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Tema 6 - Fluxos Migratórios em Fronteiras
Tema 6 - Fluxos Migratórios em Fronteiras
2Num primeiro momento usamos a expressão “ações estatais”, e não políticas públicas, pois
é difícil entender tais atividades do Estado brasileiro como um conjunto ordenado e coeso de
condutas realizadas por entes estatais brasileiros com algum grau de coordenação. Afinal
quando pensamos em políticas públicas, no campo da teoria, tais ações do Estado devem
estar entrelaçadas em pelo menos três etapas: formulação, implementação e avaliação das
atividades (Kingdon and Thurber, 1984). Ao nos aproximarmos da realidade dos fluxos
migratórios brasileiros constatamos no mínimo uma baixa coordenação entre estas ações,
que geram situações das quais dificilmente poderíamos denominar como Políticas Públicas
propriamente dito.
2 Citamos ao menos três movimentos significativos ocorridos nos últimos anos: a Coordenação de
Políti (...)
3Por outro lado, também é inegável que nos últimos anos alguns passos foram dados 2, ainda
com um baixo de nível de coordenação entre os entes de nosso pacto federativo, mas não
podemos deixar de apontar avanços institucionais e normativos, os quais pretendemos
analisar no decorrer deste texto. Mas antes de qualquer avanço, desde já apontamos que se
existem mudanças, estas se apresentam somente como reação a situações da realidade dos
atuais fluxos migratórios brasileiros. Portanto ressaltamos mais uma vez que os movimentos
dos entes estatais brasileiros, ao nosso ver, não se configuram como Políticas Públicas,
sendo muito difícil enxergarmos a existência de uma Política Migratória brasileira
propriamente dita, uma vez que quando tais ações acontecem são mais uma resposta a
episódios da realidade migratória do que intervenções estruturadas e coordenadas. O que
nos leva a um cenário no qual é muito difícil compreendermos os objetivos do Estado
brasileiro, ainda mais se pensarmos em ações e/ou programas governamentais de longo
prazo, pois o baixo grau de organicidade das ações voltadas para a população estrangeira
fixada no território brasileiro tornam tais objetivos muito difusos e pouco concretos para as
próprias populações beneficiadas, bem como para todos os outros agentes presentes na
realidade migratória brasileira (Araújo, 2018).
4Entendemos que os melhores exemplos deste contexto são o recente fluxo de haitianos e o
ainda mais atual fluxo de venezuelanos em estados da Região Norte do Brasil e os
movimentos que usaram as fronteiras terrestres nunca antes utilizadas por fluxos
migratórios significativos na história do Brasil.
3 Em 2018 ocorreram eleições para Presidente da República, parte do Senado Federal, a totalidade da
C (...)
5Tais cenários migratórios, sem dúvida alguma, tornaram-se objeto de embates no debate
público brasileiro, seja através da grade mídia ou dentro de muitos gabinetes de gestores
públicos, trazendo, de forma inédita, o tema das migrações internacionais para o debate
eleitoral brasileiro que se desenrolou durante 2018 3.
4 A presença da Venezuela no argumento desenvolvido por grupos políticos afinados ideologicamente
à d (...)
6Para sermos mais precisos somos obrigados lembrar que a presença do tema no debate
público brasileiro tornou-se mais corriqueiro desde ao menos a chegada do grupo haitiano ao
Brasil, que teve o início de seu fluxo por volta de 2010. Por outro lado, não podemos deixar
de mencionar que o debate em torno da chegada dos venezuelanos no Brasil assume outra
dimensão, pois é fortemente contaminado pelo acirramento do debate político-ideológico
instalado no Brasil desde ao menos as eleições gerais de 2014. Com a situação política e
econômica da República Bolivariana da Venezuela ganhando relevância inédita, ao estarem
presentes em argumentos de posições extremadas existentes nos pólos deste debate. Os
quais ora apontam o regime venezuelano como modelo para a esquerda brasileira, ora como
um perigo para a própria estabilidade política do Cone Sul, reservando aos seus fluxos
migratórios papel central em todos estes argumentos4.
5 Os países que fazem fronteira com o Brasil são: Uruguai, Argentina, Bolívia, Peru, Colômbia,
Venezu (...)
7Destacamos, portanto, que a atual situação na fronteira brasileira com a Venezuela não é
um caso específico e conjuntural, na realidade temos já faz alguns anos um novo elemento
no contexto geral dos fluxos migratórios que tenham por destino o Brasil, principalmente se
lembrarmos da extensa tradição que o país tem em receber imigrantes como parte
importante de nossas dinâmicas demográficas. Afinal, as migrações internacionais
historicamente sempre se constituíram como um dos elementos centrais paras tais
dinâmicas, mas com nossas fronteiras terrestres, extensos limites territoriais que fazem
divisas com 10 países5, sempre ocupando uma posição secundária (e/ou irrelevante em
vários momentos e conjunturas históricas). Fato que não mais se sustenta nos dias atuais,
uma vez que as fronteiras terrestres brasileiras tornaram-se um dos principais meios para a
chegada de fluxos migratórios nas últimas décadas, mudança que começou a se
consubstanciar a partir do momento que grupos latino-americanos passam a ser os principais
responsáveis pela presença de estrangeiros em território nacional, com o início do deste
movimento populacional localizando-se em algum momento do decorrer das décadas de 60 e
70 do século XX (Silva, 1997).
6 Em linhas gerais, apesar de no final de 2018, com a eleição do novo governo em outubro, estarem
oco (...)
8Assim durante o ano de 2018 assistimos os fatores acima relacionados (crise venezuelana,
acirramento ideológico no debate brasileiro, fronteiras terrestres como trajeto prioritário para
fluxos migratórios) amalgamarem-se, criando, do ponto de vista do Estado brasileiro, um
cenário bastante inquietante, fato inequívoco tanto para estudiosos da temática migratória,
para ativistas pelos direitos dos migrantes, bem como pelos gestores públicos atuantes em
órgãos do Estado brasileiro responsáveis pela gestão de fluxos migratórios 6.
9As duas seções que seguem esta breve apresentação terão dois objetivos complementares
para iluminarmos um pouco o atual cenário migratório brasileiro. Na sessão I
demonstraremos as principais mudanças e inovações institucionais e normativas que tal
cenário vem experimentando nos últimos anos. Afinal em 2017 para surpresa de muitos
ocorreu a aprovação de uma nova legislação migratória no Brasil 7. Tal texto legal veio
substituir, depois de longos anos de debate entre especialistas, gestores e ativistas, o
denominado Estatuto do Estrangeiro (LEI Nº 6.815, DE 19 DE AGOSTO DE 1980). Nossa
intenção não será discutir a nova legislação e seus efeitos na realidade dos migrantes e
refugiados que compõem os fluxos atuais, afinal o texto legal vige há muito pouco tempo
para que tenhamos condições de fazer um balanço apropriado de suas consequências para a
cena migratória brasileira. O objetivo desta parte do texto será demonstrar que tal legislação
torna-se marco legal para uma realidade bastante complexa, com muitos nós e impasses
institucionais num ambiente de baixa coordenação entre os agentes que operam as ações
estatais. Apontamos desde já que tal ambiente está composto por instituições que agem
muitas vezes baseadas em avaliações pouco aprofundadas da realidade dos fluxos
migratórios, gerando assim uma série de ações estatais que, ao nosso ver, são pouco
consistentes e muitas vezes equivocadas.
10Lembrando mais uma vez que ao utilizarmos a expressão “ações estatais”, e não políticas
públicas, deve-se ao fato de ser difícil entender as atividades do Estado brasileiro em relação
aos fluxos migratórios como um conjunto ordenado e coeso de condutas realizadas por seus
entes algum grau de coordenação. Afinal quando pensamos em políticas públicas, no campo
da teoria, tais ações do Estado devem estar entrelaçadas em pelo menos três etapas:
formulação, implementação e avaliação das atividades. E ao nos aproximarmos da realidade
dos fluxos migratórios brasileiros constatamos no mínimo uma baixa coordenação entre
estas ações, que geram situações das quais dificilmente poderíamos denominar como
Políticas Públicas propriamente dito (Arretche, 2004; Souza, 2006; Kingdon and Thurber,
1984). Cenário que será discutido na seção II deste texto, momento no qual exporemos as
ações de pesquisa junto a uma escola pública da cidade de São Paulo dentro do projeto
“Brasil Migrante. Fluxos Populacionais, Políticas Públicas e Estruturas Estatais”, que se
desenvolve nos últimos anos pelo Grupo de Pesquisa e Estudos “Fluxos Migratórios na
Contemporaneidade”, que é parte integrantes do OIPP (Observatório Interdisciplinar de
Políticas Públicas) na Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da Universidade de
São Paulo (USP).
Legislação, normas e
instituições na cena migratória
brasileira
Desde o início da década de 1980 o fenômeno migratório em território brasileiro Brasil tem
ganhado maior visibilidade, a partir deste momento as migrações internacionais direcionadas
ao Brasil passam a ser regulamentadas por legislação criada durante o regime militar, o
Estatuto do migrante, em que a lógica predominante era a da segurança nacional, das
fronteiras protegidas e da “ameaça” migrante. A mesma lei (Lei n. 6.815/1980) que
estabeleceu essas normas, também criou o CNig (Conselho Nacional de Imigração) que
desde então optou por uma agenda voltada à política de atender às demandas por força de
trabalho estrangeira, a prática de mobilizar, selecionar e localizar, que desde sempre
predominou nas políticas migratórias implementadas no país. (VAINER, 2000).
12A partir de meados da década de 1990, momento em que o Brasil já vivia sob a égide da
Constituição Federal de 1988, a questão migratória volta a ter certa relevância na agenda
política e social brasileira, muito mais pela emigração de brasileiros para o exterior do que
pela migração em si. Ou seja, o panorama dos fluxos migratórios brasileiros havia mudado,
muitos brasileiros no exterior e novos migrantes no Brasil, em especial os latino-americanos.
13No início dos anos 2010 (TABELA 1), com a chegada massiva de haitianos ao país, torna-
se claro o quanto o aparato legal e normativo estava defasado em relação à realidade
migratória nacional
15São Paulo abarca 41,3% das residências migrantes distribuídas em território nacional. Por
serem áreas mais dinâmicas do ponto de vista econômico, o Sudeste e Sul acolhem parcela
majoritária da migração, sendo importante ressaltar a importância dos migrantes haitianos,
que se localizam nos estados do sul do país, que, depois de São Paulo, foram os espaços que
mais absorveram essa força de trabalho (TABELA 2). Outro aspecto que se faz notar é a
diminuição relativa da participação do Sudeste em favor das demais Regiões do país.
(Relatório de Migrações OBMIGRA, 2018).
Pela ótica dos direitos humanos, e não mais da segurança pública, a CPMig/SMDHC, através
de um comitê paritário com representantes de 13 secretarias e organizações da sociedade
civil, elaborou o texto da primeira política municipal para a População migrante no Brasil,
sancionada em 2016, pelo então prefeito Fernando Haddad, a Lei nº 16.478, de 8 de julho
daquele ano fora aprovada por unanimidade pela Câmara Municipal de São Paulo antes de
ser remetida ao executivo. Essa lei prima pelo respeito aos direitos humanos das pessoas
migrantes residentes na cidade, coloca diretrizes para a atuação das secretarias municipais e
cria o Conselho Municipal de migrantes, entre outras disposições.
8 http://www.migrante.org.br
18No âmbito federal a Rede Solidária para Migrantes e Refugiados, que reúne
aproximadamente 45 instituições do Brasil ligadas à defesa, atendimento e assistência à
população migrante, articulada pelo IMDH (Instituto de Migrações e Direitos Humanos) 8,
com o apoio do ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados) 9, também
é um bom exemplo de rede social engajada e organizada para influenciar a formulação,
aprovação e execução de políticas públicas.
19O novo arcabouço legal representa um grande avanço no que tange a questão migratória
no Brasil, em primeiro lugar porque se distancia da ótica da segurança nacional que marcava
a antiga lei sancionada ainda no período militar brasileira. Segundo porque traz uma
perspectiva de direitos para aqueles que emigram e para os migrantes que aqui chegam.
21Nessa perspectiva de avanços voltamos nossos olhares para a cidade de São Paulo,
como locus de observação do fenômeno migratório e suas contradições. Destaca-se, nesse
sentido, que a cidade abriga grande parte dos movimentos sociais organizados em prol da
questão migratória. A seguir vamos discorrer sobre a experiência da escola EMEF Duque de
Caxias, localizada na baixada do Glicério, uma das regiões da capital que, desde o século XX,
recebe migrantes e que abriga a sede da Missão Paz de São Paulo, referência no acolhimento
de migrantes.
Contextualizando o Território:
Levantamento de Dados
Visualizando esse cenário o grupo de pesquisa do projeto “Brasil migrante, Fluxos,
Populacionais, Políticas Públicas e Estruturas Estatais”, financiado pelo Programa Unificado de
Bolsas de Estudos da Pró-Reitoria de Graduação da Universidade de São Paulo, constatou na
EMEF Duque de Caxias um objeto de pesquisa rico para um estudo de caso. O
estabelecimento de uma relação com EMEF foi através do interesse mútuo entre nosso grupo
de pesquisa e o Professor Guilherme de Souza, docente daquele estabelecimento de ensino
básico, estabelecendo assim as bases para uma pesquisa empírica. A partir do segundo
semestre de 2016 até o final do ano letivo de 2017, o grupo de pesquisa iniciou suas
atividades na EMEF Duque de Caxias, com aval de seu diretor, professor José Mário de
Oliveira Britto, iniciando um relacionamento entre nosso grupo e o corpo docente, discente e
administrativo da escola. Tal relação estabeleceu-se com o sentido de cooperação, na qual
nosso grupo ofereceria conteúdos informativos e formativos à escola, e essa, por sua vez,
estaria aberta ao diálogo para a realização do campo de nossa pesquisa, que procurava
compreender as dinâmicas escolares com nosso foco nas turmas do EJA do período noturno,
o qual contava com uma grande quantidade de alunos migrantes.
27A parceria teve início com o oferecimento, pelo grupo de pesquisa, de palestras oferecidas
para alunos migrantes do EJA. Tais encontros foram realizados entre o mês de março e maio
de 2017; com os temas de Relações Raciais no Brasil, Legislação Migratória Brasileira e
Mercado de Trabalho, nos quais as palestras transcorreram com tradução para o francês,
idioma predominante na turma, no grupo de estudantes migrantes que acompanharam tais
atividades encontravam-se 4 diferentes idiomas – Espanhol, Português, Crioulo Haitiano e
Inglês. O outro passo dado pelo grupo nesta cooperação como EMEF Duque de Caxias foi
uma tentativa de iniciarmos um survey no qual procuraríamos registrar a trajetória
migratória dos alunos das turmas de EJA da escola. Nesta tentativa iniciou-se testes para a
implantação de um questionário, mas tal ação encontrou sérias barreiras para a continuidade
desta ação a partir do momento que ocorreu uma mudança significativa na direção da
escola, com a transferência do Prof. José Mário para a direção de outra escola da rede
municipal de educação, além outros obstáculos com a difícil comunicação entre a direção da
escola e os demais agentes escolares, principalmente no que diz respeito ao esclarecimento
sobre os objetivos da pesquisa e das ações conduzidas por nosso grupo.
29Apesar de tais dificuldades nossa experiência junto à EMEF Duque de Caxias foi de suma
importância para observarmos algumas características do cotidiano dos migrantes fixados
em São Paulo na sua relação com um serviço público fundamental oferecida por um dos
entes do Estado brasileiro, a Prefeitura da Cidade de São Paulo, sendo-nos possível observar
uma pequena amostra da relação de migrantes com o Estado brasileiro.
31Dessa forma podemos afirmar que a escola não funciona a partir de uma cultura
organizacional única e sim de diferentes valores sobre educação e sobre como lidar com a
questão migratória. A junção desse ambiente interno com o externo, marcado por ausência
de definições claras de ação pública para a questão no âmbito educacional, e com marcos
legais generalistas no que se refere a políticas públicas para a população migrante, coloca os
atores na ponta do sistema com papel central na entrega do serviço.
11 Para um balanço teórico sobre a utilização do termo “Burocrata do Nível de Rua”, no qual vemos o
qu (...)
32Utilizando o termo “Burocrata do Nível de Rua” largamente utilizado nos estudos sobre
políticas públicas, sendo introduzido na literatura acadêmica por Michael Lipsky (1980) e que
vem balizando boa parte da produção acadêmica até os dias atuais 11, aqueles assim
denominados podem ser médicos, enfermeiros, policiais, professores, assistentes sociais e
entre outros. São os atores em contato direto com o usuário de um determinado serviço
público, ou seja, são eles que prestam o acesso às políticas, sendo o elo ao qual o Estado
tem contato com o cidadão e esse tem acesso ao Estado, desta maneira é por eles que ação
pública se apresenta. No uso da sua discricionariedade pode se observar a distância, como
aborda Arretche (2001), entre o que é formulado objetivamente e o que é implementado de
fato.
34A partir destas ideias podemos, portanto, analisar não só a realidade, mas principalmente
a atuação dos burocratas que tivemos contato na EMEF Duque de Caxias. Primeiramente, é
importante frisar a importância das estruturas normativas para a existência de espaço
político e social para ação discricionária (LOTTA e SANTIAGO, 2018).
37Tal realidade pode ser perigosa, já que as ações discricionárias podem ter um viés
xenófobo ou inadequado para lidar com uma população que, em sua maioria, encontra-se
em situação de vulnerabilidade social, privando-a ao acesso à educação e, como Cury (2002)
afirma, a educação é o instrumento de construção da cidadania e para o desenvolvimento
humano, portanto sua privação afeta paralelamente a garantia de outros direitos sociais e ao
acesso aos serviços públicos.
Considerações Finais
Para finalizarmos nossas reflexões a respeito das ações do Estado brasileiro em torno das
migrações internacionais direcionadas para nosso território, primeiro (seção II) a partir das
ações da União (ou governo federal) nas últimas décadas em relação aos fluxos migratórios
direcionados ao país, com especial destaque para o caso dos venezuelanos nos últimos dois
anos. E em segundo lugar (seção III) analisando dados de pesquisa junto à um órgão da
administração direta da Secretaria Municipal de Educação do Município de São Paulo - a
Escola Municipal de Educação Infantil Duque de Caxias, localizada no Bairro do Glicério na
região central da cidade.
39Por mais que as realidades de nossos objetos sejam completamente distintas, nossa
reflexão procura demonstrar o quanto as ações do Estado brasileiro, em relação às
migrações internacionais, são descoordenadas e pouco orgânicas. Arriscamos até mesmo a
afirmar que tais ações não chegam a configurar Políticas Públicas propriamente ditas, pois há
pouca racionalidade e organicidade nestas atuações do Estado brasileiro junto à população
estrangeira fixada no território brasileiro.
40No caso do governo federal, como é demonstrado a partir do caso venezuelano (que
repete muitos improvisos, com baixa racionalidade, encontrados quando do estabelecimento
do fluxo de haitianos no Brasil), a atuação do Estado brasileiro quase que somente se
circunscreve à tentativa de regularizar o status jurídico dos estrangeiros que adentram nosso
território. Já que como demonstramos o governo federal não age no sentido de integrar os
demais entes federados brasileiros (estados e municípios) para a construção de processos de
recepção e acolhimento das populações estrangeiras no seio da sociedade brasileira. Fato
que fica muito claro quando acompanhamos o noticiário em relação à “crise humanitária”
que se desenrola no Estado de Roraima desde ao menos 2016, sendo patente a não
existência de uma linha mestra de atuação do Estado brasileiro, que necessariamente
haveria de passar por uma integração e coordenação dos diversos entes federados
brasileiros.
41Já no governo municipal paulistano, vemos que na EMEF Duque de Caxias as ações
voltadas para os alunos estrangeiros do EJA (Educação de Jovens e Adultos) são definidas de
forma individual pela gestão da escola, sem nenhum suporte ou orientação da rede de
ensino público da Secretaria Municipal de Educação. Pois em nossa experiência de pesquisa e
extensão junto à este equipamento público foi-nos relatado a inexistência de ações voltadas
para alunos estrangeiros que não dominam adequadamente o português quando se
matriculam na escola, algo que se torna extremamente relevante para o funcionamento do
próprio equipamento, afinal o número de estrangeiros no EJA é a maioria dos alunos,
segundo estimativa pouco precisa da própria direção da escola. Apontamos que a ausência
de dados precisos sobre o número de estrangeiros, suas nacionalidades, línguas originárias e
demais dados que poderiam caracterizar os alunos estrangeiros daquela escola já
demonstram o quanto as ações voltadas para estas populações carecem de racionalidade e
organicidade dentro da rede pública de ensino administrada pela Secretaria Municipal de
Educação de São Paulo.
42Para finalizarmos, apontamos a esta reflexão sobre dimensões distintas da realidade dos
migrantes internacionais no Brasil nos levam a apontar uma extensa agenda de atuação para
o Estado Brasileiro, além de ser também uma agenda de pesquisa extremamente
interessante para trabalhos acadêmicos que venham propor a observação da relação da
população estrangeira fixada no Brasil com os bens e serviços públicos ofertados à sociedade
brasileira. Afinal, entendemos que a realidade de migrantes e refugiados, estrangeiros no
geral, que vivem no seio da sociedade brasileira, independentemente de sua relevância
quantitativa, devem passar a configurar a agenda das Políticas Públicas brasileiras, pois a
realidade atual ainda é muito incipiente e precária, chegando mesmo a nos arriscar a afirmar
que as ações que ora existem do Estado brasileiro direcionadas para tais populações não
chegam ao patamar para podermos afirmar que existe Política Migratória no Brasil atual.
MIGRAÇÕES E FRONTEIRAS