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Artigo de Revisão
Mestra em Ciência da Informação
Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação
Universidade Federal da Paraíba
elizianaps@gmail.com
Resumo
Discutem-se as “Cinco Leis da Biblioteconomia” ou Cinco Leis de Ranganathan e suas implicações para
as bibliotecas, unidades de gestão da informação e ambientes que propiciem a geração e o desenvolvimen-
to de novos conhecimentos. O indiano Shiyali Ramamrita Ranganathan, ao formular suas Leis, ainda em
1928 – os livros são para usar; a cada leitor seu livro; a cada livro seu leitor; poupe o tempo do leitor; a
biblioteca é um organismo em crescimento – preconiza que as bibliotecas existem para suprir as demandas
sociais. Sob esta perspectiva, as referidas leis, publicadas, pela primeira vez, em 1931, sob o título “Five Laws
of Library Science”, persistem atuais, haja vista que as bibliotecas são sempre instituições sociais. Transcorri-
dos mais de 80 anos, os cinco preceitos resistem ao tempo. Persistem como essenciais para quem conse-
gue visualizar, na Biblioteconomia, chance inigualável de exercer a cidadania e lutar pelo acesso universal,
oportunizando aos cidadãos informações compatíveis às suas demandas informacionais. Trata-se de paper
de cunho resultante de pesquisa bibliográfica com o objetivo macro de constatar o nível de atualidade e de
legitimidade das referidas normas que comprovam ser a sociedade a única meta que justifica a Biblioteco-
nomia como profissão. Isto porque o domínio de fluxo informacional contínuo e inesgotável que caracte-
riza o século XXI não altera a função social indelével da instituição biblioteca, sobretudo, em se tratando
das bibliotecas físicas que sobrevivem como realidade ao lado das bibliotecas eletrônicas digitais e virtuais.
Palavras-chave
Leis da Biblioteconomia. Leis de Ranganathan. Bibliotecas. Biblioteconomia. Shiyali Ramamrita Rangana-
than.
artigos sobre a história da Matemática e li- realidade ao lado das bibliotecas eletrônicas
vros acerca da teoria da classificação biblio- digitais e virtuais.
gráfica, a exemplo de “Elements of library clas- Afinal, em 1928, o indiano Shiyali
sification” (1945); “Classification and international Ramamrita Ranganathan chama atenção de
documentation” (1948) e “Classification and com- governantes, bibliotecários e população de
munication” (1951), o que justifica o apodo de diferentes nações de continentes espalhados
“Pai da Biblioteconomia”, em sua terra natal. pelo mundo para as potencialidades da bi-
Transcorridos exatamente 85 anos, os cinco blioteca como instituição social, e, por con-
preceitos por ele propostos ainda são perti- seguinte, como organização apta a romper as
nentes: (1) os livros são para usar; (2) a cada muralhas da exclusão social. Por isso, em
leitor seu livro; (3) a cada livro seu leitor; (4) território brasileiro, no ano de 2009, sob a
poupe o tempo do leitor; (5) a biblioteca é responsabilidade editorial de Briquet de Le-
um organismo em crescimento. Para Figuei- mos Livros, a obra de Ranganathan de 1931
redo, em revisão de literatura publicada so- é lançada em português, com o título “As
bre o tema, ano 1992, as Leis resultam em Cinco Leis da Biblioteconomia”, mediante
muito da experiência vivenciada, na ocasião, tradução de Tarcísio Zandonade.
em visita a mais de 100 bibliotecas inglesas, Para contextualizar Ranganathan em
em diferentes estágios, quando Ranganathan sua vida pessoal, profissional e produtiva,
percebe que as atividades são efetivadas sem haja vista a importância dos estratos sociais
se inter-relacionarem de forma integrada, o em seu país, acrescenta-se que sua família
que exige um fio condutor para nortear as pertence à comunidade dos brâmanes. Na
práticas, incentivando-o à formulação dos Índia antiga, castas e subcastas se limitam a
referidos preceitos. descrever a ocupação dos indivíduos: há os
Estes persistem como essenciais até que pensam (professores e religiosos); há os
os dias de hoje para quem consegue visuali- que protegem (policiais e juízes); há os que
zar, na Biblioteconomia, chance inigualável provêm as necessidades da sociedade (co-
de exercer a cidadania e lutar pelo acesso merciantes); há os que servem ou oferecem
universal, oportunizando aos cidadãos in- serviços (operários). A partir daí, registram-
formações compatíveis às suas demandas se categorias centrais: brahmins (casta sacer-
informacionais, num momento histórico, em dotal), kshattriyas (casta real), vaishyas (lavra-
que as inovações tecnológicas marcam pre- dores, artesãos e comerciantes) e shûdras,
sença ostensiva e irreversível, com a inserção classe de trabalhadores não especializados.
de temas, como: copy left, e-readers, electronic Acima de qualquer casta, estão os sannyâsins.
books (e-books), repositórios institucionais e / Por pretensa inferioridade, abaixo de qual-
ou digitais, webometria, formato RSS [Really quer casta, os chândalas ou párias, chamados
Simple Syndication] para disseminação de in- de “intocáveis”, uma vez que se acreditava
formações em revistas eletrônicas, etc. Para que até mesmo sua sombra poluía as demais
tanto, o presente artigo, desdobramento de castas. Por longo tempo, eles se mantêm
dissertação de mestrado recente de Sousa privados de quaisquer direitos religiosos ou
(2016), resulta de pesquisa bibliográfica. sociais, como decorrência de sua procedên-
Possui o objetivo macro de constatar o nível cia, com o agravante de que o “castigo” per-
de atualidade e de legitimidade das referidas seguia gerações e gerações. Exemplificando:
normas que comprovam ser a sociedade a filhos, netos e bisnetos de catadores de lixo
única meta que justifica a Biblioteconomia ou garis não tinham outra opção; os excluí-
como profissão, em meio ao domínio de dos por assassinato ou roubo legam à des-
fluxo informacional contínuo e inesgotável cendência o peso dos erros cometidos e as-
que caracteriza o século XXI, mas sem alte- sim sucessivamente.
rar a função social indelével da instituição No entanto, cada vez mais, as castas
biblioteca, sobretudo, em se tratando das passam a significar discriminação social. Por
bibliotecas físicas que sobrevivem como isso, ainda em 1890, o soberano de Baroda,
reino poderoso da Índia, em ato de sensatez
preensão da realidade que circunda o ser Entretanto essa é uma característica invariá-
humano, no intuito de apreendê-la. Nos dias vel de todas as primeiras Leis”, segundo
atuais, ou melhor, no decorrer de sua evolu- palavras literais do próprio Ranganathan
ção, a depender da proeminência que cada (2009, p. 6). É a menção do livro como in-
filósofo atribui a determinado tema, o pen- termediário mor do conhecimento. Soma-se
samento filosófico tem se cristalizado, mais a essa função, a questão do acesso à infor-
e mais, em sistemas, cada um deles constitu- mação, bastante requisitado desde a Antigui-
indo, por conseguinte, nova definição da dade, porquanto os livros, por muito tempo,
filosofia. são vistos como objetos sagrados, e, por
O fato é que, não obstante estes se- conseguinte, como símbolo de poder. À
nões, as Leis mantêm traços característicos época, devem ser tocados apenas por inicia-
vinculados, sobretudo, à gestão organizacio- dos, de tal forma que, na Idade Média, a
nal, com a ressalva de que são aplicáveis a quase totalidade dos leitores inclui tão so-
épocas e a modelos de gestão organizacional mente religiosos, para quem a leitura consti-
distintos, independentemente do tipo de tui o verdadeiro e sublime alimento espiritu-
biblioteca, unidades de gestão da informação al. O acesso aos acervos, milimetricamente
e ambientes que propiciem a geração e o armazenados e preservados em mosteiros,
desenvolvimento de conhecimentos. Logo, é limita-se aos membros de ordens religiosas
possível posicionar as Leis da Bibliotecono- ou por elas aceitos. A leitura e a escrita são
mia como projeto ousado de alguém que universos restritos aos “abençoados”, e,
acreditou desde sempre na mudança da pos- portanto, vedados aos leigos e / ou laicos,
tura das bibliotecas diante das demandas como decantado na literatura e no cinema,
informacionais dos usuários. Cada uma das às vezes, em obras-primas, a exemplo de “O
Leis, denominadas ao longo do artigo, indis- nome da rosa”, de Umberto Eco, romance
tintamente, de enunciado, formulação, nor- lançado em 1980, traduzido em diferentes
ma, preceito, prescrição, princípio e termos idiomas, como alemão, francês, inglês e por-
similares, como se verá a seguir, possui a seu tuguês, e que chegou ao cinema, 1986, diri-
alcance instrumentos aplicáveis à gestão da gido por Jean-Jacques Annaud, protagoniza-
instituição social biblioteca, assegurando do por Sean Connery e transformado em
benefícios para seu avanço, permitindo o sucesso mundial, o qual enfoca, com clareza,
cumprimento de sua missão de forma efici- a sacralidade do livro, à época.
ente e eficaz. Vê-se que é imprescindível retomar o
Em termos estruturais, após a descri- passado histórico, caracterizado pelo acesso
ção minuciosa das Cinco Leis, as considera- limitado da informação, a fim de compreen-
ções finais inferem que a obra de Rangana- der o fluxo informacional da contempora-
than resiste bravamente ao tempo. Na última neidade, o qual assume novo caráter. Isto é,
fase, está a listagem das fontes utilizadas, sua essência corresponde, agora, ao investi-
não importa seu suporte físico, se impresso mento maciço na disseminação proporcio-
ou eletrônico. nada pela utilização de inúmeras redes de
compartilhamento e de colaboração, que
2 LEI 1 DA BIBLIOTECONOMIA – OS marcam presença graças às decantadas tec-
LIVROS SÃO PARA USAR nologias de informação e de comunicação
(TIC). Isto porque, a biblioteca, em sua po-
A sociedade da informação é um fe- sição de instituição social, qualquer que seja
nômeno descrito há décadas, por autores sua tipologia – pública, comunitária, infantil,
variados, a exemplo de Barreto (2005); Cas- escolar, de associações, especializada, nacio-
tells (2001) e Masuda (1982). Nomeia uma nal, universitária, virtual, digital e / ou ele-
manifestação A primeira Lei da Biblioteco- trônica – impõe-se como organização a que
nomia é evidente per se. Como decorrência, compete tratar, organizar e disseminar in-
tal como ocorre com qualquer outra ciência, formações registradas em suportes variados,
“[...] somos levados a supor que seja trivial.
dade contemporânea, com uma série cres- os valores do homem contemporâneo. São
cente de estudos e de seminários referentes à ações que comprometem a produção intelec-
acessibilidade em bibliotecas1. tual, científica e acadêmica da humanidade.
Logo, infere-se que bibliotecas esco- O fornecimento excessivo de conteúdos
lares, de qualquer nível, situadas em pontos duvidosos provenientes de fontes, muitas
distantes das salas de aula, por exemplo, vezes, anônimas, sequestram o tempo do
representam por si mesmas, entraves à circu- indivíduo, roubam energia em busca de su-
lação de interessados. Dentro da celebrada prir as demandas informacionais mais urgen-
lei do menor esforço, com frequência, se tes, e, mais do que tudo, dilaceram a creduli-
não há fácil localização para as salas de estu- dade dos cidadãos.
do, os usuários, salvo honrosas exceções,
não se dão ao trabalho de ir até suas instala- 2.2 Lei 1 da Biblioteconomia x horário de
ções para fazer uso das coleções. Estas, de- funcionamento das bibliotecas
certo, precisam estar armazenadas de forma
a enfrentar a concorrência do toque mágico A Lei – os livros são para usar – in-
de busca no computador nos corredores dos corpora, como visto, o horário da biblioteca.
sites ou da wikipedia ou do festejado google. Muitas vezes, ele não favorece a frequência
Aliás, como profissional da informa- de seu público potencial. Algumas permane-
ção nem adianta se opor com furor à onda cem mais tempo fechadas do que abertas.
de modernidade que aí está nem tampouco Outras passam a maior parte do tempo em
aderir com ardor à onda de deslumbramento reformas intermináveis. Há aquelas que só
que cerca as fontes eletrônicas de informa- funcionam durante os dias úteis da semana,
ção. Há muito de verdade na obra “O culto inviabilizando a visita de quem só pode ir à
do amador...” do norte-americano Andrew biblioteca aos sábados e / ou aos domingos
Keen, ano 2009. Em sua opinião, há flagran- por conta de vínculos empregatícios. Há
tes riscos em muitos desses instrumentos aquelas que estão abertas num único turno,
consagrados. A tecnologia wiki (de origem em geral, matutino ou vespertino, excluindo
havaiana = rápido), além de mil outras inici- os usuários que, eventualmente, trabalham
ativas, à semelhança de milhões de blogs e nesses turnos e não podem frequentar a
fotoblogs, do MySpace, do YouTube ou da instituição por incompatibilidade de horá-
estapafúrdia ideia da designada biblioteca rios. Entre tantas variáveis, é incontestável
líquida, em que o visionário Kevin Kelly que os itens ora mencionados concorrem
apregoa a extinção do livro e sua redefinição para a supressão de parcela significativa da
como resultado da digitalização de todos os população, o que contraria a formulação da
livros num único hipertexto universal e de primeira Lei e, em sentido contrário, permite
fonte aberta, além da pirataria digital em inferir que “os livros não são para usar”, no
geral, podem destruir a economia, a cultura e caso, por aqueles que não podem ir à biblio-
teca por conta de horários de funcionamen-
to incompatíveis.
1
Exemplificando: (1) MAZZONI, A. A. et al. Aspec- Por outro lado, é ingenuidade acredi-
tos que interferem na construção da acessibilidade em tar que as pessoas se afastam das bibliotecas
bibliotecas universitárias. Ciência da Informação, unicamente por conta dos horários estabele-
Brasília, v. 30, n. 2, p. 29-34, maio / ago. 2001. (2)
MAZZONI, A. A.; TORRES, E. F. La utilización de cidos, diante da significativa proporção das
recursos de informática en la enseñanza de universita- TIC no cotidiano, oportunizando o acesso à
rios portadores de discapacidades. In: CONGRESO informação de suas residências ou do local
IBEROLATINOAMERICANO DE INFORMÁ- de trabalho ou de lan houses e, cada vez mais,
TICA EDUCATIVA ESPECIAL, 2., 2000, Córdoba, graças à distribuição de redes de wifi grátis
España. Anais... Córdoba: [s. n.], 2000. (3) PAULA,
S. N.; CARVALHO, J. F. Acessibilidade à informa- pelo Poder constituído em locais públicos
ção: proposta de uma disciplina para cursos de gradu- ou pelo setor privado, como redes de gran-
ação na área de Biblioteconomia. Ciência da Infor- des shoppings. No entanto, reforçando a
mação, Brasília, v. 38, n. 3, p.64-79, set. / dez. 2009. complexidade da temática, acrescenta-se a
gravidade da exclusão social e do analfabe- organizados e acomodados são para ser usa-
tismo digital. As tecnologias, incluindo as dos? Embora Ranganathan se refira à reali-
redes eletrônicas de informação e de comu- dade da Índia de 1930, infelizmente, ainda
nicação, só vão atuar como agente democra- na contemporaneidade, é possível deparar
tizador, de fato, à medida que incorporarem com essa visão, uma vez que, em diferentes
ao seu universo de usuários, todos aqueles realidades, as bibliotecas não são planejadas
que, sempre, permanecem à margem das por profissionais da área, que, raramente,
benesses sociais: os economicamente caren- acompanham os projetos arquitetônicos.
tes; os idosos; os analfabetos ou neoalfabeti- Outros especialistas, sem conhecimento da
zados; os grupos raciais e étnicos minoritá- rotina e das particularidades dessas organiza-
rios; os desempregados ou subempregados; ções assumem o encargo das instalações e,
os deficientes físicos; os apenados e outros também, da seleção do mobiliário das biblio-
segmentos. É a busca incessante pelo ansia- tecas.
do princípio do acesso universal, que pres- No caso específico do Brasil, tanto
supõe a viabilidade de utilização da informa- nas capitais, mas, sobremaneira, nos municí-
ção para todos. pios mais distantes, as bibliotecas, além de se
confundirem com precárias salas de leitura,
2.3 Lei 1 da Biblioteconomia x mobiliário se identificam com amontoados de livros e
das bibliotecas revistas jogados e cobertos de poeira, num
canto qualquer. Fato publicado pela impren-
Indo além, é importante destacar que sa paraibana, ao início dos anos 2000 do
o ambiente da biblioteca física é pensado século XXI, dá conta do ocorrido em Con-
para acolher os usuários de forma que, bem de, pequeno município da Região Metropoli-
acomodados, possam estudar e pesquisar, tana de João Pessoa, Paraíba: ao chegar à
porquanto, muitas vezes, seu ambiente do- Biblioteca Municipal, a bibliotecária desco-
miciliar não é planejado como espaço propí- bre que a biblioteca simplesmente sumiu. Os
cio à concentração de estudos. Para Ranga- livros estão empilhados numa sala. Explica-
nathan (2009, p. 19), é possível afirmar, com ção “lógica” e curta: a Prefeita necessitou do
segurança, quão de realidade existe na asser- espaço para a guarda municipal. Em termos
tiva: “[...] mostra-me o mobiliário de tua genéricos, além de as bibliotecas continua-
biblioteca e eu te direi se crês ou não na rem sendo maltratadas pelos Poderes consti-
primeira Lei da Biblioteconomia [...]”, ou tuídos e pela administração de órgãos públi-
seja, acredita que o cuidado com o mobiliá- cos e privados, incluindo as instituições de
rio nas bibliotecas é primordial. ensino superior (IES), o que se constata
Algumas instituições de diferentes empiricamente, mediante a observação de
tipologias “amontoam” seu material biblio- que são as bibliotecas as primeiras afetadas
gráfico e audiovisual em estantes inadequa- por corte de verbas no orçamento. Mesmo
das, às vezes, indo até o teto, o que impede a quando as estatísticas atestam elevada fre-
visão panorâmica das coleções e suprime o quência de usuários, salvo exceções, são elas
estímulo relevante para o manuseio do mate- que continuam ao final das prioridades “ofi-
rial. Em geral, o mobiliário inclui, ainda, ciais”, num visível distanciamento entre o
mesas e cadeiras sem o mínimo de conforto discurso sobre sua relevância para o proces-
e ergonomia. A este respeito, em visível e so desenvolvimentista dos povos e a opor-
plausível tentativa de justificativa, Rangana- tunidade de execução das operações planeja-
than (2009, p. 19) diz que “as estantes das das por sua administração. Não se trata de
bibliotecas eram construídas somente com mero comentário, mas de fato que dispensa
vistas à preservação [...] O problema consis- fontes bibliográficas pela visibilidade do
tia em acomodar a maior quantidade de li- status quo a olho nu.
vros no menor espaço pelo menor custo.”
Diante desse panorama, como asse- 2.4 Lei 1 da Biblioteconomia x pessoal
gurar, com propriedade, que os livros assim da biblioteca
ting priorities” propõem uma releitura das diante do fascínio crescente exercido pelos
normas sob a ótica das inovações tecnológi- artefatos tecnológicos. Há quem afirme que
cas à disposição dos indivíduos, o que, em a maior parte dos usuários em potencial das
sua perceção, não reduz o desafio vivenciado bibliotecas, agora, prefere buscar o que
por bibliotecas e seus profissionais no senti- deseja na internet ao invés de ir à biblioteca
do de adaptarem os multifacetados conteú- mais próxima e / ou de sua instituição. É a
dos aos variados cidadãos que buscam seus comodidade oferecida pelas inovações
serviços. tecnológicas aliada a uma série de fatores
inerentes à sociedade contemporânea, em
Um dos principais desafios no especial, nas grandes cidades: insegurança
cumprimento desta interpretação das ruas, trânsito caótico, acúmulo de
da segunda Lei é efetivamente atividades, redução de tempo, custo de
gerenciar a integração de revistas deslocamento, etc.
eletrônicas, e-books e outros Recorrendo a Connaway e Faniel
recursos eletrônicos em coleções de
bibliotecas fazendo que o conteúdo
(2014), Cloonan e Dove argumentam que a
visível esteja acessível (CONNA- segunda Lei da Biblioteconomia exige que os
WAY; FANIEL, 2014, p. 27, tra- profissionais da informação eliminem ou
dução nossa). reduzam os entraves que afastam, ainda,
segmentos populacionais dos recursos
Qualquer que seja sua natureza, as eletrônicos. Isto não significa o
bibliotecas mantêm um público potencial (na distanciamento da coletividade ante a
acepção de público possível) mais amplo do instituição biblioteca, e, sim, o cumprimento
que o público efetivo, na acepção de público da missão dos bibliotecários para que se
permanente, estável e fixo. Por exemplo, no capacitem com o fim de não apenas auxiliar
caso da biblioteca universitária, ao contrário o cidadão a encontrar determinada obra na
de uma grande biblioteca comunitária, o estanteria ou determinada informação numa
público apresenta-se desde o início base de dados, mas, sim, de explorar o fluxo
segmentado – corpo docente, corpo discente informacional em diferentes suportes físicos,
e corpo técnico-administrativo das IES. Em de modo a assegurar a cada leitor a
ambas as circunstâncias, porém, é informação precisa, o que pressupõe
fundamental conhecer os estratos para conhecimento da comunidade por parte do
efetivar a seleção dos itens que comporão o profissional.
acervo face à diversidade inevitável de Eis a reafirmação de palavras ipsis lit-
demandas advindas da singularidade dos teris de Ranganathan (2009, p. 180), quando
diferentes públicos. Estes podem, inclusive, insiste que “o primeiro passo é conhecer o
abranger portadores de deficiências de leitor.” Este é o requisito fundamental para
naturezas distintas, como auditivas e visuais, o cumprimento da segunda Lei, mesmo que
o que requer cuidados e materiais a ação requeira, em qualquer instância e em
específicos, a fim de que a Lei – a cada leitor qualquer biblioteca, atenção redobrada. Tal
seu livro – se transmute em realidade. conhecimento se efetiva mediante estudos a
partir dos interesses identificados dentre o
3.1 Lei 2 da Biblioteconomia x público potencial e efetivo, quando as biblio-
conhecimento da comunidade tecas ou centros de documentação se habili-
tam a oferecer informações compatíveis com
Diante do exposto até então, é o perfil dos usuários. Aliás, a bem da verda-
evidente que a Lei 2 da Biblioteconomia de, cada vez mais, os indivíduos assumem
requer profundo conhecimento da essa tarefa e traçam intuitivamente ou com
comunidade na qual a instituição racionalidade seus próprios perfis. Estes
responsável pela circulação de informação substituem com vantagens anos-luz a antiga
está inserida para que seu enunciado – a cada prática da Disseminação Seletiva da Infor-
leitor seu livro – se concretize, mesmo mação a cargo dos profissionais bibliotecá-
comunicação escrita via browsing e nos meios ministração, documentação, afora educação
eletrônicos, quando o pesquisador pratica o e biografias.
browsing virtual. Acrescenta-se que o browsing Afora os arranjos das estantes em
constitui termo técnico que designa o pro- bibliotecas físicas, no contexto amplo do
cesso aleatório de busca em meio a uma espaço virtual, em que as tecnologias da in-
quantidade de documentos, às vezes, pelo formação e da comunicação prevalecem, é
mero prazer de encontrar coisas novas; ou- imprescindível que bibliotecários e usuários
tras, em busca de uma informação precisa e dominem o arranjo das informações em
de difícil alcance. portais e sites. É preciso conhecer sua inter-
face gráfica e, principalmente, ter noções
4.2 Lei 3 da Biblioteconomia x arranjo básicas acerca da AI (MACEDO, 2005), que
das estanterias possibilite a navegação e a recuperação da
informação, levando em conta a interopera-
É oportuno lembrar as palavras bilidade entre ambientes físicos e virtuais,
complementares de Ranganathan (2009), característicos da sociedade contemporânea:
quando lembra que, mesmo numa biblioteca
de livre acesso, as oportunidades para o No contexto atual, em que os
cumprimento da terceira Lei – a cada livro usuários utilizam diferentes mídias
seu leitor – podem ser proveitosas ou não, a fortemente inter-relacionadas e
depender do arranjo das publicações no con- com arquiteturas da informação
formando ecossistemas, não se
junto de estantes. Sem dúvida, a armazena- pode pensar a gestão da
gem e a organização das obras interferem, informação [...] isolada num único
consideravelmente, no cumprimento do ambiente [...] O tráfego para os
prescrito. usuários entre [os] dois ambientes
As bibliotecas com acervos dispostos [físicos e virtuais] [...] requer que o
segundo critérios de cor da capa, autor, ta- encontrado no ambiente real seja o
manho, ordem alfabética e / ou ano de pu- mais similar possível ao seu
blicação reduzem as chances de o usuário correspondente no ambiente
identificar e localizar o que busca. A forma virtual. Desta forma, os processos
ideal, como o bibliotecário indiano corrobo- em gestão da informação devem
ra, ainda em anos tão distantes, é a ordena- contribuir para tornar ambos os
ambientes mais próximos possíveis
ção dos livros por assunto, o que oportuniza
um do outro. A arquitetura da
a concretude da determinação – a cada livro informação [...] torna-se apoio
seu leitor. Isto significa adotar códigos de fundamental para que a gestão da
classificação no âmbito das bibliotecas. Os informação alcance esse objetivo
mais frequentes são: Classificação Decimal (CAMBOIM; SOUSA;
de Dewey (CDD) e Classificação Decimal TARGINO, 2016, não paginado).
Universal (CDU). Ambos atribuem numera-
ção / codificação aos temas gerais e específi- 4.3 Lei 3 da Biblioteconomia x catálogo
cos em todos os campos do conhecimento, / serviço de referência
com a ressalva de que o trabalho técnico de
classificação faz parte da formação profis- Prosseguindo e ainda com foco na
sional do bibliotecário, cujo fim é a recupe- terceira Lei, Ranganathan (2009, p. 194) as-
ração mais rápida da informação. Como segura: “Embora um arranjo bem estudado
adendo, rememora-se que, segundo Figuei- seja necessário, não é de modo algum sufici-
redo (1992), as Cinco Leis representam para ente para se conseguir para cada livro seu
o “Pai da Biblioteconomia” uma obra semi- leitor. O catálogo também pode ser de ajuda
nal. Dela se originam, à época, cerca de 60 imensa em relação a isso.” Sobre tal afirma-
outros livros da autoria de Ranganathan, nos tiva, na interpretação de Connaway e Faniel
campos de seleção, classificação, cataloga- (2014, p. 75, tradução nossa), o bibliotecário
ção, referência, legislação bibliotecária, ad- indiano alerta para a preciosa contribuição
necessárias. Os chamados arquitetos da in- e a organização das obras nas estantes preci-
formação desempenham a mesma função, só sam estar ao alcance do entendimento dos
que, agora, prioritariamente, em websites e / usuários. Caso contrário, qualquer que seja a
ou intranets, o que não impede o ingresso e a sistemática utilizada, esta perde a razão de
atuação do bibliotecário no universo ciber- ser. Como antes discutido, a ordenação por
nético. Em suma, tal como ocorre com o assunto (via sistemas de classificação CDD
arranjo das informações em ambientes físi- ou CDU) consiste na forma mais fácil de
cos, a AI facilita o fluxo informacional nas acesso, sem relegar a chance de colocar, a-
redes. lém das placas de sinalização por tema, um
Tudo isto só atesta que vivências, manual de uso na entrada da biblioteca com
experiências e preferências dos usuários em instruções básicas. Também é imprescindível
potencial e usuários efetivos da biblioteca a indicação para deficientes visuais e auditi-
têm sido afetadas por iniciativas variadas. Eis vos, retomando-se a relevância da acessibili-
o exemplo da Amazon, do google e de uma dade na vida em sociedade na contempora-
infinidade de redes sociais, como o facebook e neidade, inclusive, com força total, nas bibli-
o twitter. Tudo atua como estratégia que fa- otecas, na condição de instituições essenci-
vorece contatos quase imediatos e / ou em almente de natureza social.
tempo real entre os indivíduos, contatos
estes, determinantes para que as pessoas 5.2 Lei 4 da Biblioteconomia x
experimentem novas vivências na esfera da bibliografias
web. Ademais, percebe-se que o princípio –
poupe o tempo do leitor – centra-se quase Referindo-se, em particular, às publi-
que exclusivamente no sujeito. cações periódicas, o bibliotecário indiano
Acrescenta-se a tudo isso, que a afirma inexistir qualquer dúvida em torno da
quarta Lei, na contemporaneidade, extrapola importância de indexar os respectivos con-
os limites e as sistemáticas previstas pelo teúdos também como estratégia para conso-
indiano, à época, haja vista que as TIC são lidar a Lei – poupe o tempo do leitor. Na
essenciais para a recuperação da informação. realidade, as listas bibliográficas e as biblio-
Como consequência, o profissional bibliote- grafias em suas variações são fontes que as
cário precisa dominar tais mecanismos de bibliotecas devem dispor, até porque podem
busca em prol do usuário, até porque cabe ser indexadas em bases de dados ou em catá-
ao profissional bibliotecário e demais mem- logos de acesso para consulta ao público em
bros das bibliotecas operacionalizarem ins- potencial.
trumentos capazes de poupar o tempo em As bibliografias são instrumentos
sua busca de informações. que fazem parte de todos os projetos peda-
gógicos de cursos de graduação nas IES
5.1 Lei 4 da Biblioteconomia x públicas e privadas, de forma crescente, ado-
sinalização no recinto das estanterias tados pelo corpo docente objetivando o
bom aproveitamento das disciplinas ofereci-
Ainda sobre a quarta Lei – poupe o das no decorrer do curso. Como Rangana-
tempo do leitor –, Ranganathan (2009) alerta than (2009, p. 18) sintetiza, as bibliografias
para a utilidade prática da instalação de um correspondem a uma lista “[...] de livros [ou
sistema eficiente de sinalização ao longo das de quaisquer outros documentos] de deter-
estanterias. Àquela época, já adota atitudes minado autor, editora ou país, ou daqueles
simples, mas de extrema conveniência para o que tratam de determinado tema; a literatura
público: colocar placas de sinalização com de um assunto.” Tais bibliografias são identi-
letras do alfabeto ou números de chamada ficadas e adquiridas numa parceria entre
contendo indicação dos respectivos assun- docentes e bibliotecários, no caso das biblio-
tos. Eis exemplo simples e eficiente de ações tecas escolares nas diferentes instâncias. É o
que resguardam o tempo do leitor. Além do bibliotecário quem organiza, seleciona e en-
mais, é preciso lembrar que a armazenagem tra em contato com as editoras para aquisi-
ção de bibliografias para compor a coleção nica, sem necessidade de deslocamento dos
da biblioteca. indivíduos até a biblioteca física.
Ao fazer menção ao item em discus-
são, o “Pai da Biblioteconomia” afirma que a 5.4 Lei 4 da Biblioteconomia x tempo do
catalogação analítica não deve se limitar ao pessoal
suporte livros, mas, sim, incorporar periódi-
cos e outros materiais, o que favorece a efe- Ranganathan (2009, p. 230) assegura:
tivação da Lei. No entanto, há, ainda, biblio- “[...] um dos métodos empregados para
tecas que se eximem da tarefa de explorar poupar o tempo do leitor consiste em man-
analiticamente os fascículos das publicações ter um número adequado de funcionários
periódicas, dificultando o cumprimento da [...]” De forma indireta, tal declaração expõe,
Lei – poupe o tempo do leitor. mais uma vez, a importância da manutenção
de um bom serviço de referência, o que
5.3 Lei 4 da Biblioteconomia x sistemas pressupõe número compatível de recursos
de empréstimo humanos destinados ao atendimento do
público. Quanto mais funcionários treinados
Naquela ocasião, para Shiyali Rama- e quanto mais longo o período em que eles
mrita Ranganathan, antes do advento da estejam disponíveis para efetivar a prestação
quarta Lei, os sistemas de empréstimo e sua do serviço de referência, maior será a chance
baixa devolução, com frequência, além de de os objetivos contidos na quarta Lei serem
trabalhosos, eram sempre demorados e fa- cumpridos.
lhos. Porém, mesmo hoje em dia, esses mé-
todos antiquados prevalecem em muitas 6 LEI 5 DA BIBLIOTECONOMIA – A
bibliotecas, em especial, dos municípios bra- BIBLIOTECA É UM ORGANISMO EM
sileiros ou em bibliotecas escolares e públi- CRESCIMENTO
cas estaduais. Isto porque, ainda há institui-
ções com sistemas manuais de empréstimo, A quinta Lei – a biblioteca é um or-
o que contraria frontalmente a decisão apre- ganismo em crescimento – atua como fun-
goada – poupe o tempo do leitor. Além do damento à gestão organizacional das biblio-
andamento mais longo para operacionaliza- tecas como organismos sociais. Não restam
ção do empréstimo; da burocracia desgastan- dúvidas de que a biblioteca, na condição
te (manuseio de fichas em gavetas); da chan- precípua de entidade em flagrante e inces-
ce maior de duplicação de dados; há maior sante crescimento, demanda planejamento
probabilidade de o profissional perder o estratégico de suas ações frente ao incremen-
controle das operações efetivadas. to do universo de usuários, de tal forma que
Em meio à riqueza de oportunidades não pode ser percebida apenas como local
propiciadas pelos artefatos tecnológicos, para armazenar e preservar publicações. Isto
presentemente, é fácil e pouco oneroso ado- pressupõe melhorias, desenvolvimento cons-
tar sistemas gratuitos de controle dos acer- tante e aprimoramento de suas funções, a-
vos tanto para cadastro dos usuários efetivos lém de adequação à qualidade crescente de
quanto para o empréstimo de publicações, produtos e serviços, o que envolve atenção a
com o intuito de prestar atendimento mais elementos básicos: desenvolvimento da bi-
ágil e garantir controle mais efetivo das o- blioteca sob qualquer perspectiva; adoção de
bras locadas. Ainda como recurso para eco- sistemas de classificação compatíveis à reali-
nomizar o tempo dos leitores, as bibliotecas dade institucional; envolvimento dos cida-
podem adquirir normas de automação que dãos com produtos e serviços mantidos,
favorecem a renovação do material empres- entre outros. A este respeito, literalmente,
tado (e quaisquer ações correlatas, como Figueiredo (1992, p. 189) afirma:
reserva) ou a consulta sobre a existência de
determinado item na coleção via rede eletrô- A quinta Lei prescreve uma abor-
dagem sistêmica para o desenvol-
vimento de instituições de infor-