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7 Anemias Carenciais

Gláucia Dehn Mahana


A s anemias carenciais são anemias causadas pela deficiência de um ou mais nutrientes
essenciais para a produção dos glóbulos vermelhos. Entre os principais nutrientes destacam-
se o ácido fólico, a vitamina B12 e o ferro. Neste capítulo serão abordados aspectos sobre o
metabolismo destes nutrientes e o seu papel na eritropoese.

A eritropoese pode ser dividida em dois compartimentos: um compartimento de reprodução


responsável pelas divisões mitóticas onde a presença do ácido fólico e vitamina B12 são
indispensáveis; e um compartimento de maturação que consiste na hemoglobinização da
célula e, portanto participação do ferro. Denomina-se Eritron, o conjunto de eritrócitos e
seus precursores medulares (figura 7.1).

ERITRON

SC → BFU-E→CFU-E → PE → EB→ EPC→EO→Reticulócito→Eritrócito

compartimento reprodução compartimento maturação


(ácido fólico e vit. B12) (ferro)

Figura 7.1 Eritropoese e seus compartimentos (Eritron)

Metabolismo do Ferro, Ácido Fólico e Vitamina B12:


Ferro:

Distribuição do Ferro no Organismo:

O ferro pode ser encontrado sob as formas ferrosa (Fe2+) e férrica (Fe3+) e o
conteúdo corpóreo para um homem adulto é de cerca de 35 a 45mg/kg de peso, sendo que
parte desempenha funções metabólicas e oxidativas (70% a 80%) e parte encontra-se sob a
forma de armazenamento ferritina e hemossiderina no fígado, baço e medula óssea (20% a
30%).

Mais de 65% do ferro corporal encontra-se na hemoglobina, sendo portanto,


essencial para o transporte de oxigênio. Além disso, o ferro participa da composição da
molécula de mioglobina do tecido muscular, atua como cofator de reações enzimáticas no
ciclo de Krebs, e na síntese das purinas, carnitina, colágeno e neurotransmissores cerebrais.
O ferro faz parte da composição das flavoproteínas e das heme proteínas catalase e
peroxidase (presentes nos eritrócitos e hepatócitos). Essas enzimas podem ser apontadas
como responsáveis pela redução do peróxido de hidrogênio produzido no organismo.

Tabela 7.1: Distribuição de ferro nos compartimentos corporais.


COMPARTIMENTO FERRO (%)
Hemoglobina 65
Depósitos de Ferro 30
Mioglobina/Mieloperoxidades 3,5
Plasma 0,1
Outros tecidos 0,5

Necessidades e Recomendação:

O ferro é um micronutriente de grande importância para o organismo, sendo assim, este


apresenta um mecanismo muito eficiente para evitar suas perdas. Até mesmo o ferro
proveniente dos glóbulos vermelhos retirados da circulação é reaproveitado.

As necessidades de ferro corporal estão relacionadas às diversas fases da vida sendo o


grau de absorção intestinal de ferro também vinculado à faixa etária, ou seja, uma
criança de 12 meses apresenta absorção quatro vezes maior do que outras de diferentes
faixas etária.

Levando-se em consideração esses aspectos, pode-se entender que as necessidades


diárias de ferro são pequenas e variam conforme a fase da vida. O requerimento diário é
da ordem de 10 a 20 mg de ferro obtidos com a dieta. Apenas 10% é absorvido pelo
organismo (1 a 2 mg), o suficiente para equilibrar a perda diária que corresponde a
aproximadamente 1 mg em decorrência, principalmente, da descamação das células da
mucosa do trato gastrointestinal. Além disso, pequenas quantidades são também
perdidas pela urina, suor e fezes. As perdas tornam-se significativas quando se perde
grandes quantidades de sangue (100 mL de sangue corresponde a cerca de 100 mg ferro).
Situações como menstruação, lactação e parasitoses, podem determinar perdas
adicionais de ferro.

Tabela 7.2: Requerimento diário para síntese de hemoglobina e ingesta mínima diária
de ferro em função da idade e sexo.

FASES DA VIDA REQUERIMENTO INGESTA MÍMINA


DIÁRIA(mg) DIÁRIA(mg)*
Lactentes 1 10
Crianças 0,5 10
Adolescentes 2 12 a 15
Mulheres 2 15
Gestantes 3 30
Homens 1 10
* Considerando-se absorção de cerca de 10% do total ingerido.
Principais fontes alimentares:

O ferro é encontrado em diversos alimentos de origem vegetal e animal podendo


estar na forma férrica (não heme) ou ferrosa (heme). Fígado e rins são fontes ricas em
ferro. Alguns legumes e vegetais de coloração verde escura, como por exemplo, o
espinafre, contêm ferro, porém apresentam substâncias que interferem na sua absorção
como fosfatos e fitatos. Diversos cereais, grãos, frutas secas, ostras e chocolate também
são boas fontes de ferro. Sendo assim, o que precisa ser evidenciado é a capacidade do
organismo em aproveitar o ferro para exercer as suas mais diversas funções, o que
determina a sua biodisponibilidade. Para melhor compreensão, podemos citar o feijão,
alimento com alto teor de ferro que, pela presença de fitatos e fibras, apresenta baixa
biodisponibilidade. O leite também é outro interessante exemplo de biodisponibilidade,
pois o materno e o da vaca apresentam-se com praticamente o mesmo teor de ferro,
porém o materno mostra-se com alta absorção e o da vaca, em função dos teores de sais
de cálcio e fósforo, com baixa biodisponibilidade.

Absorção, Transporte e Estoque:

A absorção do ferro é realizada principalmente no duodeno e no jejuno proximal


e é dependente da quantidade e natureza do complexo de ferro presente no lúmen
intestinal, assim como da atividade da medula óssea (eritropoese) e de suas reservas
orgânicas.

O ferro pode ser absorvido através de duas vias: uma heme e outra não heme. O
ferro ligado ao heme, também conhecido com ferro ferroso ou Fe2+, é proveniente de
fontes de alimentos de origem animal. Além de ser prontamente absorvido, o ferro
hemínico devido a sua alta biodisponibilidade, melhora a absorção do pool de ferro não
heme. O ferro não heme, também denominado de ferro férrico ou Fe3+, está presente em
alimentos de origem vegetal. Durante a digestão, o ferro não heme é parcialmente
reduzido para a forma ferrosa, de mais fácil absorção, sob a ação do ácido clorídrico,
bile e suco pancreático (pH ácido). Em contrapartida, alguns alimentos que contém ferro
livre apresentam disponibilidade limitada para absorção, pois podem formar complexos
insolúveis com determinadas substâncias e ser excretado.

Após o processo de digestão, a maior parte do ferro forma um depósito


intraluminal sendo, portanto, sua absorção determinada por fatores facilitadores (ácido
ascórbico, carnes em geral, aminoácidos como lisina, cisteína e histidina, ácidos cítrico
e succínico além de frutose) ou inibidores (fitatos, presentes nos cereais; compostos
fenólicos como flavanóides; ácidos fenólicos; polifenois e taninos, encontrados nos chás
preto e mate, café e certos refrigerantes; sais de cálcio e fósforo, encontrados em fontes
protéicas lácteas.

O ferro absorvido pode ser armazenado no citoplasma do enterócito na forma de


ferritina (Fe3+ associado à apoferritina), mobilferrina (conjugado a ligantes protéicos) ou
conjugado a ligantes não protéicos (AMP, ADP, aminoácidos). Parte do ferro
armazenado pode retornar ao lúmen intestinal pelo processo de descamação das células
da mucosa intestinal. Estas células participam ativamente da regulação da quantidade
absorvida de ferro evitando, inclusive, a sobrecarga de ferro no organismo
(hemossiderose).
A absorção do ferro no duodeno ocorre na borda em escova do enterócito,
seguindo uma sequência de eventos que incluem a redução do ferro dos alimentos de
seu estado férrico para ferroso, internalização através da membrana apical,
armazenamento ou transporte intracelular e liberação plasmática através da passagem
pela membrana basocelular. Em todos estes eventos é essencial a ação de proteínas
envolvidas no metabolismo do ferro (figura 7.2). Entre estas, destacam-se:

- HFE: proteína da hemocromatose, moduladora da homeostasia do ferro corporal,


através da regulação da sua absorção intestinal, interagindo com o receptor da
transferrina;
- DMT1: proteína transportadora de metais bivalentes;
- TfR: receptor de transferrina, marcador da saturação de transferrina e modulador da
expressão da hepcidina;
- Hefestina: proteína transmembranica semelhante à ceruloplasmina (proteína de
resposta de fase aguda produzida pelo fígado, responsável pelo transporte do cobre) que
modula a saída de ferro do enterócito.

A primeira etapa na absorção do ferro é a redução do ferro férrico em ferro


ferroso com auxílio de uma redutase férrica transmembrânica. Acoplado a esta enzima
encontramos o transportador DMT1 (divalent metal transporter 1), que permite a
passagem deste mineral através da membrana apical para o citoplasma do enterócito. A
capacidade de absorção de ferro pelo enterócito provavelmente é modulada pelo
complexo HFE-TfR. Dietas ricas em ferro elevam a concentração de ferritina no
interior do enterócito, inibindo a capacidade de absorção de ferro através do complexo
HFE-TfR. Uma vez no citoplasma do enterócito, o ferro pode atravessar a membrana
basolateral chegando ao plasma. Neste caso, o transportador parece ser a ferroportina
ou Ireg1 (iron-regulated transporter 1), uma proteína que age acoplada a hefestina. O
ferro que chega ao plasma, é reoxidado pela hefestina na membrana ou no meio
extracelular pela ceruloplasmina.
Figura 7.2 Absorção de ferro pelo enterócito. (Adaptado de FORRELLAT BARRIOS,
2005).

O transporte de ferro no plasma é feito pela ligação do Fe+3 com a transferrina,


uma glicoproteína reconhecida pelos tecidos através de um receptor específico (TfR) cuja
expressão na superfície celular aumenta em relação direta as necessidades de ferro
teciduais, sendo transportado para os depósitos de ferro incluindo fígado e músculos
onde participa da síntese de enzimas, citocromos e eritroblastos da medula óssea. Na
superfície do eritroblasto, a transferrina liga-se ao seu receptor, formando um complexo
que é endocitado. A síntese deste receptor é incrementada tanto pelo aumento da
eritropoese como com a redução da disponibilidade de ferro. O complexo transferrina +
ferro + receptor na presença de pH ácido disponibiliza o ferro para as mitocôndrias
para ser acoplado a protoporfirina pela ação da enzima heme sintetase formando a
porção heme da hemoglobina ou para ser incorporado a ferritina (figura 7.3).

O estoque de ferro é constituído principalmente pela ferritina (Fé+3 associado à


apoferritina). Quando o estoque de ferro é saturado, forma-se um composto insolúvel
chamado hemossiderina, que pode ser observado em aspirados de medula óssea corados
com azul da prússia. O ferro mantém um intercâmbio entre o pool funcional e o pool de
armazenamento.

Como parâmetros diagnósticos do estado de ferro do organismo, têm importância à


análise de marcadores como: Ferro medular, ferritina plasmática, saturação de transferrina,
protoporfirina eritrocitária, receptor solúvel de transferrina e ferro sérico.
Estômago Fe3+ é Intestino Perdas diárias
Dieta oxidado em (células epiteliais
(pH ácido, (células de descamação,
(Fe ou Fe3+)
2+
Fe2+ do duodeno e
vitamina C) suor, urina e fezes)
jejuno proximal)

Transporte passivo
(Fe2+)

Sistema Ferritina
Ferroxidase
(apoferritina + Fe3+)
(Fe2+  Fe3+)

Plasma
Transferrina + Fe3+

Atividades Metabólicas Órgãos de reserva


(baço, fígado e medula óssea)
Ferritina, Hemossiderina

Figura 7.3 Metabolismo do ferro.

Ácido Fólico:

Ácido fólico, folato ou ácido pteroilglutâmico é o nome genérico de uma vitamina


hidrossolúvel do complexo B que atua como coenzima na transferência de carbono no
metabolismo do ácido nucléico e dos aminoácidos.

Necessidades e Recomendação:

De acordo com a Ingestão dietética de referência estabelecidas pelos órgãos


controladores, a partir das antigas RDAs (Recommended Dietary Allowances) as
recomendações diárias encontram-se na tabela 7.3.

Tabela 7.3 Ingestão dietética de referência de ácido fólico.

FASES DA VIDA REQUERIMENTO DIÁRIO(mcg/dia)


Lactentes 65 a 80
Crianças 150 a 200
Adolescentes 400
Adultos 400
Gestantes 600
Lactantes 500

A deficiência de folato na dieta pode produzir diversos efeitos clínicos como


redução do folato eritrocitário, aumentando a concentração de homocisteína e promovendo
mudanças megaloblásticas na medula óssea e nos outros tecidos com rápida divisão celular.

Principais fontes alimentares:


O termo “fólico” é derivado do latim folium (folha) devido a ter sido,
primeiramente, isolado da folha de espinafre. Estão presentes em vegetais folhosos, como
alface, brócolis, vagens, além das frutas e proteínas animais. Por serem destruídos durante o
aquecimento prolongado, suas melhores fontes dietéticas provêm dos vegetais e frutas
frescas.

Absorção, Transporte e Estoque:

O ácido fólico é absorvido pelas células da mucosa intestinal do duodeno e jejuno


onde sofre hidrólise, redução e metilação transformando-se na forma ativa denominada 5
metil-tetrahidrofolato (5MTHF).

Seu transporte é realizado através da α2-macroglobulina, albumina ou transferrina


para os tecidos e principalmente para o fígado onde é armazenado em pequenas quantidades
(10 a 15mg) na forma de poliglutamato.

Visto que as reservas são limitadas em relação às necessidades diárias, estas são
facilmente esgotáveis (2 a 3 meses) quando o aporte de folato é baixo.

Mecanismo de ação:

Dentre as principais importâncias funcionais associadas ao folato, destacam-se:

1. Participação na síntese de DNA, atuando na biossíntese do nucleotídeo


pirimidina, na metilação do ácido deouridilico para ácido timidílico, processo comum na
divisão celular normal;

2. Conversão dos aminoácidos, inclusive no catabolismo da histidina para ácido


glutâmico, na interconversão da serina e glicina e na conversão da homocisteína em
metionina;

3. Metabolismo das aminas.

5M-THF THF DHF

Timina Uracila
CH3

Cobalamina (vitB12) Metilcobalamina

CH3
Metionina Homocisteína
Figura 7.4 Principais reações metabólicas dependentes do ácido fólico

Vitamina B12:

Também chamada de cianocobalamina por possuir um átomo central de cobalto em


sua estrutura, a vitamina B12 é sintetizada por certas bactérias e fungos encontrados na água
e no solo. Assim como o ácido fólico, esta vitamina participa como cofator na síntese do
DNA.

Necessidades e Recomendação:

O requerimento diário é pequeno (2 a 5 µg) quando comparado ao de ácido fólico e


os estoques hepáticos são abundantes. Desta forma, são necessários cerca de 3 a 4 anos para
que a incapacidade de absorção ou ingestão inadequada leve à deficiência de vitamina B12
no organismo.
De acordo com a ingestão dietética de referência, estabelecidas pelos órgãos
controladores a partir das antigas RDAs (Recommended Dietary Allowances) as
recomendações diárias encontram-se na tabela 7.4.

Tabela 7.4 Ingestão dietética de referência de Vitamina B12.

FASES DA VIDA REQUERIMENTO DIÁRIA(µg/dia)


Lactentes 0,4 a 0,5
Crianças 0,9 a 1,2
Adolescentes/Adultos 1,8 a 2,4
Gestantes 2,6
Lactantes 2,8

Principais fontes alimentares:

Suas principais fontes constituem os alimentos de origem animal, com, por


exemplo, carnes, ovos e leite. Enquanto em um ovo encontramos cerca de 0,5µg de
vitamina B12, em um bife de fígado bovino de 100g, encontramos cerca de 100µg.

Absorção, Transporte e Perdas Diárias:

A absorção da vitamina B12 depende de sua ligação no estômago com uma


glicoproteína produzida pelas células parietais da mucosa gástrica denominada “fator
intrínsico” (FI). Após a ligação da vitamina B12 com o FI, o complexo se une à receptores
específicos no íleo onde é absorvido na presença de íons cálcio.

Na circulação, a vitamina B12 é transportada pela transcobalamina II uma proteína


sintetizada no fígado. Existem ainda a transcobalamina I e III que parecem atuar no
transporte dos compostos análogos à vitamina B12.

As perdas diárias são pequenas (1 a 3 µg) e ocorrem principalmente através da excreção da


bile.
Anemias Carenciais

Anemia Megaloblástica:

Constituem anemias decorrentes da deficiência dos fatores de reprodução da


eritropoese.

Principais causas da deficiência de folato:

- dieta pobre
- pacientes idosos
- gestações repetidas
- alcoolismo
- síndrome de má absorção (sprue)
- medicamentos antagonistas de folato (metotrexato)
- medicamentos anticonvulsivantes (barbitúricos)
- requerimento endógeno aumentado (anemias hemolíticas, leucemias)

Principais causas da deficiência de vitamina B12:

- Deficiência de absorção (ausência de FI, gastrectomia, cirurgia bariátrica)


- Difilobotríase
- Deficiência de proteínas transporte (transcobalamina)
- Dieta pobre (vegetarianos)
- Medicamentos anticonvulsivantes e quimioterápicos
A deficiência de vitamina B12 em gestantes aumenta o risco de malformação fetal,
ocasionando defeito no tubo neural, uma das mais comuns alterações congênitas. Além
dessas alterações, a sua deficiência contribui para a hiperhomocisteinemia, considerada
fator de risco para aterosclerose devido a sua associação com o dano tecidual do endotélio
vascular aumentando o risco de doenças cérebro e cardiovasculares.

A deficiência de produção de FI caracteriza a anemia perniciosa ou doença de


Addison-Biermer. A causa deste distúrbio é ainda desconhecida, mas está associada à
predisposição genética e fatores autoimunes, caracterizando-se pôr atrofia das células da
mucosa gástrica e acloridria. O teste de Schilling utilizado para o diagnóstico demonstra a
deficiência de absorção da vitamina B12 marcada com Cr57, corrigida pela administração de
FI.

Patogenia:

A anemia megaloblástica ocorre devido à deficiência de folato e/ou vitamina B12


fatores importantes para síntese de DNA e responsáveis na eritropoese, pelo departamento
de reprodução. A deficiência de ácido fólico é mais comum e está geralmente associada à
ingestão inadequada, gravidez ou cirrose hepática. A deficiência de vitamina B12 relaciona-
se na maioria dos casos com alteração da absorção.

A deficiência de síntese do DNA acarreta retardamento na maturação do núcleo das


células. A eritropoese ocorre com menor número de divisões mitóticas e como estas têm
função de diminuir o tamanho e aumentar o número de células, encontraremos menor
número de glóbulos vermelhos e células macrocíticas no sangue periférico. A síntese de
RNA e a maturação do citoplasma não são afetadas resultando geralmente em policromasia,
glóbulos vermelhos de coloração azul acinzentada.
Nestes casos a queda do número de glóbulos vermelhos predomina sobre a queda da
taxa de hemoglobina, fator agravante para percepção do quadro anêmico, pois os sintomas
típicos (palidez, cansaço) tendem a aparecer tardiamente.

 número e
 síntese  divisão aumenta o
Vitamina B12   
mitótica volume dos
e/ou Ácido Fólico DNA
eritrócitos


eritropoetina 
rim

O2 circulante  Hb

eritropoese,
granulocitopoese e
trombocitopoese
ineficaz

Figura 7.5. Fisiopatologia da Anemia Megaloblástica:

Apresentação Clínica:

A deficiência de vitamina B12 pode ocorrer por longos períodos antes do


aparecimento de qualquer sinal ou sintoma clínico, desencadeando uma deficiência crônica
que, se mantida durante anos, pode levar a manifestações neuropsiquiátricas irreversíveis,
através de provável aceleração da desmielinização neuronal.

Sua manifestação varia de estados mais brandos até condições muito severas. De
maneira geral, esta desordem se manifesta por um quadro clássico caracterizado por anemia
megaloblástica associada a sintomas neurológicos com frequente aparecimento da tríade
fraqueza, glossite e parestesias.

Diagnóstico Laboratorial:

A análise do esfregaço de sangue periférico mostra:

- anisocitose, predominando a macrocitose (com macrócitos geralmente ovais)


- policromasia
- presença de neutrófilos hipersegmentados (pleocariócitos)
- corpúsculos de Howell-Jolly e/ou anéis de Cabot
- leucopenia (2.000 a 4.000/mm3 ) e presença de bastonetes gigantes
- plaquetopenia (50.000 a 150.000/mm3)

O VCM e o RDW estão aumentados, o HCM e CHCM ligeiramente aumentados ou


normais.

Observa-se reticulopenia absoluta e assincronia de maturação núcleo-citoplasmática


na medula óssea (as alterações megaloblásticas ocorrem em todas as séries hematopoéticas).
Devido à eritropoese ineficaz e morte dos precursores eritropoéticos (hemólise),
testes como dosagem de LDH1 e LDH2 (lactato desidrogenase do eritrócito) e bilirrubina
têm importância no diagnóstico.

O diagnóstico confirmatório pode ser realizado a partir do doseamento sérico da


vitamina B12 e do ácido fólico, sendo o último também dosado no eritrócito. Utilizam-se
também como diagnóstico os valores séricos ou urinários de homocisteína e de ácido
metilmalônico, dois componentes da via metabólica da cobalamina. Níveis elevados de
ácido metilmalônico também podem ser causados por deficiência de vitamina B12 e
vitamina B6. O aumento das concentrações plasmáticas de homocisteína ocorre pelas
deficiências de ácido fólico, vitamina B12 e vitamina B6 ou a presença de defeitos
genéticos afetando uma ou mais das enzimas envolvidas nos processos metabólicos de
conversão da homocisteína.

Figura 7.6 manter Anemia megaloblástica. Macrocitose e presença de pleocariócito.

Anemia Ferropênica:

Também conhecida como anemia ferropriva, à anemia por deficiência de ferro é


considerada a deficiência nutricional mais prevalente em todo mundo. Pode causar a
redução da capacidade de trabalho em adultos e impactar no desenvolvimento mental e
motor em crianças e adolescentes.

Principais causas:

1) Em adultos:
- Ingestão insuficiente de ferro: dieta vegetariana desbalanceada; baixo nível sócio-
econômico;
- Perda de sangue crônica: períodos menstruais intensos, doenças crônicas que envolvam
sangramento (úlceras, pólipos ou tumores intestinais), hemorragias decorrentes de
traumatismos;
- Aumento das necessidades diárias: gestação, amamentação, crescimento na adolescência,
exercícios competitivos.

2) Em crianças:

- Prematuridade e baixo peso ao nascer;


- Ingestão insuficiente de ferro: amamentação exclusiva após os 6 meses de idade,
introdução do leite de vaca, como principal alimentação, antes dos 12 meses, ausência ou
baixa ingestão de carne, alta ingesta de leite de vaca;
- Verminoses.

Além das causas citadas, a deficiência de transporte e/ou absorção de ferro podem
contribuir com o aparecimento da anemia.

Patogenia:

A deficiência de ferro caracteriza-se por depleção progressiva dos estoques de ferro


do organismo podendo ser dividida em três estágios distintos:
Estágio 1: Depleção dos estoques de ferro. Neste estágio, os níveis de hemoglobina estão
normais e os níveis de ferritina estão baixos. O paciente não apresenta sintomas claros.

Estágio 2: Eritropoese ineficaz. Tanto os níveis de ferritina como de hemoglobina


apresentam-se diminuídos. O paciente pode apresentar os sintomas clássicos da doença.

Estágio 3: Anemia. Os níveis de hemoglobina estão tão baixos que o sangue é incapaz de
oxigenar suficientemente as células. Os principais sintomas incluem palidez severa, fadiga e
taquipnéia. A citomorfologia dos glóbulos vermelhos apresentam-se microcíticas e
hipocrômicas.

Com os estoques de ferro deficientes, a hemoglobinização do eritrócito é


comprometida levando o organismo a um estado de hipóxia. As células justaglomerulares
do rim, sensíveis à baixa tensão de oxigênio, produzem a eritropoetina que estimula os
precursores eritróides
na medula óssea aumentando sua produção.

Como o departamento de reprodução está normal, ocorrerá hiperplasia da série


eritróide com aumento das divisões mitóticas e presença de células microcíticas (eritrócitos
com diâmetro inferior a 7)

O departamento de maturação está deficiente resultando em hemoglobinização


anormal e presença de eritrócitos hipocrômicos (baixo conteúdo de hemoglobina).

Figura 7.7 Anemia Ferropriva. Microcitose e Hipocromia MANTER

 Fe++   Hb   O2 circulante  hipóxia  rim  eritropoetina

 eritropoese ineficaz (eritrócitos microcíticos e hipocrômicos)

Figura 7.8. Fisiopatologia da Anemia Ferropriva:

Apresentação Clínica:

A anemia ferropriva não pode ser diagnosticada confiavelmente apenas através do


quadro clínico. Faz-se necessária a utilização de testes diagnósticos e sua correlação com os
sinais e sintomas. Entre estes, destacam-se fadiga, palidez, sonolência, tonturas, cefaléias,
alterações de visão. Outros sintomas como glossite, coiloníquia (unhas em forma de colher),
gastrite atrófica, queilite angular (fissuras na boca) e estomatite parecem estar relacionados
à carência de outros compostos que contém ferro. Alguns pacientes podem apresentar
sintomas relacionados à carência de ferro no sistema nervoso como anormalidade cognitiva
em crianças, compulsão para ingerir substâncias não nutritivas (pica), como terra, cabelo,
argila, gelo.

Diagnóstico Laboratorial:

O diagnóstico laboratorial da anemia ferropriva é realizado através do hemograma e


confirmado através de testes bioquímicos para avaliar os níveis de ferro e ferritina.
A extensão sanguínea mostra glóbulos vermelhos microcíticos e hipocrômicos, o
grau de microcitose e hipocromia varia com a gravidade da anemia. Pode-se observar
presença de ovalócitos e hemácias em alvo (codócitos ou leptócitos). Os índices
hematimétricos; VCM, HCM e CHCM estão baixos. O RDW está aumentado. O número de
reticulócitos é baixo ou normal (eritropoese ineficaz), mas aumenta após o tratamento com
suprimento de ferro. O ferro sérico está diminuído. O teste diagnóstico mais adequado é a
dosagem de ferritina sérica. Pacientes com uma concentração baixa de ferritina (<25
ng/mL) apresentam alta probabilidade de estarem com deficiência de ferro. Valores maiores
que 100 ng/mL, indicam estoques de ferro adequados. Em algumas populações como
aquelas com doenças inflamatórias os cirrose este teste deve ser interpretado diferentemente
uma vez que a ferritina e uma proteína de fase aguda. Outra alteração laboratorial que
ocorre é o aumento da transferrina, proteína carreadora do ferro. A quantidade de ferro
disponível para se ligar a estas moléculas está reduzida causando uma diminuição da
saturação da transferrina (% da relação do ferro sérico e a capacidade total de ligação do
ferro) e um aumento na capacidade de ligação total do ferro (TIBC). O ensaio de dosagem
do receptor sérico para transferrina é uma nova forma de medir o status do ferro celular.
Níveis aumentados são verificados em pacientes com anemia ferropriva e níveis normais
são encontrados em pacientes com anemia da doença crônica. A tabela 7.5 mostra as
principais alterações laboratoriais em diferentes estágios da anemia ferropriva.

Tabela 7.5: Alterações laboratoriais nos diferentes estágios da anemia ferropriva.

TESTES PACIENTE DEPLEÇÃO ERITROPOESE ANEMIA


LABORATORIAIS NORMAL ESTOQUE INEFICAZ FERROPRIVA
Número de GV N N N ↓
Hemoglobina N N > 10g/dL < 10g/dL
Hematócrito N N N ↓
Citomorfologia GV N N N/N M/H
Sideroblastos 40-60% 40-60% ↓ ↓
Ferro Sérico N N ↓ ↓
Ferritina Sérica N ↓ ↓ ↓
TIBC N N N OU ↑ ↓
Saturação da N N ↓ ↓
Tranferrina

N = normal, M = microcitose, H = hipocromia, TIBC= capacidade total de ligação do ferro

Outras anemias cursam também com microcitose e hipocromia, portanto faz-se


necessário o diagnóstico diferencial. A anemia das doenças crônicas (infecção), anemia
sideroblástica e talassemias, são exemplos comuns e diferenciam-se da anemia ferropriva
por apresentarem os estoques de ferro (ferritina) aumentados ou normais.

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