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O SURDO COMO ABJETO: UMA ANÁLISE QUEER DAS

RELAÇÕES BINÁRIAS OUVINTES/SURDOS

Rodrigo Brito de ALMEIDA1


Antonio Leonardo Figueiredo CALOU2
Janaína Aguiar PEIXOTO3

Resumo: A história dos/as surdos/as Abstract: The history of the deaf carries a
carrega um grande fardo de estigmas great deal of stigmata molded in the
moldados em discursos que os/as discourses that the inferiors, the peripheral,
inferiorizam, os/as tornando sujeitos the subaltern, and the abject in normatively
periféricos, subalternos e abjetos na listener society. Such speeches surpass the
sociedade normativamente ouvinte. Tais history and, they are incorporating repeated
discursos ultrapassam a história e se in the deaf subjects, a certain precariousness
repetem incorporando nos sujeitos surdos, and inferiority that engender their bodies.
certa precariedade e inferioridade que Fighting with these discourses, this work
engendram seus corpos. Brigando com esses aims to show how deaf people are produced
discursos, este trabalho tem por objetivo to the detriment of imposed normalizations
mostrar como os sujeitos surdos são from the listening culture. Through the
produzidos em detrimento de normalizações critical and strategic formulations of the
impostas de uma cultura ouvinte. Através Queer theory - considering this to be an
das formulações críticas e estratégicas da analytical theory of normalizations that
teoria Queer - tendo em vista, ser esta uma shape bodies and subjectivities by
teoria analítica das normalizações que establishing power relations among their
moldam corpos e subjetividades interactors - we will question the forms of
estabelecendo relações de poder entre os micropolitical normalizations that are
seus interagentes – questionaremos as imposed on the deaf by the listener culture.
formas de normalizações micropolíticas que The purpose of this article is summarized in
se impõem aos/as surdos/as pela cultura a theoretical-analytical reflection that
ouvinte. O intentio deste trabalho se resume questions the subalternity and the abjection
a uma reflexão teórico-analítica que of the deaf subjects in our culture.
questiona a subalternidade e a abjeção dos
sujeitos surdos em nossa cultura.

Palavras-chave: Teoria Queer, Keywords: Queer theory, Deaf/Hearing


Surdo/Ouvinte, Abjeção. people, Abjection.

Recebido em 21-12-2017
Aceito em 12-05-2018

1
Pós-Graduando em Língua Portuguesa e Literatura pela Faculdade de Juazeiro do Norte (FJN). Licenciado
em Letras/Libras pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Tradutor/Intérprete/Professor da EEMTI
Prefeito Raimundo Coelho Bezerra de Farias, Crato-CE.
2
Pós-graduando em Ciências das Religiões pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Membro do
Núcleo de Pesquisas Socioantropológicas da Religião e de Gênero (SOCIUS). Especialista em Educação,
Pobreza e Desigualdade Social pela Universidade Federal do Ceará (UFC); E licenciado em Ciências
Sociais pela Universidade Regional do Cariri (URCA). Orientador desta produção. E-mail:
Página 94

leo.calou@hotmail.com
3
Doutora em Letras, Mestre em Ciências das Religiões e Bacharel em Fonoaudiologia pela Universidade
Federal da Paraíba (UFPB). Professora do curso de graduação em Letras/Libras da Universidade Federal
da Paraíba (UFPB). Orientadora desta produção.

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mesmo para muitos outros ouvintes, que,
INTRODUÇÃO como eu, são intérpretes. Aliás, todo o início
da reflexão que traz este trabalho, parte da
Gostaria de começar direcionando o/a minha formação como intérprete, ou até
meu/minha leitor/a à compreensão do meu mesmo antes disso, com a minha
trabalho no que diz respeito a minha forma aproximação à cultura surda.
Queer de escrita, pois, o que aqui será visto No ano de 2007, tive a feliz
e debatido se desenrola sobre um caráter oportunidade de conhecer Gustavo 4 ; um
político de minhas próprias experiências, surdo recém-chegado na indústria que
que já estão há algum tempo aglutinadas às trabalhava na cidade de Guarulhos/SP.
experiências de pessoas surdas. Logo, minha Gustavo tinha por volta de 32 anos. Havia
escrita em primeira pessoa se torna entrado na fábrica através da demanda de
necessária, ao mesmo tempo que dialogo uma lei sancionada na época, a qual obrigava
com a necessidade das teorias Queer de as empresas a terem certa porcentagem de
mostrar sobre suas pesquisas o caráter pessoas com deficiência em seus quadros de
empírico (LOURENÇO, 2017) daquilo que funcionários. Gustavo era surdo, e por esse
reclama. Esta produção se encontra também motivo, apenas exercia uma mecânica
posicionada sobre críticas que faço função, sem saber muito o que acontecia ao
analisando as relações binárias e seu redor, quando não era visivelmente
hierárquicas de poder que estão incutidas nas descrito a ele; uma grande violência ética da
relações públicas e privadas entre ouvintes e empresa que não contratava intérpretes, pois
surdos. Por isso, antes de qualquer coisa, não via a necessidade diante de nossas
assumo o caráter confessional deste texto, funções que se enquadravam nas operações
pois não pretendo fazer ou trazer uma de máquinas produtoras pneus. Ao interagir
história, muito menos uma análise, em que, por uma única vez com Gustavo, pude
minha ausência seja o fator que a torna perceber o quanto a comunidade surda
legítima. Este texto é político, e por ser necessita de diálogos, pois, desde a primeira
político, nada terá de imparcial. Pois, como tentativa de contato ainda por mímica,
afirma Gayatri Spivak: Gustavo não deixou mais de me acompanhar
nos intervalos e durante o caminho de casa
Produzimos narrativas e explicações nos transportes públicos que utilizávamos.
históricas transformando o socius, onde Gustavo foi meu primeiro professor.
nossa produção é escrita, em bits - mais Com o passar do tempo, ele foi me
ou menos contínuos e controlados - que ensinando a língua brasileira de sinais e eu
são legíveis. Como essas leituras tive a oportunidade de conhecer o que seria
emergem e qual delas será legitimada
meu futuro ofício, pois tinha gosto em
são questões que têm implicações
políticas em todos os níveis possíveis. aprender, e ao mesmo tempo, me
[...]. Se o sujeito privilegiado disponibilizar a estar com ele e os demais
promovido por estes códigos foi surdos que acabaram entrando na empresa.
mascarado como o sujeito de uma Eu me tornei o intérprete voluntário da
história alternativa, devemos refletir empresa, que não se mostrou interessada em
sobre como ele está escrito, em vez de contratar ninguém para exercer essa função.5
simplesmente ler sua máscara como Mas foi me aprofundando em cursos de
uma verdade histórica (SPIVAK, 1994, língua brasileira de sinais que encontrei
p. 187-188).
alguns impasses; tanto na formação dos
intérpretes, como na atuação deles/delas,
Portanto, tenho a necessidade de não pôr
como também a visão que eles/elas tinham
máscaras, me mostrando contraintuitivo até

4
Usarei o nome fictício “Gustavo” para sendo um alvo fácil de apropriação capitalista,
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preservar a verdadeira identidade da pessoa a ser pois nessa relação ouvinte/surdo, o surdo seria o
citada neste trabalho. subalterno que "não saberia falar", ou seja, não
5
A empresa nunca me reconheceu como teria a quem reclamar os direitos instituídos e
intérprete. Acredito mesmo que a surdez acabaria conquistados.

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dos/das surdos/surdas. Contudo, me ficou Butler (2015) me mostram como tais
evidente que, os surdos e as surdas, eram discursos tomam os corpos dos sujeitos,
para muitos, apenas um objeto de trabalho, criando relações desiguais de poder.
cuja comunicação rendia bons salários. Isso Com isso, o presente artigo tem como
começou a me incomodar, principalmente objetivo principal trazer reflexões Queer
quando os/as surdos/as reclamavam de acerca do binarismo estabelecido sobre as
interpretações desinteressadas e mal feitas. identidades de ouvintes e surdos, buscando
Fora as vezes que se sentiam injustiçados/as questionar as formas de normalização social
em meio a certas concorrências, que se corporificam em hierarquias sobre as
principalmente de oportunidades relações de poder estabelecidas pela
profissionais, das quais a população surda diferença entre essas identidades. O presente
estava sempre em desvantagem. trabalho utiliza-se das estratégias de análises
Isso me despertava certa indignação, Queer, que por sua vez, se apropriam das
fato que segue até o atual momento, porém, formulações teóricas das analíticas do poder
através das mídias sociais, tive por de Michel Foucault e do desconstrucionismo
eventualidade o conhecimento da teoria de Jacques Derrida, com o intuito de quebrar
Queer, uma teoria contra-hegemônica, a paradigmas dominantes nas relações sociais,
qual, questiona as normalizações que privadas e públicas, requerendo dar
engendram corpos em oposições binárias e visibilidade à voz subalterna. Portanto,
hierárquicas, criadas por identidades e com Queer seria uma analítica da normalização
elas relações de poder entre sujeitos, (MISKOLCI, 2009), uma estratégia que
subalternizando uns em detrimento de busca antes de tudo, refletir as hierarquias
outros. A teoria Queer se tornou uma mola que se constroem sobre os discursos e que
propulsora para que eu pudesse entender a circunscrevem-se nos corpos dos sujeitos
relação surdo/ouvinte em contextos de que se identificam, ou mesmo que são
interação, compreendendo as normalizações identificados. Este trabalho tem então a
convencionadas pela cultura ouvinte pretensão de pensar o surdo como abjeto, um
impostas aos surdos/as. sujeito que detém de uma cultura, de uma
A partir da leitura de Michel Foucault - forma de vida que, por não está dentro dos
sujeito cujas obras movimentam a teoria padrões “universalizantes” de sujeitos, é
Queer - especialmente do livro Em Defesa relegado à margem social.
da Sociedade (2005), pude compreender
melhor as composições de um Biopoder6 na
vida dos surdos, tendo em vista que, durante FUNDAMENTOS DA FORMAÇÃO
toda uma história, a surdez foi vista como TEÓRICA QUEER
uma patologia, como uma anomalia, uma
anormalidade, às vezes passível de Foi em um encontro, também estranho,
condenação, às vezes posta sobre condições em meio ao meu cotidiano nas relações
de normalização. É então que a identidade virtuais de minhas redes sociais, que obtive
surda se torna abjeta. Os históricos discursos meu primeiro contato com a teoria Queer.
perpassam o tempo e subscrevem-se nos Essa que, nas interfaces de seus pressupostos
corpos daqueles que têm uma falta, a falta da teóricos, me ensinou a perceber as relações
audição, o que o/a torna diferente do/a de poder contidas nos discursos que
ouvinte. Essa seria então, uma tecnologia de produzem corpos e subjetividades, fazendo
poder7 materializada nas relações de surdos do outro um estranho a ser normalizado sob
e ouvintes, nas quais Derrida (1973) e Judith as construções sociais (BUTLER, 2015). Foi

6 7
Biopoder é um termo criado originalmente pelo Tecnologia de poder, ou dispositivos de poder,
filósofo francês Michel Foucault para referir-se à são termos foucaultianos para explicar as
prática dos estados modernos e sua regulação dos manobras discursivas que produzem relações de
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que a ele estão sujeitos por meio de "uma poder. Poder-se-ia resumir seus significados,
explosão de técnicas numerosas e diversas para como as estratégias contidas nas intenções do
obter a subjugação dos corpos e o controle de discurso. Ver: A ordem do discurso (2014).
populações" (FOUCAULT, 2005).

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naquela visualização de uma manifestação Primariamente, o termo Queer teve sua
filmada e divulgada na rede social de um primeira aparição no final século XX nos
amigo, onde os manifestantes conservadores EUA. Sua expressão foi encontrada em meio
reproduziam duras palavras indignadas na a processos jurídicos, direcionados a Oscar
frente do SESC/SP8 que, estava cedendo o Wilde, sujeito político da época que estava
espaço para o I Seminário Queer, em que, sendo acusado pelo marquês de Queensbury,
tive o primeiro contato com a teoria – por defender e participar de práticas
contato esse, bem impactante por sinal. insólicitas. Na carta direcionada ao quartel
Aquele vídeo me casou certa curiosidade, a de Scotland Yard, Queer estava significando
ponto de instigar-me a buscar compreender práticas sexuais anormais, bizarras,
o que era a teoria Queer e que mal ela comportamento excêntrico. Sua significação
poderia fazer a sociedade? assentava-se a essas práticas, julgadas como
Minhas expectativas iniciais 9 foram anormais pelas instâncias judiciais da época.
contraditoriamente frustradas, no momento Na década de 1960, em meio às realizações
em que percebi, em meio as minhas de novos movimentos sociais homossexuais,
pesquisas, o potencial subversivo que teria a feministas e negros, que lutavam por direitos
teoria Queer tinha, a ponto de ser ela uma igualitários diante de uma sociedade
representante da desconstrução das hegemônica, nasce o que pode se chamar de
normalizações sociais que tem sido política Queer atualmente (MISKOLCI,
dispositivo de poder10 moldantes de corpos 2009; 2013; LOURO, 2016). Uma política
e subjetividades, atuando por meio de que, nas articulações da igualdade, via um
hierarquizações, exclusões e abjeções ambíguo retorno às normatividades
(BUTLER, 2015). Aquele instante me hegemônicas, se propondo interventiva na
instigou a perceber e procurar compreender busca por equidade, não enquanto um
melhor sobre tal advento teórico, que busca pressuposto quantitativo, mas sim enquanto
a desconstrução das naturalizações, significado de um chamado à justiça, e à
intervindo no âmbito privado e público dos justiça do subalterno (MENESES, 2013).
discursos políticos que subalternizam No início dos anos de 1960, estudos
sujeitos. sobre sexualidade, gênero e identidade
Inicialmente, Queer era apenas uma começam a aparecer nos cenários
identidade política que tratava das questões acadêmicos norte-americanos, ampliando os
de gênero e sexualidade, mas, com o conhecimentos desses temas que eram
desenvolvimento dos estudos pós- apenas estudados pela Biologia, Medicina e
estruturalistas franceses e os estudos Psicanálise (MISKOLCI, 2013). No fim dos
culturais norte-americanos, a identidade anos de 1980 e começo de 1990, deu-se
política passou a tomar novos rumos, sendo início aos estudos Queer, introduzidos pela
pautada por vezes como uma teoria vista no professora de estudos literários, a italiana,
seio de disciplinas como a filosofia, Teresa de Lauretis, - que a primeira a utilizar
sociologia, psicologia, na pedagogia entre o termo Queer Theory, como também foi ela
muitas outras (SPARGO, 2017; a propositora do seu progresso
MISKOLCI, 2009; 2012; MELO, 2008). (COULOMB-GULLY, 2014) – e

8
I Seminário Queer aconteceu nos dias 9 e 10 de Queer fez e/ou faz. Para maiores informações,
setembro de 2015, com o tema “I Seminário consultar:
Queer - Cultura e Subversões da Identidade”, no https://www.youtube.com/watch?v=t1mPljcU0y
Sesc Vila Mariana, no Estado de São Paulo, com Q
10
destaque para a filósofa Judith Butler, uma das Dispositivo de poder é um termo conceitual
principais referências sobre o tema no mundo. utilizado por Michel Foucault em A ordem do
9
Ao assistir o vídeo na página do “Facebook” do discurso, para referenciar às estratégias
meu amigo, eu autoconclui que a teoria Queer era discursivas que procuram angariar por seus
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algo prejudicial, ao perceber aqueles discursos enunciados, patamares superiores em meio às


contra ela, em sua maioria com um enunciado relações sociais e por isso relações de poder
religioso, me vi instigado a buscar entende (FOUCAULT, 1988).
aqueles discursos e a provocação que a teoria

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desenvolvidos pelas precursoras principais Inglaterra, uma rua foi nomeada com o
da teoria, a filósofa norte-americana Judith termo, porque era bastante frequentada por
Butler e a linguista Eve Kosofsky Sedgwick. indivíduos considerados estranhos. Talvez a
As pesquisas nesse âmbito trouxeram melhor compreensão esteja em (BUTLER
um novo olhar para os sujeitos sociais, que apud LOURO, 2016, p.39), sobre a tradução
não se encaixavam nos padrões protocolares do vocábulo Queer:
de uma sociedade regimentadora, que diz
saber aceitar a diversidade e lidar com o Queer pode ser traduzido por estranho,
diferente. Contudo, seria a diversidade um talvez ridículo, excêntrico, raro,
“termo saída” para as múltiplas identidades extraordinário. Mas a expressão
existentes? Segundo Richard Miskolci também se constitui na forma pejorativa
com que são designados homens e
(2013), a diversidade é um retorno à
mulheres homossexuais. Um insulto que
normalização de padrões hegemônicos que tem, para usar o argumento de Judith
se aproxima da tolerância reforça o poder de Butler (1999), a força de uma invocação
uma norma: sempre repetida, um insulto que ecoa e
reitera os gritos de muitos grupos
O termo “diversidade” já se arraigou na homófobos, ao longo do tempo, e que,
sociedade brasileira. Quase todos os por isso, adquire força, conferindo um
programas governamentais e slogans lugar discriminado e abjeto àqueles a
dos movimentos sociais vêm com esse quem é dirigido.
termo, mas o que buscamos expressar
usando a palavra “diversidade” pode ser Tomando como base a cânone obra de
repensado e adquirir outro significado, Judith Butler, Problemas de Gênero, e as
inclusive o de lidar com as diferenças. O
suas demais obras subsequentes, talvez
termo “diversidade” é ligado à ideia de
tolerância ou de convivência, e o termo poderia afirmar que, enquanto formação
“diferença” é mais ligado à ideia do teórica, os fundamentos da teoria Queer;
reconhecimento como transformação aparecem sobre o respaldo das teorias de
social, transformação das relações de Michel Foucault e suas heurísticas
poder, do lugar que o Outro ocupa nelas concepções sobre o poder e o discurso nas
(MISKOLCI, 2013, p. 15). relações sociais, como também, nas
formulações concernentes à desconstrução
Assim, essa cognominação só reafirma do filósofo Jacques Derrida (SPARGO,
como a diversidade é insultada com 2017; MISKOLCI, 2009).
diferenças por uma convenção social, As teorias desses autores perpassam
afirmando e reafirmando como essas pessoas desde a filosofia, os estudos sociais e
não estão dentro dos padrões prevalentes, culturais a crítica à psicanálise e aos autores
Richard Miskolci ainda afirma: “Quando que se dispunham como estruturalistas,
você lida com a diferença, você também se sobre os quais acolitavam os pressupostos
transforma, se coloca em questão. teóricos de Ferdinand de Saussure, em que,
Diversidade é “cada um no seu quadrado”, tudo se baseava na construção dos
uma perspectiva que compreende o outro significados linguísticos, dos quais os seres
como incomensuravelmente distinto de nós humanos interagiam se constituindo como
e com o qual podemos conviver, mas sem sujeitos. Contudo, a crítica desses autores
nos misturamos a ele” (2013, p. 16). vem criar uma nova corrente de pensamento,
A palavra Queer, tem significado principalmente após Foucault, que
desfavorável em países de língua anglo- arrematou o discurso como estratégia
saxônica, portanto, na língua inglesa esse criativa que perpassa corpos e
termo é altamente agressivo. Surgiu para subjetividades, inscrevendo-se neles e os
nomear pessoas que eram extremamente moldando; modelando os indivíduos sob o
estranhas, excêntricas, anormais que viviam pleito de uma relação de forças (SOUZA,
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fora da realidade de um povo hegemônico 2011; CARDOSO JR, 2011). O discurso


(LOURO, 2016). Queer era utilizado para para o autor seria antes de tudo, uma
mencionar pessoas que subsistiam sem estratégia de poder, estratégia sobre a qual os
empregos e viviam pelas ruas. Em Londres- seres humanos eram movidos.

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a proporcionalidade calculada, a
Os indivíduos numa determinada distribuição equitativa, mas, ao
sociedade são construídos por redes de contrário, a infinita demanda do
poder e de saber: “os discursos chamado do Outro” (RODRIGUES,
verdadeiros trazem consigo efeitos 2010, p. 225).
específicos de poder” (FOUCAULT,
1999, p.29). Foucault destaca as práticas Apropriadas dos ideais pós-
de poder, antes mesmo que o Estado, as estruturalistas, as teorias Queer vêm
práticas de encarceramento, antes superando os estudos filosóficos e unindo-
mesmo que as prisões, as práticas de se, - numa visão
segregação dos loucos, antes mesmo 11
que os hospitais psiquiátricos. Para ele,
multi/trans/interdisciplinar -, as disciplinas
portanto, não há práticas sociais sem um institucionalizadas, com o propósito
determinado regime de racionalidade e constitutivo de subverter normas e
de verdades por elas engendrado identidades que constroem em oposições
(SOUZA, 2011, p. 194). binárias, se materializando em pesquisas não
mais restritas as análises de gênero e/ou
Ao se apropriar das teorias de seu sexualidades, mas transbordando para toda e
professor e com um novo arcabouço criativo, qualquer fabricação de corpos que encarem
Jacques Derrida torna-se o mais conhecido e em relações de poder identidades
assumidamente pós-estruturalista. Por engendradas no binarismo (MISKOLCI,
conseguir encontrar brechas expressivas no 2009). Nesse contexto, o que me interessa
estruturalismo, ele busca dar vazão a uma discutir, concretiza-se no que visualizo
forma de análise que, a partir da permuta como identidades e, por isso, relações de
histórica e do contexto social, os discursos poder, entre ouvintes e surdos. Mas antes,
que nos normaliza estariam configurados por vejamos um pouco mais sobre os
um conjunto de significados que exerceriam fundamentos que me levaram a pensar tal
efeitos sobre nossos corpos; a proposta de relação.
Derrida então seria criticar e problematizar a
história e a reprodução social dos
significados normalizadores, intervindo MICHEL FOUCAULT E A TEORIA
através da desconstrução. A desconstrução DO PODER
seria então, o modo de repensar tais
construções sociais regulamentadoras de Michel Foucault é um dos nomes de
poderes, sendo ela, o potencial subversivo e maior extensão na pós-modernidade e suas
inteligível para uma visão, não inclusiva, teorias têm sido altamente consideradas em
mas antes de tudo, equitativa das relações de vários ambientes acadêmicos,
poder. principalmente naqueles que se interessam
por análises discursivas, sociais, culturais e
O diálogo de Cornell com Derrida passa políticas. Um sujeito curioso e subversivo
também pela compreensão de que, para que nasce numa família de médicos, mas
o filósofo, a “desconstrução é um
quebra com o sistema que se perpetua,
chamado à justiça”. Cornell trabalha
com essa hipótese, recuperando a ideia formando-se em Filosofia, História e
de que, no pensamento da Psicologia (FERREIRINHA; RAITZ,
desconstrução, a justiça é um chamado 2010). Aliás, foi na história das ciências
do Outro. Nessa concepção de justiça, médicas que Foucault encontrou discursos
ela retoma as afirmações de Derrida e decisivos na legitimação de “verdades” no
lembra que “equidade não é igualdade, âmbito científicos (FOUCAULT, 2014).

11
As palavras importam muito e, ao mesmo a multidisciplinaridade articula-as; só a
tempo, pouco. No caso de multi, inter e transdisciplinaridade, porém, supera a
Página 99

transdisciplinaridade, cada um desses termos tem particularidade, conjuga os saberes e faz com que
uma contribuição a dar, mas nenhum se basta. O aportes diferentes trabalhem por um mesmo fim.
importante mesmo é a atitude epistemológica. A (SILVA, 2007, p. 33).
interdisciplinaridade junta disciplinas diferentes;

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Verdades essas, que impetram as relações
sociais marginalizando corpos. Foucault Segundo Foucault: o poder não se
morreu em 1984, vítima da epidemia do concentra, não se centraliza, nem se
HIV/Aids que imperou como pânico moral totaliza. Ele faz e se desfaz em focos.
na época, justamente pelos discursos Então Foucault desafia a ideia de que o
poder seria propriamente de uma classe
médicos (MISKOLCI, 2007).
que o conquista. O poder não é uma
As teorias do poder, da multifacetada propriedade, ele não está concentrado
obra de Foucault, parecem adentrar em todos em uma sede, pois é uma estratégia. O
os campos de sua produtividade científica. poder é uma questão de exercício, não
Ela seria, antes de mais nada, uma análise de de posse (CARDOSO JÚNIOR, 2011,
suas estratégias de obtenção, mas claramente p. 162-163).
colocadas pelo discurso e as enunciações
que, nas produções frasais, tendem a se Logo, se o poder é uma estratégia e está
disseminar modelando ações e difundido em focos, em uma rede produtiva,
comportamentos. É, nas interações então o mesmo se materializaria por meio de
discursivas contidas nas relações sociais, dispositivos e tecnologias, nas quais, essas
que o poder se moveria. A produção formas estratégicas entram em ação por
foucaultiana tende a nos levar aquilo sobre o meio de “práticas ou relações de poder, que
que o mesmo denominou como analítica do são constitutivas do corpo social” (SOUZA,
poder, uma análise que procura na interface 2011, p. 194). Essas estratégias, dispositivos
das relações sociais por onde, com que e tecnologias, são estritamente
propósito e porque as formas de poder se corporificadas pelo autor, como o discurso,
disseminam (FOUCAULT, 1999). o meio pelo qual o poder pode se difundir.
Mas, é preciso fazer entender que o Ademais a essa concepção, o poder
poder para Foucault não poderia ser visto também somente se moveria sobre a
como um fator analítico que impetra sua produção discursiva de verdade. Mas quem
negação. O poder teria suas faces positivas cria e legitima esse discurso de verdade?
também, dentre elas, a própria Judith Butler Para Foucault, haveriam instâncias
(2015) vem considerar aquela que move os produtoras de verdades, aquelas que
sujeitos que são subalternizados; a detinham de tecnologias de poder para
resistência e a subversão. Diante disso, ela formalizá-las em uma metástase coerente.
afirma que é no reconhecimento da própria Para além de que, a história e o contexto no
subalternidade que os sujeitos podem qual, insere-se essas instâncias, também se
intervir nas produções de poder tornam fatores que moldam os significados
hierarquizantes, subvertendo os seus ideais. dos seus discursos. Nesse contexto, Foucault
Pois, o poder é uma “rede produtiva”, é se debruça nas formações discursas de várias
através dele que se “produz o saber, ele cria delas como o direito, a religião, a ciência e
a realidade ao invés de vetar” (CARDOSO outras instâncias que detinham certo saber e
JR, 2011 p. 163). por isso poder, usufruindo de certas
O poder na concepção foucaultiana, tecnologias - a lei, as escrituras sagradas, as
somente se desenvolve quando o autor metodologias de análises entre outras -,
rompe com a ideia de poder formulada no como pressupostos discursivos e
berço da tradição marxista. Enquanto o legitimadores de verdade (LEÓN, 2012).
marxismo previa o poder como uma base Na história do surdo, essa concepção de
estrutural de classes, difundidas sobre verdade é enfaticamente visível sobre o
oposições binárias, como seria, por exemplo, prisma discursivo e histórico de como foi
os ideais de burguesia e proletariado; rico e difundido o termo surdo. Inicialmente, no
pobre, dominantes e dominados, entre outras Egito, os surdos eram percebidos de duas
mais, Foucault iria compreender o poder maneiras distintas, pelo lado das crenças
como uma força móvel, que não se localiza politeístas, eles eram observados como um
Página 100

em uma classe, mas que está em toda parte e meio de comunicação com outros deuses,
que se materializa nas relações mas por outro lado, o dos sacerdotes, eles
comunicativas. Com afirma Cardoso Jr: eram julgados e tratados como falhos

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(MAIA; VELOSO, 2009, p. 27). Os eram condenados à morte, lançados
sacerdotes 12 utilizavam recursos naturais abaixo do topo de rochedos de Taygéte,
para possíveis tratamentos contra surdez. O nas águas de Barathere e os
sobreviventes viviam miseravelmente
período egípcio foi marcado por
como escravos ou abandonados. Em
ambivalências em que o surdo, era um Atenas, os surdos eram rejeitados e
paradigma confuso de endeusado a abandonados nas praças públicas ou nos
debilitado, no Egito do século XVI a.C, o campos. Em Esparta, os surdos eram
surdo se torna um ser excêntrico. De acordo jogados do alto dos rochedos (MAIA;
com Cabral: VELOSO, 2009, p. 27).

As mais antigas referências são Com o decorrer dos séculos e início das
ambivalentes, entre a caridade e a investigações sobre como os surdos eram
consideração dos surdos como tratados é notório que, eles/elas eram
indivíduos não educáveis. Os sacerdotes agredidos pelas regras compulsórias e
tratavam as dores de ouvidos com
dominantes de cada sociedade. Apesar disso,
preparados e soluções de variados
produtos que iam da urina de cabra à como se não bastasse apenas o julgamento
cinza de asa de morcego e aos ovos de social, os testamentos bíblicos13 também se
formiga ou lagarto (CABRAL, 2005, p. mostraram adeptas da exclusão, não só pelos
35). seus escritos, mas pela repulsa aos surdos,
visivelmente mantidas pelas ações de seus
Os/as surdos/as sempre foram vistos aderentes. Os escritos bíblicos e suas
como abjetos, desde à antiguidade greco- diversas interpretações incutiam a
romana, eles/elas eram caracterizados/as compreensão de que os surdos não teriam
como “não humanos”, pessoas que não direito à fé, salvação ou participação
poderiam ser ensinadas, simplesmente religiosa. No século I d.C, o apóstolo Paulo
porque eles/as não conseguiam falar. deixa registrado em Epístolas aos Romanos,
Portanto, se eles/elas não conseguiam falar, capítulo 10, versículo 17, a exclusão das
eles/elas não teriam uma linguagem e sem pessoas surdas. Segundo Cabral, “tendo dito
linguagem, não teriam pensamento. Essa que a fé deriva da pregação e a pregação é o
classificação de “não humanos” foi dado anúncio da palavra, terá dado justificação a
pelo filósofo grego Aristóteles, “No século quem a usou para negar o acesso à religião,
IV a.C, Aristóteles supunha que todos os aos sacramentos e mesmo à salvação da alma
processos envolvidos na aprendizagem dos surdos-mudos” (CABRAL, 2005, p. 35).
ocorressem através da audição e que, em Se os textos bíblicos sempre serviram de
consequência, os surdos seriam menos ensinamento para as pessoas, será que
educáveis que os cegos” (CAPOVILLA, durante todo esse tempo e até hoje, nós
2000, p. 100). tenhamos aprendido de maneira errônea ou
A evolução da civilização grega, não interpretamos equivocadamente as
respeitou os surdos como deveria, escrituras, disseminando o termo surdo-
entendendo que nessa época de grandes mudo, esse vocábulo que favorece ainda
pensadores, a reflexão não se relacionava mais para que os surdos fossem vistos com
com a ação, endossando intolerância contra abjetos na sociedade?
os surdos, em um período que eles/elas não É possível verificar na televisão, redes
detinham de direitos. sociais, programas sociais e até mesmo
pessoas consideradas cultas, propagando,
Na Grécia, os surdos eram considerados nessas esferas, um vocábulo desinformado e
incapazes para o raciocínio, insensíveis excludente, como é o “surdo-mudo”. Essas
e um incômodo para sociedade, por isto
Página 101

12 13
Os sacerdotes seriam para Foucault, sujeitos O uso de citação bíblica nesse trabalho, não é
detentores de um saber/poder, logo, sujeitos um ato ou efeito de resignar os textos bíblicos,
detentores da verdade. Para compreender a porém mostrar que com diversas traduções e
verdade em Foucault ler: Cesar Candiotto (2006), interpretações colocam os surdos como abjeto
em Foucault: Uma História Crítica da Verdade. tanto ao direito à fé quanto aos direitos cíveis.

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pessoas erram a nomenclatura, não por para tentar educar as pessoas surdas. Assim,
conhecer a vida que permeia os surdos, mas, a normalização da oralização se inicia.
porque o discurso comum se reproduz muito Johann Conrad Amman XVII, médico
rápido nessa sociedade tecnológica. Não se Suíço, criou um método pedagógico de
reflete sobre os termos, apenas os reproduz, leitura labial chamado Surdus Laquens,
sem saber de onde vêm tais conhecimentos. dando início ao movimento oralista alemão.
Essa reprodução nos coloca um problema, O educador alemão, Samuel Heinicke
assim também como a necessidade de XVIII, conhecido como o pai do método
desconstruir identidades que tornam inferior Oralismo Puro, publicou uma obra e fundou
a vida dos sujeitos. É importante a primeira escola de oralismo puro, que foi
conhecermos o termo correto para muito bem reconhecido por seus trabalhos
identificação de um povo que detém de uma de oralização. Mas quem mais chamou
cultura historicamente estigmatizada. O uso atenção foi Jean Marc Gaspard Itard XVIII,
correto das terminologias faz-se relevante, médico cirurgião e psiquiatra alienista
principalmente, quando tratamos de assuntos francês que trabalhou como médico no
que se repetem e performam corpos criando Instituto Nacional de Surdos em Paris,
identidades (CARDOSO, 2016, p. 2). Itard14, como ainda é conhecido. Jean Marc
Os direitos romanos não ofereceram aos fez vários experimentos com surdos em
surdos, o tratamento que se esperava de um busca de restaurar a audição dando aos
povo que dominou quase todo o território surdos à normalização que faltava (MAIA;
Europeu. Uma civilização marcada por VELOSO, 2009, p. 31-36).
grandes imperadores de grande influência
multicultural e principalmente por acolher O principal objetivo da metodologia
todos os cidadãos em um sistema político, Oralista é desenvolver a fala do surdo,
findou colocando a margem da sociedade as pois para os defensores deste método, a
pessoas surdas. “O Codex Justinianus, do língua falada era considerada essencial
imperador bizantino (527-565), que reúne o para a comunicação e desenvolvimento
integral das crianças surdas. Esta
Direito Romano e vai influenciar as novas
metodologia foi proposta e defendida
nações latinas, nega os direitos civis aos em um evento internacional realizado
surdos congênitos, como o casamento e a em Milão/Itália chamado ‘Congresso
propriedade” (CABRAL, 2005, p. 36). Isso Internacional de Educação de Surdos’
tudo contribuiu, para o período da idade (KALATAI; STREIECHEM, 2012, p.
média, em que, os surdos eram proibidos de 5).
receber qualquer direito como cidadão,
eles/elas não casavam, não votavam, não Portanto, é realizado o Congresso de
recebiam heranças. Milão no século XIX, “o monstro”, o vilão,
Ao longo do caminho percorrido e ao o antagonista que causou aos surdos dores
fim da idade média, começa então, o incomensuráveis. A conferência realizada na
caminho em que os surdos mais sofreram Itália reuniu educadores de várias
abjeção na história. Os séculos seguiam nacionalidades como: França, Itália, Grã-
revelando que a normalização do ser surdo Bretanha, EUA, Canadá, Bélgica, Suécia e
por meio de normas sociais, acarretavam em Rússia. Os educadores reunidos nesse
grandes prejuízos, pode-se destacar o evento internacional não estavam
oralismo, essa metodologia foi a mais usada preocupados com quais metodologias

14
L'enfant sauvage (O Garoto Selvagem ou O descobrirem esse menino, o médico e Professor
Menino Selvagem) é um filme francês de 1970, Frances Jean Itard se interessou em educá-lo,
do gênero drama, dirigido por François Truffaut então o menino selvagem, foi levando para Paris
e baseado em livro de Jean Itard (1774-1838). O onde se iniciaria uma longa e dificultosa jornada
Página 102

filme relata a história de três caçadores que tanto para Itard que queria progredir
acharam uma criança selvagem por volta de seus profissionalmente como para o menino que
12 anos, o menino, conhecido até hoje como o precisaria ser educado. Filme disponível em:
menino selvagem de Aveyron esteve privado de https://vimeo.com/155385147 Acesso em: 17
qualquer contato humano. Depois de out. 2017.

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deveriam ser utilizadas na educação dos estudos literários até à psicanálise, campo
surdos, mas já de forma abjeta, os científico, no qual, ele se debruçou sobre
professores ouvintes 15 retiraram a opinião uma variedade de críticas.
dos/das surdos/as e o seu direito ao voto, e Um de seus pensamentos heurísticos se
fizeram da oralização a aflição deles/delas. caracteriza na formação do que denominou
Os educadores de início excluíram os surdos como estratégia, a “desconstrução”. Essa
do congresso, e depois reafirmaram a premissa sobre a qual ele não nos permite
abjeção ao excluir das escolas, o método classificá-la como conceito ou método – haja
gestual (sinalização), foi substituído pelo vista que se realmente fizéssemos estaríamos
método oral (oralização) e com isso, os caindo na redundância daquilo que essa
surdos eram excluídos, pois, por não estratégia propõe; que é problematizar até
conseguirem atender as demandas da mesmo conceitos e métodos logocêntricos
oralização sua linguagem somente passou a do mundo científico – encara de frente o
ser vista em guetos, diante a proibição estruturalismo e as pautas teóricas trazidas
imposta contra a sinalização, abrindo assim desde Saussure, até Lévi-Strauss e o próprio
espaço para instituição de um pânico Freud, conotando um transbordamento de
moral/social sobre a sua linguagem (MAIA; seus pressupostos logocêntricos, dos quais
VELOSO, 2009, p. 45-46). criariam oposições binárias significante e
Desse modo, podemos perceber que expressivas na forma de representação em
a história dos surdos é cheia de duros que os indivíduos se assumem. A
percalços que os inferiorizam na formação desconstrução não seria então um meio de
de sua própria identidade. Aquele que não aniquilar ou fazer desaparecer, mas antes,
podia falar, e nem por ele poderia opinar, não um derrubamento que faz inverter
tinha o direito de decidir sobre sua própria hierarquias, buscando com isso mostrar a
vida e modo de ser. É possível perceber ineficiência teórica, ou melhor, a
também a influência das ciências médicas e ineficiência significante daquilo que se
seus discursos de “verdades” sobre a surdez, atribui como o centro, o principal, o original.
manobrando os corpos surdos a condições
subalternas ou tentando normalizá-los sobre A desconstrução não pode, de acordo
as condições dominantes. com Derrida, ser entendida como um
conceito ou como um método, sob pena
de absolutamente não entendermos a
JAQUES DERRIDA E A TEORIA DA novidade do pensamento
desconstrucionista, que tenta subverter
DESCONSTRUÇÃO as próprias noções de conceito e
método. [...] Em certas passagens, ao
Jaques Derrida é um dos maiores nomes escrever sobre a desconstrução, prefere
que hoje se endereçam quando falamos de utilizar o termo “estratégia” (DERRIDA
pós-estruturalismo e pós-modernismo, apud VASCONCELOS, 2003, p. 74).
correntes que ganharam espaços e mais
firmeza teórica a partir de suas obras. Sobre esse caminho, Derrida concebe a
Nasceu em meio a uma família de Judeus, desconstrução como uma estratégia que ao
mas não assumiu essa identidade religiosa. transbordar as redundantes formações
Passou sua infância na Argélia, mas por binárias que são articuladas principalmente
serem perseguidos pela condição judia, no meio científico, as quais, definem,
Derrida e sua família buscam abrigo na engendram, hierarquizam e se impõem
França, onde se instalam e vivem. Sua obra, violentamente no meio social. Uma das
assim como a de Foucault, tem se propagado maiores críticas estabelecidas por Derrida é
no grande ocidente sobre vários campos voltada para Lévi-Strauss, cujo pensamento
científicos desde a filosofia, passando pelos se articulava em pares de conceitos
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15
Ouvinte é a nomenclatura utilizada pela
comunidade surda para se referir as pessoas que
ouvem/escutam e vivem em um mundo de sons.

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definidores de uma lógica que faria um importante na estratégia desconstrutivista,
sujeito diferente do outro, como o tendo em vista, que Derrida aponta a
engenheiro e o bricoleur 16 , o pensamento presença como aquilo que faz criar os
ocidental e o pensamento mítico e etc. O que conceitos linguísticos determinando os
Derrida busca defender é que tais dualismos sentidos das palavras. Assim, ausência na
se revertem em premissas “logocêntricas”, manifestação da desconstrução conotaria a
termo por ele utilizado para dirigir a diferença que cria o potencial hierárquico.
compreensão da oposição quanto a uma Seria a ausência do fator auditivo em um
hierarquização no momento definidor, corpo, que cria o sentido de surdo, ao tempo
incutindo certa lógica naturalizadora. que relega, ao detentor do fato, lugar
Assim, se não escuta, logo, é surdo. E privilegiado.
surdo nessa posição conotaria um lugar Nesse contexto, ao invertermos, o surdo
inferior, conferido pela falta, a falta de algo, seria um termo originário e principal e o
no caso, o sentido auditivo, pois o que detém ouvinte sua relação secundária. Porém,
desse sentido, detém de certa autoridade e somente reverte essa lógica não nos faz
poder. Derrida então propõe inverter essa afastarmos do logocentrismo, apenas
hierarquia violenta, mostrando com isso a mudaríamos as posições de centro e
insuficiência das oposições binárias e periférico. Todavia, o que propõe Derrida é
logocêntricas. Um exemplo desse conceito é que desconstrução transborde e busque não
visto no artigo do historiador José Antônio uma síntese para uma dialética hegeliana,
Vasconcelos, que faz da lógica derridiana, entre tese e antítese. Mas antes de qualquer
uma análise das ideias de causa e efeito: coisa, “a incessante alternância de primazia
de um termo sobre o outro, produzindo,
Na relação entre causa e efeito, por assim, uma situação de constante indecisão”.
exemplo, este (o efeito) é (VASCONCELOS, 2003, p. 75).
tradicionalmente entendido como O que pretenderia Derrida não
secundário e derivado daquela (causa). consistiria em reduzir e fazer sumir qualquer
Mas, em nossa experiência,
termo, mas fazê-los deslocarem-se numa
principalmente contatamos a
manifestação do efeito para então inter-relação entre presença e ausência,
remontarmos suas causas. Assim centro e periférico, possibilitando assim,
concebido, o efeito é que deveria ser perceber o que não existe a princípio, o que
tido como originário, pois é por causa esteja fora do “jogo” entre as duas posições
dele que um fenômeno pode ser que operam nas suas demais formas de
concebido como causa. Em outras comunicação. Então, o jogo pautaria, na
palavras, numa perspectiva concepção derridiana, um questionamento
desconstrucionista, o efeito é entendido aos limites das representações contidas e
como causa de sua própria causa criadas nas oposições e suas hierarquias.
(VASCONCELOS, 2003, p.75).
Assim, no exemplo entre ouvintes e
surdos, seria possível questionar várias
Então vamos trazer tal pretensão
concepções que se articulam na formação
desconstrucionista para uma análise das
histórica de seus termos, a saber, binarismos
oposições que se articulam entre ouvintes e
como: o normal e o patológico; um dos
surdos. Se invertemos a hierarquia,
maiores discursos que relegam ao surdo na
poderíamos dizer que originalmente o termo
sua história um lugar subalterno e abjeto. As
ouvinte tem seu princípio originário na sua
formações desses opostos criam identidades
diferença, mas a sua diferença seria auditiva
e relações de poder que, ao se repetirem,
a uma falta localizada no surdo, com isso, o
incorporam-se nos corpos dos indivíduos
ouvinte só existe na presença do surdo, sua
lhes representando, correlativamente
ideia, seu significado, só faz sentido, porque
desenvolvendo desiguais relações privadas e
existe o sujeito surdo. A presença é algo
Página 104

16
Bricoleur trata-se daquele que recria sobre a obras e cria uma bricolagem, ou seja, uma
aquilo que já foi criado. Enquanto o engenheiro montagem diferente a partir das partes.
cria suas obras, o bricoleur toma pedaços de

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públicas. É sobre esse contexto, na abjeção circunscreve em corpos, moldando e os
da vida surda que quero passar a discutir. parindo sob identidades, que por essas,
estariam condicionadas as suas normas.
Buscarei esclarecer melhor cada um.
O SURDO COMO ABJETO O sujeito é um conceito que Butler vem
compreender a partir de sua leitura de Hegel
Essa matriz excludente pela qual os no livro Relatar a si mesmo: crítica de uma
sujeitos são formados exige, pois, a violência ética (BUTLER, 2015b). As
produção simultânea de um domínio de concepções que nos faz existir enquanto
seres abjetos, aqueles que ainda não são sujeitos, estão sustentadas pelas formas de
“sujeitos”, mas que formam o exterior vida em sociedade, o que caracteriza que eu
constitutivo relativamente ao domínio preciso do outro, para que eu exista enquanto
do sujeito. O abjeto designa aqui
sujeito social. Essa premissa parece bem
precisamente aquelas zonas “inóspitas”
e “inabitáveis” da vida social, que são, óbvia, entretanto, existe algo a mais no jogo
não obstante, densamente povoadas por de criação do próprio sujeito; o
aqueles que não gozam do status de reconhecimento. Para Butler, o
sujeitos, mas cujo habitar sob o signo do reconhecimento é a base que fundamenta o
“inabitável” é necessário para que o poder do sujeito através do outro, é através
domínio do sujeito seja circunscrito. das formas de reconhecimento que eu posso
(BUTLER, 2016, p. 155). instituir o outro como sujeito.
Temos então uma dependência recíproca
Trouxe essa citação para que possa fazer do outro que precisa me reconhecer para que
meu leitor refletir a princípio do que gostaria eu possa alcançar o status de sujeito. Como
de analisar agora. Esse estranho nome, também, o reconhecimento me faz ser o
abjeção, que também tomou um importante desejo do outro, ao mesmo tempo que eu
espaço e principal no título destes escritos, devo corresponder aos seus mecanismos de
se fez surgir numa intrínseca reflexão da reconhecimento. Não estando sobre o pleito
leitura de Judith Butler, filósofa norte- das normas do reconhecimento, o sujeito
americana, que teve, nas teorias de Michel então se torna abjeto, e é relegado a zonas
Foucault e Jaques Derrida, os fundamentos “inóspitas” e “inabitáveis”, com as quais
de suas próprias teorias sobre o sujeito, o percebemos sua presença, mas que não a
corpo e as identidades que circulam nas reconhecemos.
formações de padrões modulares e Estou disposto a pensar o surdo como
orientadores de sujeitos, assim também um sujeito abjeto, pois, é perceptível que
como circunscreve em seus corpos marcas aquilo que fundamento as relações sociais
de enunciados que faz os indivíduos serem entre eles/elas e os/as ouvintes se fixam de
algo causados por algum efeito ou fato. forma não paritária e há no meio dessas
Neste ínterim, estamos lidando com a relações uma constante e insistente forma de
abjeção, que são causas de algum efeito normalização dos surdos para culturas e
discursivo. comportamentos dos ouvintes, nos
Para além desses autores, Judith Butler mostrando claramente a quem detém o
dedica uma análise massiva ao conceito de poder.
abjeto pensado pela psicanalista Julia O reconhecimento é um dispositivo
Kristeva, que parece ter sido a primeira a ter discursivo de poder que relega ao outro uma
reivindicado o conceito, caracterizando a identidade, por vezes, e na maioria delas,
abjeção como efeitos excludentes a partir de descritas por uma substância que se inscreve
normas discursivas. Butler (2015) vai além, no corpo. Para Butler, o corpo é:
e possibilita uma visão mais apurada, tendo
em vista que, a abjeção está estritamente Apresentado como uma superfície e
ligada a sujeitos, corpos e identidades. cenário de uma inscrição cultural: “o
Página 105

Portanto, a produção discursiva que produz corpo é a superfície inscrita pelos


sujeitos em seus status e suas relações de acontecimentos”. A tarefa da
poder, excluindo os seus opostos, também se genealogia, afirma ele (Foucault), é
“expor o corpo totalmente impresso pela

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história”. [...] O limite do corpo nunca é comportamentos relacionais, aliás,
meramente material, mas que a muitos/as deles/delas costumam (não é uma
superfície, a pele, é sistematicamente premissa universal) se relacionar
significada por tabus e transgressões afetivamente somente entre eles/elas.
antecipadas; [...] as fronteiras do corpo
Como também, lhes são impostas
se tornam os limites do social per se
(BUTLER, 2015, p. 224-227). normalizações forçosas e violentas pela
cultura ouvinte e dominante, o que lhes
Assim, podemos perceber que o corpo é precarizam por vezes, quando o sistema não
a materialização de um discurso identitário e é paritário, e a concorrência não se torna
sobre ele se inscrevem normas, leis gerais, justa. Já são quase naturais as entradas de
que moldam sujeitos e fazem aparecer à recursos e processos jurídicos conquanto aos
normalidade que faz me reconhecer sujeito, concursos públicos e seleções que a
ao tempo que relego ao outro a abjeção. comunidade surda participa, pois, há uma
Assim, a ausência contida no outro, grande falta de atenção que se promulga na
reafirma, na presença contida em mim, o forçosa e violenta inserção na cultura
meu lugar de poder (SALIH, 2017). Essa ouvinte.
premissa é bem clara na relação É também notável a falta de valorização
ouvinte/surdo, pois, é na falta do fator da língua de sinais, considerada e instituída
auditivo que o surdo torna-se sujeito oposto nacionalmente, a segunda língua brasileira.
ao ouvinte, que na presença do fator torna-se Mas quando foi que realmente demos
sujeito de poder. O surdo é então um abjeto, atenção a isso? Desde quando a língua de
percebemos sua presença, mas não sinais tornou-se uma língua a ser aprendida
reconhecemos. pela cultura ouvinte brasileira? Em tese,
As identidades criadas em regimes desde 2002, quando a institucionalização
binários, entregam-se e deleitam-se na aconteceu, mas muito pouco se foi feita por
contradição dos opostos, pois, ao tempo que ela. Aliás, talvez poderia dizer que quase
me identifico com algo, normatizo, nada. Pois é perceptível que, pela promoção
incorporo e subscrevo em mim, a diferença capitalista, as línguas estrangeiras,
do outro, sobre a qual excluo, criando principalmente o inglês norte-americano,
normas e situações que os constrange tem muito mais evidência pelas políticas
(SALIH, 2017). Por meio da efetivação da educacionais de nosso país. Regras e normas
enunciação da identidade, posso também vagas são impostas à educação superior. As
fazer criar para o outro uma identidade licenciaturas - o grau de ensino que é
abjeta única, sobre a qual ele/ela estará princípio de todo conhecimento, mas que é
marcado numa única forma representativa. extremamente desvalorizado - entram no
Esse é o pressuposto que a falta traz, pois ao contexto das obrigações do aprendizado da
tempo que cria uma oposição binária língua. Apesar de que nem sempre essa
identitária e abjeta, lhes relega o “inóspito”, política vigora em todas as instituições de
lhes marcando com ela. ensino superior. Assim mesmo, funcionam
No caso do surdo/a, podemos perceber precariamente, no ideal de que só
que essa premissa é bem presente no professores devem conhecer libras, como se
discurso dos/as ouvintes. Vejamos que a surdos/as não precisassem de outros serviços
todo tempo voltamos para comunidade surda como de bacharéis e tecnólogos.
e os sujeitos que nela habita, como Evidentemente, a língua de sinais não é
estritamente surdos, esquecendo-se de suas a segunda língua brasileira, quando é, não
demais atribuições identitárias, como passa de um decreto de gaveta, aqueles que
pais/mães, profissionais e etc. Nesse sentido, são feitos, mas que não surtem qualquer
o surdo lhes é identificado pela falta do fator efeito na sociedade. Para fazer sentido, seria
auditivo, pela substância do sentido de necessário que a língua, por ser nativa do
país, estivesse fazendo parte do contexto
Página 106

audição, lhes restando ser somente essa falta.


Tais discursos possibilitam toda uma escolar também de ouvintes, integrando
limitação aos surdos, sobre o que se pode até culturas de linguagens faladas e sinalizadas.
mesmo justificar alguns de seus Para além de ser preciso promover novas

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formas de reconhecimento da língua de sociedade. Como também, tecendo críticas
sinais na concorrência não paritária que se desde a sua produção histórica discursiva até
tem entre surdos e ouvintes, pois na os dias atuais com as políticas de inclusão
desigualdade que se oferta, os surdos nada inclusivas, movendo a segregação
geralmente perdem pela falta de uma desses sujeitos sob as relações sociais.
educação voltada para sua própria cultura e Espero que este artigo seja, a partir de
são relegados/as a situações precárias. então, apenas um ponto inicial reflexivo para
se pensar mais a sujeição que nós ouvintes
enquadramos nos surdos, buscando impactar
CONSIDERAÇÕES FINAIS de alguma forma, para que outras questões
possam ser refletidas e reiteradas.
Como bem já enfatizei, este trabalho
segue os moldes Queer de escrita; uma
escrita política, que parte das minhas REFERÊNCIAS
reflexões analíticas e de minhas experiências
de vida. Por isso, não tem a pretensão de ser BUTLER, Judith. Problemas de Gênero:
universalizante, mas pelo contrário, e como feminismo e subversão da identidade.
assim descreve Donna Haraway (1995), Tradução de Renato Aguiar. 9. ed. Rio de
trata-se de uma escrita contraintuitiva, logo, Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.
não pretende obedecer à ausência que a
ciência positivista cobrou de seus BUTLER, Judith. Relatar a si mesmo:
pesquisadores, mas, vai de contra essa maré, crítica da violência ética. Tradução de
se percebendo como uma escrita Rogério Bettoni. 1. ed. Belo Horizonte:
"localizada" com traços empíricos. Este Autentica Editora, 2015b.
trabalho não seria Queer, se tivesse que
seguir padrões. BUTLER, Judith. Corpos que pensam: sobre
É, portanto, através das formulações os limites discursivos do “sexo”. In:
políticas Queer, que surgem nos anos de LOURO, Guacira Lopez. (Org.) O corpo
1990 uma gama de pesquisadores e educado: pedagogias da sexualidade. 3.
pesquisadoras que propõem uma nova forma ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2016.
analítica de compreensão das relações
públicas e privadas; macro e micropolíticas, CABRAL, Eduardo. Para uma cronologia da
inicialmente sobre as questões de gênero e educação dos surdos. Revista de
sexualidade, passando depois a considerar Comunicação. Porto/Portugal, n. 3. 2005.
demais questões como raça, etnia, religião,
pobreza, entre outros fatores e instâncias CANDIOTTO, Cesar. FOUCAULT: uma
que, ao criar identidade, e com elas história crítica da verdade.
oposições binárias que montam hierarquias e Trans/Form/Ação. São Paulo, v. 29, n. 2.
fabricam comportamentos circunscrevendo- 2006.
os em seus corpos. Este artigo é, pelo que
parece, uma inovação para este campo CAPOVILLA, Fernando C. Filosofias
analítico. Até o presente momento, não se Educacionais em Relação ao Surdo: do
encontra sob esta forma analítica das oralismo à comunicação total ao
normalizações, trabalhos com questões bilinguismo. Revista Brasileira de
substanciais como a das oposições binárias Educação Especial. v. 6, n. 1. 2000.
de ouvintes/surdos.
Portanto, através das realizações CARDOSO, Israel Gonçalves. Surdo-Mudo
teóricas de Michel Foucault, Jacques ou Mudo, Deficiente Auditivo ou Surdo:
Derrida e Judith Butler, pude buscar criticar qual dessas terminologias pode-se adotar?
Revista Virtual de Cultura Surda. n. 17,
Página 107

as formas como introjetamos nas nossas


relações com a surdez uma hierarquia que fev. 2016.
abjeta, que torna o surdo sujeito periférico,
empurrando-os para as margens da

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CARDOSO JR, Hélio Rebello. Corpo e LEÓN, Adriano. Os labirintos do desejo:
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SABATINE, Tiago Teixeira; 2012.
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