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ADICÇÃO DE INTERNET: QUANDO A DIVERSÃO SE TORNA UM VÍCIO

Autoras: Dayana Boechat de Marins e Paula Lessa Muniz

Introdução

A internet nos trouxe grandes benefícios, uma vez que mudou o acesso
ao fluxo de informações, que não é mais exclusivo dos meios de comunicação
tradicionais, viabilizando ao usuário o contato com informações espalhadas ao
redor do mundo de maneira rápida. Além disso, trouxe grandes revoluções no
mercado, ao passo que diminuiu fronteiras e permitiu o acesso e troca de
informações de e para qualquer parte do planeta. Porém, ao mesmo tempo que
trouxe benefícios, expôs potenciais perigos que merecem uma atenção mais
cuidada. Assim, justifica-se este trabalho devido a ascensão deste modo de vida,
utilizando a tecnologia como mediadora de relações e construtora de suas
estruturas de vida e meios de lidar com ela.
O estudo em questão teve como objetivo aprofunda-se e refletir acerca
dos fenômenos que emergem com o uso da internet, tendo como consequência
a dependência dela. Para tal, foi utilizada consulta bibliográfica em livros, teses,
dissertações e artigos de jornais, revistas e sites que tinham relação com o tema
proposto.

Desenvolvimento

O sociólogo Manuel Castells (2000) foi, talvez, um dos principais autores


contemporâneos de destaque na pesquisa sobre os acontecimentos atuais
decorrentes da difusão das tecnologias da informação e na busca das
semelhanças e diferenças nos acontecimentos atuais e a descoberta de fontes
de energia inanimada nos séculos XVIII e XIX. Castells (2000) procura identificar
os fatores que transformaram o tecido social, a partir do desenvolvimento de uma
nova tecnologia. Para isso o autor debruçou-se sobre os efeitos de duas
Revoluções Industriais: a desencadeada no final do século XVIII pela descoberta
da energia a vapor e aquela gerada, na segunda metade do século XIX, pela
invenção da energia elétrica. Dessa forma foi possível perceber que algumas
tecnologias tiveram impactos bem mais profundos sobre os seres humanos que
a ela são expostos, chegando a alterar hábitos e formas de agir. Assim, Castells
buscou registrar como as tecnologias também podem alterar radicalmente os
modos de ser, como suas formas de pensar, relacionar com os outros e consigo
mesmo, sentimentos, percepção e organização do mundo externo e interno, etc.
Já com o advento do smartphone as interações com outras pessoas de
qualquer parte do mundo tornaram-se ainda mais rápidas, uma vez que o objeto
que promove a conexão está ao alcance das mãos o tempo todo e, o que parece
ser um universo paralelo, é acessado diária e constantemente por qualquer um
que possua um aparelho conectado à rede. De forma que permitiu a crianças e
adolescentes, nativos dessa tecnologia, a utilizam de maneira natural e fácil,
além de recursos que eram impossíveis até décadas atrás: enviar imagens, sons,
vídeos, programas e aplicativos para seus amigos com um simples toque na tela.
A comunicação encontra-se no poder do “toque” de cada um, liquefazendo a
modernidade emergente.
No que tange a modernidade líquida e impermanente, Zygmunt Bauman
(2001) foi o autor de destaque com seus trabalhos e reflexões sobre os avanços
da sociedade, levando em consideração a forma como estamos inseridos nela e
como suas mudanças nos afetam. Segundo o autor, com novos contextos
políticos, não há um referencial moral, um lado a seguir (a exemplo da época em
que o mundo encontrava-se dividido entre blocos capitalista e comunista). Des
forma que estão todos jogados à responsabilidade e risco de seguirem e
construírem suas vidas sem um porto seguro. Consequentemente a relação
social, pautada em uma responsabilidade mútua entre as partes que se
relacionam, foi trocada por um outro tipo de relação que o Bauman (2004) chama
de “conexão”, onde não há pressão para estabelecer responsabilidade mútua
entre seus participantes. Assim o relacionamento se torna frágil, uma ligação
superficial, e todos podem, sem o menor remorso, trocar seus parceiros por
outros melhores.
Desta forma, a maior utilidade do termo “conexão” foi evidenciar a
facilidade de se desconectar (Bauman, 2004). Por consequência, quando a
qualidade das relações diminui vertiginosamente, a tendência será de tentar
recompensá-la com uma quantidade absurda de parceiros. Tomamos como
exemplo a quantidade de amigos que as pessoas costumam ter em redes
sociais. São números que ultrapassam 300, 500 amigos, algo que possivelmente
irreal para uma convivência cotidiana de qualidade. Antes era necessário um
certo tempo para que fosse construída a confiança de qualquer tipo de relação
afetiva, mas atualmente temos acesso à aplicativos que nos possibilitam
encontrar pessoas que estão passando na rua e nos relacionarmos com ela, sem
que necessariamente façam parte do restante da nossa vida.
Silva (2016), em seu trabalho, nos mostra que as redes sociais mais
populares – Facebook, Instagram e Twitter – foram grandes evoluções de
diferentes ferramentas de comunicação de diferentes plataformas de mídias.
Essa grande popularidade se dá através de seus usuários que estabelecem uma
interlocução em tempo real através do chat, comentários em “posts”, fotos e
vídeos, podendo participar de discussões sobre o que é postado, gerando ainda
mais a aproximação entre os sujeitos, que marcam encontros de aniversários ou
quaisquer outros tipos de comemorações (eventos). Outro aplicativo de grande
popularidade é o Whatsapp, criado em 2009, que consiste em um sistema de
mensagens de texto gratuito, parecido ao SMS, fácil de usar e que funciona com
base nos números da agenda do telefone de cada usuário. Este aplicativo é de
grande popularidade pois permite que o usuário possa trocar mensagens com
qualquer pessoa do globo terrestre em poucos segundos, aproximando amigos,
famílias e amores, mesmo que estejam a muitos quilômetros de distância. Em
virtude dessas ferramentas de rede social, o mundo virtual a passou a ser de
construí-lo à maneira que se quer, potencializando a fabulação onde situações
felizes são comumente exacerbadas. Fala-se de uma situação feliz, mesmo sem
ela tenha acontecido de fato, enquanto as negativas são, em grande parte, uma
busca por atenção e curtidas.
Em função deste mundo utópico e rodeado de amigos que a internet
possibilitou acesso, houve um aumento da ansiedade na população em geral,
uma vez que há um bombardeamento de informações diariamente e melhor
recompensação no mundo virtual do que no real (King et al. 2014) (Young et al
2011). O mundo Off-line, no entanto, nos obriga a lidar com as frustrações,
diferenças de pontos de vista e ideologias que regem a vida das pessoas,
enquanto no virtual tudo isso pode ser facilmente driblado. Nele há a
possibilidade de ater-se em uma rede de amigos que pensam e agem como você
ou de simplesmente criar uma identidade que difira da sua na realidade. Devido
a ascensão do modo de vida que se utiliza da tecnologia como mediadora de
relações e construtora de suas estruturas de vida e meios de lidar com ela, é
importante refletir acerca dos fenômenos que emergem com o uso da internet,
tendo como consequência a adicção, a chamada Nomofobia.
A adicção de internet começou a ser estudada em 1996, em um estudo
que examinou mais de 600 casos de usuários que apresentavam sinais clínicos
de dependência, identificados por uma versão adaptada dos critérios do DSM-IV
para o jogo de azar patológico (Young, 1996). O diagnóstico da adicção é difícil
de ser detectado visto que o uso legítimo, pessoal ou para trabalho, por vezes
encobre o comportamento dependente. Segundo King & Nardi (2014) o termo
Nomofobia foi empregado para designar o “desconforto ou angústia caudados
pelo medo de ficar incomunicável ou pela impossibilidade de comunicação por
intermédio do telefone celular, computador ou internet (ficar off-line)” (p.4). O
temo originou-se na Inglaterra a partir da a associação da expressão no-mobile,
que significa sem celular, com a palavra grega fobos, que significa fobia (medo).
Este diagnóstico ainda se encontra em estudo e hoje não é reconhecido nos
manuais diagnósticos, tais como CIDX e DSM-V.
Como a dependência de internet ainda não conta com a sua
categorização nosográfica nos devidos manuais de psicopatologia, seus estudos
ainda são embrionários. Quando abordada como questão prejudicial à vida de
um indivíduo, o tratamento é conduzido por médicos que tratam como transtorno
de hábitos e impulsos – já que no CID-X o diagnóstico mais utilizado é F.63.
A abordagem psicoterápica que mais publicou pesquisas a respeito da
relação celular, internet e subjetividade foi a terapia cognitivo-comportamental
(TCC), pois já contabiliza melhores índices de resposta em outros tratamentos
para controle de impulsos (Abreu 2013). A TCC não considera que apenas as
situações vivenciadas no dia a dia desencadeiam sentimentos negativos e
comportamentos desadaptativos, ela parte do pressuposto que o modo como a
avaliação de uma situação influencia o sentimento, se por, de algum modo, faz-
se uma interpretação não realista ou inadequada dessa situação.
Consequentemente tem-se uma reação emocional, comportamental e fisiológica
coesivo à esta interpretação (Beck, 2007). Em outras palavras, não é o uso do
celular ou da internet em si que caracteriza a dependência, mas a interpretação
disfuncional da situação que influencia o sentimento e comportamento, levando
o sujeito a desenvolvê-la. Segundo Carvalho & Costa (2013) uma grande vilã é
a ansiedade uma vez que os pensamentos ansiosos giram em torno da
percepção de perigo, ameaça e vulnerabilidade, voltados para o futuro e,
frequentemente, com caráter catastrófico. Apresentam-se em forma de
preocupações que se iniciam por “E se...” e terminam com um desfecho
desastroso. Há outras distorções cognitivas, além da catastrofização, que
normalmente geram preocupações ansiosas – como pensamento de tudo ou
nada, supergeneralização e abstração seletiva. Sendo assim, para reestruturar
os pensamentos distorcidos, é importante identificar e entender a preocupação
quando se sente desconfortável ou apreensivo (Beck, 2007).
Embora a psicanálise não tenha, até o momento, pesquisas específicas
sobre o tema, alguns conceitos desenvolvidos em sua formulação podem
contribuir para uma reflexão inicial a respeito de dependência da internet. Na
obra intitulada Mal-Estar na Civilização, Freud ([1930]1996) dissertou sobre o
antagonismo irremediável entre as exigências da pulsão e as restrições da
civilização, porque essa exige sempre do sujeito a renúncia pulsional. Então,
quando Freud expôs sobre a incompatibilidade que existe entre a pulsão e a
civilização, ele quis mostrar que no encontro com o fenômeno da castração há o
surgimento de um mal-estar. Esta abordagem busca compreender a posição que
o sujeito está frente ao seu sintoma, neste caso a realidade virtual se tornaria
uma fuga. A internet, criou a possibilidade da realização de suas fantasias, uma
vez que pode criar um mundo à sua maneira.

Conclusão

A crescente expansão da tecnologia permite ao usuário conectar-se das


mais diversas maneiras, dos mais remotos lugares e com consoles cada vez
mais potentes, gráficos que muito se assemelham ao real, plataformas de jogos
online que permitem a interação com qualquer parte do globo terrestre que esteja
conectado. Internautas fanáticos facilmente passam horas em suas realidades
paralelas, criando universos perfeitos e ignoram suas atividades ao ar livre, como
jogar bola e até suas interações sociais e familiares, podendo chegar ao extremo
de negligenciar alimentação e higiene. O que era uma distração e diversão,
torna-se uma compulsão, uma necessidade de estar conectado o tempo todo, o
que poderia levar a um estado de Dependência tecnológica e a Dependência de
internet.
Nos dias atuais há uma exigência, de certa maneira, de que todos estejam
conectados à grande rede da internet, e quem não faz parte dessa rede pode
ser excluído por outras pessoas do convívio social, literalmente – deixam de
informá-lo sobre atividades e confraternizações por ele não fazer parte do grupo
virtual de conversas. Deve-se salientar que a linha que separa aquilo que é
considerado uso excessivo é bem tênue, comparada ao uso recreativo e/ou para
trabalho. A sociedade está inserida no mundo digital, o uso de computadores e
smartphones para assuntos relacionados a trabalho, reuniões virtuais, conexões
com pessoas em lados opostos do globo são uma realidade comum na maioria
das empresas. Portanto os sinais de dependência podem ser facilmente
mascarados ou justificados pelos seus usos práticos, então deve-se definir com
bastante clareza o que se configura como uso excessivo da internet, bem como
a sua dependência.
O que este trabalho mostra é que há muitos desafios a serem vencidos
não apenas por aqueles que já nasceram mergulhados neste contexto de
realidade e a transição para a nova geração digital é um caminho que merece
muita atenção. O assunto já despertou interesse de algumas teorias psicológicas
que trazem contribuições ao tema. Mas seus esforços ainda se concentram para
a delimitação nosográfica do transtorno e poucos discutem profundamente seu
tratamento.
A dependência tecnológica digital tem sido equiparada às
compulsividades e transtornos de ansiedade de forma geral. Não há um veredito
sobre este novo rumo da sociedade, não se pode afirmar se é efetivamente bom
ou ruim, mesmo que tenha ganhado alguns olhares de vários pontos de vista
científicos, e mesmo não sendo tão positivos. A tecnologia, em qualquer forma
que se apresente, trouxe inúmeros benefícios, porém trouxe pontos que
merecem cuidado e muita atenção. Este trabalho desperta a relevância de mais
elementos para que sejam levantadas novas reflexões e refinamentos quanto a
compreensão desta nova dinâmica social, atravessada pela virtualidade.
Referências Bibliográficas

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