ati- em função da curiosidade dos pequenos quan-
vidades de pintura. A partir desta observação, to a estas imagens.
as professoras do Maternal II organizaram um Para a unidade, o projeto intitulado “Fa-
projeto envolvendo atividades de Artes para zendo arte com as cores” teve três importantes
serem desenvolvidas durante um mês. Inicial- etapas: estudo das obras e história do autor,
mente construímos com as crianças uma pes- reprodução e releitura de algumas obras apre-
ciadas pelas crianças e exposição. Na primeira
etapa, as crianças conheceram a vida do autor
e suas principais obras, através de história com
fantoches e slides com imagens das obras. Na
segunda etapa, elas manifestaram suas prefe-
rências, fizemos a seleção das obras que iría-
mos reproduzir. Na terceira etapa, realizamos a
exposição das obras reproduzidas pelas crian-
ças com visitação dos pais.

Discussão

Na escola de Educação Infantil em tempo


integral a rotina é um elemento fundamental
para a organização dos professores, das crianças,
dos espaços e dos materiais. Ao mesmo tempo
que ela transpassa à criança noções temporais
Foto 1: Histórias da vida do artista Miró. Fonte: Arquivos da escola. e uma certa segurança em relação ao que irá

220
A ROTINA DA EDUCAÇÃO INFANTIL: UMA POSSIBILIDADE DE CONSTRUÇÃO

acontecer durante o dia, ela também não pode No decorrer da realização do projeto
se tornar algo previsível e sem surpresas. Ou identificamos a necessidade de implementar
seja, as crianças precisam de momentos inespe- algumas mudanças quanto a rotina que se fi-
rados, recheados com o inusitado e com magia. zeram necessárias, como por exemplo, a adap-
De acordo com Barbosa (2006, p. 201-202), tação de horários. Para isso, ficou estabelecido
com elas uma parceria e um diálogo, onde as
Fazem parte das rotinas todas aquelas escolhas entre o que, quando e como fazer
atividades que são recorrentes ou reite-
deveriam ser discutidas com as crianças. Esses
rativas na vida coletiva, mas que nem por
isso, precisariam ser repetidas, isto é, fei- momentos tornaram o projeto ainda mais en-
tas da mesma forma todos os dias. Além cantador, pois as crianças foram aprendendo
de fornecer a sequência das atividades a respeitar a opinião dos colegas e a tomarem
diárias, a rotina, na sua constituição, uti-
decisões no coletivo.
liza-se de elementos que possibilitam a
sua manifestação, como a organização O desenvolvimento do projeto trouxe sig-
do ambiente, os usos do tempo, a seleção nificado para a rotina das crianças. Uma das mu-
e a proposição de atividades e a seleção e danças ocorridas foi a introdução do “faz de con-
a construção materiais.
ta” nas atividades de rotina semanal. Para essa
atividade, realizamos a coleta com as famílias
Tendo em vista a sua importância e sa-
de alguns materiais como: utensílios de cozinha,
bendo que ela deve ser pensada para e com as
fantasias, maquiagens, acessórios, entre outros.
crianças, a rotina passou a ser discutida com
Estes materiais foram selecionados e
todas as crianças do Maternal II, considerando
organizados juntamente com as crianças e se-
suas opiniões e necessidades. Elaborávamos
parados em caixas. No decorrer das semanas
as propostas do dia, que eram sempre discuti-
estes materiais foram utilizados pelas crianças
das na roda de conversa juntamente com elas.
a fim de trabalharmos com o jogo simbólico.
Neste momento realizávamos as escolhas das
Pois, para Freire (2011, p.25) “é através do jogo
atividades, a interferência nos espaços, tempos
simbólico, do “faz-de-conta”, que a criança as-
e materiais que seriam utilizados e a programa-
simila a realidade externa – adulta - à sua reali-
ção do dia seguinte. O planejamento do dia e
dade interna”.
as mudanças no projeto foram acontecendo
Essa atividade tornou-se encantadora e
naturalmente.

221
Kely Daiane Machayewski, Manoela Oldra e Eloir Cima

ouvir a história do autor e suas obras.


No decorrer do projeto, fomos repro-
duzindo obras e (re)criando outras a partir
das originais. Optamos por trabalhar com di-
versos materiais, com o objetivo de perceber
as texturas, explorar as sensações e cores. Os
materiais ficavam à disposição das crianças
para que elas fizessem suas escolhas, con-
forme sentissem a necessidade. Oferecemos
materiais como: madeira, isopor, sucatas, lixa,
tintas, areia, pedras, folhas, giz de cera, caneti-
nhas entre outros.
Foto 2: Coletando materiais para brincadeiras de jogo simbólico. Para culminar, sugerimos às crianças
Fonte: Arquivos da Escola
uma exposição na escola. Criamos os convites
divertida, o que modificou, consequentemen- e enviamos para as famílias e demais turmas.
te, a rotina de registro, pois passamos a foto-
grafar as brincadeiras, as crianças e suas “pro-
duções”. Montamos, então, uma apresentação
em slides e visualizamos com as crianças. Em
seguida, fotografamos o rosto de cada criança,
imprimimos em preto e branco no tamanho
de uma folha de ofício e entregamos para seu
respectivo dono. Com o auxílio dos canetões
convidamos as crianças para fazermos inter-
venções nas fotografias, como maquiagens,
desenhos de acessórios e pinturas.
Após despertar a curiosidade das crian-
ças, introduzimos o projeto. Reunimos as crian-
ças em uma sala, mostramos em slides obras
de arte e ouvimos as apreciações. Em seguida
encaminhamos as crianças até o gramado para Foto 3: Exposição das produções. Fonte: Arquivos da Escola

222
A ROTINA DA EDUCAÇÃO INFANTIL: UMA POSSIBILIDADE DE CONSTRUÇÃO

Conclusão Referências bibliográficas

Com a realização deste projeto e as


FREIRE, Madalena. A paixão de conhecer o
adaptações da rotina percebemos que a par-
mundo: Relatos de uma professora. 20.ed. Sâo
ticipação das crianças tornou o planejamento
Paulo: Paz e Terra, 2011.
algo ainda mais prazeroso e alegre. As crianças
se sentiram valorizadas, pois a medida que fa- BARBOSA, Maria Carmen Silveira. Por amor e
ziam suas escolhas aprendiam com elas. Esse por força: rotinas na educação infantil. Porto
amadurecimento foi notado nas rodas de con- Alegre: Artmed, 2006.
versa, nas quais discutíamos nossos desejos e
nossas curiosidades. Assim, o planejamento
passou a ser visto, pelas professoras e pelas
crianças como proposta e não como tarefas
apenas a serem cumpridas.
Oportunizar às crianças a participação,
exploração e organização das atividades da
rotina escolar juntamente com as professoras
possibilitou desenvolver um trabalho no qual
as crianças passaram a ser sujeitos do processo
de aprendizagem, tornando-se assim parte da-
quele espaço no qual estão inseridos.
A rotina da escola de educação infan-
til em tempo integral exige que o professor
re(pense) sua docência, no sentido de oportu-
nizar às crianças uma aprendizagem por meio
de experiências significativas. O saber precisa
ser construído a partir de vivências e do desejo
de saber sempre mais.

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