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ATLAS DA

QUESTÃO AGRÁRIA
NORTE MINEIRA
EQUIPE

Gustavo Henrique Cepolini Ferreira – Pesquisador/Coordenador da Pesquisa


Anderson Willians Bertholi – Pesquisador
Manoel Reinaldo Leite – Pesquisador
Resolução Nº 185 – CEPEx/2017 e Resolução Nº. 154 - CEPEx/2019 – Unimontes.
Processo: APQ-00087-18 FAPEMIG - Chamada 01/2018 - Demanda Universal.

BOLSISTAS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA E MESTRADO

Franciele Alves da Silva, 2016, ICV - Unimontes


Rosilene Gonçalves da Silva, 2016, FAPEMIG
Jaqueliene Aparecida Gonçalves Machado, 2017, BIC Campi - Unimontes
Tayne Pereira da Cruz, 2017, FAPEMIG
Célia de Assis Mata, 2018, BIC Campi - Unimontes
Myrna de Cassia de Andrade Silva, 2018, FAPEMIG
Brenda Maria dos Santos, 2019, FAPEMIG
Lucas Augusto Pereira da Silva, 2019, BIC Campi – Unimontes
Bruna França Oliveira, 2020, BIC UNI – Unimontes
Carla Milena de Moura Laurentino, 2020, BIC UNI – Unimontes
Jéssica Cristina Alves Lourenço, 2020, BIC Campi – Unimontes
Rik Ferreira Alves, 2020, PIBIC/CNPq
Deyvison Lopes de Siqueira, 2020-2021, FAPEMIG

CARTOGRAFIA

Bruna França Oliveira | Carla Milena de Moura Laurentino | Rik Ferreira Alves | Manoel Reinaldo Leite
Revisão Técnica
Gustavo Henrique Cepolini Ferreira | Manoel Reinaldo Leite

APOIO

Departamento de Geociências – Centro de Ciências Humanas – Unimontes


Programa de Pós-Graduação em Geografia – Unimontes
Núcleo de Estudos e Pesquisas Regionais e Agrários – Nepra – Unimontes
Laboratório de Geoprocessamento – Unimontes
Pró-reitoria de Pesquisa – Unimontes
Pró-reitoria de Pós-Graduação – Unimontes
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais – FAPEMIG
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES/PROAP
CONTATO
NEPRA – Núcleo de Estudos e Pesquisas Regionais e Agrários
Unimontes - Campus Universitário Professor Darcy Ribeiro, Av. Prof. Rui Braga, s/n - Vila Mauriceia, Montes
Claros – Minas Gerais, CEP.: 39401-089. Departamento de Geociências - Centro de Ciências Humanas,
Prédio 2, sala 84 – 3º andar. Telefone: (38) 3229-8411.
E-mails: nepra@unimontes.br; gustavo.cepolini@unimontes.br e anderson.bertholi@unimontes.br
Gustavo Henrique Cepolini Ferreira (org.)

ATLAS DA
QUESTÃO AGRÁRIA
NORTE MINEIRA

Dezembro de 2020

editora
entremares
F383a Ferreira, Gustavo Henrique Cepolini (org.).
Atlas da Questão Agrária Norte Mineira. São Paulo :
Entremares, 2020.
184 p.; 27x21 cms.

ISBN 978-65-87702-12-4

1. Geografia Brasil 2. Geografia Agrária 3. Atlas I. Título.

CDU-918.1

Conselho Editorial - Coleção Sonar (Geografia)


Amir El Hakim de Paula (UNESP);
Carlos Alexandre de Bortolo (Unimontes);
Eduardo Donizeti Girotto (USP);
Federico Ferretti (UCD);
Gustavo Henrique Cepolini Ferreira (Unimontes);
Larissa Mies Bombardi (USP);
Pablo Sebastian Moreira Fernandez (UFRN).

Editora Entremares
entremares.noblogs.org
fb.com/editoraentremares
editoraentremares@gmail.com

Projeto Gráfico & Diagramação


Adriano Skoda
Arte capa
Composição a partir de foto de João Zinclar (1956 – 2013) cedidas pela família.
Revisão
Clayton Peron Franco de Godoy

1ª edição: Editora Entremares, 2020.

É livre a reprodução para fins não comerciais, desde que esta


nota seja incluída e a autoria seja citada.

Impresso no Brasil
O rei do pequi - Téo Azevedo

Inventaram tanto rei


Que é rei pra todo lado
Foi um tal rei do café
E também o rei do gado
Tem rei pelo mundo inteiro
Governando até nação
Teve o rei do futebol
E até rei do baião

Par mim só há um rei


Que comanda os meus e os seus
Esse rei é de verdade
Seu nome sagrado é Deus
Certa vez em Montes Claros
Numa festa de ricaço
Me chamaram pra cantar
Tive que fazer regaço

Tinha rei de todo jeito


Até rei da mordomia
Eu matuto e meio bruto
Pra eles nada valia
Na hora me veio a ideia
No meu modo falarei
No meio da granfinagem
Eu também vou ser um rei

Perguntei para todo mundo


Quem conhece o pequizeiro?
É o esteio do cerrado
Alimento milagreiro
Já me disseram na lata
Pequi é fruto de pobre
Só tiramos o carvão
Para encher bolso de cobre

No meio do caviar
De uísque e sobremesa
Eu defendo bem o pequi
E desafio a nobreza
Meu saber é catrumano
Mas não é para qualquer bico
De dinheiro sou um pobre
De espírito sou um rico
Na hora subiu meu sangue
E perdi a estribeira
Pequi é coisa de Deus
Pobre faz de graça a feira
Vocês são os reis de tudo
Mas ninguém pode mandar
É na santa natureza

Já que todo mundo é rei


Tá sobrando até rainha
Eu vou dá minha esporada
Igual um galo na rinha
Valorizo minha terra
Com saga, e com alegria
Minha tribuna, a viola
Advogado, a poesia

Eu adoro o pequi
E a ele dou valor
Sou um homem do sertão
Um poeta cantador
Da nascente do Rio Verde
Onde canta o Juriti
Sou filho de Alto Belo
Eu sou o rei do pequi

AZEVEDO, Téo. A folia de Reis no Norte de Minas, Vale do Jequitinhonha


e Mucuri. São Paulo: Letras & Letras, 2015, p.75-77.
SUMÁRIO

Aos indígenas, quilombolas e camponeses do norte mineiro, à guisa de prefácio ............................ 11


Ariovaldo Umbelino de Oliveira
Apresentação ................................................................................................................................. 15
Gustavo Henrique Cepolini Ferreira
Preâmbulo: Uma contribuição para a Geografia Agrária do Norte de Minas Gerais ....................... 19
Gustavo Henrique Cepolini Ferreira
Atlas da Questão Agrária Norte Mineira .............................................................................................. 33
Relatos & registros das pesquisas: Ações e lutas nos Gerais ............................................................ 75
1. Questão Agrária e Luta por Território no Norte de Minas Gerais: a grilagem e o conflito no Vale
das Cancelas .............................................................................................................................. 77
Sandra Helena Gonçalves Costa
2. Conflitos no Norte de Minas ..................................................................................................... 83
Alexandre Gonçalves | Letícia A. Rocha | Paulo R. Faccion
3. Precisamos construir os Gerais, porque as Minas estão nos tomando... Uma análise da mineração
no Norte de Minas .................................................................................................................... 91
Felipe Leonardo Soares Ribeiro
4. MST construindo Reforma Agrária Popular: Resistência Camponesa na Fazenda Arapuim ....... 97
Alexandre Soares | Oswaldo S. C. Santos
5. Breve histórico da Liga dos Camponeses Pobres no Norte de Minas ........................................ 103
David Batista Batella
6. O Trabalho Coletivo no Brejo dos Crioulos ............................................................................. 109
Anderson Bertholi | Caroline A. da Silva | Cibele Bertholi
7. Da ocupação ao assentamento Floresta Viveiros em Pirapora ................................................... 115
Gustavo H. C. Ferreira | Josiane B. de Souza
8. Uso e intoxicação por agrotóxicos em trabalhadores agrícolas do Projeto Jaíba ......................... 121
Aline Fernanda Cardosos
9. Agricultura urbana em Montes Claros: uma transição agroecológica no semiárido ................... 127
Deyvison Lopes Siqueira
10. De Nativos, de Caboclos e de suas antropologias ................................................................... 131
Carlos Alberto Dayrell
11. Povos, comunidades tradicionais e seus territórios no norte de Minas Gerais ......................... 139
Núcleo Interdisciplinar de Investigação Socioambiental
12. Nova Cartografia Social no sertão norte mineiro ................................................................... 145
Matheus V. Ferreira | Adinei A. Crisóstomo
13. Xakriabá, fronteiras, lutas e resistências no Norte de Minas Gerais-Brasil .............................. 151
Heiberle H. Horácio | Cássio A. da Silva | Fabiano J. A. de Souza
14. Educação do Campo em pauta no Norte de Minas Gerais ..................................................... 159
Magda M. Macêdo | Erika F. P. de Souza | Maria Auxiliadora A. S. Gomes
Anexo A: Mineração Aqui Não! Fora Sam! Em defesa dos Povos e das Águas de Minas e Bahia ... 165
Nota das Entidades da Sociedade Civil
Anexo B: Carta do II Mutirão da Articulação Rosalino de Povos e Comunidades Tradicionais no
Território Xakriabá, à Sociedade Brasileira e Internacional ........................................................... 169
Referências bibliográficas ............................................................................................................. 173
LISTA DE MAPAS

Mapa 1: Localização do Norte de Minas Gerais .............................................................................................. 34


Mapas 2 e 3: Regiões Imediatas e Intermediárias ............................................................................................. 34
Mapa 4: Hidrografia do Norte de Minas Gerais .............................................................................................. 36
Mapa 5: Poços Artesianos no Norte de Minas Gerais (2020) ........................................................................... 36
Mapa 6: Solos do Norte de Minas Gerais ........................................................................................................ 37
Mapa 7: Climas Predominantes do Norte de Minas Gerais ............................................................................. 37
Mapa 8 Fitofisionomias Norte de Minas Gerais .............................................................................................. 38
Mapa 9: Vegetação e Biomas do Norte de Minas Gerais .................................................................................. 38
Mapa 10: Unidades de Conservação do Norte de Minas Gerais ...................................................................... 39
Mapa 11: Área Propicia à Ocorrência de Pequi ................................................................................................ 39
Mapas 12 e 13: Dinâmica do Uso do Solo no Norte de Minas Gerais (1990 e 2000) ...................................... 40
Mapas 14 e 15: Dinâmica do Uso do Solo no Norte de Minas Gerais (2010 e 2018) ...................................... 41
Mapas 16 e 17: uso Antrópico do Norte de Minas Gerais (1990 e 2000) ........................................................ 42
Mapa 18 e 19: uso Antrópico do Norte de Minas Gerais (2010 e 2018) ......................................................... 43
Mapa 20 e 21: Dinâmica da Pastagem no Norte de Minas Gerais (1990 e 2018) ............................................ 44
Mapa 22 e 23: Dinâmica do Eucalipto no Norte de Minas Gerais (1990 e 2018) ........................................... 45
Mapa 24: Ocorrência de Pedidos para Mineração no Norte de Minas Gerais (1936 e 1990) ........................... 46
Mapa 25: Ocorrência de Pedidos para Mineração no Norte de Minas Gerais (2000 e 2020) ........................... 47
Mapas 26 e 27: População Rural e Urbana do Norte de Minas Gerais (2010) ................................................ 48
Mapa 28: População Total dos Municípios do Norte de Minas Gerais (2010) ................................................. 49
Mapa 29: Usinas de Energia no Norte de Minas Gerais .................................................................................. 49
Mapa 30: Meio de transporte no Norte de Minas Gerais ................................................................................. 50
Mapa 31: PIB dos Municípios do Norte de Minas Gerais (2017) ................................................................................. 50
Mapa 32: IDHM do Norte de Minas Gerais (2013) ..................................................................................................... 51
Mapa 33: IDHMR do Norte de Minas Gerais (2013) .................................................................................................. 51
Mapa 34: Índice de GINI do Norte de Minas Gerais (2013) ........................................................................................ 52
Mapa 35: índice de IDMHL do Norte de Minas Gerais (2013) ................................................................................... 52
Mapa 36: Índice de IDHM do Norte de Minas Gerais (2013) ..................................................................................... 53
Mapa 37: Estabelecimentos Rurais no Norte de Minas Gerais (2017) ........................................................................... 53
Mapa 38: Estabelecimentos Familiares que obtiveram algum financiamento no Norte de Minas Gerais (2017) ............ 54
Mapa 39: Estabelecimentos Agropecuários com menos de 1 hectare no Norte de Minas Gerais (2017) ........................ 54
Mapa 40: Estabelecimentos Agropecuários com mais de 500 hectares no Norte de Minas Gerais (2017) ...................... 55
Mapa 41: Estabelecimentos que obtiveram algum financiamento no Norte de Minas Gerais (2017) ............................ 55
Mapa 42: Estabelecimentos Agropecuários da Agricultura Familiar dos Municípios do Norte de Minas Gerais (2017) . 56
Mapa 43: Estabelecimentos Agropecuários da Agricultura Familiar – PRONAF B dos Municípios do Norte de Minas
Gerais (2017) ............................................................................................................................................................... 56
Mapa 44: Estabelecimentos Agropecuários da Agricultura Familiar – PRONAF V dos Municípios do Norte de Minas
Gerais (2017) ............................................................................................................................................................... 57
Mapa 45: VAB dos Municípios do Norte de Minas Gerais (2017) ................................................................................ 57
Mapa 46: V Agro dos Municípios do Norte de Minas Gerais (2017) ............................................................................ 58
Mapa 47: Valor de Venda de Lavoura Permanente nos Municípios do Norte de Minas Gerais (2017) .......................... 58
Mapa 48: Valor de Venda de Lavoura Temporária nos Municípios do Norte de Minas Gerais (2017) ........................... 59
Mapa 49: Área Colhida de Lavoura Temporária nos Municípios do Norte de Minas Gerais (2017) .............................. 59
Mapa 50: Área Colhida de Lavoura Permanente nos Municípios do Norte de Minas Gerais (2017) ............................. 60
Mapa 51: Estabelecimentos Rurais com criação de gado no Norte de Minas Gerais (2017) .......................................... 60
Mapa 52: Nº de Bovinos vendidos por Municípios do Norte de Minas Gerais (2017) .................................................. 61
Mapa 53: Nº de Bovinos nos estabelecimentos rurais no Norte de Minas Gerais (2017) ............................................... 61
Mapa 54: Nº de Caprinos vendidos por Municípios do Norte de Minas Gerais (2017) ................................................ 62
Mapa 55: Nº de Caprinos por Municípios do Norte de Minas Gerais (2017) ............................................................... 62
Mapa 56: Nº de Suínos por Municípios do Norte de Minas Gerais (2017) ................................................................... 63
Mapa 57: Nº de Ovinos por Municípios do Norte de Minas Gerais (2017) .................................................................. 63
Mapa 58: Nº de Suínos vendidos por Municípios do Norte de Minas Gerais (2017) .................................................... 64
Mapa 59: Nº de Aves vendidos por Municípios do Norte de Minas Gerais (2017) ....................................................... 64
Mapa 60: Nº de Aves por Municípios do Norte de Minas Gerais (2017) ...................................................................... 65
Mapa 61: Nº de ovos de galinhas vendidos por Municípios do Norte de Minas Gerais (2017) ..................................... 65
Mapa 62: Valor Adicionado Bruto da Indústria dos Municípios do Norte de Minas Gerais (2017) ............................... 66
Mapa 63: Valor Adicionado Bruto do Setor de Serviços dos Municípios do Norte de Minas Gerais (2017) .................. 66
Mapa 64: Nº de Conflitos Por terra e Famílias no Norte de Minas Gerais (2000 - 2019) ............................................. 67
Mapa 65: Nº de Trabalhadores escravos no campo no Norte de Minas Gerais (2000 - 2019) ....................................... 67
Mapa 66: Nº de Conflitos por água é em períodos de seca no Norte de Minas Gerais (2000 – 2019) ........................... 68
Mapa 67: Nº de Cisternas – Programa Um Milhão de Cisternas .................................................................................. 68
Mapa 68: Projetos de Irrigação no Norte de Minas Gerais ............................................................................................ 69
Mapa 69: Estabelecimentos Rurais que Utilizaram Agrotóxico em 2017 ....................................................................... 69
Mapa 70: Intoxicações por Agrotóxicos de Uso Agrícola no Norte de Minas Gerais (2007-2017) ................................. 70
Mapa 71: Produtores de orgânicos por municípios do Norte de Minas em 2020 .......................................................... 70
Mapa 72: Escolas do Campo por município do Norte de Minas em 2020 .................................................................... 71
Mapa 73: Escolas Famílias Agrícola no Norte de Minas ................................................................................................ 71
Mapa 74: Assentamentos rurais do Norte de Minas em 2019 ....................................................................................... 72
Mapas 75 e 76: Terras Indígenas Xacriabá e Tuxá ......................................................................................................... 73
Mapa 77: Incidência Quilombola no Norte de Minas ................................................................................................... 74
Mapa 78: Territorialidades do Norte de Minas .............................................................................................................. 74
AOS INDÍGENAS, QUILOMBOLAS E
CAMPONESES DO NORTE MINEIRO,
À GUISA DE PREFÁCIO

Ariovaldo Umbelino de Oliveira


Professor Titular – FFLCH – USP
arioliv@usp.br

O Atlas da Questão Agrária Norte Mineira organizado por Gustavo Henrique Cepolini Ferreira tem
por objetivo “... ir além da coleção de mapas ou cartas geográficas em livros ... ou seja, da acepção literal
comumente atribuída ao Atlas.” Portanto, “... expressa a seu modo a complexidade e as contradições vivencia-
das no país, e, especialmente no campo brasileiro e norte mineiro, ressaltando o compromisso da universidade
pública ao construir conhecimento, lutas e embates que possam transformar a realidade brasileira frente as
proposições daqueles que seguem defendendo a “passagem da boiada” sobre os direitos históricos dos indígenas,
quilombolas e camponeses no Brasil.” Logo, “... trata-se de uma marca histórica, ou seja, uma perversa e atual
“Geografia das lutas no campo”, marcada por conflitos e sangue ...”. E, muito mais “... constitui-se num -
apoio - para a compreensão da realidade no/do campo e dos povos e populações rurais nas Gerais a partir de
muitas mãos, corpos e mentes que resistem como o Cerrado – “Réplica vegetal da teimosia do Povo sertanejo,
os paus deste cerrado a sol batido, duros sobreviventes” como cunhou sabiamente Dom Pedro Casaldáliga ...”.
Tudo isso, é muito mais do que os autores dos Atlas pretendiam expor. É um pouco da verdade
verdadeira que os indígenas, quilombolas e camponeses, no Norte Mineiro, queriam que um Altas
apresentasse. É tudo aquilo que um dia o “... sonho que se sonha junto ...” de Raul Seixas, de repente,
aparecesse como realidade aos olhos de todos. É assim, que o trabalho e a Geografia transparecem no
Atlas. Por isso mesmo, parabéns aos seus autores, todos.
Mas, é necessário abordar o Atlas, para que ele seja, de fato e de direito, dos indígenas, quilombolas
e camponeses, do Norte Mineiro. Trata-se de apresentá-lo aos leitores. O Atlas possui uma “Apresenta-
ção” onde o organizador Gustavo, afirma-se reforçando seus objetivos e do exemplar. Depois, passa-se
ao “Preâmbulo – Uma contribuição para a Geografia Agrária do Norte de Minas Gerais”, também, de
autoria do Gustavo, onde ele apresenta aos leitores as discussões sobre a territorialização do campesina-
to e do agronegócio no Norte mineiro como antagônicas e contraditórias, onde as lutas pelo território
e pela terra aparecem a partir de diferentes conflitos e disputas. E, demarca sua posição defendendo
a autonomia indígenas, quilombola e camponesa no interior da violência e de suas múltiplas facetas.

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GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI FERREIRA

Depois vem o propriamente, “Atlas da Questão Agrária Norte Mineira”. Nele, Gustavo apresenta
em mais de 78 mapas em 41 páginas seu arsenal teórico e de método. Destaco, entre os muitos e belos
mapas que compõem o Atlas, aqueles que abordam os conflitos de terra entre 2000 e 2019 nos muni-
cípios; a presença do trabalho escravo no mesmo período; os conflitos por água; e, o projeto “Um Mi-
lhão de Cisternas” na região. Traz também, com muita clareza, os mapas dos assentamentos rurais, das
Terras Indígenas Xakriabá e Tuxá, bem como as áreas quilombolas. E, termina o Atlas, propriamente
dito, com um mapa síntese sobre as territorialidades do Norte mineiro.
A seguir, apresenta a parte do Atlas intitulado “Relatos e registros de pesquisas – ações e lutas nos Ge-
rais” um conjunto brilhante de textos feitos pela equipe toda que o produziu. Nesta parte do Atlas em
que os capítulos são numerados de 1 a 14, há um texto de Sandra Helena Gonçalves Costa cujo título
é “Questão agrária e luta por território no Norte de Minas Gerais: a grilagem e o conflito no Vale das Can-
celas”; um texto de Alexandre Gonçalves, Leticia Aparecida Rocha e Paulo Roberto Faccion intitulado
“Conflito no Norte de Minas”; outro texto de Felipe Leonardo Soares Ribeiro cujo título é “Precisamos
construir os Gerais, porque as Minas estão nos tomando ... uma análise da mineração no Norte de Minas”;
um texto de Alexandre Soares e Oswaldo Samuel Costa Santos intitulado “MST construindo a Reforma
Agrária Popular: Resistência Camponesa na Fazenda Arapuim”; outro texto de David Batista Batella
cujo título é “Breve histórico da Liga dos Camponeses Pobres no Norte de Minas”; um texto de Anderson
Bertholi, Caroline Alves da Silva e Cibele Bertholi “O Trabalho Coletivo no Brejo dos Crioulo”; outro
texto de Gustavo Henrique Cepolini Ferreira e Josiane Barcelos de Souza cujo título é “Da Ocupação ao
Assentamento Viveiros em Pirapora”; um texto de Aline Fernanda Cardoso intitulado “Uso e Intoxicação
por Agrotóxicos em Trabalhadores Agrícolas do Projeto Jaíba”; o texto de Deyvison Lopes Siqueira cujo
título é “Agricultura Urbana em Montes Claros: uma Transição Agroecológica no Semiárido”; um texto de
Carlos Alberto Dayrell intitulado “De Nativos, de Caboclos e de suas Antropologias”; o texto coletivo do
Núcleo Interdisciplinar de Investigação Socioambiental intitulado “Povos, Comunidades Tradicionais e
seus Territórios no Norte de Minas Gerais”; um texto de Matheus Vinicius Ferreira e Adinei A. Crisós-
tomo cujo título é “Nova Cartografia Social no Sertão Norte Mineiro”; o texto de Heiberle Hirsgberg
Horácio, Cássio Alexandre da Silva e Fabiano José Alves de Souza intitulado “Xakriabá, Fronteiras,
Lutas e Resistência no Norte de Minas Gerais – Brasil”; e, um texto de Magda Martins Macêdo, Erika
Fernanda Pereira de Souza e Maria Auxiliadora Amaral S. Gomes cujo título é “Educação do Campo em
pauta no Norte de Minas Gerais”. O trabalho proposto contém, também, como Anexo A, o texto Nota
das Entidades da Sociedade Civil “Mineração aqui não! Fora SAM! Em Defesa dos Povos e das Águas
de Minas e Bahia”; e, como Anexo B o texto da Carta do II Mutirão da Articulação Rosalino de Povos
e Comunidades Tradicionais no território Xakriabá, à sociedade brasileira e internacional.
Este conjunto de textos e mapas formam o “Atlas da Questão Agrária Norte Mineira” que está dis-
ponível para indígenas, quilombolas e camponeses do país, e, quiçá, do mundo. Que ele atinja seus

12
ATLAS DA QUESTÃO AGRÁRIA NORTE MINEIRA

objetivos, e, porque “assim, o Atlas se constitui como um instrumento de registro, denúncia e ação, uma
vez que tabela esconde o rosto, oculta os olhos, e não mostra a história ...” como muito bem afirmou Dom
Tomás Balduíno. “... Por isso, assumimos o papel de escancarar os dados estatísticos por meio de uma análise
crítica e, por vezes, propositiva ao reconhecer os conflitos a partir da territorialização do campesinato e do
agronegócio no Norte de Minas Gerais.”
No final do inverno de 2020, nestes dias cinzentos de transmissão da Covid-19.

13
APRESENTAÇÃO

Gustavo Henrique Cepolini Ferreira

As ciências são construções humanas e sujeitas às influências do contexto histó-


rico no qual foram engendradas; por isso, a própria definição de ciência é histó-
rica e mutável. Assim sendo, um conhecimento que era considerado geográfico
numa época, não era em outro [...]. Portanto, a mutabilidade é uma característi-
ca essencial da atividade científica e, muitas vezes, o salto para uma nova concep-
ção deve ser buscado na reflexão de certos conhecimentos de “outras ciências”.

Rui Ribeiro de Campos (2004, p.01)1

A presente colaboração pretende ir além da “coleção de mapas ou cartas geográficas em livro”


(BECHARA, 2011, p.175)2, ou seja, da acepção literal comumente atribuída ao Atlas. Nesse sen-
tido, a mitologia grega sustenta o ideário de que Atlas ou Atlante foi um dos Titãs condenados por
Zeus para sustentar os céus – o mundo para sempre3. Trata-se de um castigo que Atlas suportou e
endureceu na sua trajetória mitológica; ora como resistência ou grandeza dos fatos, os quais se fazem
presente na construção do pensamento geográfico através de Gerhard Kramer, conhecido como
Mercator (1512 – 1594), “o primeiro a usar o termo atlas para designar um conjunto de mapas mas
que nunca publicou um – a cartografia começava a se transformar numa técnica mais precisa [...]”
(CAMPOS, 2004, p. 01). Constata-se, portanto, o avanço do capitalismo e a crescente necessidade
de uma Geografia para ampliar os horizontes europeu... o expansionismo, o colonialismo, o neoco-
lonialismo e a barbárie advinda com esse conhecimento.
1 CAMPOS, Rui R. de. Geografia: da Grega à Geografia Alemã: Campinas: PUC-Campinas, 2004, p. 07.
2 BECHARA, Evanildo C. (Org.). Dicionário Escolar da Academia Brasileira de Letras: Língua Portuguesa. São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 2011.
3 Trata-se da “abóbada celeste” conforme as indicações de: BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia Grega – volume 1. Petrópolis-RJ:
Vozes, 1986.

15
GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI FERREIRA

Assim, a mitologia e a tradição geográfica com Mercator e seus antecessores e sucessores sustentam
o ideário e formulações de Atlas que também possibilitou a denominação do Oceano Atlântico, bem
como da Cordilheiras de Atlas no norte da África. Por isso, reitera-se que o mito de Atlas representa ho-
diernamente as dificuldades cotidianas sobre os “nossos” ombros – nossa cabeça e mente. Dessa maneira,
o papel do “Atlas da questão agrária Norte Mineira”, expressa ao seu modo a complexidade e as contra-
dições vivenciadas no país e, especialmente no campo brasileiro e norte mineiro, ressaltando o compro-
misso da universidade pública ao construir conhecimentos, lutas e embates que possam transformar a
realidade brasileira frente às proposições daqueles que seguem defendendo à “passagem da boiada”4 sob
os direitos históricos dos indígenas, quilombolas e camponeses no Brasil. Trata-se de uma marca históri-
ca, ou seja, uma perversa e atual “Geografia das lutas no campo”, marcada por conflitos e sangue como
sistematicamente apontam as análises do professor Ariovaldo Umbelino de Oliveira (1988 e 2016)5.
Assim, o “Atlas da Questão Agrária Norte Mineira”, constitui-se num – apoio – para compreensão
da realidade no/do campo e dos povos e populações rurais nas Gerais a partir de muitas mãos, corpos e
mentes que resistem como o Cerrado – “Réplica vegetal da teimosia do Povo sertanejo, os paus deste cer-
rado a sol batido, duros sobreviventes” como cunhou sabiamente Dom Pedro Casaldáliga (1979, p.15)6.
O Atlas da Questão Agrária Norte Mineira, reflete, portanto, um desafio contínuo ao compreen-
der as teorias e a indissociabilidade com o método, as quais juntas - teoria e método - fazem a práxis
(OLIVEIRA, 2016a)7 . Nesse devir, urge salientar o compromisso e responsabilidade da universidade
pública ao demarcar e construir a liberdade e autonomia no seu cotidiano.
Assim, reitero que alguns trabalhos anteriores dão sustentação ao Atlas, os quais originaram-se a
partir das pesquisas dos/as orientandos/as da graduação (Licenciatura em Geografia de Montes Claros
e Pirapora) no Fórum de Ensino Pesquisa e Extensão da Universidade Estadual de Montes Claros,
edições, 2016 a 2019, bem como os trabalhos completos apresentados no Simpósio Nacional e
Internacional de Geografia Agrária – 2017 em Curitiba-PR8 e os artigos publicado nas Revistas Bo-
letim Paulista de Geografia e Tamoios, respectivamente em 2017 e 2018.
Em relação aos mapas elaborados para o Atlas, reforçamos que foram desenvolvidos a partir de
diferentes bases oficiais, movimentos sociais, instituições de ensino, pesquisa, extensão, bem como
4 Frase do atual Ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, durante reunião ministerial realizada em Brasília no dia 22 de abril
de 2020, ao indicar as reformas “infralegais” de simplificação e “desregulamentação” das leis ambientais no período da Pande-
mia de Covid-19. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2020/06/09/o-que-passou-na-boiada-de-ricardo-salles-du-
rante-a-pandemia> e <https://www.brasildefato.com.br/2020/06/09/o-que-passou-na-boiada-de-ricardo-salles-durante-a-pande-
mia>. Acesso em: 10 jul. 2020.
5 OLIVEIRA, Ariovaldo U. de. A Geografia das lutas no campo. São Paulo: Contexto, 1988; OLIVEIRA, Ariovaldo U. de. Cam-
poneses, indígenas e quilombolas em luta no campo: a barbárie aumenta. In: CPT. Conflitos no Campo Brasil 2015. Goiânia: CPT
Nacional, 2016.
6 CASALDÁLIGA, Dom Pedro. Cantigas menores. Goiânia: Projornal, 1979.
7 OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino. A Mundialização da Agricultura Brasileira. São Paulo: Iandé Editorial, 2016a.
8 Com apoio da FAPEMIG através do Projeto: PCE-00426-17 - Participação coletiva em evento técnico e científico.

16
ATLAS DA QUESTÃO AGRÁRIA NORTE MINEIRA

provenientes de trabalhos de campo9 realizadas nos últimos quatro anos em diferentes municípios do
Norte de Minas Gerais10. Cabe ainda, apontar aos leitores e leitoras que utilizamos as bases cartográ-
ficas e tabulações provenientes da divisão regional das mesorregiões; ou seja, reconhecemos a singula-
ridade e importância histórica da mesorregião Norte de Minas, mesmo sabendo que o IBGE adotou
a partir de 2017 as regiões denominadas de intermediárias e imediatas em substituição/atualização às
Mesorregiões e Microrregiões Geográficas utilizadas desde a década de 1990.
Assim, o Atlas se constitui como um instrumento de registro, denúncia e ação, uma vez que a tabela
esconde o rosto, oculta os olhos, não mostra a história (BALDUINO, 2010)11. Por isso, assumimos
o papel de escancarar os dados estatísticos por meio de uma análise crítica e, por vezes, propositiva
ao reconhecer os conflitos a partir da territorialização do campesinato e do agronegócio no Norte de
Minas Gerais.
Em relação à produção cartográfica, ressalta-se que devem ser compreendidos a partir de quatro
dimensões indissociáveis, ou seja: como instrumento de pesquisa, linguagem, apresentação e sistemati-
zação de pesquisa e, por fim, como recurso político-pedagógico como indicou a geógrafa Larissa Mies
Bombardi12. Complementa-se ainda, conforme a proposição da Comissão Pastoral da Terra – CPT
através do CEDOC – Centro de Documentação Dom Tomás Balduino a partir das seguintes dimen-
sões: ética, política, histórica e científica. Assim, “O mapa é a certeza de que existe o lugar, o mapa
guarda sangue e tesouros” Adélia Prado13. Por isso, reiteremos que os mapas devem ser compreendidos
como uma representação viva da realidade, cuja estatística precisa ser tensionada e escancarada.
Eis um desafio materializado nos mapas, bem como nos capítulos a partir de pesquisas e relatos das
pesquisadoras, pesquisadores, movimentos sociais e extensionistas que se debruçam a partir de diferen-
tes matrizes e recortes da questão agrária no Norte de Minas Gerais. Por isso, a luta para derrubada das
cercas segue adiante, assim como a construção da democracia, que constantemente é violada no país,
sobremaneira com o golpe político-parlamentar/jurídico/midiático de 201614 e seus desdobramentos.
Espera-se que os leitores e as leitoras possam ler tais materiais organizados no “Atlas da Questão Agrária
9 IBGE, CPRM, DNPM, IGA, UFV, PROPEQUI, MapBiomas, ANEEL, SRTM, IGAM, ICMBio, IBAMA, IEF-MG, MMA,
INPE, MDA, MAPA, SINAM, INCRA, Fundação Cultural Palmares, FUNAI, CPT – CEDOC Dom Tomás Balduino, ASA,
LCP, SEE-MG, etc.
10 Salienta-se que a pesquisa está institucionalizada na Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes a partir das Resoluções
Nº 185 – CEPEx/2017 e Nº. 154 - CEPEx/2019 – Unimontes; também foi aprovada no Edital Chamada 01/2018 - Demanda
Universal através do Processo: APQ-00087-18 da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais - FAPEMIG, e
aguarda a liberação dos recursos através do Convênio já assinado entre a universidade e referida agência de fomento.
11 BALDUINO, Dom Tomás. Testemunho e profecia. In.: CPT. Conflitos no Campo Brasil 2009. São Paulo: Expressão Popular,
2010.
12 Arguição realizada durante o VI Seminário de Pesquisa em Geografia Humana realizado na Universidade de São Paulo em agosto
de 2017.
13 Citado por FERNANDES, Manoel. Aula de Geografia e algumas crônicas. Campina Grande: Bagagem, 2008, p. 54.
14 Como indicado por: FELICIANO, Carlos Alberto; MITIDIERO JUNIOR, Marcos. A violência no campo brasileiro em tempos
de golpe e a acumulação primitiva de capital. Okara: Geografia em debate, v.12, nº 2, p. 220-246, 2018.

17
GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI FERREIRA

Norte Mineira” e assim, possam contribuir com a luta em defesa da reforma agrária e dos territórios
seculares dos indígenas e quilombolas, numa tomada de consciência rebelde para defesa dos direitos
sociais e territoriais que historicamente teimam em nos privar sob a égide da democracia.

Gustavo Henrique Cepolini Ferreira


No Inverno Norte Mineiro de 2020

18
PREÂMBULO
Uma contribuição para a Geografia Agrária do Norte de Minas Gerais

Gustavo Henrique Cepolini Ferreira

“A conclusão é de que até mais do que terra. Esse símbolo, que se liga visce-
ralmente a vida, é propriamente um lugar histórico dessas lutas, sucessoras das
mais primitivas lutas dos índios, dos negros e dos camponeses que, na sofrida
busca do próprio chão, foram descobrindo as outras dimensões do seu comba-
te. Terra é dignidade, é participação, é cidadania, é democracia. Terra é festa do
povo novo que, por meio da mudança, conquistou a liberdade a fraternidade
e alegria de viver!”
Dom Tomás Balduino (2004, p. 24-5)

As discussões ora apresentadas versam sobre a territorialização do campesinato e do agronegócio


no Norte de Minas Gerais como antagônicas e contraditórias. Por conseguinte, analisa-se alguns ele-
mentos da luta pela terra e território a partir dos diferentes conflitos e disputas. Neste contexto, o Atlas
da questão agrária Norte Mineira visa sistematizar parte das lutas em busca da constante autonomia
camponesa1 frente ao avanço da violência e suas facetas.
Por isso, reitera-se que: “já não há como separar o que o próprio capitalismo unificou: a terra e o
Capital; já não há como fazer para que a luta pela terra não seja também uma luta contra o capital,
contra e expropriação e a exploração que estão na sua essência. (MARTINS, 1981, p. 177)..
Nesse devir, esta introdução revela parte dos esforços no tocante à revisão de literatura em conso-
nância com alguns trabalhos de campo realizados no Norte de Minas Gerais que sustentam as análises
e leituras em constante construção em função do próprio movimento da realidade com os inúmeros
1 No contexto Norte Mineiro, as comunidades rurais se reconhecem como diferenciadas conforme estudo do Ministério do Inte-
rior, através da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco a partir de 1950, ou seja, são geraizeiros, veredeiros,
catingueiros, vazanteiros/barranqueiros e os ilheiros (COSTA, 2011). Acrescenta-se ainda, os apanhadores de flores, chapadeiros,
indígenas e quilombolas ao se apropriarem de uma fração do território.

19
GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI FERREIRA

desafios e disputas entre a territorialização do campesinato e o agronegócio. Por isso, os mapas são fun-
damentais para revelar parte do diagnóstico agrário, ou seja, “se por um lado, um mapa é uma abstra-
ção elaborada e espacialmente projetada a partir um ponto de vista, tal visão é possibilitada pelas lentes
através das quais o que é submetido à vista torna-se o visto dito” (BARBOSA et. al, 2011, p. 101).
Reitera-se, portanto, que a partir da estruturação metodológica os mapas constituem-se como ins-
trumentos de síntese e, sobretudo, para indicar novos trabalhos de campo nos municípios cujos dados
de produção e conflitos no campo são crescentes e/ou decrescentes. Dessa maneira, indicam novos
caminhos para interpretação da latente questão agrária norte mineira.
Destaca-se que as discussões e mapeamento estão respaldados pelos dados da Comissão Pastoral da
Terra (CPT), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) entre ouras referências que permi-
tem analisar o campo norte mineiro. Tais dados são indissociáveis das leituras sobre o campo brasileiro,
em especial Silva (1999), Porto-Gonçalves (2000), Oliveira (2001, 2007) e Fernandes (2001), entre
outros, para a compreensão do campesinato hodiernamente. Por fim, procura-se trazer para a discussão
o entendimento da realidade, bem como os desafios encontrados pelo campesinato ao territorializar em
meio às grandes transformações ocorridas sob a égide da modernização no norte de Minas e no Brasil.
Assim, cabe reafirmar que: “[...] a questão agrária é uma questão do capitalismo, e que esse tem abran-
gência global, é imperativo no esforço de desvendá-la nessa mesma escala, mas isso não é possível sem a
compreensão das particularidades de cada fração do território [...]” (PAULINO, 2007 p. 340).
Para Feitosa e Barbosa (2006), essas transformações ocorrem justamente na utilização das terras
devolutas, que comumente eram utilizadas pelas populações locais para sua reprodução social e econô-
mica, mas atualmente estão sob o controle de grupos privados, cujo uso está voltado para a monocul-
tivo de eucalipto e pinus destinada à produção carvoeira2, consequentemente, abastecendo a siderurgia
mineira, assim como para a expansão da pecuária extensiva e, sobretudo, para os projetos de irrigação
de culturas frutíferas para exportação3, dentre outras atividades.
Costa (2015 e 2015a) também discute a apropriação de terras e os conflitos no norte de Minas,
evidenciando que a formação da propriedade privada da terra foi impulsionada através de práticas
que favoreceram as elites locais, a partir das primeiras décadas do século XX. Assim, “[...] desde os
anos 1950/60, apoiadas no braço das políticas de Estado, se articularam com as empresas capitalistas,
expandido a grilagem, desmatando o Cerrado, apropriando-se da água e agudizando a questão hídrica
e fundiária” (COSTA, 2015a, 03).
2 Sore esse contexto, Brito (2011, p. 143), afirma que: “O Norte de Minas Gerais a partir da década de 1960 é alvo do processo
de expansão é modernização por parte do estado e do empresariado rural. Área de transição ecológica entre Cerrado e Caatinga
e com manchas de mata seca. O projeto estatal de modernização da região teve como uma das vertentes em áreas de Cerrado a
implantação de grandes áreas de monocultura de eucalipto para a produção de carvão vão demandada pela indústria siderúrgica
mineira. Os locais preferenciais da implantação do eucalipto norte de Minas foram as “chapadas” ou “gerais”, terras altas e planas”.
3 Como exemplo destacam-se os Projetos Jaíba, Pirapora e Jequitaí. Somente o Projeto Jaíba localizado no município homônimo,
às margens do Rio São Francisco, foi projetado para irrigar uma área de 100 mil hectares.

20
ATLAS DA QUESTÃO AGRÁRIA NORTE MINEIRA

Tomando-se como referência este cenário, pode-se constatar que a intensificação da modernização no
campo consolidou o modelo agrário/agrícola nacional, dominado pelo capitalismo, ou seja, está ancora-
do no latifúndio, nas commodities, nas máquinas, nos agrotóxicos e em perversas relações de trabalho4,
acarretando um embate teórico e político cada vez mais amplo, deixando evidente a existência de uma
conflitualidade de classes envolvendo camponeses, agronegócio e mineração de forma contínua no Brasil.
Salienta-se ainda, que os camponeses seguem resistindo e lutando contra o capital e constroem
possibilidades de recriação e reprodução, sendo que essa luta não é apenas por terra, mas também por
uma educação que viabilize seu processo de territorialização e que auxilie no embate contra a territo-
rialização do capital no campo (FERREIRA, 2011).
Assim, cabe salientar que os conflitos entre agronegócio e campesinato, travadas entre estes dois
modelos no Norte de Minas Gerais, remete à luta pela terra e território e, sobretudo, à construção de
uma agenda dos Povos do Cerrado que assegure os princípios de uma agricultura camponesa - sertane-
ja5, respaldada ainda pela “sociobiodiversidade” e “tradicionalidade” nesse encontro de biomas e vidas.

O NORTE DE MINAS GERAIS - AS MINAS E OS GERAIS

A região do Norte de Minas Gerais é detentora de características geológicas e biogeográficas riquís-


simas, cuja diversidade permitiu a formação do sertão Semiárido – Caatinga, Cerrado e Mata Atlântica,
em consonância com os modos de vida da população que tradicionalmente ocupa essas terras6. Nota-se
que desde os primórdios a região concentra grandes ciclos econômicos importantes, como exemplo a
cana-de-açúcar e ouro, além de fornecer gado e derivados da pecuária, trazendo assim características
próprias para os municípios e fortalecendo a economia local.
Em relação ao “encontro” dos biomas cabe reafirmar que tal diversidade é manejada e transformada
frente os distintos usos e territorialidades seculares, ou seja, as populações cultivam a terra a partir de
diferentes estratégias que asseguram a agrobiodiversidade e, consequentemente, a segurança e sobera-
nia alimentar dessas comunidades camponesas.
Neste contexto, Costa (2015, p. 1291), salienta que:
4 No período de 2000 a 2015 constata-se “o trabalho escravo no campo, principalmente entre os municípios de Juvenília, Matias
Cardoso, Coração de Jesus, Santa Fé de Minas, Manga, Buritizeiro, Pintópolis e São Romão, estes municípios apresentaram
envolvimento de 12% de trabalhadores escravos no campo de Minas Gerais, sobretudo, nas atividades de carvoaria e lavouras”
(FERREIRA; SANTOS, 2018, p. 67). No ano de 2019 registrou-se 25 ocorrências em todo estado de Minas Gerais envolvendo
392 trabalhadores do Campo e 4 menores; no Norte de Minas Gerais registrou-se 8 ocorrências envolvendo 112 trabalhadores
conforme dados da CPT.
5 Sobre essa perspectiva Oliveira, Dayrell e D’Angelis Filho (2011), estabelecem um fecundo diálogo ao analisarem as economias
invisíveis e comunidades tradicionais no Norte de Minas.
6 Cabe ressaltar que o semiárido mineiro é constituído pelas mesorregiões Norte de Minas e Jequitinhonha, que totalizam 10,54%
da área do seminário brasileiro (CAA, 2014).

21
GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI FERREIRA

O ordenamento territorial mineiro tem um marco específico no século XVIII, quando


ainda o Norte de Minas, estava subjugado aos limites das Capitanias de Pernambuco e
Bahia. Com a descoberta dos corpos minerários na região diamantífera se instaurou uma
preocupação interna e externa (Coroa Portuguesa) em definir os limites da Capitania de
Minas Gerais, ordenar a fundação de Vilas e demarcar a jurisdição das freguesias, para que,
com isso pudessem exercer mais controle sobre as terras a serem exploradas pela minera-
ção, como também foi uma preocupação, o abastecimento destas áreas.

Trata-se, portanto, da transição entre biomas e, sobretudo, de uma área de confronto entre as dis-
tintas apropriações, para incorporar essas terras no processo histórico de privatização das terras públi-
cas, ou seja, de um processo que

[...] tem modificado drasticamente o regime de uso comum das terras camponesas e qui-
lombolas. Ao longo do tempo, na paisagem de transição, entre o Cerrado e Caatinga, fo-
ram desenvolvendo uma particular relação com meio que permitiu construir identidades
(geraizeiras, vazanteiras e catingueiras), que construíram bandeiras de luta pelo território
de morada, de reprodução da vida, do trabalho, das formas de alimentar e de ser, nos ge-
rais, nas vazantes dos rios e riachos e na mata seca da caatinga (COSTA, 2015a, 3).

Nesse devir, as indicações de Porto-Gonçalves (2000, p. 04), seguem atuais ao reconhecer que:

Há também as culturas de subsistências herdadas pelos familiares de agricultores geraizeiros,


vazanteiros e pelos caatingueiros. Apesar de ser tradição, produzir no campo o acesso a terra
era restrita, somente para quem tinha poder aquisitivo, eram considerados povos pobres por
não ter um pedaço de terra, só seria rico os latifundiários que tivesse grandes territórios, com
poder econômico tinha o controle do território e o estado o controle das terras improdutivas.

Além das minas de ouro, havia os campos gerais que são um modo de apropriação comum das
terras, ou seja, trata-se de terras públicas utilizadas pelas populações camponesas, que encontrando um
pedaço de chão para deixar seu gado, no tempo de plantações nas várzeas, asseguravam sua reprodução
e de sua família.
Com o advento da modernização, apregoada com o Estatuto da Terra, os latifundiários, sob a égide
de um empresariado rural, avançam sobre tais terras, assim, os Gerais e as chapadas deixaram de ser
públicas para beneficiar os latifundiários, deixando principalmente os geraizeiros subordinados, ou
mesmo expropriados, de um território em constante disputa.
Cabe ressaltar que o rio São Francisco, enquanto rio importante de integração entre o Nordeste,
Sudeste e Centro-Oeste, possui em seus afluentes um importante interposto, que contribuiu ainda

22
ATLAS DA QUESTÃO AGRÁRIA NORTE MINEIRA

para o controle e o povoamento do interior, onde constituíram-se os grandes latifúndios e as pequenas


posses, ambos responsáveis pelo desenvolvimento da pecuária extensiva e da agricultura de base fami-
liar, respectivamente. Assim, a posse da terra é, para a maioria da população camponesa, um grande
desafio. Por isso, o aporte de Costa (2015, p. 1296) deve ser salientado, uma vez que:

Todo este processo histórico de privatização das terras e desenvolvimento das formas ca-
pitalistas de produção no campo nos gerais, dialeticamente, tem produzido resistências
camponesas e quilombolas, que expressam a contradição e as resistências de um povo que
reclama por produzir nas terras e que elas sejam “soltas” que na trincheira da luta territorial
tem logrado enriquecer o debate ambiental, no que tange ao modo de se relacionar com
as particularidades ecológicas na paisagem de transição entre o Cerrado e a Caatinga. Este
texto se soma às lutas e resistências históricas, desde a memória dos indígenas cujo sangue
se juntou ao território das águas e ao suor dos povos que irrigam de esperanças do sertão
dos gerais. Autonomia e liberdade a estes povos.

Tais resistências permanecem atuais no Norte de Minas e vem sendo, dia após dia, intensificadas
pelo avanço do agronegócio no norte de Minas, ora com a conhecida artimanha de expulsar os povos
locais por meio dos jagunços, ameaças e assassinatos, ora com a convivência de políticas retrógradas,
que impõem um modelo ancorado em grandes projetos de irrigação e mineração com gigantescos
aportes de recursos públicos7.

A AGRICULTURA CAMPONESA E O AGRONEGÓCIO

A agricultura camponesa vai além das meras necessidades de subsistência, assim, para entender esta
diferença entre o camponês e o capitalista, “[...] é preciso não esquecer que a família camponesa tra-
balha sem utilizar mão de obra paga e, portanto, os motivos para prosseguir, ou não em sua atividade
econômica são internos” (PAULINO; ALMEIDA, 2010, p. 43).
Tal mecanismo para o campesinato é distinto dos processos de monopolização do território pelo
capital e da territorialização do capital, conforme apregoado por Oliveira (1999), pois esse revela uma
articulação, ou mesmo, uma aliança de classes entre o capital nitidamente industrial e o proprietário
de terras, constituindo-se assim, um só agente de capital.
O campesinato, por sua vez, tem uma ordem moral no âmbito da economia familiar que o distingue
enquanto classe social. Tal premissa pode ser notada na luta pela terra em busca da reforma agrária,
portanto, na organização, controle, hierarquia e autonomia do tempo e também nas demais esferas
7 Ver a reportagem: “Ameaças, milícia e morte: a nova cara do Velho Chico” de Daniel Camargos, Fernando Martinho e Ana Ma-
galhães da Reportem Brasil (22/05/2020), disponível em: < https://reporterbrasil.org.br/velhochico/>. Acesso em: 16 jun. 2020.

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GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI FERREIRA

com as quais precisa lidar. Assim, sua territorialização se manifesta numa fração do território capitalis-
ta. Na outra dimensão, o agronegócio se manifesta como:

[...] a expressão da expansão capitalista no campo apropriando-se cada vez mais das terras,
considerado uma irracionalidade dentro do sistema capitalista devido sua lógica rentista. O
agronegócio possui uma estrutura complexa que compreende a integração entre agricultura,
indústria, conhecimentos e comercialização direta da produção, principalmente para a ex-
portação. Este sistema possibilitou a concentração de terras nas mãos de grandes empresas
nacionais e transnacionais que atuam em diversos setores da economia (ROOS, 2012, p. 2).

Assim, o agronegócio requer a utilização cada vez maior de terras, agrotóxicos e capitais para com-
bater pragas, fertilizar os solos e garantir a sua elevada produtividade, ocasionando impactos tanto
negativos como positivos. Nos territórios onde o agronegócio se territorializa, nota-se uma modificação
nas relações sociais, ambientais, trabalhistas e econômicas.
Torna-se indispensável, portanto, a discussão sobre a luta da classe camponesa pela terra, que se
recria, contraditoriamente, frente ao processo de territorialização do capital no campo e à sujeição de
sua renda ao capital. Tais processos fazem com que os movimentos sociais do campo, mais especifica-
mente o MST, não lutem apenas por distribuição de terra e renda, todavia, trata-se de uma luta para
a derrubada de várias cercas materiais e simbólicas. Portanto, é nessa perspectiva que devemos pensar
a luta e o processo produzido pelos sujeitos do campo brasileiro, em especial nas Gerais, uma vez que
as lutas e conquistas no campo seguem vivas, e seus sujeitos, apesar da força do capital, continuam
construindo, juntamente com sua luta, com conhecimento, cultura e alimentos ancorados em uma
sapiência territorial singular.

Assim, esses camponeses não são entraves ao desenvolvimento das forças produtivas, impe-
dindo o desenvolvimento do capitalismo no campo; ao contrário, eles praticamente nunca
tiveram acesso à terra, sendo pois desterrados, “sem terra”, que lutam para conseguir o
acesso a terra. É no interior destas contradições que têm surgido os movimentos sociais de
luta pela terra, e com ela os conflitos, a violência (OLIVEIRA, 2001, p. 5.).

A luta pela terra é uma luta incessante contra o capital. É contra a espoliação e contra a exploração
histórica no Brasil. Consequentemente, os camponeses sem-terra desenvolvem inúmeras estratégias
para lutar contra a exclusão causada por essa aliança de classes, que impede a reforma agrária no país e
também no norte de Minas, conforme os dados obtidos na CPT, e também oriundos dos trabalhos de
campo realizados nessa mesorregião.

24
ATLAS DA QUESTÃO AGRÁRIA NORTE MINEIRA

OS CONFLITOS E ALTERNATIVAS NAS GERAIS

Os conflitos são marcas históricas constantes no Norte de Minas Gerais, isto é, os camponeses
seguem lutando pela reforma agrária e acesso à água. Trata-se de duas dimensões indissociáveis im-
pulsionando os diferentes movimentos sociais agrários que atuam nessa região e no Jequitinhonha. A
atuação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), bem como de outros movimentos
socioterritoriais, e do Centro de Agricultura Alternativa (CAA), é um indicador de um amplo proces-
so de reconhecimento das populações tradicionais e camponesas que lutam pelo acesso a terra, água,
educação, financiamento etc.
Como cenário introdutório das disputas nas Gerais, as análises de Dayrell e Lopes (2016, p. 87)
evidenciam a situação hodierna:

Quando se percorre o Norte de Minas pelas suas principais rodovias, analisando a diversi-
dade de paisagens percorridas, um dos seus aspectos marcantes é o predomínio de grandes
propriedades. Observam-se imensas áreas de pastagens ou com a monocultura de eucalip-
to ou da banana que alternam com uma diversidade de formações vegetais associadas com
o Bioma Cerrado e formas transicionais com a Caatinga, Mata Seca, e Mata Atlântica, mas
também inúmeros povoados, distritos, pequenas cidades e diversos núcleos de comunida-
des rurais. Se buscarmos no IBGE a confirmação desta percepção, o resultado é imediato:
dos 91.163 estabelecimentos agropecuários do Norte de Minas, apenas 15% das unidades
produtivas referem-se a empreendimentos de fazendeiros ou empresários e estes ocupam
70% de todas as terras do Norte de Minas.

Nota-se que a concentração fundiária nas Gerais é da ordem de 70% para as grandes propriedades
e os 30% restantes, para os demais sujeitos sociais que labutam na terra de trabalho e vida. Assim,
constituem-se algumas disputas e conflitos, uma vez que grande parte destes empreendimentos, além
de constituírem latifúndios, recebem recursos públicos abastados e visam a expansão, conforme o Re-
latório “Projeção do Agronegócio: Minas Gerais 2016 a 2026”, cuja segunda edição foi publicada em
2017 pela SEAPA - Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento do estado de Minas Gerais.
Tais perspectivas nos permitem inferir que a reforma agrária não acontecerá, e os conflitos terri-
toriais seguirão crescentes, juntamente com a violência no campo. Como síntese dessas contradições
apresenta-se a seguir na Tabela 1, os dados inerentes aos conflitos por terra e número de famílias no
Brasil, Sudeste, Minas Gerais e Norte de Minas no período compreendido entre 2000 a 2019, cuja
fonte foram os Cadernos de Conflitos no Campo Brasil, publicados anualmente pela CPT.

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GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI FERREIRA

Tabela 1: Conflitos por terra e famílias envolvidas no Brasil, SE, MG e Norte de Minas entre 2000 a 2019.
Conflitos Conflitos Conflitos Conflitos
por terra Famílias por terra Famílias por terra Famílias por terra Famílias
ANO BRASIL SUDESTE MINAS GERAIS NORTE DE MG
2000 564 88.826 72 14.068 18 3.922 2 1.570
2001 681 83.629 35 5.588 17 2.257 2 310
2002 743 85.156 120 8.963 58 7.342 14 1.726
2003 659 104.883 159 31.331 71 8.350 11 2.603
2004 1.398 193.142 144 24.226 55 8.205 13 2.874
2005 1.304 160.770 124 13.109 39 3.681 10 1.356
2006 1.212 140.650 139 14.086 33 3.811 9 1.003
2007 1.027 122.400 133 14.078 43 3.922 11 992
2008 751 70.845 102 9.063 23 2.813 4 739
2009 854 83.058 49 4.469 16 874 4 369
2010 853 70.387 61 5.638 31 2.457 10 1.407
2011 1.035 91.735 57 4.713 36 2.420 6 767
2012 1.067 92.113 78 5.413 29 2.843 9 1.689
2013 1.007 87.015 77 5.830 35 2.532 10 1.445
2014 1.018 120.048 117 9.902 49 3.204 15 2.759
2015 998 120.658 73 5.264 48 3.005 10 1.029
2016 1.295 137.347 115 11.784 47 3.141 18 1.421
2017 1.168 106.180 141 9.279 61 5.502 22 1.598
2018 1.124 117.868 131 9.503 59 3.886 23 1.841
2019 1.254 145.119 284 8.510 34 2.306 11 978
Total 20.012 2.221.829 2.211 214.817 802 76.473 214 28.476
% 100 100 11,05 9,67 4,01 3,44 1,07 1,28
Fonte: Comissão Pastoral da Terra (2001 a 2020).

A partir dos dados sistematizados na Tabela 1, nota-se que os conflitos por terra e número de
famílias envolvidas são alarmantes no Brasil. No período analisado, totalizam 20.012 conflitos e
2.221.829 famílias envolvidas, apenas em conflitos por terra8, e estão territorializados em todos os
estados, ou seja, não ocorrem apenas na área de fronteira do agronegócio, mas, contraditoriamente,
também em áreas de ocupação antiga, dominada pela agricultura capitalista mais tecnificada. O Su-
deste representa o montante de 11,05% de conflitos por terra, e Minas Gerais corresponde ao equiva-
lente a 4,01% do total. Quando comparados os valores inerentes ao Norte de Minas com os seus 89
8 De acordo com a metodologia utilizada pela CPT, pode-se reconhecer nestes conflitos as ocorrências diretas contra os camponeses,
assim como aquelas existentes em ocupações e acampamentos.

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ATLAS DA QUESTÃO AGRÁRIA NORTE MINEIRA

municípios, pode-se notar que essa mesorregião possui 1,07% dos conflitos por terra e a porcentagem
de famílias envolvidas corresponde a 1,28%. Nos gráficos a seguir amplia-se o período, ou seja, entre
1988 e 2019 e evidencia-se o montante de 284 conflitos por terra, envolvendo 38.768 famílias,
ou seja, no período de 31 anos registrou-se a marca de 9,1 conflitos por ano no Norte de Minas com
aproximadamente 1250 famílias envolvidas em conflitos anualmente.

Gráfico 1: Conflitos por terra no Norte de Minas Gerais 1988 – 2019.

Fonte: CPT. Org. Bruna França e Gustavo Cepolini.

Gráfico 2: Famílias envolvidas em conflitos por terra no Norte de Minas Gerais 1988 – 2019.

Fonte: CPT. Org. Bruna França e Gustavo Cepolini.

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GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI FERREIRA

A LUTA PELA TERRA NO NORTE DE MINAS GERAIS:


UMA LEITURA DA QUESTÃO AGRÁRIA

As ocupações de terra, como maneira de conquistá-la, não é uma estratégia nova, há muito tempo
os camponeses sem terra tem optado pela ocupação de terras no país, o mesmo acontecendo, com
certa frequência, no Norte de Minas. Prova disso, é a luta do MST e, mais recentemente, das Ligas dos
Camponeses Pobres do Norte de Minas e Sul da Bahia9, em prol de uma ampla reforma – revolução
agrária. Sobre o MST, Feitosa (2008, p. 62) afirma que:

Com sua bandeira de luta em favor da reforma agrária, o MST vem promovendo ocu-
pações de terras, desenvolvendo novas estratégias de luta e ações políticas organizadas,
enfrentando as elites agrárias, reordenando os espaços, o território do latifúndio e também
desafiando a organização territorial do espaço.

Assim, pode-se reafirmar que tais movimentos constroem a reforma agrária, utilizando como estratégia
a ocupação de terra, sobretudo, públicas e/ou aquelas que não cumprem função social, consequentemente,
vivenciam inúmeros conflitos com as elites fundiárias. No norte de Minas, além da terra em si, o acesso
à água é fundamental, e constantemente o agrohidronegócio10 também se apropria desse recurso e recria
novos conflitos; seguido pelo avanço dos interesses minerários que totalizam 4.388 pedidos desde a década
de 1930 no Norte de Minas Gerais; ao analisar apenas a última década constata-se uma variação da ordem
de 256,92%, que poderá atingir uma área de aproximadamente 35.019,74 hectares. No gráfico a seguir
evidencia-se esse avanço a partir da década de 2010 que concentra o montante de 3.248 ou 74,02% de
todos os pedidos registrados junto ao Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM.
Além do avanço da mineração, a agropecuária possui destaque no Norte de Minas Gerais e fomenta
esse amplo mosaico de sobreposições territoriais. Por isso, reitera-se a centralidade de Montes Claros
na agropecuária, e a consolidação atrelada aos incentivos públicos para o avanço do agronegócio. Esti-
ma-se, segundo a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais, que o agronegócio
concentre cerca de 20% da população economicamente ativa do estado e vem crescendo ao montante
de 6,22% do PIB anualmente. Neste cenário, a pecuária representa aproximadamente 40%, e espera-se
que seu crescimento seja da ordem de 4,04% anual até 2026 (MINAS GERAIS, 2017).

9 Destaca-se ainda as lutas pelas demarcações e ampliações das Terras Indígenas dos Xacriabás e Tuxá, bem como dos territórios de
remanescentes de comunidades quilombolas.
10 Entendido no âmbito dessa pesquisa como: “[...] territórios demarcados por questões de poder político e/ou cultural oriundas da
gestão das águas, assumindo, assim, o papel determinante em sua ocupação. A princípio este território é demarcado pela disputa
dos estoques de água, não se restringindo limites aos aquíferos onde estão localizados, podendo inclusive gerar conflito pela posse
e controle da água [...]” (TORRES, 2007, p. 15).

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ATLAS DA QUESTÃO AGRÁRIA NORTE MINEIRA

Gráfico 1: Pedidos de licenças minerárias por década 1930-2010.

Fonte: DNPM, 2020. Org. Bruna França.

Em relação aos dados gerais do referido Censo Agropecuário 2006, vale salientar que as pequenas
propriedades são responsáveis pela maioria da produção de alimentos no país. Dito isto, no Norte de
Minas, os estabelecimentos agropecuários totalizam 91.163 unidades e ocupam uma área de 5.992.337
hectares. No Censo Agropecuário 2017 constata-se a existência de 101.021 estabelecimentos rurais
ocupando uma área de 7.386.444 hectares. Registra-se um aumento de aproximadamente 10% no
total de estabelecimentos rurais no Norte de Minas Gerais.
Ao analisarmos a distribuição dos dados advindo do Censo Agropecuário de 2017 entre estabeleci-
mentos familiares e não familiares na acepção do IBGE, evidencia-se a concentração de terras, ou seja,
os estabelecimentos familiares totalizam 76.834 ou 76,06% e ocupam uma área de 1.959.544,00
ha ou 26,53%; já os estabelecimento não familiares totalizam 24.187 ou 23,94% com uma área
de 5.426.901,00 hectares ou seja, o equivalente a 73,47% (IBGE, 2006, 2017).
Diante desse constante avanço do agronegócio, as pesquisas de Leite et al. (2014) revelam que a
agricultura irrigada com pivôs centrais vem crescendo substancialmente no norte de Minas. Para tecer
tais análises os autores utilizaram os recursos oriundos do Sensoriamento Remoto, para comprovar
tal avanço foram elencados dados em três momentos distintos, quais sejam: em 1986, 1996 e 2010.
Dentre os resultados nota-se:

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GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI FERREIRA

[...] no ano de 1986 o número de pivôs centrais era de 235 e passou para 290 em 1996,
registrando um aumento de 23,4% com uma área total de 169,52 km² e 212,86 km²
em 1986 e 1996, respectivamente. Já de 1996 a 2010 apresentou um crescimento de
102% passando de 290 para 586 pivôs centrais, num total de 416,08 km², em área de pi-
vôs centrais. Isto indica um aumento significativo de investimentos na constituição desse
sistema de irrigação no Norte de Minas (LEITE et al, 2014, p. 427).

Tais dados nos permitem reafirmar que a territorialização do agronegócio no norte de Minas está
profundamente atrelada à disputa por água, prova disso é o aumento de 102% no montante de pivôs
centrais entre 1996 e 2010, e o município que concentra o maior aumento, conforme indicado por
Leite et al. (2014) é Jaíba, que passou de 23 pivôs centrais em 1996 para 127 em 2010, ocupando
85,18 km², consolidando ainda mais o projeto de irrigação para o agrohidronegócio norte mineiro11.
Cabe salientar também que o monocultivo de eucalipto vem expandindo-se no norte de Minas a partir
dos anos de 1970, com incentivos fiscais, sobretudo os advindos da Superintendência de Desenvolvi-
mento do Nordeste (SUDENE) (LEITE; ALMEIDA; SILVA, 2012). Trata-se de uma tendência no
Norte de Minas, que desponta como a mesorregião com a maior área plantada de eucalipto, totalizan-
do 540.640,76 hectares, apresentando assim, um aumento de 40% em áreas plantadas entre 2007 a
201512. No âmbito do mapeamento realizado para o Atlas constata-se que em 2018 a área de eucalipto
no Norte de Minas é de 710.288,78 hectares, ou seja, uma correspondente a duas vezes o município
de Montes Claros-MG, 21 vezes o município de Belho Horizonte-MG, 5 vezes o município de São
Paulo-SP ou ainda 700 mil campos de futebol.
Em relação à pastagem também para o ano de 2018, registrou-se uma área de 3.951.035,72 hecta-
res, ou seja, uma área correspondente a 6 vezes o município de Januária-MG, 33 vezes o município do
Rio de Janeiro-RJ, 2 vezes o estado de Sergipe ou 4 milhões de campos de futebol13.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

“As elites, no Brasil, não são capazes de perceber a crise social que elas próprias criam, no mí-
nimo por omissão. E não abrem caminho para sua solução. Mandam sem ter um mandato

11 Trata-se dos “[...] “pivôs da Discórdia”, como os chamaram os camponeses do Riachão, na região de Montes Claros, norte de
Minas Gerais, secam rios, lagos, lagoas, pântanos, varjões e várzeas pelo uso intensivo e pelo enorme desperdício por evaporação
da água que é captada para plantar grandes monoculturas de soja, de eucalipto, de milho, de girassol, de algodão (PORTO GON-
ÇALVES, 2014, p. 94).
12 Dados obtidos de pesquisas inéditas coordenadas por Leite em 2016.
13 Acrescenta-se nesse debate que: “Segundo Estatísticas Cadastrais do INCRA, dados de 2014, o estado de Minas Gerais possui
área de terras potencialmente públicas devolutas 13.398.101 hectares (22,8%), quase todas elas griladas por fazendeiros, grandes
empresas ‘reflorestadoras’ - na verdade, eucaliptadoras”. (MOREIRA, 2017, p. 55).

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ATLAS DA QUESTÃO AGRÁRIA NORTE MINEIRA

verdadeiramente legítimo, pois no geral não expressam a vontade coletiva, apenas a coletiva
omissão”. José de Souza Martins (1997, p.27)

A partir das análises realizadas, pode-se reafirmar que o camponês não desapareceu, pelo contrário,
continua se reproduzindo e recriando estratégias para a sua permanência na terra de trabalho e vida.
Mesmo que essa classe esteja em constantes conflitos frente ao avanço do agronegócio, os indicadores
de produção e conflitos no campo seguem com contradições a serem sanadas no devir histórico no
Norte de Minas Gerais e, consequentemente, no país.
Assim, o campesinato no Norte de Minas reivindica seu lugar para além do mercado, ou seja, ter-
ritorializa-se na terra de trabalho e vida e indica que tal luta representa um contexto de soberania, se-
gurança e modo de vida, repleto de singularidades e simbologias, calcadas em uma agrobiodiversidade.
Neste sentido, as resistências, manifestações, conflitualidades e alternativas camponesas apresentadas
nos dados quantitativos ou nas áreas em que realizamos os trabalhos de campo, servem como uma
leitura em construção sobre a longa disputa territorial, travada entre o campesinato, o agronegócio e a
mineração nas Gerais, talvez por isso, o tema do 8º Congresso da LCP – Ligas dos Camponeses Pobres
do Norte de Minas e Sul da Bahia, seja tão atual e necessário, ou seja, “Contra a crise: tomar todas as
terras do latifúndio!” 14.

14 Realizado em outubro de 2015 em Januária-MG.

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RELATOS & REGISTROS DAS PESQUISAS

AÇÕES E LUTAS NOS GERAIS

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CAPÍTULO 1
Questão Agrária e Luta por Território no Norte de Minas Gerais:
a grilagem e o conflito no Vale das Cancelas

Sandra Helena Gonçalves Costa1

“O capital não conhece outra solução senão a violência, um método constante


da acumulação capitalista no processo histórico, não apenas por ocasião de sua
gênese, mas até mesmo hoje”. Rosa Luxemburgo, 1913.

Em julho de 2017, com a conclusão da tese2 sobre os recantilados pela grilagem judicial na antiga Co-
marca de Grão Mogol, onde se insere essa luta, questões ficaram por serem compreendidas, estreitamente,
no bojo de um conflito ainda em curso. Tentarei nesse breve texto problematizá-las objetivando colocar
em tela a relevância histórica do processo de luta pela terra de morada e trabalho, pela defesa das águas e
da biodiversidade do Cerrado, conduzida pelo campesinato geraizeiro nessa fração territorial.
Esse processo de luta emaranha-se aos elementos do conflito agrário no Norte de Minas Gerais, a
grilagem de terras, o engajamento das instituições públicas e dos poderes estatais (executivo, judiciário
e legislativo) nas diferentes escalas (local, estadual e nacional) com a expansão da agricultura capitalista
no campo, a ação das empresas mundializadas, a dinâmica de organização da luta por terra e território.
Questões indispensáveis para compreensão da questão agrária no Estado de Minas Gerais e a violência
e a barbárie expressa nos consequentes conflitos.
Assim como na maioria dos estados brasileiros, a concentração fundiária e o descontrole sobre as ter-
ras devolutas são a marca dessa unidade da federação, que possui mais de 14 milhões de hectares de terras
devolutas, dentre as quais só foram arrecadadas, entre 20% e 30%3. De acordo com Sistema Nacional de
1 Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia - IFBA, Campus Paulo Afonso. Doutora em Geografia
Humana pela Universidade de São Paulo. E-mail: sandra.costa@ifba.edu.br
2 COSTA (2017).
3 OLIVEIRA, et alli. (2012:14-433). Relatório Técnico do Trabalho de Campo no Pontal do Paranapanema e São Félix Do Xingu/
PA.In: MINISTÉRIO DA JUSTIÇA (2012). Registros Públicos e Recuperação de Terras Públicas, Resumo do relatório de Pes-
quisa, MJ/SAL – Série Pensando o Direito 2011-2012, Nº 48 - versão publicação. Coordenação Geral: José Rodrigo Rodriguez
(CEBRAP).

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GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI FERREIRA

Cadastro Rural (2014) a grande e a média propriedade somavam apenas 7,89% da quantidade de imó-
veis (70.621) mas contavam com 58,88% da área total dos imóveis, que corresponde a 31.644.801,14
hectares, sendo que mais de 15 milhões de hectares (15.326.335,60) são terras improdutivas. Enquanto
os 814.896 imóveis da pequena propriedade e dos minifúndios somam 91,00%, mas representam ape-
nas 21.907.406,51hectares, ou seja, 40,76% da área total dos imóveis cadastrados em Minas Gerais.
O Estado também tem se destacado nos estarrecedores crimes de grilagem (a exemplo da “Operação
Grilo” que culminou no fechamento do ITERMG) e nos capítulos de violência e barbárie impetrados
por grileiros, empresários, jagunços atrelados à repressão violenta dos governos estaduais, culminando
em massacres e despejos violentos de famílias camponesas, como o massacre de Felisburgo em 2003, a
“Chacina de Unaí” que tirou a vida dos funcionários do Ministério do Trabalho e do Emprego (MTE)
e a recente ação militar de despejo e reintegração no Assentamento Quilombo Campo Grande, em
Campo do Meio, ocorrida entre 13 e 14 de Agosto de 2020 no contexto da pandemia. Além, é claro,
dos inomináveis crimes ambientais causados pelas empresas Samarco-Vale-BHP Billiton (joint venture
da Vale S.A com a anglo-australiana BHP Billinton) em Mariana e da Vale S. A. no Córrego do Feijão
em Brumadinho que, evidentemente, manchou com sua lama tóxica propriedades e posses de famílias
camponesas, incluindo as comunidades pesqueiras ao longo da rede hidrográfica que integra as bacias
do Rio Doce e do Rio São Francisco por onde avançou o rastro de morte e de rejeitos de mineração.
Nesse complexo contexto fundiário, político e econômico que caracteriza a questão agrária no Estado
que se desdobra a luta do campesinato geraizeiro pela demarcação do Território Tradicional Geraizeiro do
Vale das Cancelas, fração territorial situada nos divisores de águas entre as bacias do Rio São Francisco e
do Rio Jequitinhonha inserida nos municípios de Grão Mogol, Josenópolis e Padre Carvalho com exten-
são aproximadamente duzentos e vinte e oito mil hectares (228.000 ha) com dois núcleos certificados4.
Nos municípios da Comarca de Grão Mogol, a formação da propriedade privada capitalista da
terra tem se realizado pela prática da grilagem. Prática essa enraizada no processo de colonização con-
duzido pela Coroa portuguesa por meio da invasão dos territórios dos povos originários, constituindo
na origem da apropriação territorial a dificuldade ou a intencionalidade do Estado em não regular as
terras da Colônia e depois do país, e que se desdobra na seara dos atuais conflitos no campo no Brasil.
Sem desprezar o contexto de desregulação até o período que inaugura a República e a consequente
passagem do controle das terras devolutas para os governos estaduais, através da Constituição Repu-
blicana 24 de Fevereiro de 1891. Na antiga Comarca de Grão Mogol, as três primeiras décadas do
século XX foram essenciais para a compreensão da prática da grilagem de terras nessa fração do terri-
tório. Esta se deu por meio das ações judiciais de divisão e demarcação de fazendas. Dentre as quais,
4 Vide Relatório das Oficinas de Autodemarcação do Território Tradicional de Vale das Cancelas CAA-NM - Centro de Agricultura
Alternativa do Norte de Minas (CAA, 2015) e Certidão de Autodefinição, 11 de Julho de 2018 entregue pela Comissão Estadual
para o Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais.

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ATLAS DA QUESTÃO AGRÁRIA NORTE MINEIRA

fazendas que sequer existiram, mas que tiveram sua origem documental judicialmente legitimadas. A
divisão e demarcação de terras foi uma estratégia geopolítica utilizada pelas elites fundiárias locais e
regionais, nas décadas de 1920 e 1930 para se apropriarem das terras públicas devolutas no Norte de
Minas Gerais. Sendo movidos trinta e seis (36) processos judiciais de divisão e demarcação de terras
na Comarca de Grão Mogol em treze - dos quinze analisados na tese - atribuiu-se o status de proprie-
dade privada, a um milhão, sessenta mil e oitocentos e sessenta e cinco hectares e oitenta e três ares
(1.060.865,83 hectares de terras). Trata-se de um período de forte aliança e articulação entre grileiros
de terras, poderosos locais e agentes estatais, sobretudo do judiciário local. O campesinato geraizeiro,
e outros territórios quilombolas, no Norte de Minas Gerais (como o Quilombo de Brejo de Crioulos
inserido nos municípios de São João da Ponte, Varzelândia e Verdelândia, MG) foram vitimadas por
essa prática das sentenças divisórias e, consequentemente, lançadas e impulsionadas à luta pelas terras
de uso comum, de trabalho e morada.
A continuidade do processo se deu no contexto a partir da década de 1960, através do projeto
nacional da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e da estatal RURAL-
MINAS em decorrência de mais uma aliança entre o Estado e os rentistas (elites locais e empresas de
plantio de madeira para produção de carvão para as siderúrgicas) em que foram firmados contratos
de arrendamentos que entregaram mais de 500 mil hectares de terras devolutas para as empresas, que
desmataram o Cerrado e a Caatinga e invadiram as terras de morada, trabalho e reprodução da vida das
famílias camponesas geraizeiras. Nesse contexto os poderosos locais e seus herdeiros (comerciantes, pe-
cuaristas, garimpeiros, políticos, vinculados à maçonaria) lograram imensos quinhões de terra através
das sentenças judiciais das ações divisórias. Assim, com a presença das empresas monocultoras de árvores
nessa fração territorial desdobrou-se uma culminância do rentismo, especialmente, concentrados nas
décadas de 1980 e 1990.
Tratava-se de um contexto em que as elites locais pressionavam os camponeses pela coação e vio-
lência ou utilizavam de seu poder político, domínio das leis, da leitura e da escrita para enganar cam-
poneses analfabetos, apresentando-se como proprietários das áreas, com documentos e histórias falsas,
como no presente, ainda fazem os grileiros que agem na região, associados as empresas.
A estratégia de grilagem judicial desdobrou-se em sua fase cartorial, com registros imobiliários de
cessão e doação de direitos de posses de áreas gigantescas, compra de frações de posses e propriedades
camponeses, e também compra e venda de áreas de terras com vícios na sucessão imobiliária. Em sín-
tese, trata-se de um período de forte invasão das terras devolutas, terras livres de uso comum geraizeiro
e de invasão das posses e propriedades camponesas. Os rentistas lograram ao realizarem operações de
compra e venda com a empresa estatal Florestas Rio Doce S.A (FRDSA) Essa empresa se instalou na
fração do território através dos contratos de arrendamentos. Contratos esses que já estão vencidos há
mais de 20 anos. Todavia o governo de Minas Gerais através da SEAPA afirmou em 2017, não ter

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GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI FERREIRA

controle sobre eles, ou seja, reconheceu que alguns dos contratos estão desaparecidos, que muitos já
venceram e as áreas não foram devolvidas.
Mas, esse cenário está distante de mostrar a complexidade da apropriação das terras por parte das
empresas arrendatárias. Ele é bem mais complexo, como revela a análise de certidões imobiliárias e
de processos judiciais de usucapião, reintegração de posse movidos por essas empresas, e as ações dis-
criminatórias movidas pelo Estado. Evidencia-se a ação rentista das empresas, a aliança com rentistas
locais, atrelados aos poderes legislativo executivo e judiciário nas esferas da União, Estado e Município.
Consequentemente, causando um enorme conflito agrário, uma vez que as terras estão desde tempos
imemoriais, ocupadas pelas centenas de famílias geraizeiras que tradicionalmente usam a terra em re-
gime de uso comum. (COSTA, 2017, p.443)
Assim, na década de 1990 a prática da grilagem judicial teve continuidade. Nesse contexto que
foram movidas pela FRDSA as ações de usucapião (1412/92, 1413/92 e 1414/92), sendo que as
duas primeiras já sentenciadas na Comarca de Grão Mogol em desfavor do Estado de Minas Gerais
e dos camponeses geraizeiros. A última ainda tramita na Comarca, a empresa pretende usucapir uma
área de 2.599 hectares, assim como as outras áreas, são terras de gerais (essenciais para a recarga das
nascentes de um grande número de corpos hídricos). A empresa FRDSA sucedida pela empresa Rio
Rancho Agropecuária S.A do ex-governador Newton Cardoso (sucedido por seu filho o Deputado
Federal Newton Cardoso Júnior) que comprou as áreas ainda não julgadas moveu essas ações de
usucapião requerendo áreas compradas ou cedidas por grileiros locais com frações coincidentes com
as áreas arrendadas, portanto, porções de devolutas, sendo assim não sujeita ao usucapião. A empresa
Rio Rancho Agropecuária já logrou 5.281,6 hectares do imóvel rural denominado “CANCELA” e
“RIBEIRÃOZINHO”, Fazenda “SÃO FRANCISCO” e 6.452 hectares de “parte de um imóvel ru-
ral da Fazenda Curral Geral, situada na localidade “Curral de Varas” conforme certidão imobiliária
entregue pelos Cartórios de Registro de Imóveis de Grão Mogol e de Salinas. É necessário questionar
essas ações de usucapião, já que são áreas devolutas não discriminadas, ou com vícios gritantes na
sucessão imobiliária, ou posses camponesas invadidas. Em nenhum tempo tratou-se de posse mansa
e pacífica. Basta uma análise cuidadosa dos autos para que se compreenda que Geraizeira citados
como confinantes não foram ouvidos nos autos, muitos sequer souberam e outros ainda nem sabem
que suas áreas são alvo de ações judiciais. Geralmente, são pegos de assalto com os mandados de
reintegração de posse.
A essas ações de usucapião somam-se as retificações de matrículas e as cessões e doações de posses
que compõem um repertório de grilagem (judicial e cartorária), violação sistemática dos direitos
possessórios e de propriedade, do direito costumeiro, como também as violações de normas federal
e estadual e convenções de direito humanos, a exemplo da função social assegurada pela Constitui-
ção Federal de 1988 nos arts. 215 e 216 e pela Convenção 169 da OIT, ratificada pelo Decreto nº

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ATLAS DA QUESTÃO AGRÁRIA NORTE MINEIRA

5051/2014 e Lei Estadual 21.147/2014 que instituiu a Política de Desenvolvimento Sustentável dos
Povos e Comunidades Tradicionais do Estado de Minas Gerais.
Cabe ressaltar que, atualmente, na Comarca de Grão Mogol e Comarca de Salinas a empresa FRDSA
é autora em processos de usucapião movidos contra o Estado de Minas Gerais e também é ré em catorze
processos incluindo demarcações de terras, execuções fiscais, divisão e demarcação de terras e usucapião.
Essas questões se complexificaram e acirram o conflito com o processo de mundialização do capital5.
Com a expansão das políticas neoliberais a questão agrária foi atravessada por novas práticas de mando-
nismo político, atrelando a prática do rentismo à exploração dos monopólios agrícolas, às fusões entre
as empresas, ao mercado de terras e à produção de commodities agrícolas e exploração de minerais
numa escala ainda maior.
Sendo assim, na porção territorial em disputa pelos geraizeiros do Vale das Cancelas, no bojo da
grilagem judicial6 e amparadas por políticas governamentais, ocorre a territorialização7 das empresas na-
cionais e transnacionais Florestas Rio Doce S.A./FRDSA, Rio Rancho Agropecuária S.A, NORFLOR
Empreendimentos Agrícolas Ltda, Rima Industrial S.A., SICAFE Produtos Metalúrgicos LTDA, SI-
FLOR Florestamento e Reflorestamento Ltda, Floresta Minas Florestamento Minas Gerais S/A, Mi-
nasLiga INONIBRÁS Inoculantes e Ferroligas Nipo-Brasileiras S/A, e as mineradoras MIBA, a em-
presa Mantiqueira do grupo Brookfield com suas linhas de transmissão. Além do projeto da empresa
brasileira de capital chinês Sul Americana de Metais (SAM), que pretende explorar o minério de ferro
no Norte de Minas, um projeto abominável de construção de uma cava de mineração (numa região já
comprometimento hídrico) e um mineroduto a ser construído de Grão Mogol (MG) a Ilhéus (BA) que
atravessa dezenas de territórios quilombolas e terras camponesas.
Portanto, nessa seara estão abertos mais capítulos na “Longa Marcha do Campesinato” geraizeiro na
busca pela sua afirmação na terra, pelas terras de uso comum que desdobra-se na luta pelo território
em defesa das águas, do Cerrado e da vida, e nesse fronte saberemos um dia, se triunfarão os direitos
ou a violência do capital e do Estado. Pois, “nem que a coisa engrossa esse território é nosso”, protestam
veemente os geraizeiros do Vale das Cancelas.

5 De acordo com Oliveira (2007: p.239-242) “sob o capitalismo monopolista mundializado, a agricultura passou a estruturar-se sobre
uma tríade: a produção de commodities, as bolsas de mercadorias e de futuro e a formação das empresas monopolistas mundiais. (...). Na
agricultura capitalista mundializada, a territorialização dos monopólios ocorre através do controle da propriedade privada da terra, do
processo produtivo no campo e do processamento industrial da produção agropecuária e florestal”.
6 Essa empresa esteve envolvida numa falsa Ação de Usucapião nº 0278.06.003056-8 arquivada no Fórum de Grão Mogol em
que através de articulação com grileiros locais, e uma estranha celeridade entre a propositura e a sentença da ação, os criminosos
envolveram no processo famílias camponesas (sem o conhecimento delas) da Comunidade Córrego dos Bois pertencente à fração
do Território Tradicional Geraizeiro do Vale das Cancelas. De acordo com os advogados que acompanharam a ação, designados
pelo pelo Ministério Público, essa fraude foi descoberta através da Receita Federal que suspeitou de compra simulada entre as
empresas MIBA e Agropecuária Lagonorte.
7 Conforme conceituou Oliveira (2004) e Oliveira (idem).

81
CAPÍTULO 2
Conflitos no Norte de Minas

Alexandre Gonçalves1 | Letícia Aparecida Rocha2 |


Paulo Roberto Faccion3

O Atlas dos conflitos no campo no Norte de Minas é uma iniciativa importante do Departamento
de Geociências da Unimontes, construindo um diálogo entre a academia e os grupos sociais envolvi-
dos, um instrumento de análise e reflexão sobre a região norte mineira que historicamente viveu e vive
diversos e impactantes conflitos. Novos e antigos, conformando as tensões entres as classes sociais da
região e a inserção desta em circuitos econômicos e de poder.
Podemos contar a história do Norte de Minas Gerais (e do Brasil), a datar do século XVI, a partir
dos conflitos. Uma narrativa que traz a violência do Estado atrelada ao poder econômico, usando
a força contra os povos, como um arranjo de um tipo de “guerra híbrida”, com diferentes formas
em cada período, também sempre marcadas pelo patrimonialismo. Os bandeirantes, a serviço do
estado, exterminando e escravizando as comunidades Indígenas e Quilombolas, agraciados, pela
Coroa, com extensas sesmarias, como no caso do bandeirante/paulista Matias Cardoso e da família
Guedes de Brito. As fazendas escravocratas, exemplo da fazenda Sítio, em Bocaiúva, que guarda até
hoje no pelourinho os instrumentos de tortura. Os currais e os coronéis. O estado “moderno” com
suas políticas desenvolvimentistas. A política neoliberal e a inserção do Norte de Minas em sistemas
econômicos mundiais.
Aqui, sem a intenção de teorizar uma periodização dos conflitos, mas sim, trazer para o nosso olhar
o caráter conflituoso e violento do processo de “ocupação” e exploração da região Norte de Minas.
A história dos conflitos é um processo dinâmico, tanto do grupo dos latifundiários, empresários e os
governos, como por parte dos camponeses e suas organizações.
1 Agrônomo, Mestre em Gestão Ambiente e Desenvolvimento, UFLA (2003) e agente da CPT-MG. E-mail: alexandrecpt@gmail.com
2 Mestra em Desenvolvimento Social, Unimontes (2017) e documentarista da CPT-MG. E-mail: leticiarochaidp@gmail.com
3 Economista, UFSJ, agente da Comissão Pastoral da Terra-MG. E-mail: faccionbakana@hotmail.com

83
GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI FERREIRA

As contradições são inerentes ao sistema capitalista, presentes na realidade, conforme demonstra há


mais de 35 anos o Caderno de conflitos 4, lançado anualmente desde 1985, pela Comissão Pastoral da
Terra5, através do seu Centro de Documentação dom Tomás Balduíno.
Registramos aqui alguns fatos que marcaram a história de luta desta época. Um ano antes da pu-
blicação do caderno de conflitos no campo, em 1984, o sindicalista Eloy Ferreira, pagou com a vida
a sua dedicação à organização dos posseiros na região do município de São Francisco. No período, o
movimento sindical era muito atuante junto aos posseiros frente às questões dos conflitos agrários. O
posseiro era uma das categorias de camponeses compreendidas pela CPT, e foram eles os primeiros a
receber a atenção da pastoral. No processo de acompanhamento das comunidades, a CPT foi discutin-
do e percebendo a rica diversidade de tradições e culturas dos povos do campo6.
Em 1985, ano de “desfecho” da ditadura empresarial militar, numa “transição” lenta para uma de-
mocracia burguesa, 260 trabalhadores e agentes de pastorais foram assassinados. Em Minas neste ano,
foram assassinadas 50 pessoas, muitos dos casos no Norte de Minas. Em 1986 foram 106 trabalhadores
e trabalhadoras assassinadas nos conflitos no campo no Brasil, desses, 11 em Minas Gerais. E em 1987,
acontece o brutal assassinato de três lideranças Xacriabás, registrado, denunciado e acompanhado de
perto pelo saudoso agente de pastoral Alvimar Ribeiro dos Santos.
Estes foram registros que marcaram o início da publicação do Caderno de Conflitos no Campo
no Norte de Minas. A edição deste ano de 2019, mostra a permanência dos conflitos, apresenta entre
outros dados registrados 1.254 conflitos por terra; 489 conflitos por água, 89 casos de trabalho escravo
e 32 assassinatos no campo brasileiro.
Dos dados acima supracitados, os percentuais dos registros referentes ao estado de Minas Gerais
demonstram, uma expressiva ocorrência dos conflitos na região do Norte de Minas, conforme tabela
Conflitos no campo –MG 2019 (página 85).
Os dados dos últimos 13 anos dos Conflitos no Campo em Minas Gerais mostram a significativa
ocorrência na região norte mineira, possibilitando o reconhecimento da região como a mais conflitiva
do estado, principalmente no que se refere aos conflitos fundiários7.

4 Em 2002 a obra Conflitos no Campo foi reconhecida como publicação científica pelo Instituto Brasileiro de Informação e Ciência
e Tecnologia (IBICT).
5 A CPT foi criada em 1975, nos conflitos da Amazônia, ao lado dos posseiros. Em 1985 inicia a publicação anual do caderno de
conflitos no campo. Os registros dos conflitos foram anteriores a esta data, entretanto, a partir dela, foi tomado este formato e
periodicidade. Por conflitos entendemos as ações de resistência e enfrentamento, em diferentes contextos, no âmbito rural, entre
classes sociais ou por má gestão do estado.
6 Fonte: https://www.cptnacional.org.br/quem-somos/-historico
7 Os conflitos da região são acompanhados pelas pastorais: CPT, Conselho Pastoral dos Pescadores/CPP, Conselho Indigenista
Missionário/CIMI e Cáritas.

84
ATLAS DA QUESTÃO AGRÁRIA NORTE MINEIRA

CONFLITOS NO CAMPO - MG 2019/ CEDOC – DOM TOMÁS BAL-


DUÍNO

Estado de MG Norte de Minas %


Conflito por terra 32 11 34,375
Conflito por água 128 12 9,375
Trabalho escravo 25 9 36
(nº de casos)
Assassinato 0 0 0
Fonte: Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno – CPT Nacional. Org.: Letícia Rocha, 2020.

CONFLITOS NO CAMPO - MG DE 2007 A 2019/ CEDOC – D. TOMÁS


BALDUÍNO

Estado de MG Norte de Minas %


Conflito por terra 545 109 20
Conflito por água 487 25 5,133
Trabalho escravo 166 29 17,469
(nº de casos)
Assassinato 10 3 30
Fonte: Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno – CPT Nacional. Org.: Letícia Rocha, 2020.

No estado de Minas Gerais, dos 68 defensores incluídos no programa de proteção aos defensores
dos direitos humanos, 30 deles encontram-se no Norte de Minas, segundo informações do PPDDH8
em junho de 2020 (um percentual de 44%).
Das Terras Gerais à Grilagem - Os povos nativos resistem e lutam. Alguns elementos são ne-
cessários para refletir sobre os conflitos no Norte de Minas. Perfaz-se uma anuência de um relativo
isolamento da região por um determinado período da história. O que gerou características regionais
bastante marcantes, muito presentes até os dias de hoje. Este relativo isolamento não esteve livre
das contradições entre os povos e o latifúndio. Mesmo assim, em função das dinâmicas econômicas,
parte das comunidades camponesas tiveram condições de construir seus modos de vida. Como por
exemplo, as diversas comunidades quilombolas, de pescadores artesanais, vazanteiros, geraizeiros,
indígenas e outros grupos que constroem suas identidades amalgadas ao espaço tradicionalmente
ocupado (ROCHA,2017).
8 O Programa de Proteção aos defensores dos direitos humanos. A política nacional de proteção aos defensores dos DH foi insti-
tuída pelo Decreto Presidencial nº. 6.044, de 12/02/07. Em MG o programa é coordenado pelo Instituto de Direitos Humano:
promoção, pesquisa e intervenção em Direitos Humanos e Cidadania.

85
GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI FERREIRA

A partir da década de 20, ouve uma intensificação da disputa pelas terras antevendo a expansão do
capitalismo na região, marcada pelos esquemas de grilagem de terras e violência contra as comunidades
camponesas. O caso de Cachoerinha reflete isso, como também a tomada das terras das comunidades
quilombolas da Mata do Jaíba, a exemplo de Brejo dos Crioulos. A partir do golpe empresarial militar
a oligarquia regional, avança na disputa e controle das terras, aumento da opressão nas famílias de
trabalhadores e posseiros.
No final da década de 60 a região passa por políticas de desenvolvimento e são implantados grandes
projetos de irrigação (públicos e privados), imensas monoculturas de eucalipto e barragens. Na medida
que os projetos avançaram, expropriaram os camponeses, e intensificaram e criaram novos conflitos
agrários. Os governos foram os promotores do desenvolvimento, mas sempre beneficiando determi-
nados grupos econômicos, com apoio creditício e a garantia da manutenção das terras nas mãos dos
empresários e ruralistas. Quanto as políticas de desenvolvimento, os gestores políticos usaram de forma
oportunista, e usam até hoje, o discurso de vazios demográficos, criando a falsa noção de grandes áreas
desabitadas. As terras de uso comum nos Gerais, grande parte terras devolutas, foram violentamente
tomadas das comunidades Geraizeiras, com criminosos contratos entre as empresas ligadas ao setor
siderúrgico9 e a RURALMINAS – o braço do Governo que deu suporte ao esquema. Mesmo com a
queda da demanda de carvão, as empresas continuam controlando grande parte das chapadas. Inerente
a este modelo, os casos de trabalho análogo ao de escravo na produção de carvão, foram muito recor-
rentes, fato que se perpetua até os dias de hoje.
Os perímetros irrigados de Jaíba, Gorutuba e Pirapora, foram implantados na década de 70, trazendo
diversos conflitos com posseiros e atingidos por barragens e aprofundaram efeitos negativos à natureza.
Como medidas de compensação foram criadas unidades de conservação, justamente, nos territórios de
populações tradicionais, criando conflitos com as comunidades. Todos estes projetos foram promovidos
pelo estado, como vários outros, que estão na “fila” do governo para serem implementados10.
Os projetos privados de irrigação, boa parte deles implementados nas margens do Rio São Francis-
co, seguiram a mesma lógica. Expulsão das famílias, seja em processos de grilagem, sejam apropriação
direta das áreas. Neste caso, as comunidades viviam em áreas da União/LIMEO, (Linhas médias das
Enchentes Ordinárias), porém as ocupações tradicionais dos seus territórios iam além a LIMEO, ocu-
pando as áreas de mata, áreas mais altas, que ofereciam abrigos no período das enchentes e utilizadas
para o extrativismo.
Parte dessas fazendas de irrigação, implantadas nos territórios vazanteiros, após consumirem muitos
recursos públicos, estão falidas. Várias comunidades como a da Venda e Maria Preta, em Maria da Cruz
9 Empresas desse setor implantaram gigantescos monocultivos de eucalipto no Norte de Minas e outras regiões do estado. O projeto
visava abastecer a demanda de carvão para o setor siderúrgico na produção de ferro gusa.
10 Barragem de Congonhas e Berizal, projeto hidroagrícola de Jequitaí (barragem e perímetro irrigado), todos promovidos pela CO-
DEVASF E DENOCS.

86
ATLAS DA QUESTÃO AGRÁRIA NORTE MINEIRA

e Itacarambi lutam em parte destas áreas para a regularização dos seus territórios tradicionais. E o em-
blemático caso da Comunidade Quilombola Pesqueira e Vazanteira de Caraíbas, em Pedras de Maria da
Cruz, que mesmo tendo o TAUS (Termo de autorização de Uso sustentável), que corresponde a parte
do seu território tradicional, em processo de regularização no INCRA, que dá aos comunitários o direito
jurídico de uso, já sofreram várias tentativas de despejo forçado pelo fazendeiro Rodolfo Veloso Rabello.
Novos atores aparecem, como os grupos empresarias do setor da siderurgia e empresários do agro-
negócio, com formas de exploração intensiva da terra. Por parte dos camponeses, na década de 90,
também surgem “novos” atores. Ao mesmo tempo que o movimento sindical - muito ativo até a esse
período - não mais respondia aos intensos conflitos agrários na região, outros processos ganham força.
Em 1997 a CPT NM realiza um diagnóstico rápido participativo dos conflitos do campo na região,
avaliando a situação sócio-política agrária e os seus desafios. Frente a conjuntura, e as respostas do
movimento sindical, por volta de 2003 o MST11 vem definitivamente fincar sua bandeira no NM.
Inicialmente, a organização do movimento era ligada a região do Distrito Federal e posteriormente foi
incorporada pelo MST de Minas Gerais. Outros movimentos também estruturam-se, como a Liga dos
Camponeses Pobres do NM e outros grupos locais na luta pela reforma agrária.
Ainda na década de 90, surgem outros processos que denominamos de luta pelos territórios, en-
volvendo uma rica diversidade de camponeses. Quilombolas e Vazanteiros iniciam uma luta muito in-
tensa em defesa dos seus territórios, o que trouxe novas reflexões sobre a questão da terra, novas formas
de luta, territorialidades, identidade e ancestralidade. Também o debate sobre os direitos territoriais
garantidos na constituição de 1988 e definidos em acordos internacionais. Isto, ao mesmo tempo que
outros movimentos de luta pela reforma agrária buscam organizar suas lutas, surgem ricas trocas de ex-
periências e vivências, como é o caso do importante apoio do MST na luta pelo território Quilombola
de Brejo dos Crioulos. Neste período surgem muitas articulações e movimentos. Na luta contra as bar-
ragens de Jequitaí e Berizal, o Movimento dos Atingidos por Barragem também finca sua bandeira na
região. Ocorreram muitas experiencias de articulações, entre a Via Campesina, o movimento sindical e
povos tradicionais, dentre estes os indígenas, e outros processos como a Articulação São Francisco Vivo
e posteriormente a Articulação Rosalino de Povos e Comunidades Tradicionais. Ganha visibilidade
política a diversidade camponesa: os Geraizeiros, Veredeiros, Catingueiros, Pescadores Artesanais, num
processo de luta pelos territórios políticos e ancestrais, que transitam, com ênfases diferentes, no debate
da identidade e dos direitos territoriais12.
Mais recente, um pouco mais de uma década, o setor do extrativismo mineral intensifica a disputa
pelas terras do norte minas. Aqui a região insere-se em outras cadeias econômicas, mais ampliadas. A
11 MST – Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
12 Existe uma diversidade de organizações: Movimento Nacional dos Pescadores e Pescadoras Artesanais MPP, que desenvolvem na
região a campanha em defesa dos territórios pesqueiros, o Movimento Geraizeiro, Geraizeiros do Vale das Cancelas, os Vazanteiros
em Movimento, e os territórios indígenas Xacriabá e Tuxá.

87
GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI FERREIRA

Mineração Riacho dos Machados - MRM, no município de Riacho dos Machados, em 2009 adquiriu
os direitos minerários da Vale e inicia processo de licenciamento ambiental para exploração de ouro.
A MRM, nesta época, era de propriedade da empresa Canadense Carpathion Gold (hoje da também
Canadense Equinox Gold). Também na Serra do Espinhaço, a empresa Sul Americana de Metais, nos
anos 2000, realiza levantamentos para a implementação de um gigantesco complexo siderúrgico, e
consolida o interesse de grandes mineradoras na região. A SAM, anteriormente do grupo Votorantim,
passou para o controle da companhia Chinesa Honbridge Holdings Ltd.
Algumas considerações. Nestes anos, observamos que há uma dinâmica nos conflitos, à qual, ga-
nha novos contornos com a entrada da região Norte de Minas na economia nacional e internacional.
Os conflitos acumulam-se na paisagem. Ao mesmo tempo que existem conflitos com a velha oligarquia
rural13, as comunidades camponesas enfrentam também empresas e grupos nacionais e transnacionais,
que buscam expropriar seus territórios. Nesse enfrentamento, outras táticas são aplicadas por parte dos
grupos empresariais, as vezes de modo tácito, mas com a lógica centrada no não reconhecimento dos
territórios, buscando lucros extraordinários, a apropriação dos bens naturais e super exploração dos
trabalhadores.
Os conflitos com a oligarquia local permanecem, como podemos ver a organização de ruralistas
que usam as milícias rurais, como no caso do grupo auto intitulado segurança no campo, organizados
no âmbito político do Sindicato dos Produtores Rurais de Montes Claros, articulados na região. Usam
a mesmas táticas de violência direta com uso de jagunços, ameaças e agressões, como também ações
com o poder judiciário e atrelamento aos governos executivos e em setores do legislativo.
Comum o não reconhecimento dos direitos territoriais. O papel dos Governos continua susten-
tar e promover a entrada do capital nas regiões, seja através da manutenção das terras nas mãos das
empresas, seja nos acordos para a aprovação das licenças ambientais. Ainda, o uso pelos governos e
judiciário, das leis de interesse público, que na verdade não servem a coletividade, mas o interesse pri-
vado, como vimos nos recentes casos da SAM e da linha de transmissão de energia da Mantiqueira14 de
grupo Canadense Brookfield. Na implantação de grandes projetos, como da SAM, Mantiqueira, UHE
do Formoso (Alto Rio São Francisco), sistematicamente não são reconhecidos os direitos territoriais.
Nos licenciamentos não são realizadas as consultas prévias, como também estão longe de considerar
os efeitos cumulativos e sinérgicos destas obras. O governo e o judiciário, sustentam a ampliação dos
projetos, de um lado, com a paralização dos processos de regularização dos territórios das comunidades
tradicionais e da reforma agrária, de outro, pelo apoio “legal” com manutenção de imissões de posse
para as empresas e amplo apoio político, burocrático e fiscal.
13 Alguns tentem ostentar uma aparência “moderna”, mas ainda usam as práticas dos antigos coronéis.
14 Empresa controlada pelo grupo Canadense Brookfield, implementa a linha de transmissão Irapé-Janaúba, invadiu os territórios
Gerazieiros, tenta criminalizar lideranças, foi beneficiada com liminares judiciais controversas e um caso de morte de funcionário
em acidente de trabalho no período da pandemia da covid-19.

88
ATLAS DA QUESTÃO AGRÁRIA NORTE MINEIRA

Tais projetos esgotam os limites dos ecossistemas, já vivenciados pelos camponeses da região e nas
desastrosas consequências dos crimes ambientais da Vale e Samarco em Brumadinho e Mariana.
A partir da vivência dos agentes de pastoral junto às comunidades e os processos internos de ava-
liação, podemos afirmar, nestes 35 de registros dos Conflitos no Campo, que: há uma dinâmica dos
conflitos; um acúmulo de processos de disputa que vão formando camadas sobre os territórios15; há um
tipo de mudança de padrão nos conflitos na região norte mineira – contudo, com elementos comuns,
como a violência - de diversos formatos, o não reconhecimento dos territórios e do direito dos traba-
lhadores; há um aprofundamento da exploração insustentável dos bens naturais e o Estado continua
com o papel de “promoção” e sustentação dos projetos econômicos. Por outro lado, os povos da terra
reinventam suas resistências, seja na luta pela reforma agrária, pelos direitos territoriais – terra e água,
ou contra os grandes projetos - na defesa dos seus “lugares”, na luta pela terra sem males. O bem viver.

15 Existem vários casos na região, um deles no Território Geraizeiro do Vale das Cancelas, município de Grão Mogol, no qual enfrentam
conflitos com empresas monocultoras de eucalipto, são atingidos pela UHE de Irapé/CEMIG, Parque Estadual de Grão Mogol, pro-
jeto de extração de minério de ferro e mineroduto da Chinesa SAM, linha de transmissão de energia da empresa do grupo canadense
Mantiqueira/Brookfield, usina termoelétrica (com licenciamento ambiental aprovado) e usina eólica (em licenciamento).

89
CAPÍTULO 3
Precisamos construir os Gerais, porque as Minas estão nos tomando...
Uma análise da mineração no Norte de Minas

Felipe Leonardo Soares Ribeiro1

A IMPORTÂNCIA DA MINERAÇÃO HOJE: UMA BREVE DIGRESSÃO

A importância atualmente atribuída à mineração no Brasil não chega a ser propriamente uma no-
vidade, assim como não o é o destaque que Minas Gerais possui no setor. Tendo se inserido de forma
subalterna na divisão internacional do trabalho desde o período colonial, o país e o estado (por conse-
guinte) se constituíram e se estruturaram como exportadores de commodities para responder a interes-
ses e necessidades estrangeiros (Portugal, Inglaterra, EUA e China de acordo com o período histórico
considerado), tendo a exploração mineral adquirido particular centralidade.
A partir de 1930 o experimento industrial levado a efeito pelo Estado fez do Brasil o principal ex-
poente do desenvolvimento econômico pelos 50 anos seguintes, período em que a indústria ganhou
grande relevo chegando, na década de oitenta, a responder por 46% do PIB nacional. A partir do fim
nos anos 1980, não obstante, temos observado um progressivo processo de desindustrialização que
produziu a reprimarização da economia como decorrência da crescente dependência e aprofundamento
da especialização do país no único setor em que ele permanece competitivo e tem o que oferecer glo-
balmente: exportação de commodities centradas principalmente no agronegócio, petróleo e mineração.
O processo foi agravado pela adoção do neoliberalismo na década de 1990 cuja consequência foi a
submissão da economia aos interesses externos e a “inserção passiva do país no processo de globalização
mundial” (RIBEIRO, 2018. p. 22).
Há uma série de elementos que ajudam a compreender os motivos pelos quais as commodities em
geral e a mineração em particular adquiriram cada vez maior presença na economia nacional. Desta-
caremos três.
1 Bacharel em História pela PUC Minas. Militante e Educador Popular no Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB.
E-mail: felipeleonsr@gmail.com

91
GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI FERREIRA

A primeira remete ao fato de que a desindustrialização produz o duplo efeito de minar a participa-
ção deste setor no mercado global e de intensificar a dependência do país em relação à importação de
produtos industrializados, somando à importação do que não produzíamos, os produtos que paramos
de produzir em função da desindustrialização. Sendo as importações pagas em dólar, as commodities,
como principal mecanismo de produção de divisas em dólar para o país, adquirem centralidade cada
vez maior para manter o equilíbrio (ou diminuir o desequilíbrio) da balança comercial.
A segunda é que a inserção subalterna na divisão internacional do trabalho coloca o país refém dos
interesses do capital, sempre em busca de novas oportunidades. O “superciclo das commodities” entre
2000 e 2014, intensificando a demanda global por matérias-primas de origem mineral, faz o grande
capital buscar novos territórios com capacidade de fornecer os recursos necessários, colocando o Brasil
e Minas Gerais, no centro do interesse;
A terceira alude à exaustão de reservas minerais mais ricas somada ao desenvolvimento de tecnolo-
gias que passaram a permitir a extração e agregação de valor ao metal mais “pobre” tornam interessantes
a prospecção de reservas em regiões pouco exploradas e rentável a exploração de reservas anteriormente
consideradas inviáveis em função de seu minério de menor teor (no caso do minério de ferro).
Os três pontos acima, abordados de forma superficial, indicam de maneira mais geral a importân-
cia adquirida pela mineração no país2 e nos ajudam a compreender os motivos pelos quais, segundo a
Agência Nacional de Mineração (ANM), Minas Gerais acumulou 4.038 requerimentos de lavra entre
2002 e 20203, isto é, 19,48% do total de requerimentos e o estado foi o segundo em número de licen-
ciamentos outorgados entre 2000 e 2020, com um total de 4.326, ou seja, 13,41% do total nacional.
Será precisamente a partir das condições apontadas acima que o Norte de Minas passará a ser visto
como uma nova fronteira mineral.

Mineração no Norte de Minas

Ainda que a exploração mineral tenha sido um dos fatores impulsionadores da ocupação do terri-
tório hoje conhecido com Norte de Minas, Fonseca (2014) aponta que o potencial mineral do Norte
de Minas ficou evidenciado nos anos 1970 em virtude de pesquisas realizadas pela Vale do Rio Doce.
O minério de ferro da região, no entanto, é de baixo teor e, por isso, economicamente desinteressante.
Será a inovação tecnológica, como apontado pela Sul Americana de Metais (2019), que tornará econo-
micamente viável a exploração do minério existente na região e a credenciará a ser “um novo centro de
atividades extrativas minerais”. Diz a empresa:
2 Segundo dados da ANM foram protocolados no país 20.727 requerimentos de lavra entre janeiro de 2002 e julho de 2020 e
32.252 licenciamentos outorgados entre janeiro de 2000 e julho de 2020.
3 Os dados relativos a 2020 vão até o mês de julho.

92
ATLAS DA QUESTÃO AGRÁRIA NORTE MINEIRA

O grande desafio de desenvolver tecnologia capaz de viabilizar a produção de pel-


let feed de alta qualidade, a partir do minério de ferro de baixo teor, foi vencido por
meio de intensivos estudos [...]. Após estes trabalhos, a viabilidade do projeto foi es-
tabelecida em 2013 [...]. Em função das várias inovações tecnológicas, de proces-
so e de engenharia, introduzidas pela SAM, o projeto Bloco 8 representará um novo
paradigma e ponto de partida da viabilização de vários outros depósitos minerais si-
milares existentes na região, configurando oportunidade para que a Região Norte de
Minas se torne um novo centro de atividades extrativas minerais [...] (SAM, 2019, p. 13).

É nesse contexto que a região passa a ser alvo da cobiça de mineradoras como a Sul Americana de
Metais (SAM), Vale, Minas Bahia (MIBA) e Carpathian Gold, cujos interesses se encontram, princi-
palmente, nas microrregiões de Janaúba, Grão Mogol e Salinas.
Em Minas Gerais, o governo, à revelia do interesse e da opinião das comunidades e pessoas poten-
cialmente atingidas por tais projetos, tratou de dar rápido apoio a essas iniciativas, abrindo edital em
2012 para elaboração do Plano Regional Estratégico em torno de grandes projetos minerários do Norte
de Minas (que compreende as microrregiões de Janaúba, Salinas e Grão Mogol) [...].O plano estraté-
gico que será elaborado para a região Norte do Estado vai traçar um diagnóstico dos 37 municípios
localizados nas microrregiões de Salinas, Janaúba e Grão Mogol que receberão os impactos da chegada
de grandes mineradoras que até 2014 vão investir na região cerca R$ 8 bilhões, gerando cerca de 9,5
mil empregos diretos e mais de dez mil empregos indiretos. (AGÊNCIA MINAS GERAIS, 2012)
Na definição do que deveria ser estudado estabeleceu a “Região Ampla de Estudo” compreendendo
as três microrregiões e definiu como Região de Estudo aquela envolvendo os municípios que abrigarão
atividades minerárias nos próximos anos. Essa definição levou em consideração os Termos de Compro-
misso das empresas mineradoras protocolados junto ao Governo do Estado, informação essa repassada
pela SEDRU [...]. Foi definida a Região de Estudo como aquela compreendendo os municípios de
Grão Mogol (empreendimentos minerários da Vale, Mineração Minas Bahia – MIBA e Sul Americana
de Metais), Rio Pardo de Minas (Vale e MIBA), Riacho dos Machados (Vale e Carpathian Gold) e
Porteirinha e Serranópolis de Minas (Vale). (CEDEPLAR apud LEITE e SILVA, 2014, p. 171-172)
O quadro a seguir apresenta as áreas de interesse das tais mineradoras na região Norte de Minas e
algumas informações sobre os empreendimentos.
Apesar do esforço empreendido pelo governo, somente o projeto da Carpathian Gold foi de fato
implementado e atualmente é controlado pela Leagold Mining.

93
GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI FERREIRA

Investi- Estimativa
Nome da Atividade (tipo Faturamento
Localização mento de Produção
Empresa de extração) esperado
(R$) (ton/ano)
Sul America-
Grão Mogol, e R$ 7,5 27,5 milhões R$ 4 Bilhões/
na de Minério de Ferro
Padre Carvalho bilhões ton/ano ano4
Metais (SAM)
Mineração
Minas-
-Bahia (Eura-
Grão Mogol e R$3,6 25 milhões R$ 3,6 bi-
sian Natural Minério de Ferro
Rio Pardo de Minas bilhões ton/ano lhões
Resources
Corporation
–Enrc)
R$ 100
milhões a R$
Carpatian Riacho dos Macha- R$ 250 2,2 milhões
Ouro 160 milhões
Gold dos milhões de ton/ano
a partir de
2012.
Serranópolis de
Minas, R$ 90 mi-
Riacho dos Macha- R$ 560 200 mil ton/ lhões nos 03
Vale Minério de Ferro
dos, milhões ano primeiros
Grão Mogol e Rio anos
Pardo de Minas

Fonte: CEDEPLAR apud LEITE; SILVA, 2014; SAM, 2019;


GOVERNO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, 2019
Ainda que o governo e as empresas tratassem de vender os projetos minerários como a nova reden-
ção do Norte de Minas, tornando mineração sinônimo de desenvolvimento, comunidades atingidas,
movimentos sociais e pastorais desde então tem apontado os riscos e as mazelas que o setor carrega con-
sigo, como a exclusão dos atingidos do debate do desenvolvimento e dos processos de decisão, grandes
impactos sobre o meio ambiente e as comunidades e um sem número de passivos sociais e ambientais
comumente não reparados, vide os exemplos de Mariana e Brumadinho.
Segundo levantamento da Comissão Pastoral da Terra, 39% dos conflitos pela água no país em
2019 tiveram relação com projetos minerários. O Projeto Latentes5, por seu turno, demonstrou que
4 Protocolo de Intensões firmado entre o governo estadual e a SAM em setembro de 2019
5 O Projeto Latentes realizou levantamento das áreas em que há projetos ativos de mineração e cruzou os dados com informações
relativas à localização de terras indígenas, comunidades quilombolas, unidades de conservação e assentamentos da reforma agrária,
buscando identificar a proximidade geográfica entre eles e a existência de possíveis conflitos. Sobre o Projeto, consultar http://livre.
jor.br/latentes/

94
ATLAS DA QUESTÃO AGRÁRIA NORTE MINEIRA

em 2018 existiam 30.554 empreendimentos extrativistas legalizados em atividade no país e 4.536


conflitos socioambientais latentes6 envolvendo empreendimento desse tipo e comunidades indígenas,
quilombolas, assentados da reforma agrária e/ou unidades de conservação. Do total de conflitos so-
cioambientais latentes identificados, 305 estão em Minas Gerais, sendo 41 no Norte de Minas.
O estudo não contempla, no entanto, conflitos latentes ou abertos envolvendo os empreendimen-
tos minerários ainda em fase de licenciamento, como é o caso da Sul Americana de Metais que, desde
2006, encontra resistência das comunidades geraizeiras do território de Vale das Cancelas, no municí-
pio de Grão Mogol/MG.
O megaprojeto da SAM, conhecido como Projeto Bloco 8, prevê a construção, no Norte de Minas,
da maior barragem de rejeitos do Brasil e uma das maiores do mundo, com área total de 2.597 hecta-
res, geração de 1,16 bilhão de m³ de rejeito (99 vezes o volume de rejeitos da barragem de Córrego do
Feijão, em Brumadinho) além de um consumo de 6.200.000 (seis milhões e duzentos mil) litros de
água por hora – 54.312.000.000 de litros/ano – durante os 18 anos de operação do empreendimento.
Tendo sido privadas do direito à consulta livre, prévia e informada, seu direito de opinar e decidir seu
próprio futuro sistematicamente violado, sua existência omitida nos estudos de impacto ambiental do
empreendimento e a existência de várias comunidades e sua cultura tradicional ameaçadas por ele, os ge-
raizeiros têm denunciado a incompatibilidade desde empreendimento com o semiárido mineiro e travado
uma incansável luta em defesa do seu território e do seu modo de vida tradicional aliando diversas táticas:
atos públicos, cartas abertas, participação em audiências públicas, provocações ao Ministério Público e
aos órgãos licenciadores, denúncias internacionais, disputa de narrativas com a empresa e seus defensores.
A luta tem produzido resultados. O IBAMA rejeitou o pedido de licenciamento do projeto em
20167; na nova versão do projeto a SAM teve de reconhecer a existência dos geraizeiros; o Ministério
Público passou a atuar no caso e apresentou denúncias à Justiça que, recentemente, tomou decisões
que até o momento têm corrigido irregularidades apontadas pelo Ministério Público no processo de
licenciamento. Ainda assim, o licenciamento continua em curso à revelia dos interesses e desejo das
comunidades, que são contra a implementação desde projeto em seu território por todo impacto e
destruição que causará e por sua incompatibilidade com o semiárido.
E o que se delineia para o futuro, a partir da conjuntura de grave crise já em curso e que se estenderá
no pós pandemia (a maior queda do PIB, o maior déficit primário e a maior desvalorização da moeda
já registrados aliados à queda brusca na arrecadação e aumento no desemprego), é a busca de saídas a
6 Foram considerados conflitos latentes na medida em que não há comprovação de sua existência, mas são conflitos possíveis em
função da proximidade entre os empreendimentos minerários e as terras indígenas, comunidades quilombolas, unidades de con-
servação ou assentamentos da reforma agrária e da divergência de interesses existente entre eles.
7 A versão anterior do projeto, denominada Vale do Rio Pardo, teve seu pedido de licença prévia negado pelo IBAMA, que o con-
siderou ambientalmente inviável. Em 2017 a empresa realizou a reformulação do projeto, rebatizado Bloco 8 e em 2019 fez novo
pedido de licenciamento, desta feita no governo estadual.

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GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI FERREIRA

partir da intensificação da agenda neoliberal que, além da retirada de direitos, depreciação nos gastos e
investimentos públicos e privatizações, deverá apostar neste tipo de “projeto de desenvolvimento” em
conjunto com a adoção de medidas que permitam “passar a boiada”, isto é, flexibilização da legislação
e precarização dos órgãos ambientais de controle como o IBAMA e o ICMBio.
Mais do que nunca, a resistência e a luta das comunidades, movimentos sociais, pastorais, sindica-
tos e demais defensores da vida e do bem viver é a forma de impedir o estouro da boiada.

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CAPÍTULO 4
MST construindo Reforma Agrária Popular:
Resistência Camponesa na Fazenda Arapuim

Alexandre Soares1 | Oswaldo Samuel Costa Santos2

“O povo de lá não quer guerra, só quer salvar sua gleba, seu pe-
dacinho de terra.
E o que o povo pensa ai ai, é como disse cumpadre Porfilio, se for
para morrer de fome eu prefiro morrer de tiro.”
Cachoeirinha – Grupo Agreste

No contexto histórico, a Região Norte mineira é distinguida pelo forte regionalismo, por suas gran-
des extensões de terra, concentração, gerando consequentemente conflitos e disputa da mesma. Como
em todo Brasil, uma região com a marca da questão agrária, do coronelismo e da violência do latifún-
dio. Na contramão dessa história, tem-se o campesinato que resiste, à seca, à ferocidade do latifúndio,
e aos cercamentos, a estrutura política e jurídica, militar, arraigado ao poder do capital na região. Nesse
contexto, este trabalho tem como objetivo apresentar o conflito e a resistências das famílias acampa-
das na fazenda Arapuim, localizada no município de Pedras de Maria da Cruz, desde a sua ocupação,
realizada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) a partir de 17 de abril de 2017.
Há mais de uma década o MST constrói a luta pela terra, pela Reforma Agrária e pela transforma-
ção social na região norte mineira. A partir de 2008 iniciamos um processo de elaboração do que cons-
tituímos como nossa tática de luta pela terra a Reforma Agrária Popular, consolidada com o programa
agrário aprovado no último congresso em 2014:

Nosso programa agrário busca mudanças estruturais na forma de usar os bens da natureza,
que pertencem a toda sociedade, na organização da produção e nas relações sociais no
1 Bacharel em Direito. Dirigente Regional do MST. E-mail: jusagrarista@gmail.com
2 Especialista em Educação e Movimento Social. Dirigente Regional do MST. E-mail: samuelstminas@gmail.com

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GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI FERREIRA

campo. Queremos contribuir de forma permanente na construção de uma sociedade justa,


igualitária e fraterna (MST, 2014, p. 35).

Nesse sentido, no último período também houve o avanço do capital na agricultura brasileira,
consolidando cada vez mais o agronegócio. Combinando o desenvolvimento tecnológico, grandes
extensões de terra (que aparecem para a sociedade) com o trabalho análogo à escravidão, destruição do
meio ambiente e uso intensivo dos agrotóxicos, ainda mantém relações com um aparato do estado que
os blinda, tais como: a câmara federal de deputados, bancada ruralista, o poder midiático, o judiciário,
e as oligarquias militares. Todas essas forças estão atreladas a histórica marca do latifúndio no Brasil.
No entanto, as contradições desse projeto são catastróficas, o Brasil nas últimas décadas aumentou o
nível de concentração da terra, passando a ser um dos países com maior consumo de agrotóxicos do
mundo e consequentemente trazendo graves danos à saúde para a população brasileira, do campo e
da cidade, (inclusive aumento de câncer, contaminação do leite materno, etc.). Além disso, nota-se a
superexploração por espoliação dos recursos naturais, fato que tem levado a crimes como os da mine-
radora Vale, em Mariana e Brumadinho, e tantos outros exemplos. A devastação acelerada do cerrado e
da Amazônia sobretudo no último período, após o golpe político de 2016, fato que expressa o avanço
da soja, e do gado e dos projetos de mineração no território nacional.
Vale ressaltar, que consagrou-se, a partir da Constituição da República Federativa do Brasil de
1988, que a grande propriedade rural, deverá atender a função social da terra (art. 5º XXIII da CF/88);
caso contrário, poderá haver a desapropriação pela União, destinando as terras para o Plano Nacional
de Reforma Agrária, fundamentado também pelo interesse público.
Assim, no ordenamento jurídico brasileiro, a função social da terra, em específico da grande pro-
priedade rural, deve obedecer aos dispositivos legais do art. 186 da CF/88; sendo assim o imóvel deve
simultaneamente: ser produtivo, estar em observância das regulamentações das relações trabalhistas,
respeitar o bem-estar, bem como preservação do meio ambiente e dos recursos naturais.
Sendo o Instituto Nacional de Colonização e de Reforma Agrária (INCRA), a autarquia federal e
órgão competente para obter/desapropriar imóveis rurais, que descumprem a função social da terra,
destinando-os ao Plano Nacional de Reforma Agrária, e selecionando famílias para ocuparem e vi-
verem nos lotes dos Projetos de Assentamentos rurais. Para o aprimoramento, aplicação concreta e a
regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à Reforma Agrária descritos na Constituição
Federal vigente, foi elaborada, analisada e aprovada a Lei Federal 8.629, de 25 de fevereiro de 1993.
Ainda que a constituição federal nos ampare com uma legislação de reforma agrária, o Estado
brasileiro, não avança na execução de um Plano Nacional de Reforma Agrária. Nesse sentido, o MST
constituí uma proposta de seguir lutando pela democratização do acesso à terra, contra a propriedade
privada, contra o latifúndio, em defesa dos bens da natureza amparados na ideia de função social da

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ATLAS DA QUESTÃO AGRÁRIA NORTE MINEIRA

terra, como patrimônio de toda sociedade. O programa se estende ainda a um novo modelo de matriz
tecnológica e produtiva do campo: a agroecologia. Baseado no pensamento e nas práticas de agroecos-
sistemas construindo o desenvolvimento sustentável, produzindo alimentos agroecológicos no intuito
de minimizar os problemas de segurança alimentar da população brasileira. E a determinação da reso-
lução do conflito pela disputa da terra, se dará neste caso, pela força social organizada e sua articulação
para além do conflito. Tudo isso, pode ser determinado pela organização da comunidade, as relações
políticas com a cidade, parceiros, o conjunto da sociedade civil organizada, caracterizada como classe.
Ou seja, para conquistarmos um território no contexto em que vivemos, vai depender de muitos fa-
tores, principalmente, de como se organiza e se fortalece a classe trabalhadora do campo e da cidade,
nos territórios locais e regionais.

DA BARRANCA DO RIO A SERRA:


CONFLITO NA ÁREA DE ACAMPAMENTO ARAPUIM

A empresa Agropecuária Arapuim Sementes localizada no município de Pedras de Maria da Cruz,


produzindo na fazenda Arapuim-Rodeador, foi nos anos 1990 e no início dos anos 2000 uma das
maiores empresas de plantação de sementes transgênicas3 da região norte de Minas Gerais. Com abran-
gência de mais de 11.000 (onze mil hectares) de produção mecanizada, pouco contribui na geração de
empregos da região, além de degradar o meio ambiente.
As duas empresas de um grupo com grande poder econômico agropecuário (denominadas Ara-
puim Agropecuária e Industrial S/A e a São Francisco Irrigação - Safra) que empreendem o latifúndio,
entram em colapso econômicos com empréstimos e dívidas trabalhistas de enorme volume totalizando
as dívidas federais, previdenciárias e não previdenciárias em um valor de R$ 24.216.409,40 (vinte e
quatro milhões, duzentos de dezesseis mil, quatrocentos e nove reais e quarenta centavos), atualizado
em 03/08/2020.4
A partir de meados dos anos 2000, e a fazenda acabou ficando, por anos, abandonada totalmente.
Torna-se improdutiva, e não cumprindo com seus deveres junto aos seus trabalhadores.
Com isso, estes trabalhadores, prejudicados pela empresa e cansados de aguardar decisões, sofrendo
pelas injustiças e pela miséria sofrida, organizam-se e ocupam a fazenda para produção de alimentos
agroecológicos. Assim, diante da pressão, as empresas proprietárias acuadas, sentem-se forçadas a rea-
lizarem a oferta do imóvel para o INCRA em meados da década de 2010. Portanto, compreende-se
que o latifúndio não cumpre a sua função social constitucional, pois é um imóvel improdutivo, não
3 Sementes transgênicas: a modificação genética de organismos, plantas, animais e substâncias a partir de seres vivos. (CALDART et al,
2012, p.759)
4 Fonte: https://receita.economia.gov.br/interface/lista-de-servicos/dau.

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GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI FERREIRA

respeitando as relações trabalhistas para com os lavradores das empresas agropecuárias.


A luta na beira do rio São Francisco tem suas especificidades. Primeiro, pela concentração de terras,
com grandes latifúndios (dez, vinte, trinta mil hectares) identificados na região, bem como fazenda
Cantagalo e outras.
Segundo, pelo nível de articulação e organização das forças repressivas e oligarquias locais, des-
de as militares regulares, como a forma de atuação da polícia militar do estado de Minas Gerais nos
conflitos agrários, e de atuação de forças irregulares ou paramilitares, como jagunçada. Reafirmamos
que pós golpe, se deteriora a institucionalidade da nação, surgem grupos de forma organizada como
o movimento paz no campo, hoje se identificando como segurança no campo, ou milícias rurais. São
vinculadas, segundo Repórter Brasil5 ao General da reserva Mario Lúcio, atual secretário de segurança
pública do estado de Minas Gerais.

Figura 1: Assembleia das famílias em 29/12/2019

Fonte: Laura Murta, disponível em: <https://midianinja.org/news/sem-terra-sem-direitos-gritam-por-dignidade-e-huma-


nidade-na-fazenda-arapuim-em-minas-gerais>. Acesso em: 01 ago. 2020.

A fazenda Arapuim, no município de Pedras de Maria da Cruz, tem aproximadamente 280 famílias
acampadas, dessas, algumas vivem e trabalham na área, e outras famílias camponesas que vivem no
entorno e reivindicam área no acampamento. A fazenda, sem atividades desde 2014, foi ocupada pelo
5 Disponível em: <https://reporterbrasil.org.br/velhochico/inseguranca-no-campo>. Aceso em ago. 2020.

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ATLAS DA QUESTÃO AGRÁRIA NORTE MINEIRA

o MST em 2017. Com a diversidade de trabalho e produção, muitos dos acampados tem seu labor do
gado, fazem queijo, requeijão e outras produções agrícolas.

Figura 2: Assembleia das famílias em 29/12/2019

Fonte: Laura Murta, disponível em: <https://midianinja.org/news/sem-terra-sem-direitos-gritam-por-dignidade-e-huma-


nidade-na-fazenda-arapuim-em-minas-gerais>. Acesso em: 01 ago. 2020.

Na parte da beira do rio, a comunidade da venda, território vazanteiro reconhecido pelo pró-
prio estado como população tradicional, cerca de 80 famílias, pescam, produzem uma diversidade e
quantidade de alimentos, como feijão, abóbora, melancia, mandioca, milho. Com uma imensidão de,
pelo menos 11 mil ha, entre o rio e a serra tem um desafio organizativo gigantesco. Em uma matéria
realizada pela assessoria de comunicação da deputada que preside a comissão de direitos humanos da
Assembleia de Minas Gerais, destaca que:

Acompanhando uma reunião com as mais de 200 famílias que ocupam a Fazenda Ara-
puim, como ficou conhecida a propriedade, fica evidente essa amplitude do Movimento.
Manhã de domingo (29), às vésperas das festas de fim de ano, homens, mulheres, jovens,
crianças e idosos se juntaram para reiterar o compromisso de luta, de lutas, melhor dizen-
do. Famílias que gritam por direitos. Primeiro o direito a ter direitos. Direito à dignidade.
Direito ao acesso à água como bem imprescindível à sobrevivência humana. Direito ao

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GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI FERREIRA

trabalho, à saúde, à terra, a produzir comida de qualidade, sem veneno, respeitando ho-
mem e natureza. (MURTA, 2020, p. 16).

A infraestrutura foi toda destruída pelos antigos “donos” proprietários, que apresentam em juiz
documentação pedindo a reintegração de posse do imóvel de 2.400 hectares. Contudo, eles mesmos
comprovam que pelo menos 9.600 há foram grilados. Em um estado em que seus poderes são marcados
pela grilagem de terras e da complacência do poder judiciário ao agronegócio e ao latifúndio.
De nossa classe, nos remetemos a organização dos trabalhadores, a sua forca social popular na luta
pela disputa do território. Entre tantos outros conflitos, nas mais de 50 ocupações que realizamos nos
17 anos do MST na região do norte de minas, nos deparamos com uma das mais descabidas e eviden-
tes grilagem de terras e injustiça social. E o povo ao redor, nas comunidades, como Rodeador, ilha dos
bichos, vila da preguiça sendo injustiçados.
Seguimos lutando na busca de construir a organização popular e consolidar o assentamento com
casas, perfurando poços, fazendo instalações de energia, tudo por conta própria, dos próprios campo-
neses. Esse é um dos primeiros exercícios de organização e poder popular, de soberania e dignidade. A
luta pelo direito a terra, quando famílias assumem para si, toma outro patamar de resistência. Tem sido
construído lavouras, pastagens, trabalho, estamos fazendo reforma agrária na prática, estamos imple-
mentando a função social da terra.

“Lá na mais alta montanha, há um pau d’arco florido,


Um guerrilheiro querido, que foi buscar o amanhã.
Pelos caminhos da América há um índio tocando flauta,
Recusando a velha pauta, que o sistema lhe impôs.
No violão um menino e um negro tocam tambores,
Há sobre a mesa umas flores, pra festa que vem depois”.
Pelos Caminhos da América- Zé Vicente

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CAPÍTULO 5
Breve histórico da Liga dos Camponeses Pobres no Norte de Minas1

David Batista Batella2

A Liga dos Camponeses Pobres é uma organização política que luta pela terra e pelos interesses
econômicos, políticos e sociais do campesinato. Mais conhecido como LCP ou simplesmente Liga,
a Liga dos Camponeses Pobres do Norte de Minas e Sul da Bahia atua em inúmeros municípios
do Norte de Minas (Verdelândia, Varzelândia, Pedras de Maria da Cruz, Jaíba, Manga, Miravânia,
Matias Cardoso, dentre outros).O primeiro agrupamento que viria dar origem as Ligas de Cam-
poneses Pobres, hoje, presentes em diferentes regiões do país, surge como Liga Operário-Campo-
nesa, no Norte de Minas, por volta de 1995, contando com a participação de militantes, ativistas
e sindicalistas de Belo Horizonte, particularmente do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria da
Construção Civil de BH e região (STIC-BH/MARRETA) e do Sindicato dos Trabalhadores Rodo-
viários de BH e região.
Apesar das recorrentes confusões, a LCP não se apresenta como continuadora das Ligas Campo-
nesas de meados do século passado - pelo menos não em sentido estrito – e, tampouco, como uma
dissidência do MST, como, por vezes, é erroneamente representado por veículos do monopólio de im-
prensa e mesmo em publicações acadêmicas. No período em que a Liga inicia sua atuação no Norte de
Minas, entre o final do governo de Itamar Franco (PMDB) e o primeiro mandato de Fernando Hen-
rique Cardoso (FHC),há um crescimento das ocupações de terra por todo o país e, particularmente a
partir da grande repercussão das ações do MST no Pontal do Paranapanema em São Paulo, a reforma
agrária volta a ganhar destaque na vida política nacional. No Norte de Minas, os conflitos de interesses
entre o emergente agronegócio e as comunidades camponesas ganham contornos cada vez mais nítidos
1 O presente texto consiste num esforço de sistematização de informações relacionadas à história e características políticas da Liga
dos Camponeses Pobres, interpretadas a partir do contato direto do autor com o movimento na realização de incontáveis ativida-
des políticas desenvolvidas no âmbito do Comitê de Apoio à Luta pela Terra do Norte de Minas entre os anos de 2010-2020.
2 Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em História da Unimontes (PPGH/Unimontes). Bolsista CAPES. E-mail: davidba-
tella@yahoo.com.br

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GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI FERREIRA

na medida em que o aumento da inversão de capitais em atividades agropecuárias latifundistas esbarra


na precariedade jurídica da propriedade e posse das terras do “agronegócio” por toda a região.
O primeiro grande embate enfrentado pela Liga no Norte de Minas é ilustrativo a esse respeito: a
reivindicação do assentamento no Projeto de Irrigação Jaíba de 212 famílias remanescentes do que ficou
conhecido como “Massacre de Cachoeirinha”3, retomando uma disputa judicial e, principalmente, políti-
ca, ainda hoje em curso (SANTOS, 1985; MONÇÃO, 2009; SOUZA, 2017). Nessas primeiras batalhas
travadas pela Liga, a luta pela terra ainda não havia adquirido na região um formado claro de movimentos
e ocupações. De uma forma geral, as demandas camponesas pelo direito à terra ainda eram representadas
como repercussões diretas da secular contradição entre posseiros versus latifundiários/grileiros.
Ainda que, desde esses primeiros momentos, a Liga sempre exigira a desapropriação dos latifúndios
ocupados, a reforma agrária não é apresentada pelo movimento como um objetivo estratégico, como
um fim em si mesmo. Partindo da constatação da falência histórica da reforma agrária e da sua própria
experiência sobre o que é a burocracia fundiária estatal, o movimento orienta sua prática pela resis-
tência cotidiana, persistência em trabalhar e produzir na terra. A tática do “corte popular” predicada
pela Liga vai ganhando força e se difundindo pela região, na própria proporção em que se aprofunda a
bancarrota da política agrária estatal. No que consiste tal prática? A Liga incentiva e organiza o debate
entre os trabalhadores, a cada nova tomada e entre as famílias que já ocupam determinada terra, para
que se organizem no sentido de dividir entre si e por conta própria as glebas retomadas do latifúndio
em lotes individuais, posteriormente distribuídos e titulados pelos próprios camponeses. Assegurar o
“corte” das terras e sua distribuição entre amplas parcelas do campesinato foi fundamental para que a
bandeira da Revolução Agrária ficasse, cada vez mais, conhecida por toda a região nos últimos anos.
As recorrentes decisões judiciais favoráveis ao latifúndio, mesmo em situações que o direito pudesse
parecer estar claramente ao lado dos camponeses, são como aulas que foram reafirmando a necessidade
de fortalecer a luta classista, combativa e independente do campesinato ao longo dos últimos anos no
Norte de Minas. Dessa maneira, os camponeses, vão desenvolvendo sua consciência de classe, vendo
com maior clareza quem são os seus amigos e inimigos e o papel do Estado como instrumento para
assegurar os interesses do latifúndio. O expressivo fortalecimento econômico e político do latifúndio
registrado nos últimos anos, particularmente desde o primeiro mandato presidencial petista iniciado
em 2003, é acompanhado de uma concentração ainda maior das terras, do aumento da violência la-
tifundista-estatal e do abandono de quaisquer auspícios de reforma agrária. Para a Liga, esse período
marca o início de uma ofensiva econômica, política, ideológica e militar do latifúndio e que segue se
3 No ano de 1967, como parte de um grande esquema de grilagem de terras públicas, pistoleiros junto às tropas do 10º Batalhão
da PM de Montes Claros, ambos, comandados pelo então ilustre entusiasta do regime militar, Coronel Georgino Jorge de Souza,
invadem a pequena comunidade camponesa de Cachoeirinha, então distrito de Varzelândia, promovendo toda espécie de violên-
cias e arbitrariedades para expulsar as famílias camponesas de posseiros pobres. No episódio, ocorrido no inverno de 1967, dezenas
de crianças morreram em função do frio e de um surto de sarampo e várias lideranças camponesas foram perseguidas, torturadas,
desaparecidas e assassinadas. A Liga se refere ao episódio como “Heróica Resistência dos Posseiros de Cachoeirinha”.

104
ATLAS DA QUESTÃO AGRÁRIA NORTE MINEIRA

incrementando até o presente momento, na esteira do aprofundamento da crise crônica do capitalismo


no Brasil e como parte da crise estrutural do sistema imperialista mundial (CNLCP, 2019).
O fato de tal ofensiva latifundista ter ganhado vulto durante governos tidos como “de esquerda”
não representou uma surpresa para a Liga que, em seus prognósticos políticos, já apontava para o
incremento da sanha latifundista independente de qual força política viesse ocupar a presidência da re-
pública. A paralisia da reforma agrária durante os governos petistas repercutiu de maneira decisiva nos
rumos da luta pela terra e, para a Liga dos Camponeses Pobres, significou o fortalecimento do caminho
da revolução agrária. Na medida em que as promessas de reforma agrária vão se revelando como farsas
e as expectativas com o governo vão refluindo dentre o campesinato pobre do Norte de Minas, esses
trabalhadores vão aprendendo que só podem contar consigo mesmo e com seus apoiadores sinceros.
De um ponto de vista político mais geral, a bancarrota da reforma agrária é apresentada pela Liga
como expressão da falência do próprio sistema político e a defesa do movimento pelo boicote ativo à
“farsa eleitoral” é reafirmada pela secularmente inalterada realidade de descasos, injustiças e violências
contra os camponeses e ratificada pelo maior índice de abstenção eleitoral de toda a história, registrado
nas eleições presidenciais de 2018. A persistência da Liga na luta pela terra no Norte de Minas não
se restringe a realização de tomadas. O empenho do movimento parece estar centrado no objetivo
de fazer com que os camponeses aprendam, com sua própria prática e pela experiência histórica, que
a conquista da terra é apenas o primeiro passo de uma larga trajetória para que o campesinato possa
assegurar até mesmo os seus direitos mais elementares.
A Liga busca demonstrar que não é possível ao campesinato alcançar seus interesses de classe dentro
da sociedade capitalista e que, portanto, é necessário se unir ao proletariado e demais classes populares
do país na consecução da Revolução Democrática, cujo primeiro passo consiste exatamente na aplica-
ção do Programa Agrário de Defesa dos Direitos do Povo defendido e aplicado pelo movimento. Pro-
grama político concretizado na aliança operário-camponesa, união dos trabalhadores do campo e da
cidade em torno de um projeto comum de transformação social que se realiza por meio da Revolução
Agrária (CLCP, 2006).
No Norte de Minas, a luta pela terra tem resultado no confronto entre a violência latifundis-
ta-estatal e a resistência camponesa, quilombola e indígena pelo direito à terra. Desde o regime
militar (1964-1985), a região registra um dos mais elevados índices de conflitos por terra em todo o
estado (COVEMG, 2017). Recentemente, as denúncias da grilagem de terras públicas somam-se à
pilhagem desbragada dos recursos hídricos e minerários, ademais da degradação em larga escala do
meio natural. A região, outrora paraíso para subtração fiscal do erário público (período SUDENE),
vem se tornando terreno fértil para investimentos monopolistas em atividades agropecuaristas e
extrativistas voltadas à exportação, aprofundando a drenagem de capitais para os conglomerados
econômicos transnacionais.

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GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI FERREIRA

Tal “aquecimento” econômico das atividades latifundistas na região tem como um dos seus impac-
tos mais imediatos o aumento da especulação fundiária e, tão logo, um aumento artificial do preço das
terras que não tarda gerar uma nova onda de corrida aos cartórios e tribunais, resultando, comumente,
em novas ampliações nas fronteiras sem fins das cercas dos latifúndios. Acompanhamos no Norte de
Minas nos últimos anos um processo tão brutal de crescimento do latifúndio que as grandes fazendas,
já de posse de quase todas as terras, avançam até as margens dos rios, ampliando o raio de expulsão dos
pobres para além das barrancas ou mesmo ilhas dos rios (ANAYA, 2012).
A Liga tem se oposto fortemente ao estado de permanente campanha de criminalização da luta pela
terra imposto pelo latifúndio na região e que tem resultando em prisões, perseguições e assassinatos
de lideranças. Por meio de mobilizações, atos de rua e manifestos políticos a LCP tem reafirmado a
importância da unificação do movimento camponês pela resistência contra a violência latifundista-es-
tatal. Denunciando a articulação do latifúndio na região, que se processa por meio da Sociedade Rural
de Montes Claros, como uma organização criminosa (Movimento “Paz no Campo”), a Liga busca
esclarecer a população sobre como tal criminalização se opõe não apenas aos interesses daqueles que
lutam pela terra, mas da maioria que, para o movimento, só teria a perder com o atual crescimento do
“agronegócio” na região (LCP, 2018).
Para a Liga, uma das principais maneiras encontradas pelo latifúndio e o Estado para confrontar o
fortalecimento e ampliação da resistência camponesa na região tem sido tentar dividir a luta pela terra.
Segundo o movimento, com o aprofundamento da crise, no momento mesmo em que diferentes seto-
res e segmentos do movimento camponês na região encetam esforços para unificação da luta pela terra,
o Estado recorre ao artifício de pretensas negociações, prometendo “direitos territoriais” que nunca
passaram de “demagogia” e “promessas eleitoreiras” (CNLCP, 2014).
As multitudinárias manifestações que se alastraram por todo o território nacional entre junho e julho
de 2013 fizeram-se também presentes no cenário agrário do Norte de Minas, principalmente por meio de
mobilizações camponesas4. Desde então, na própria proporção em que cresce, quantitativa e qualitativa-
mente, a mobilização camponesa na região, tomando as ruas e, por vezes, interditando importantes rodo-
vias, o posicionamento político combativo da Revolução Agrária atrai cada vez mais atenção e prestígio.
O ideário político da Liga ultrapassa o problema agrário em sentido estrito e busca se afirmar en-
quanto cerne de um projeto global de transformação social. O caminho da revolução agrária é apresen-
tado não apenas como única solução viável para se conquistar a terra, mas como necessidade histórica
incontornável para se alcançar uma sociedade verdadeiramente democrática. Os tempos tormentosos
4 Desde as manifestações de junho/julho de 2013, a Liga dos Camponeses Pobres tomou parte numa série de manifestações ocorri-
das no norte de Minas, contra o cumprimento de reintegrações de posse favoráveis ao latifúndio; contra a criminalização da luta
pela terra; nos diferentes dias nacionais de luta convocadas pelo movimento sindical contra cortes de verbas na saúde, educação,
etc. Os relatos desses protestos pelos próprios camponeses podem ser encontrados nos sites “resistenciacamponesa.com.br” e “ano-
vademocracia.com.br”.

106
ATLAS DA QUESTÃO AGRÁRIA NORTE MINEIRA

por que passa a sociedade brasileira, em meio ao aprofundamento sem precedentes da crise econômi-
ca, política e social no país agravada pela pandemia de COVID-19, parecem não deixar margem para
dúvidas quanto à inevitabilidade de grandes distúrbios no cenário agrário nacional para os próximos
meses e anos. Bem vinda seja a tempestade!

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CAPÍTULO 6
O Trabalho Coletivo no Brejo dos Crioulos

Anderson Bertholi1 | Caroline Alves da Silva2 | Cibele Bertholi3

O “Quilombo” de Brejo dos Crioulos está localizado no Norte de Minas Gerais, entre os municí-
pios de São João da Ponte, Varzelândia e Verdelândia, sendo que a maior parte do território concen-
tra-se na cidade de Varzelândia. O surgimento da comunidade deu-se por condições históricas e sócio
– ambientais específicas. A área fora ocupada por populações negras refugiadas dos quilombos desde
meados do século XVIII, consideradas resistentes à malária, doença bastante incidente na região.
No início dos anos 2000 as comunidades remanescentes de quilombolas que hoje conformam
o Brejo dos Crioulos tomaram conhecimento e passaram a se mobilizar em torno da criação de um
território compreendido pelas terras há séculos ocupadas por seus antepassados e que foram, progres-
sivamente, expropriadas pelos latifundiários.
Após anos de luta, por meio da realização de sucessivas ocupações de fazendas, protestos e ações
judiciais, contando com apoio de importantes setores da intelectualidade do Norte de Minas, os qui-
lombolas tiveram o seu direito garantido por meio do Decreto Presidencial 11/2011, assinado pela
então presidenta Dilma Rousseff, estabelecendo a criação do Território.
Ocorre que o referido decreto, ao não fazer distinção entre pequenos e médios proprietários, posseiros,
assentamentos e latifundiários acabou por criar uma sobreposição de territórios e interesses, resultando num
ambiente de conflito entre diferentes categorias de trabalhadores rurais pobres que têm em comum o fato
de terem tido suas terras ocupadas e seu trabalho super- explorado pelos coronéis latifundiários da região.
A Comunidade Para Terra I, junto a várias outras comunidades, pequenos e médios proprietários,
foram diretamente afetados por tal ambiente em que interesses fundamentais de setores das massas
1 Professor do Departamento de Geociências e PPGEO da Unimontes; Coordenador Adjunto do NEPRA (Núcleo de Estudos e
Pesquisas Regionais e Agrários).E-mail: anderson.bertholi@unimontes.br
2 Licenciada em Geografia – Unimontes. E-mail: carolalves00@yahoo.com.br
3 Jornalista pelo Centro Universitário de Belo Horizonte e Pesquisadora Colaboradora no NEPRA. E-mail: cibelebertholi@gmail.com

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GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI FERREIRA

mais pobres da região, aparentemente, se contrapunham. A situação se torna, a partir deste momento,
mais tensa e até certo ponto dramática, uma vez que a criação arbitrária e subjetiva de um marco es-
pacial (território) que não leva em consideração os aspectos econômicos e socioculturais e a dinâmica
interna dos conflitos de interesse dentre do espaço físico em que é instituído o território, gera conflito
entre aqueles que teoricamente seriam beneficiados com a sua criação.
A criação de um território em que, pelo menos, há mais de um século é coabitado por remanes-
centes de quilombolas e camponeses não remanescentes e a necessidade de autoafirmação e estudos
étnicos, como pressupostos imprescindíveis para a ocupação de um mesmo espaço geram conflitos
entre famílias e comunidades que, até aquele momento, viviam em relativa harmonia. Desta maneira,
instaura-se uma disputa interna dentro do próprio território entre quilombolas e não quilombolas
sobre quem possui o direito de permanecer em suas terras.
Os conflitos são potencializados pela atuação de diferentes atores (ONGs, partidos políticos, grupos
religiosos, entre diversos outros) cujos interesses divergentes menosprezam o projeto comum. Sobre esse
contexto, vale citar o exemplo emblemático que concorreu para o desfecho sangrento envolvendo a cisão
de comunidades que outrora lutavam juntas em Pedras de Maria da Cruz, resultando no assassinato do
dirigente da LCP (Liga dos Camponeses Pobres do Norte de Minas e Sul da Bahia), Cleomar Rodrigues
em outubro de 2014. (COMISSÃO NACIONAL DAS LIGAS DE CAMPONESES POBRES, 2014)
Sobre a atuação das ONG’s, existe uma vasta bibliografaria embasada em pesquisas consistentes
que demonstram como, muitas vezes, tais organizações podem servir a interesses contrários aqueles aos
quais proclamam defender, particularmente quando são instrumentalizadas por meio de vultosos orça-
mentos provenientes de organismos internacionais sob o pretexto “defesa do meio ambiente”. (DAVIS,
2002; DIEGUES,2004)
Já o conceito de território pode ser abordado em diferentes perspectivas, apresentando uma multi-
plicidade de sentidos e por diversas áreas como a geografia, antropologia, sociologia, ciência política e
psicologia. Ainda, estas concepções podem apresentar diferentes compreensões teórico-conceituais so-
bre o território, que expressam o conteúdo ideológico das correntes filosóficas que as consubstanciam.
(HAESBAERT, 2004).
Nesse sentido, a sobreposição territorial é apresentada no presente trabalho a partir da análise dos
conflitos de interesses e direitos gerados pela ação do Estado, na medida em que a criação de territórios
quilombolas, ainda que imprescindíveis, podem causar danos irreversíveis às comunidades camponesas
circundantes e, indiretamente, às próprias comunidades remanescentes de quilombolas que possuem
fortes vínculos econômicos, políticos e culturais entre si.
A criação do território do “Brejo dos Crioulos” é uma importante conquista na medida em que
reconhece o direito histórico dos remanescentes de quilombolas o acesso à terra e serve a reafirmar seus
costumes e tradições centenárias, que compõe a rica diversidade cultural e história de luta do povo

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ATLAS DA QUESTÃO AGRÁRIA NORTE MINEIRA

brasileiro e do próprio povo sertanejo de Varzelândia, São João da Ponte e Verdelândia. Por outro lado,
pela forma como a criação do Território foi concebida e imposta pelo Estado e na medida em que
setores oportunistas do movimento popular fomentam as disputas entre os pobres e remediados do
campo, o território pode derivar em divisões entre o povo que só servem aos seus verdadeiros inimigos
de classe, que são os latifundiários.
Outro aspecto problemático com relação à criação do Brejo dos Crioulos e aos territórios quilom-
bolas de uma forma geral é quanto à regularização fundiária. Os remanescentes de quilombolas não
se tornam proprietários de suas glebas e, nesse sentido, muitas vezes, podem se encontrar, com relação
ao exercício de sua posse, ainda mais fragilizados juridicamente do que os posseiros, uma vez que a
legitimidade de sua posse prescinde do reconhecimento de uma Associação que não, necessariamente,
representa os seus interesses ou com o qual aqueles camponeses se reconheçam representados.
Nesse sentido, o mesmo elemento subjetivo do “contrato coletivo” imposto aos camponeses do
Para Terra I que causou seu endividamento atua, de forma subjacente uma vez que não existe contrato
formal, impondo uma relação “harmônica” em relação a posse e uso dos territórios, um sentido de
coletividade que a priori contempla os vínculos mais próximos, com destaque para os consanguíneos.
Esta é uma questão ainda pouco estudada e que merece maior atenção da parte da geografia agrária.
Até que ponto, vínculos organizativos inexistentes, embasados em uma coesão social que num passado re-
moto fora consolidado (até o início do século XX), não seriam forçosamente impostos nos marcos da so-
ciedade capitalista contemporânea onde a lógica do capital alterou a dinâmica interna das comunidades?
Em outras palavras, até que ponto a criação de territórios, nos marcos do estabelecido pela legisla-
ção atual contribui para a democratização do acesso à terra, uma vez que os camponeses não se tornam
proprietários e o próprio usufruto de seu território passa por um rigoroso controle do Estado.
A Comunidade Para Terra I foi o primeiro assentamento criado no Norte de Minas Gerais pelo
Programa Cédula da Terra, no ano de 1998. As 35 famílias que constituíram a comunidade fundaram
a Associação de Trabalhadores Sem-Terra e Minifúndios de Varzelândia, uma estratégia que visava a
legalização sobre a posse da terra.
Nesse sentido, foi feita a aquisição da “Fazenda Espírito Santo” por meio da SUDENOR (Superin-
tendência de Desenvolvimento do Norte de Minas), responsável por fazer o levantamento e cadastro
das famílias, que passaram ainda por uma avaliação da EMATER (Empresa de Assistência Técnica e Ex-
tensão Rural e do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Varzelândia. Após a aprovação destas famílias,
segundo contrato da época que rezava o acordo de compra, o banco realizou o empréstimo para a asso-
ciação, que passou a ser a contraente da dívida, tornando assim cada família avalista das demais. O prazo
para amortização da dívida, segundo o SAT (Subprojeto de Aquisição de Terras), fundo destinado para
a compra da terra, seria inicialmente de 10 anos e um limite de carência de 3 anos, posteriormente esse
prazo passou para 20 anos para adequar as condições do Banco da Terra. Além dos outros critérios, era

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GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI FERREIRA

necessário ainda o Subprojeto de Investimentos Comunitários (SIC) responsável pelos recursos básicos
para o assentamento: infraestrutura, produtiva e social, mas isso nunca foi cumprido.
O Programa Cédula da Terra - PCT conhecido como PROJETO PILOTO da reforma agrária foi
uma política fundiária financiada pelo Banco Mundial, implantado em 1997, cujo planejamento do
programa era assentar 15 mil famílias até o final da execução do projeto em 2002. O programa abran-
geu cinco estados da federação: Bahia, Maranhão, Pernambuco, Ceará e Norte de Minas Gerais. Desse
projeto surgiram programas como o Banco da Terra (1998), Crédito Fundiário de Combate à Pobreza
(2002) e o Plano Nacional de Crédito Fundiário (2003). A seleção dos municípios estava inter-rela-
cionada com as características gerais da população, dentre os fatores a existência de conflitos agrários,
a existência de sindicatos dos trabalhadores favoráveis ao projeto, assistência operacional da unidade
técnica e o apoio das prefeituras. A participação era associativa e não individual. Apenas associações
poderiam participar e a escolha dos beneficiários era feito pelas próprias associações.
Como parte do que ficou conhecido como “reforma agrária de mercado”, o acesso à terra se dava pela
compra e, portanto, não se tratava de parte de um programa de reforma agrária propriamente dito, mas
da capitalização do latifúndio por meio da venda a preço de mercado de terras abandonadas e improdu-
tivas aos camponeses, com a intermediação do Estado. Na prática, tal projeto representava a aplicação do
princípio basilar da Lei de Terras de 1850 de que o acesso à terra só poderia se dar por meio da compra.
Na Comunidade Para Terra I, até meados dos anos 2000, os camponeses viviam em situação bem
precária. Destaca-se aqui o esforço das famílias em produzir, inclusive de forma coletiva e a existência
de terras férteis, devido ao completo abandono do Estado que se expressava na falta de apoio material/
financeiro; assessoria técnica; dificuldades com abastecimento d´água, péssimas condições de acesso e
escoamento das mercadorias.
Não bastasse as dificuldades enfrentadas para garantir sua própria subsistência e ter acesso aos
direitos públicos mais elementares como saúde e ensino, os camponeses adquiriram uma dívida co-
letiva que foi se tornando praticamente impagável. Ademais, da pressão do banco e do Estado e das
dificuldades em ter acesso a novos créditos para realizarem investimentos em suas propriedades, na
medida em que crescia a dívida da associação com o Estado a união entre os trabalhadores era mi-
nada, uma vez que aquela família que pagou todas as parcelas acabava sendo prejudicada por aquela
que não o fez, independente dos motivos, dado o caráter “solidário” do contrato com o banco, in-
termediado pelo Estado.

A PONTE DA ALIANÇA OPERÁRIO-CAMPONESA

No ano de 2006 as famílias camponesas, juntamente com as várias comunidades quilombolas, com o
apoio da Liga dos Camponeses Pobres e da Liga Operária, construíram de forma coletiva e independente

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ATLAS DA QUESTÃO AGRÁRIA NORTE MINEIRA

de qualquer órgão do Estado, uma ponte ligando as cidades de Varzelândia e São João da Ponte, que de-
nominaram de “Ponte da Aliança Operário - Camponesa” sobre o Rio Arapuim.
Esta era uma obra pleiteada por muitos políticos em campanhas eleitorais, ficando apenas na pro-
messa e no sonho dos moradores das comunidades. Por muitos anos, a construção dessa ponte foi
promessa de campanhas eleitorais, mas nunca havia sido levantada sequer as bases para construção.
A conquista é um marco do trabalho coletivo e voluntário daquele lugar. A ponte representa ainda
a união e a força das centenas de pessoas residentes em 12 comunidades: A construção da ponte pelo
trabalho coletivo e voluntário das comunidades, foi exemplo de força e união dos camponeses unidos
e organizados, contando com a participação de centenas de pessoas de 12 comunidades: Araruba, Nos-
sa Senhora Aparecida, Conquista da Unidade, Brilho do Sol, Caxambu I e II, Modelo, Furado Seco,
Orion, Limeira e São Vicente. Mais de 300 homens e 80 mulheres participaram na construção da ponte,
perfazendo mais de 1.800 dias de trabalho voluntário coletivo. Destaca-se aqui a participação de mais de
70 pessoas empenhadas na finalização das cabeceiras em apenas 1 dia de trabalho sendo que no enchi-
mento da cabeceira da ponte chegaram a participar dos trabalhos num mesmo dia mais de 70 pessoas.
A união e a força da coletividade na conquista deste projeto O trabalho coletivo desenvolvido du-
rante a construção da ponte foi de fundamental importância para fortalecer a organização da Comuni-
dade e estreitar seus vínculos com as comunidades circundantes além de impulsionar sua participação
política na luta pela terra e a luta de classes de uma forma geral. Os camponeses e quilombolas que
participaram ou presenciaram a realização da construção da ponte se lembram com orgulho do trunfo
que representou a edificação da obra, que é tido como um marco no enfrentamento do campesinato
da região contra o forte coronelismo que marca a história daqueles rincões (OLIVEIRA, 2001). Como
expressão das lutas políticas com o poder político local, após a realização da construção da ponte os
camponeses realizaram uma grande festa e nas eleições municipais de 2006, Varzelândia registrou um
dos maiores índices de abstenções, votos nulos e brancos do estado de Minas Gerais.

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CAPÍTULO 7
Da ocupação ao assentamento Floresta Viveiros em Pirapora

Gustavo Henrique Cepolini Ferreira1 | Josiane Barcelos de Souza2

“[...] a chegada à cidadania de grande parte destes pobres passa pela Reforma
Agrária. Mas, passa também por uma proposta de Reforma Agrária que tem
de ser assumida como proposta de transformação desta sociedade, em busca de
justiça, dignidade e solidariedade” (OLIVEIRA, 2001, p. 2015)

A história do Assentamento Fazenda Floresta teve início no ano de 1999, com 12 (doze) famílias,
lideradas por José Almendes Guedes, Maria Alzira Pereira e outros trabalhadores rurais, que contaram
com o apoio da Comissão de Solidariedade (movimento coordenado, na época, pelo Frei Pedro, da
Igreja Católica) que realizava visitas com doações às famílias acampadas na BR 196, próximo ao local
conhecido como “Britador”, sentindo Pirapora - Várzea da Palma.
O longo tempo de acampamento, a precariedade das condições de vida no local, bem como as difi-
culdades de acesso ao trabalho, fizeram com que, aos poucos, as famílias acampadas fossem desanimando
e abandonando o local. A partir do envolvimento da Comissão de Solidariedade e das visitas frequentes
ao acampamento, novas famílias provenientes do próprio município foram se agregando até atingir um
total de 60 (sessenta) famílias. Entre essas novas famílias acampadas, existiam várias pessoas que haviam
trabalhado na então Fazenda Floresta e informaram para a direção da Comissão de Solidariedade de que
a mesma tratava de uma área devoluta da empresa Mineração Lagoa Grande Ltda., de Pirapora, e que era
uma fazenda de grande extensão territorial, com terras boas e relativa disponibilidade de água3. Na Figura
1 é possível verificar parte das reuniões de formação no processo de luta pela terra em Pirapora.

1 Professor do Departamento de Geociências e PPGEO – Unimontes. E-mail: gustavo.cepolini@unimontes.br


2 Graduada em Geografia – Unimontes, Campus Pirapora. Professora de Geografia na SEE-MG. E-mail: josy69254@gmail.com
3 Entrevista com Sr. José Carlos Oliveira - Presidente da Associação do Assentamento Floresta em 2019.

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GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI FERREIRA

Figura 1: Reuniões anteriores à ocupação do Assentamento Floresta Viveiros. Fonte: PBA, 2006.

A partir dessa informação, a Comissão de Solidariedade, juntamente com o Sindicato de Trabalha-


dores rurais de Pirapora e as famílias do acampamento, passaram a se articular buscando a ocupação
dessa área e a criação de um projeto de assentamento rural (SOUZA, 2019). No dia 18 de dezembro
de 1999, essas sessentas famílias, lideradas pelo Sr. José Almendes e pela Sra. Maria Alzira Pereira, ocu-
param a área da Fazenda Floresta, consolidando a luta pela desapropriação da área. Após a ocupação,
as famílias armaram seus barracos na área em torno da antiga sede da propriedade, uma vez que esse
local possuía energia elétrica e água proveniente de poço artesiano. A ocupação foi pacífica e não houve
nenhuma reação por parte do antigo proprietário (PBA4, 2004).

4 PBA - Projeto Básico de Assentamento: realizado pela equipe multidisciplinar da Fundação Arthur Bernandes (FUNARBE) –
Universidade Federal de Viçosa- MG.

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ATLAS DA QUESTÃO AGRÁRIA NORTE MINEIRA

Figura 2: As primeiras “moradias” do Assentamento Floresta Viveiros. Fonte: PBA, 2006.

Após a desapropriação da área, além das sessenta famílias que formaram o grupo inicial, foram
legitimadas mais 20 famílias cadastradas pelo STR de Pirapora, elevando o número de famílias a serem
assentadas para 80 (oitenta). No entanto, em virtude das deficiências dos solos e dos recursos hídricos
que caracterizam a área, o número máximo de famílias que poderiam ser assentadas era apenas de 60
(sessenta). Como 80 famílias já estavam legitimadas, criou-se um impasse a respeito de quais deveriam
deixar então, o “PA” Floresta Viveiros e aguardar o assentamento em outro local. O impasse foi supe-
rado apenas no final de 2003 quando a atual diretoria da associação, juntamente com a comunidade e
com a autorização do INCRA, definiram as 60 famílias que seriam efetivamente assentadas, colocando
as 20 restantes numa lista de espera para posterior assentamento.
Assentamento Floresta Viveiros localiza-se no extremo sul do município de Pirapora, cujo acesso é
realizada integralmente por estradas de terra que se encontram em bom estado de conservação5.
O assentamento Floresta Viveiros está localizado no Alto São Francisco, é banhado pela Bacia
Federal: Rio São Francisco. No interior do imóvel existem diversas nascentes que dão origem a cursos
d’água de regime intermitente que, de modo geral, encontram-se bem distribuídas no interior da área.
Conforme o PDA (2004):

[...] ressaltamos os seguintes mananciais: Córrego da Onça (divisa), córrego Trinchete,


nascente do córrego Araçá, córrego Salobro, entre outros de porte tal que podem ser
5 Partindo de Pirapora, pela BR-365, no sentido a Buritizeiro, em frente ao posto de combustíveis Douradão, tomar à esquerda,
na estrada de terra que liga a sede do município à comunidade de Pedra Santana, percorrendo cerca de 600 metros, em seguida
tomar a estrada à direita e percorrer mais cerca de 16 km até a sede da Fazenda Uniagro, percorrer aproximadamente mais 3 km e,
em um cruzamento, tomar novamente a estrada à esquerda percorrendo mais 11 km até a entrada do assentamento; já na área do
assentamento Floresta Viveiros, percorrer mais 6 km até a sede do projeto.

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GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI FERREIRA

considerados como “corridos”, ou seja, só existem no período chuvoso, não se susten-


tando por mais de 3 ou 4 dias após o término das chuvas. Muitos desses corpos hídricos
permanecem totalmente secos por longos períodos durante o ano [...]. (PDA, 2004, p.6)

Apesar de possuir diversas nascentes no interior do assentamento, os problemas ocasionados pela


falta da água são evidentes. Atualmente, é usado no assentamento o Programa “Água Para Todos”6
(Figura 3).

Figura 3: Cisterna para captação da água da chuva/ Programa Água para todos.
Fonte: SOUZA; J.B., Outubro, 2018.

Como foi dito anteriormente, a legalização do assentamento ocorreu em agosto de 2002; os cam-
poneses fundaram uma associação comunitária, denominada de Associação do Projeto Assentamento
da Floresta Viveiros. Os trabalhadores já assentados assinaram o contrato de assentamento, contribuin-
do com uma taxa mensal para manter as despesas da Associação.
Somente em 2010, os mesmos passaram a ser beneficiados por alguns programas voltados para a
alimentação, água, energia elétrica e crédito para a habitação.
Foi inaugurada no dia 20/03/2010, no Assentamento da Fazenda Floresta Viveiros, a Fábrica de Fa-
rinha, uma parceria da prefeitura de Pirapora com o Incra; energia elétrica (Programa Luz para Todos)
com o governo federal, Eletrobrás e Cemig; parte do sistema de abastecimento de água - Programa Mi-
nas sem fome - através da Emater, com apoio da Codevasf, além do recebimento de um trator (carreta,
grade e roçadeira), doado para a associação, com o objetivo de promover atividades auto- sustentáveis,
estimulando ações que possam aumentar a renda das famílias e agregar receita às suas propriedades.
O trator foi adquirido através do PCPR - Programa de crédito fundiário e combate à pobreza rural.
(SECRETARIA DE PLANEJAMENTO DA PREFEITURA MUNICIPAL DE PIRAPORA, 2018).
6 Projeto do Governo Federal, sobre responsabilidade da CODEVASF. É disponibilizada uma cisterna de 16.000 litros para capta-
ção da água da chuva.

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ATLAS DA QUESTÃO AGRÁRIA NORTE MINEIRA

A casa da farinha foi idealizada como uma fonte de renda alternativa aos assentados, visto que a
mandioca, por ser uma cultura mais resistente, trouxe resultados melhores para as famílias que opta-
ram por cultiva- lá. Outras culturas foram plantadas7, porém houve a falta total de assistência técnica,
e a irregularidade da distribuição das chuvas na região por diversas vezes fez com que várias famílias
perdessem parte da produção.
Ao analisarmos o Assentamento Floresta Viveiros, pode-se notar que os desafios da territorialização
camponesa continuam mesmo após a conquista da terra. As condições socioeconômicas das famílias
continuam baixas (68,33% do total de 60 famílias), devido à morosidade dos órgãos públicos, dificul-
tando ainda mais o acesso dessas famílias às políticas públicas.
Assim, pode-se concluir que, mesmo estando na terra, os camponeses do Assentamento Floresta
Viveiros seguem lutando por melhorias cotidianas que proporcione uma campesinia, ou seja, a cida-
dania para o campo.

7 Os principais cultivos são: mandioca, milho, abóbora, maracujá, cana e capim para pasto do gado. Também criam galinhas, suínos
e gado. Atualmente, grande parte da produção é destinada para abastecimento interno, bem como a comercialização na feira livre.

119
CAPÍTULO 8
Uso e intoxicação por agrotóxicos em
trabalhadores agrícolas do Projeto Jaíba

Aline Fernanda Cardoso1

As intoxicações por agrotóxicos é um tema de estudo que vem despertando atenção crescente,
tendo em vista seus desdobramentos ao meio ambiente e o risco para a saúde humana, sobretudo dos
trabalhadores rurais, grupo mais suscetível devido o contato direto com as substâncias químicas.
A confirmação de um caso de intoxicação por agrotóxicos tem sido um desafio em pesquisas e
serviços de saúde, pois a exposição costuma ser multiquímica e para a maioria não há disponibilidade
de biomarcadores. Igualmente, há insuficiência de recursos humanos e laboratoriais para determinar
diagnósticos de intoxicação (FARIA et. al., 2009). Logo, o relato do trabalhador é fundamental para a
compreensão desse cenário, sendo possível observar, entre outros aspectos, as condições e relações de
trabalho, a incorporação e a utilização dos agrotóxicos a partir das exigências de produtividade.
Assumindo esta perspectiva, busca-se apreender o processo de produção e de trabalho presentes
na agricultura por meio do relato do trabalhador do projeto Jaíba. Para isso, foi realizado trabalho de
campo para levantamento das condições ambientais, bem como a aplicação de entrevistas2 em agrô-
nomos e trabalhadores da etapa I do projeto Jaíba. Além disso, foram coletados dados de intoxicações
nos prontuários do SINAN (Sistema de Informações de Agravos e Notificações) das unidades básicas
de saúde de Jaíba de 2013 – 2018.
Os trabalhadores agrícolas do projeto Jaíba convivem com vários fatores que podem ser elencados
como favoráveis ao risco de intoxicações por agrotóxicos. No domínio ambiental, o clima é semiárido,
caracterizado pelo volume de chuvas concentradas em certo período do ano, temperatura e evapotrans-
piração elevadas, por isso a utilização das técnicas irrigáveis. Todavia, as sementes utilizadas, apesar de
1 Licenciada e Mestra em Geografia pela Unimontes. E-mail: alinecardoso1@outlook.com.br
2 Os dados presentes neste capitulo são parte do estudo de Cardoso (2020) intitulado “As implicações do uso de agrotóxicos na
saúde do trabalhador: o caso do Jaíba – MG”, aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da Universidade Estadual de Montes
Claros - UNIMONTES pelo parecer de nº 3.037.403 e CAAE 8587718.4.0000.5146 em 25 de Novembro de 2018.

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GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI FERREIRA

serem modificadas geneticamente para o plantio, não foram produzidas em consonância com as carac-
terísticas ambientais da região. As plantas são mais suscetíveis a insetos e doenças que espécies nativas
possuem resistência, tornando o produtor ainda mais dependente do uso das substâncias químicas.
Dos trabalhadores entrevistados 77,77% convive com o risco por fazer uso constante dos agrotóxi-
cos, 14,81% utilizam às vezes e 7,40% não fazem o uso em função de episódios de intoxicações. Quan-
to à tipologia verificou-se o uso tanto do inseticida, do herbicida e do fungicida cada um de acordo
com a espécie a ser eliminada na lavoura. A tabela 1 mostra a quantidade de agrotóxicos utilizados em
2018 em algumas lavouras do projeto Jaíba.

Tabela 1: Quantidade de agrotóxicos utilizados por lavouras em 2018 no Projeto Jaíba3

Cultura Hectares plantados Agrotóxicos utilizados


(ha) (kg)
Banana 8.700 215.064,00
Limão 1.800 44.496,00
Goiaba 40 988,80
Uva 43 1.062,96
Batata 60 1483,20
doce
Tomate 681 16.834,32
Mandioca 580 14.337,6
Total 11.904 294.266,88

Fonte: SIDRA- IBGE, 2018; MS, 2018. Org.: CARDOSO, 2020.

Verifica-se uma quantidade significativa de agrotóxicos usados por lavoura em 2018 no projeto, a
banana é a lavoura com maior uso. Em seguida o limão, o tomate, a mandioca, a batata doce, a uva e
por último a goiaba.
O hábito de utilizar os agrotóxicos cotidianamente resulta em trabalhadores reféns das substâncias
químicas para a produção mesmo com consultorias de técnicos e agrônomos que poderiam indicar
outras técnicas, como aponta um agrônomo entrevistado:

“Existe agricultores que se não deixar o receituário para a compra de agrotóxicos, não re-
gistra a visita”. (Agrônomo do projeto Jaíba).

3 Ressalta-se que para alcançar o resultado da quantidade de agrotóxicos por lavouras no Projeto Jaíba, foi usado como base à quan-
tidade de kg/ha em Minas Gerais (24,72), disponibilizado pelo relatório nacional de vigilância em saúde de populações expostas a
agrotóxicos, feito pelo ministério da saúde. O valor foi resultado da multiplicação dos hectares plantados por lavoura pela média
de quilos usados no Estado.

122
ATLAS DA QUESTÃO AGRÁRIA NORTE MINEIRA

Em alguns casos poderiam utilizar técnicas sustentáveis na lavoura, todos os agrônomos participantes
da pesquisa relataram que grande parte dos trabalhadores temem a efetividade do procedimento. Nesses
casos é necessário deixar um receituário “reserva” de agrotóxicos para os trabalhadores. Além disso, ficou
nítida na fala desses profissionais a dificuldade de mudanças na forma de cultivo dentro do projeto, pela
própria formação (disposição de lotes dentro do projeto) e as convicções dos próprios produtores.
Os agrotóxicos usados pelos produtores do Jaíba são em sua maioria indicados por terceiros
(88,88%), dentre eles os vendedores de lojas de produtos agrícolas, vizinhos, técnicos agrícolas, agrô-
nomos e pelo próprio produtor. Em outras palavras, existe grande facilidade de acesso a estas subs-
tâncias na região, o que é proibido, já que a venda poderá ser realizada somente com o receituário
agronômico como determina a Lei.
A forma de cultivo também pode ser considerada um risco, ao se tratar dos métodos de aplicação
dos agrotóxicos e organização do trabalho, ambos resultantes dos índices socioeconômicos do produ-
tor. Foi possível observar, a escassez de investimento técnico e infraestruturas necessárias para o cultivo
na região, fatores que podem resultar em vulnerabilidade para o indivíduo, já que maiores recursos
financeiros propiciam uma boa qualidade de vida, devido ao acesso aos bens e serviços.
Esse cenário possui respaldo as analisar as queixas de saúde que foram abordados pelos trabalha-
dores, os sintomas de intoxicação aguda que podem evoluir para crônica definidas pela Organização
Mundial de Saúde foram elencados e constam no gráfico 1:

Gráfico 1: Principais queixas de saúde dos trabalhadores rurais após aplicação


e/ou contato com agrotóxicos no Projeto Jaíba:

Fonte: Pesquisa direta. Org.: CARDOSO, 2020.

123
GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI FERREIRA

Os sintomas mais citados entre os trabalhadores foram dor de cabeça, tontura, náusea e vômito.
Em seguida, coceira/alergia, falta de ar, fraqueza e desmaio. As queixas elencadas pelos trabalhadores
podem ser relacionadas à intoxicação aguda por serem sintomáticas pós-exposição aos agrotóxicos. Na
maioria dos casos de intoxicação aguda por agrotóxicos, o trabalhador não queixou somente de um
sintoma, foram diversos efeitos rápidos sobre a saúde.
As ocorrências agudas registradas nos trabalhadores se deram no grupo social mais vulnerável, neste
caso específico os agricultores de manejo familiar. Já os produtores de nível empresarial não relataram
problemas de saúde por manejo de agrotóxicos.
No caso dos sintomas crônicos é necessária atenção médica ainda maior para o seu diagnóstico, o
que envolveria um raciocínio clínico-epidemiológico mais meticuloso como é o caso das neoplasias.
Dos entrevistados, a maioria relatava algum caso circunzinho de indivíduos que fazem ou já fizeram
o tratamento da doença. Um dos entrevistados afirmou realizar tratamento há nove anos por ser aco-
metido com o câncer de próstata, além de ter passado por dois episódios de intoxicação como afirma:

“Já fui intoxicado duas vezes, trabalhei em projeto de irrigação no Nordeste, de cerqueiro
lá em Francisco Sá, e aqui eu plantava hortaliça”. (Trabalhador da Gleba A, 69 anos).

Este trabalhador passou por anos de exposição sem a devida proteção, com episódios de intoxicação
aguda que pode ter evoluído para a crônica com o desenvolvimento do câncer. Por isso, a necessidade
de maior atenção a este grupo, na realização de estudos toxicológicos, clínicos e epidemiológicos para
compreender melhor os efeitos do uso de substâncias químicas na saúde desses trabalhadores, levando
em consideração as limitações dos estudos realizados por morbidade referida (BEDOR et. al., 2009).
Em contrapartida, os prontuários de registros dos órgãos oficiais se diferem dos apresentados na
pesquisa direta, de acordo com a Secretaria de Vigilância Sanitária de Jaíba, de 2013 - 2018 foram
registrados apenas dois casos de intoxicação por exposição ocupacional de uso habitual de agrotóxicos.
As ocorrências foram nos anos de 2017 e 2018 por inseticidas, em exposição respiratória e digestiva.
Já os casos de intoxicação por agrotóxicos em trabalhadores rurais que utilizaram os agrotóxicos na
tentativa de suicídio, três ocorrências foram registradas, no ano de 2013, 2015 e 2017.
A análise dos dados causa certa estranheza por se tratar de uma das principais regiões agrícolas do Norte
de Minas, se tratando do projeto considerado o maior da América Latina, onde a quantidade de agrotó-
xicos utilizados é elevada. As estatísticas se tornam mais expressivas ao levar em consideração as pesquisas
da OMS (Organização Mundial da Saúde), do qual para um caso de intoxicação diagnosticado, outros
cinquenta são subnotificados (OMS, 1990). Nesta hipótese, levando em consideração tanto a ocorrência
de uso habitual como a tentativa de suicídio, teríamos 250 casos registrados de intoxicação por agrotóxicos.
Segundo o IBGE (2017) 2.130 estabelecimentos agrícolas em Jaíba utilizaram agrotóxicos em
2017, considerando que estes estabelecimentos possuem plantio permanente, com duas colheitas por

124
ATLAS DA QUESTÃO AGRÁRIA NORTE MINEIRA

ano, a quantidade de agrotóxicos utilizada é grande para o pequeno registro de casos. Logo, os serviços
de saúde do município deveriam estar atendo aos agravos na população, ao contrário do que foi ex-
posto, pois em uma pesquisa com “apenas” 27 trabalhadores do projeto entrevistados, foram relatadas
várias queixas de saúde após aplicação ou contato com substâncias químicas.
Logo, a ineficiência nos serviços de saúde pode ocasionar uma falsa apreensão da realidade, princi-
palmente em localidades em que a população convive com alto risco em saúde, devido o emprego dos
agrotóxicos no setor agrícola. Em função disso, é fundamental que o corpo médico esteja capacitado
para o diagnóstico de intoxicações e que o sistema de informação toxicológico esteja organizado e
articulado em toda região de saúde. Verifica-se que há muito a se avançar nos serviços de saúde, prin-
cipalmente em atenção primária, como exemplo a capacitação dos profissionais, pois são responsáveis
por informar os princípios básicos de prevenção e promoção de saúde. Assim, é possível a população
identificar com mais facilidade os efeitos nocivos dos agrotóxicos à saúde e lidar adequadamente com
o risco em sua rotina de trabalho, já que na atualidade a situação é preocupante.

125
CAPÍTULO 9
Agricultura urbana em Montes Claros:
uma transição agroecológica no semiárido

Deyvison Lopes Siqueira1

A agricultura urbana, atividade que vem sendo desenvolvida em áreas do perímetro urbano, tem-se
tornado cada vez mais uma realidade nos grandes centros urbanos. Essa agricultura praticada no espaço
urbano, apresenta-se com uma ótima alternativa para produção de alimentos agroecológicos, e é desen-
volvida tanto em locais particulares, em quintais, áreas públicas que não desempenham a função social
e são cedidos pelo poder público principalmente para coletivos de mulheres e associações para cultiva-
rem hortas comunitárias. Conforme Maia (2001), as atividades agrícolas urbanas vão se transformando
e se adequando às condições das cidades em um espaço onde a urbanização é cada vez mais intensa.
Nesse sentido, o cultivo de alimentos em áreas urbanas está se consolidando em vários estados do
território nacional, prática que é desenvolvida principalmente nas áreas mais periféricas das cidades.
Para Santandreu e Lovo (2007), a Agricultura Urbana tem uma abrangência multidimensional, na
medida em que faz a inclusão da produção, da transformação e da prestação de serviços de forma
segura, que busca desenvolver as atividades agrícolas a partir do cultivo de hortaliças, frutas, plantas
medicinais, ornamentais etc.
Nesse sentido, a cidade de Montes Claros vem se tornando o principal centro urbano da região
Norte de Minas Gerais, principalmente, pelo importante papel que a cidade desempenha como cen-
tro urbano comercial e de prestação de serviços, além de um parque industrial crescente. Conforme
Oliveira (2011), a Agricultura Urbana encontrada na cidade de Montes Claros é um exemplo da in-
tegração dos hábitos e das práticas do rural no ambiente urbano através da perspectiva do continuum.
Assim, reitera-se que esse estudo é um recorte da dissertação de mestrado em curso intitulada: “Agri-
cultura urbana: produção e comercialização de alimentos em Montes Claros – MG”, que está sendo
desenvolvida na cidade de Montes Claros no período de fevereiro de 2019 a fevereiro de 2021. Assim,
1 Mestrando em Geografia – PPGEO – Unimontes. Bolsista FAPEMIG. E-mail: deyvisonsiqueira@yahoo.com.br

127
GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI FERREIRA

salienta-se que os estudos em relação ao tema da Agricultura Urbana remetem em sua maioria à impor-
tância dessas experiências no espaço urbano das cidades, levando em consideração, especialmente, quem
são os atores que estão desenvolvendo essa prática, atrelado a diversidade de produção através de práticas
agroecológicas. Nesse caso, o objetivo desse trabalho e apresentar as particularidades da agricultura urba-
na desenvolvida no espaço urbano da cidade de Montes Claros-MG. No intuito de alcançar os objetivos
propostos para a realização desse recorte, além da pesquisa bibliográfica sobre a temática, recorreu-se aos
dados preliminares do trabalho de campo realizado no período de novembro de 2019 a fevereiro de 2020;
cujas informações obtidas através da aplicação de um roteiro de entrevista semiestruturado, aplicadas com
17 agricultores(as) que estão desenvolvendo a prática de Agricultura Urbana na cidade.
Os dados iniciais revelam que a produção de alimentos no espaço urbano da cidade de Montes
Claros é uma tradição, e desempenha um papel fundamental para os agricultores(as) que estão desen-
volvendo essa prática. Essa produção de alimentos está atrelada ao cultivo através das práticas agroeco-
lógicas, produzindo alimentos saudáveis a partir de uma campesinidade sertaneja.
Vale ressaltar, que essa produção de alimentos está ocorrendo no espaço urbano da cidade, cujos
agricultores(as) tem cultivado em áreas próprios, públicas e até em outros tipos de terrenos. Na maioria
dos casos, tratam-se de iniciativas em pequenos espaços de terra no meio urbano, os quais materializam
a diversidade de alimentos, ou seja, diversas variedades de hortaliças, frutíferas e até plantas medicinais.
Toda essa diversidade e variedades de cultivos vem sendo produzidos em uma região de semiárido,
nos espaços urbanos, em áreas pequenas e com limitações no acesso à água, pois o período das chuvas é
concentrado no verão, com um clima que apresenta longos períodos de estiagem. Assim, esses agricul-
tores(as) encontram muitas dificuldades em produzir principalmente as hortaliças nesse período, tendo
que reduzir muito a produção, que já é em pequena escala, nesse período.
No mosaico a seguir revela-se algumas áreas que estão sendo utilizadas para a produção de horta-
liças no espaço urbano tendo como finalidade o próprio consumo da família e a comercialização nos
mercados e feiras locais.
Figura 1: Mosaico da Produção de hortaliças no espaço urbano da cidade de Montes Claros-MG

Fonte: Trabalho de campo, 2019.

128
ATLAS DA QUESTÃO AGRÁRIA NORTE MINEIRA

Figura 2: Localização espacial dos agricultores(as) urbanos na cidade de Montes Claros-MG

Outro aspecto importante revelado na (figura 2), é que dos 17 entrevistados, 53% são mulheres,
que estão trabalhando, em alguns casos de forma coletiva, e outras individualmente, todas cultivando
alimentos agroecológicos em áreas no perímetro urbano. São agricultoras urbanas que tem origem no
meio rural, e, atualmente cultivam nos pequenos espaços urbanos disponíveis; trabalham dia-a-dia
cultivando principalmente as hortaliças, que além do autoconsumo, são comercializadas nos próprios
locais de produção, gerando renda para as famílias.
Assim, nota-se que a produção de alimentos na cidade de Montes Claros, localizada na região do
semiárido, acaba sendo um grande desafio para os agricultores(as) urbanos, principalmente, em relação

129
GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI FERREIRA

ao acesso à água para a produção. A maioria desses agricultores(as) utilizam a água da concessionária
de abastecimento de água para molhar seus cultivos, fator que dificulta muito o desenvolvimento da
prática de AU na cidade, pois nos meses de estiagem, que ocorre na região entre agosto a novembro,
acaba aumentando consideravelmente o preço da tarifa de água.
Sob a perspectiva dessa pesquisa, os dados revelam que a agricultura é uma prática fundamental
para os agricultores(as) urbanos de Montes Claros, levando em consideração a produção de alimentos
saudáveis e a segurança alimentar das famílias envolvidas na produção, quanto a possibilidade de gera-
ção de renda, através da comercialização das hortaliças nos mercados e feiras locais, que ocorre, tanto
no local da produção, nas feiras de bairro, no mercado municipal e até entregas domiciliares. Nota-se
também, que essa Agricultura Urbana desenvolvida no espaço urbano, tem um forte vínculo com os
princípios elementares da agricultura camponesa.
Com relação aos desafios em trabalhar com Agricultura Urbana no espaço urbano em uma região
de semiárido, a maioria agricultores(as) tem a tradição e o zelo em cultivar seus alimentos na cidade,
assim, vale destacar o envolvimento desses com a prática da AU, buscando alternativas coletivas e in-
dividuais que possam auxiliá-los da melhor na construção da transição agroecologia, respaldada pela
segurança e soberania alimentar.

130
CAPÍTULO 10
De Nativos, de Caboclos e de suas antropologias1

Carlos Alberto Dayrell2

No documento a seguir apresento uma das discussões que foram objeto de análise na construção de
minha tese de doutoramento no PPGDS/Unimontes defendida em 2019. Em um trabalho de campo
que teve início em fevereiro de 2017 durante a Celebração dos 30 Anos dos Mártires Xakriabá, seguida
por um percorrido junto às antenas, lideranças da Articulação Rosalino Gomes de Povos Tradicionais,
um coletivo dos “Sete Povos” que emergiu na região Norte de Minas Gerais e Espinhaço Meridional.
Os três dias que passamos na Terra Indígena Xakriabá foram significativos, permeados por mo-
mentos de lazer e de muita conversa que acontecia fora dos espaços de reunião. O primeiro dia foi
dedicado à apresentação e fala dos nativos, ou no dizer de outras das lideranças da Articulação, de fala
dos caboclos. Os termos nativo e caboclo são muito utilizados por eles quando se referem, no conjunto
ou em particular, sobre quem são.
O termo nativo como referência às pessoas do lugar, a primeira vez que o escutei e que ficou
gravado na minha memória foi quando fomos, 3no ano de 2001, pelo CAA e a convite do STR de
Porteirinha, fazer um trabalho de elaboração do Plano de Desenvolvimento de Assentamento no PA
Califórnia, atualmente município de Pai Pedro. A elaboração do PDA apontou que estávamos em meio
à uma comunidade quilombola, o que posteriormente foi confirmado com a elaboração do Laudo
Antropológico do Gurutuba realizado por Aderval Costa Filho4.
Em seguida ao estranhamento por estarem chegando lá dois brancos em um grupo no qual todos
eram negros, rapidamente nos enturmamos após ter sido oferecido farinha com sardinha e uma
1 Excerto da Tese de doutoramento defendida em 2019 no PPGDS - UNIMONTES (DAYRELL, 2019, p. 155 a 161).
2 Doutor em Desenvolvimento Social pela Unimontes. Integrante da equipe técnica do Centro de Agricultura Alternativa do Norte
de Minas e colaborador do NIISA - Unimontes. E-mail: carlosdayrell@gmail.com
3 Eu e o outro técnico do CAA, João Silveira D’Angelis Filho.
4 Professor e pesquisador da UFMG.

131
GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI FERREIRA

dose de pinga para “descer”. Curiosos, começamos ali mesmo a busca para compreender quem seria
aquela comunidade com que trabalharíamos nos próximos três dias. Perguntados sobre os primeiros
moradores, de onde teriam vindo, afirmaram com muita convicção: nós somos nativos. Pela memória,
todos se afirmavam serem descendentes do lugar.
Antes deles mesmos, só os índios “tapuios”5. Não muito distante do Quilombo do Gurutuba, ao
longo rio Arapuim, afluente do rio Verde Grande em sua margem direita, uma comunidade que vem
lutando há muitos anos pelo direito de ficar no lugar, reconhecidos também como descendentes dos
“posseiros de Cachoeirinha”6, também se afirmavam como nativos que, segundo Greiciele Soares da
Silva (2017), assim autodenominados no sentido de pertencerem à região desde o nascimento e, assim,
reconhecerem-se como os herdeiros do território.
Essa noção de nativo que parece se misturar ao que é próprio do lugar onde nasceu, mas, também,
como se fosse uma origem natural do lugar levando, talvez, até a uma indiferenciação nas relações com
o mundo natural. Relações que, para Viveiros de Castro (1996), dependem, essencialmente, de um
ponto de vista que tem relação com a posição que um ou o outro ocupa. Noção de nativo que é diferen-
te das descrições que se fazem de outros, creditando-os como nativos, como os fazem os antropólogos
ao construírem identidades quando descrevem uma tribo seja indígena, africana ou asiática. Zaluar
(2015) nos diz que essas identidades construídas, ao se deparar com o outro e categorizadas como
nativas, “são identidades imaginadas pelo antropólogo, nem sempre compatíveis com as identidades
imaginadas pelos nativos para si mesmos” (ZALUAR, 2015).
Temos então, em frente, pelo menos três perspectivas de nativos: uma primeira, que são os que se
afirmam como nativos por eles mesmos e se jogam no campo de forças pela disputa do reconhecimento
como sujeitos de direito, no caso, do acesso à terra; uma segunda, que aponta para uma perspectiva on-
tológica de uma cosmologia própria e que se aproxima das cosmologias ameríndias, em nossas origens
gentes, bichos e plantas somos todos comuns; e uma terceira, que povoa as mentes dos antropólogos
que, ao analisar os outros, objetiva-os como nativo e, ao fazê-lo, advém daí uma hierarquia, o poder
de definição, de um que define o outro, quem e como é o outro.
Já, o termo caboclo, tem uma outra conotação. Um dia, fazendo uma viagem para uma reunião con-
vocada pelos quilombolas das planícies sanfranciscanas, na cidade de Verdelândia, antiga Cachoeirinha,
eu perguntei para Braulino sobre o entendimento de caboclo. Ele me falou:

Eu coloco que é caboclo é aquele cara, ele é nativo. Ele subiu na vida trabalhando, é a
liderança hoje, mas ele não está na faculdade, ele não é um doutor. É aquele cara que é
5 Segundo João Batista de Almeida Costa, nessa região, quando falam de índios tapuios estão falando de negros que viviam como
índios.
6 O “posseiros de Cachoeirinha” é tido como um dos conflitos de terra mais longos na história recente do Norte de Minas, tendo
iniciado o primeiro confronto em setembro de 1964 e perdura até hoje (MONÇÃO, 2009).

132
ATLAS DA QUESTÃO AGRÁRIA NORTE MINEIRA

caboclo, é doutor sem ter o diploma na mão. (...) Ele continua sendo caboclo, lutando,
não tem vergonha de chegar e falar em qualquer reunião da maneira que ele fala. Porque
para o caboclo é você que tem que me entender, e não eu entender você. O caboclo, ele
não tem vergonha de chegar na frente de qualquer autoridade e falar. Você me entende
porque você foi na faculdade e pode ser meu professor. Eu digo, eu estou falando é para o
meu povo. Essa é a pessoa que eu chamo de caboclo (Braulino, em 2017).

Vemos, a partir dessa narrativa, pelo menos duas questões que merecem reflexão. A primeira é a
utilização do termo caboclo como fazendo referência àquele nativo que se impõe ao outro que não é
nativo, que não tem vergonha do seu jeito de falar, que tem uma compreensão própria de mundo, que
fala em qualquer reunião ou para qualquer autoridade do seu jeito, na maioria das vezes sem nunca ter
passado pela escola. Mas que sua fala é compreendida pelo seu “povo”. Sendo esta a segunda questão a
ser refletida: a categoria povo, como ela é entendida ou construída pelos nativos que vêm se afirmando
como caboclos.
Para Braulino, um nativo, ele é caboclo quando enfrenta o mundo dos brancos e assume uma im-
portância que o qualifica como uma liderança através da conquista de espaços pelos aprendizados que
vai tendo na vida. E não pelos diplomas que caracteriza a distinção de classe na sociedade capitalista
ou, melhor, na sociedade ocidental. Um aspecto ressaltado nessa narrativa é a importância da fala sem
se submeter aos códigos da erudição da sociedade envolvente, no caso, branca como diferente da so-
ciedade dos nativos, jogando em um campo de forças onde a obrigação do entendimento passa a ser
obrigação do outro, daquele que estudou, que fez a faculdade.
Na narrativa percebe-se uma insubordinação frente ao que se poderia considerar como sociedade
envolvente. Como que indo na contramão de análises que se fazem do campesinato, por alguns deno-
minados de sociedades parciais, cuja distinção está relacionada com o caráter da relação que os grupos
estabelecem com a sociedade envolvente, em grande medida por relações de submissão (WOLF, 1976).
Para Wolf, o que marca a formação camponesa é a relação de subordinação com o mundo exterior,
com a sociedade envolvente, se analisarmos a narrativa na qual entra no cenário a perspectiva da identi-
dade, posta pelos nativos que se afirmam também como caboclos, estamos em frente a uma diferenciação
socialmente construída.
Tomaz Tadeu da Silva (2005) analisa a afirmação de identidade como um processo de diferen-
ciação, que demarca a relação com o outro, sendo que nesse caso, essa afirmação tem como vetor de
representação a fala. Segundo Kathryn Woordward (2005), as identidades são construídas por sistemas
de representação e adquirem sentido através da linguagem e dos sistemas simbólicos com que são repre-
sentadas. Sendo a identidade e a diferença uma relação social, pode-se afirmar que existem aí relações
de poder. São essas relações de poder e da representação que vão definir o que é incluído e o que ou

133
GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI FERREIRA

quem é excluído, através de vetores de força que produzem hierarquias, que classificam. São relações
de poder que produzem diferenciação, que classificam e atribuem valor a distintos grupos (WOOR-
DWARD, 2005; SILVA, 2010). Nessa primeira aproximação, poderíamos dizer que estamos também
em frente à processos de reconfiguração de poder de setores da sociedade, até então considerados sem
distinção frente à sociedade envolvente.
Associado a essa afirmação identitária, merece reflexão também a forma enfática como é colocado o
ensino formal que leva à cristalização da força de uma sociedade que se faz por pessoas formadas “pela
faculdade” e não “pela vida”. Analiso que essa forma enfática com que Braulino confronta o saber tra-
dicional da vida com o saber oriundo da academia, dos doutores que se formaram em quatro paredes,
ou seja, o conhecimento científico, tem relação com o confronto há muito estabelecido pela lógica
desenvolvimentista advinda com a modernização do campo que desestruturou e expropriou as lógicas
das comunidades nativas, de seus saberes e fazeres, transformando-os em incapazes e menos eficientes,
como analisado por Querino (2006):

Os saberes e fazeres típicos da região foram então, mais do que nunca, representados so-
cialmente como símbolos de atraso e de ineficiência, ou como produtos do conhecimento
popular, não científico e racional, incapazes de dar conta da produção na escala exigida pelo
mercado, e por isso mesmo considerados menos eficientes (QUERINO, 2006, p. 163-164).

De certa forma, caboclo, como o é utilizado pelos integrantes da Articulação Rosalino, é uma res-
significação do termo que surge como forma de insubordinação àqueles que passam a desqualificar as
comunidades nativas. Diferente do caboclo como analisado por Roberto Cardoso de Oliveira (1996)
ao estudar a relação entre índios e brancos na região do Alto Solimões. Para o autor, a consequência
direta dessa relação é a transformação do índio visto como integrado à periferia da sociedade nacional,
uma mistura de bicho e gente, com a consciência transitando em relações ambíguas entre os ancestrais
ou com a sociedade branca que os submete com toda a força: “O caboclo é, assim, o Tukúna vendo-se
a si mesmo com os olhos do branco, isso é, como intruso, indolente, traiçoeiro, enfim, como alguém
cujo único destino é trabalhar para o branco” (OLIVEIRA, 1996, p.117).
Deborah de Magalhães Lima (1999) analisando o uso coloquial do termo caboclo, afirma a com-
plexidade e ambiguidade dessa categoria associada quase sempre a um estereótipo negativo. É um ter-
mo utilizado também na definição de camponeses amazônicos como distinção entre os habitantes
tradicionais e os imigrantes recém-chegados de outras regiões do país. Ambas as acepções de caboclo,
a coloquial e a acadêmica, constituem categorias de classificação social empregadas por pessoas que
não se incluem na sua definição. Na Amazônia, é usada na representação de uma classe rural baixa em
contraste com uma classe superior branca. E, como categoria relacional, o termo estratifica relações
sociais assimétricas, de uma posição social inferior em relação àquela com que o locutor ou a locutora

134
ATLAS DA QUESTÃO AGRÁRIA NORTE MINEIRA

se identifica. A partir do contexto amazônico, da força da subordinação que persiste desse o período
colonial associado ao termo caboclo, a autora alerta sobre o risco e a responsabilidade de utilizar esse
nome em outro sentido como representação social. E explica porque:

Porque carrega a história colonial de subordinação, a palavra caboclo compromete o destino


de uma população. O efeito do nome sobre a identidade é inegável - o nome condensa a
própria essência da identidade. Aceitar o nome caboclo é aceitar a derrogação ... É, portanto,
essa história da palavra caboclo que me faz refletir sobre a pretensão antropológica de subtrair
sua carga simbólica consagrada pelo uso popular e supor que pode empregá-la com um novo
sentido. Podemos falar em caboclo impunemente, atribuindo à palavra um significado neu-
tro (e no caso pretender também o exercício da nominação)? (LIMA, 1999, pg.28).

Nas incursões pelas territorialidades dos Sete Povos, coloquei em análise a noção que fazem sobre o
entendimento do ser caboclo. Interessante é que há um realce na valorização da escola da vida. Esse foi
um dos processos de aprendizagem que Augusto (2011) foi atrás em sua pesquisa de doutoramento. O
de “aprender na prática”. Augusto destaca os aprendizados relacionados com “os saberes produzidos nos
modos de participação dos sujeitos na luta social, apreendidos na trajetória de engajamento de lideranças
camponesas” (2011:350). Não sem razão, Braulino reafirma um caboclo positivamente, “sem ir para a
faculdade, dentro de quatro paredes e pegar um diploma, ele aprende aquela lição da vida”. Se ele não
teve oportunidade, “ele vira doutor sem ter ido na escola, ele não abandona a luta por causa que ele não
foi na faculdade”. E reconfigura um posicionamento onde “a obrigação para entender o que o caboclo
fala é do outro, que é estudado, não é dele, pois, o seu compromisso é de falar o que o seu povo entende.
No entanto, Célia alertou sobre identidades que correm o risco de levar para uma zona de invisi-
bilidade, sendo expressa como outros. O exemplo mais forte para ela, falando como Xakriabá, foi o da
identidade de caboclos que em um determinado momento foi utilizado para abafar, como a aniquilar
uma identidade, no caso a de índios, a de Xakriabás. Ela disse assim, “quando você fala os outros”, cai
em uma zona de invisibilidade, por que quem são esses “outros”? Não dá para nomear não? Então, os
outros sempre vão ficar pelo não dito”.
Os relatos apontam formas e contextos diferenciados em que as identidades são acionadas e como
este processo provocou repercussões na própria pessoa, em sua família, nas famílias da comunidade, até
abranger comunidades e povos que se afirmaram enquanto tradicionais, ou enquanto povos com o seu
qualificador, geraizeiro, apanhador de flor ou quilombola. No caso dos Xakriabá, a identidade cabocla
que tinha marcado parte da trajetória de um povo originário, tornou-se uma forma de negação de suas
histórias frente ao avanço das fazendas e dos “brancos” sobre o seu território. Eles acionaram a identi-
dade Xakriabá e a história que lhes tinha delegado um documento de terras concedido pela metrópole
portuguesa. Quando partiram para uma luta que durou quase duas décadas pelo reconhecimento de

135
GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI FERREIRA

sua indianidade, foi em um contexto extremamente desfavorável, em plena ditadura civil-militar de


1964. Travaram uma luta de mais de dez anos até que a União reconhecesse as suas indianidades, fi-
nalizando quase dez anos depois uma das etapas: em 1987, a FUNAI, com o apoio da polícia federal,
promoveu a desintrusão dos não índios.
Se, para os Xakriabás, a designação como caboclos foi de negação, categoria vista como uma mis-
tura utilizada para desqualificar e questionar as suas identidades enquanto Xakriabá, que leva a um
não-lugar, o uso dado por Braulino torna-se um qualificador com positividade. Refere-se a um sujeito
que, sendo nativo, se impõe ao outro que não é nativo em condições de igualdade no enfrentamento
ao mundo dos brancos, o que o qualifica como uma liderança através da conquista de espaços pelos
aprendizados que tem na vida. Jaime veredeiro complementa esta perspectiva acerca do sujeito que,
embora tenha o cuidado de não ultrapassar com coisas que não deve falar, mas fala o que é necessário,
seja em benefício para si ou para as comunidades que representa.
Por outro lado, para Antônia do Gurutuba, o caboclo está relacionado com um ente sagrado que
articula a humanidade e a natureza em uma unidade. Está presente na mata e também na água. Na
mata, assume as feições de um “índio” que aí vive, que pode te ajudar, mas até pode matá-lo. E, na
água, é uma pessoa e também um espírito que nela vive. Humanidades que vão deixando de existir na
medida que as matas e os rios vão se definhando.
O mais comum de escutarmos nas falas das lideranças da Rosalino, é a referência à categoria “povo”
e esse foi um conceito sob rasura, quando da incursão às territorialidades dos componentes da Articula-
ção Rosalino Gomes. No sentido mais coloquial, o entendimento que se tem de “povo”, normalmente,
faz referência à população de um Estado, entendendo aí como o conjunto de indivíduos que vivem
sujeitos às mesmas leis e normas que regulam a constituição de um país, mesmo que aí possam estar
convivendo culturas, línguas ou etnias distintas. Nas ciências sociais ou no campo científico, podemos
estar falando tanto de classes sociais como de sociedade e seu emprego pode constituir em uma gama
mais ampla de contextos se analisarmos do ponto de vista da política, da antropologia ou da geografia.
O conceito povo associado ao adjetivo tradicional surgiu como sustentação de grupos sociais na
defesa de seus territórios, como informado por Little (2002), no contexto das fronteiras em expansão e
frente ao risco de usurpação por parte do Estado-nação. Em outro contexto, o conceito foi utilizado na
lida com os grupos sociais que viviam dentro ou no entorno de unidades de conservação, mas com for-
mas de uso dos recursos que se aproximavam de uma perspectiva de convivência com os ecossistemas.
Contrastando com essas perspectivas, depreende-se na maioria das falas durante a pesquisa de
campo, uma diferenciação quando se referem a uma comunidade específica ou quando se referem ao
conjunto de comunidades da mesma categoria identitária. O mais comum de ouvir o termo comu-
nidade tradicional é em referência à própria comunidade. E, cada vez com mais frequência utilizam o
termo “povo” quando fazem referência ao conjunto de comunidades pertencente à mesma categoria. E

136
ATLAS DA QUESTÃO AGRÁRIA NORTE MINEIRA

utilizam o termo “povos” quando estão falando do conjunto dascategorias identitárias, daí o termo que
passou a ser utilizado e que se refere aos “Sete Povos, ou seja, às sete categorias étnicas que compõem a
Articulação Rosalino: indígenas, quilombola, vazanteira, geraizeira, apanhadores de flores, veredeira e
caatingueira. Mas pode ser também um conceito que explicita posicionamento de poder frente à socie-
dade abrangente, mas também podendo mascarar diferenças e contradições. O sentido que se percebe
nas falas das lideranças e que, ao longo da construção da minha argumentação, utilizei a denominação
os “Sete Povos”, como afirmado pelas lideranças da Rosalino, como um esforço de aglutinação de um
campo mobilizado como um movimento social, cujos membros se afirmam como povos nativos em
oposição aos que tentam seguidamente subjugá-los.
A análise que as “antenas” da Articulação Rosalino desenvolvem acerca de duas categorias identi-
tárias, colocadas sob análise na tese, mostra uma convergência com relação à “povos” e interpretações
diversas quando se referem à “caboclos”. Na perspectiva das antenas, ao se assumirem enquanto povos
eles estão a explicitar um posicionamento de poder frente à sociedade abrangente. Representa um
esforço de aglutinação de um campo mobilizado como um movimento social, onde os nativos se afir-
mam em oposição a aqueles que os negam.
Finalizando a discussão acerca dos processos identitários e perspectivas societárias, promovidos e
vivenciados na Articulação Rosalino, vê-se que estes povos, através de suas “antenas”, apontam teorias
próprias (nativas) acerca das identidades associadas a formas próprias de concepção de mundo, de
humanidades que extravasam para outras espécies, na dialogia que estabelecem com as plantas, peixes
e animais; com o rio, com as serras e suas cavernas (locas), com o bioma, enfim, com a terra. Vê-se
também a diversidade de relações com o sagrado expressas em diferentes contextos de religiosidades e
que atravessam as percepções de mundo dos sete povos.

137
CAPÍTULO 11
Povos, comunidades tradicionais e
seus territórios no norte de Minas Gerais

Núcleo Interdisciplinar de Investigação Socioambiental1

A região norte de Minas apresenta grande diversidade de formações vegetais e paisagens, estando
inserida numa área de transição entre o cerrado, a caatinga e a mata atlântica. Essa complexidade
de ambientes é habitada por diversos povos e comunidades tradicionais (PCTs), entre eles estão ge-
raizeiros, veredeiros, ribeirinhos, pescadores, vazanteiros, caatingueiros, quilombolas e indígenas. Há
também os que se reconhecem apenas como sertanejos ou mesmo que pertencem a mais de um grupo,
sendo quilombola e também vazanteiro e pescador, por exemplo. (BRANDÃO, 2012; COSTA, 2006).
A construção dessas identidades coletivas resulta de processos sócio-históricos e da convivência desses
grupos com o ambiente e com a biodiversidade ao longo do tempo até os dias atuais.
O nosso objetivo é apresentar sinteticamente o modo de vida desses povos e comunidades tradi-
cionais norte-mineiros, inseridos num contexto marcado por conflitos socioambientais e assimetrias
de poder na disputa por terra, território e água, marcado também por resistências e conquistas por
parte desses grupos sociais que vivem um processo dinâmico de reconhecimento, afirmação identitária
e de luta pelo direito aos seus territórios tradicionais. Conflitos ambientais são aqueles que ocorrem
“quando há um desacordo no interior do arranjo espacial de atividades de uma localidade, região ou
país: a continuidade de um tipo de ocupação do território vê-se ameaçada pela maneira como outras
atividades, espacialmente conexas, são desenvolvidas” (ZHOURI ET AL, 2005, p. 62).
O Núcleo Interdisciplinar de Investigação Socioambiental (NIISA) da Unimontes reúne pro-
fessores e pesquisadores de diversas áreas de conhecimento, que atuam na temática socioambiental,
orientados para a compreensão das desigualdades socioambientais em suas múltiplas dimensiona-
lidades e em diálogo com diferentes agentes e organizações da sociedade, visando a construção de
1 Ana Paula Glinfskoi Thé, Andréa Maria Narciso Rocha de Paula, Carlos Alberto Dayrell, Cláudia Luz de Oliveira, Daniel Coelho
de Oliveira, Elisa Cotta de Araújo, Felisa Cançado Anaya, Isabel Cristina Barbosa de Brito, Luciana Maria Monteiro Ribeiro,
Maria Helena de Souza Ide, Rômulo Soares Barbosa. E-mail: niisa.unimontes@gmail.com

139
GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI FERREIRA

caminhos para a efetivação dos direitos de grupos historicamente marginalizados, como os PCTs do
norte de Minas.
A fim de compreender melhor esses povos e comunidades tradicionais em sua relação com o am-
biente, é preciso compreender também a própria região norte-mineira. Segundo Dayrell (1998), topos
de serra, planaltos e encostas, também chamadas de gerais, dominadas pelos cerrados, ocupam 63,4%
da paisagem. A caatinga ocupa 12,9% e a mata seca, 7,2%. As matas ciliares, veredas e pindaibais ocu-
pam 3% do território e, no restante - cerca de 14%, ocorre o predomínio de vegetações transicionais
de cerrados, florestas e caatingas. A região possui ainda uma rede hidrográfica composta de 1180 rios
e córregos banhados por três bacias: a do rio São Francisco, a do rio Jequitinhonha e a do rio Pardo.
No norte de Minas, o principal bioma onde se encontram os povos e comunidades tradicionais é
o cerrado, o qual, de acordo com Barbosa e Nascimento (1990), vem sendo ocupado por populações
humanas há pelo menos 11.000 anos. Diferentes ecossistemas estão presentes no cerrado - savanas,
matas, campos e matas ciliares. Ao lado das matas ciliares há ainda variados habitat de campos úmi-
dos, veredas, brejos e pindaíbas. Na região, especificamente, o cerrado ainda sofre forte influência da
caatinga, ampliando a heterogeneidade dos recursos ecológicos. Para Dayrell (1998), as formas transi-
cionais de vegetação influenciaram a diversificação dos ambientes e ocasionaram o desenvolvimento de
estratégias de acesso e uso dos diferentes habitats, favorecendo a complexa e rica sociobiodiversidade
aqui encontrada.
De maneira geral, podemos caracterizar as comunidades tradicionais norte-mineiras, de acordo
com a paisagem em que vivem e com os recursos que utilizam dessa paisagem2. Os gerais se referem,
aos planaltos, encostas e vales das regiões dominadas pelos cerrados, com solos frequentemente ácidos
e de baixa fertilidade. Segundo Dayrell (1998, p.56), “geraizeiros, como cultural e contrastivamente
são assim denominados os habitantes dos gerais, desenvolveram a habilidade de cultivar às margens
dos pequenos cursos d’água uma diversidade de culturas como a mandioca, cana, amendoim, feijões
diversos, milho e arroz». O sistema de produção de gado e suínos era do tipo «a solta» e, até por volta
da década de 1970, era hegemônico o uso comunal das áreas de chapadas, tabuleiros e campinas. É
ainda nessas áreas de gerais que essas comunidades tradicionais garantem sua subsistência por meio da
caça, da coleta de frutos diversos, da coleta e cultivo de plantas medicinais, do extrativismo de madeiras
para diversos fins e do mel silvestre.
As veredas são formações savânicas caracterizadas por campos úmidos permanentes, colonizados
por populações de palmeiras da espécie Mauritia flexuosa e algumas espécies arbustivas (RIBEIRO, J.;
WALTER, 1998). Os veredeiros, segundo Costa (2006), são identificados a partir do contraste entre
2 A descrição da sociobiodiversidade está baseada em diversos estudos realizados sobre povos e comunidades tradicionais do norte
de Minas Gerais, entre meados de 2000 até 2019. Entre estes, citamos: Dayrell (1998); Thé (2003); Luz de Oliveira (2005); Costa
(2006);Araújo (2008); Nogueira, (2009); Anaya et al, (2012); Rodrigues e Thé (2014) Anaya e Espírito-Santo (2018); Dayrell et
al (2019).

140
ATLAS DA QUESTÃO AGRÁRIA NORTE MINEIRA

esses grupos e os outros que vivem na mesma área geográfica: os campineiros e chapadeiros. Os vere-
deiros fazem criação de gado, são agricultores, extrativistas, além de praticarem a caça e a pesca. Para
Jacinto (1998), Rodrigues e Thé (2014), a base econômica dos povos veredeiros está principalmente na
agricultura do feijão, mandioca, milho e arroz, o qual é cultivado através da técnica de “esgoto”, que
são canais estreitos abertos a partir das veredas para irrigação dos cultivos.
Os vazanteiros e pescadores têm seus lugares de vida nas áreas inundáveis da Bacia do São Francis-
co, incluindo as ilhas. Segundo Luz de Oliveira (2005), eles se caracterizam pela prática da agricultura
de “vazante” (cultivos realizados em sedimentos depositados nas margens planas do São Francisco,
conhecidas como “lameiros”), da agricultura de “sequeiro” (plantio nas “terras altas” ou “barrancos”
nas margens do rio), da pesca no rio e nas lagoas marginais, da criação animal e do extrativismo de
frutos e madeira. Entre os vazanteiros e pescadores há uma estratégia de complementaridade entre as
atividades desenvolvidas na terra firme, no rio e nas ilhas, acompanhando os ciclos de seca, enchente
e vazante do rio.
Os caatingueiros se encontram situados nos sopés da Serra do Espinhaço, na área denominada
regionalmente de Serra Geral. Costa (2006) aponta que o signo que os identifica é a vinculação à pai-
sagem da caatinga e o conhecimento e utilização de sua biodiversidade. Historicamente a característica
principal do sistema produtivo caatingueiro foi a articulação entre a produção de alimentos básicos,
carne e o cultivo de algodão, para comercialização externa. Esse caráter mercantil da produção foi atua-
lizado com a criação de gado leiteiro.
Os quilombolas são um dos povos tradicionais de maior incidência no norte de Minas. Grande par-
te desses grupos tem origem nas margens dos ribeirões, lagoas e rios que compõem a bacia do rio Verde
Grande, com relações com povoações ao longo do rio São Francisco (COSTA, 2006; COSTA FILHO,
2008). As estratégias de territorialidade utilizadas para viabilizar a reprodução da vida material e social
de cada família, de cada grupo local, eram estruturantes da articulação entre agricultura, criação de
gado na larga, caça, pesca e extrativismo. Com muitas lagoas existentes nos “furados”, os quilombolas
instituíram o que vem sendo denominado de “agricultura de furado”. Muitas das tradições de produ-
ção e extrativismo das demais comunidades tradicionais residentes ao longo do São Francisco, citadas
anteriormente, têm origem na cultura afrobrasileira e indígena.
O povo indígena Xakriabá integra o grupo linguístico Macro-Jê, apontados como os principais habi-
tantes do cerrado no período pré-colonial. A Terra Indígena Xacriabá foi homologada em 1987 e se en-
contra entre o município de São João das Missões e Itacarambi, numa região de transição entre o cerrado
e a caatinga (SANTOS, 1997). O sistema de produção Xakriabá se estabeleceu nos moldes da produção
regional sertaneja, cabocla, articulando a apropriação familiar e coletiva do território. Tradicionalmente,
as principais atividades produtivas têm sido o cultivo de pequenas roças com a técnica da coivara, a criação
de animais e a coleta extrativista, incorporando, na atualidade, a produção de artesanato indígena para

141
GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI FERREIRA

comercialização (COSTA, 2006). Os indígenas Tuxá estão há 65 anos na região de Pirapora e Buritizeiro,
segundo o depoimento da Cacica Anália Tuxá (CEDEFES, 2018), foram trazidos de localidades atingi-
das pela barragem de Itaparica, no rio São Francisco, em Rodelas- BA, para Minas Gerais pela liderança
Tuxá, Mestre Roque. Em 2015, o grupo fez uma “retomada” na fazenda Santo Antônio (Buritizeiro), de
propriedade do Estado de Minas Gerais, próximo à confluência dos rios Paracatu e São Francisco.

POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS E A LUTA POR SEUS TERRITÓRIOS

A história agrária no norte de Minas acompanha os processos de cerceamento do acesso à terra aos
mais pobres e aos não brancos que se configurou ao longo da ocupação e delineamento do território
brasileiro, mas tem suas peculiaridades. Ao fazer análise histórica sobre a formação territorial do médio
São Francisco, Santos (2010) traz a noção de descontinuidade e reversibilidade espaço-temporal da
ocupação luso-brasileira e refere-se às constantes retomadas pelos nativos de seus espaços expropria-
dos. A compreensão dos conflitos socioambientais e das formas de resistência dos grupos sociais que
habitam o território norte-mineiro envolve, particularmente, suas origens e passa pelo entendimento
do processo histórico das dinâmicas de acesso à terra, geradoras do binômio latifúndio - minifúndio
(STRALEN, 1980), envolve também as formas de manejo da biodiversidade e de uso do solo relacio-
nadas, por um lado, com as grandes fazendas de pecuária extensiva, e, por outro, com a agricultura de
gêneros alimentares, extrativismo, pesca e caça “que asseguravam a reprodução de parte da população
pobre, livrando-a das imposições da venda de sua força de trabalho” (RIBEIRO, 1997, p.31).
A transformação significativa dessas dinâmicas agrárias e agrícolas se deu na segunda metade do
século XX, com a “modernização conservadora”, que caracteriza a expansão capitalista no campo brasi-
leiro, propiciando a instalação efetiva da lógica do capital através dos projetos de desenvolvimento. O
domínio capitalista dos fatores de produção, viabilizado pelos incentivos fiscais e financeiros do Estado,
marca a face agrária da região e o seu desenho social-econômico-ambiental, aumentando a concentração
de terras e promovendo a expansão do latifúndio e, posteriormente, do agronegócio, a partir da década
de 1960/70. Rodrigues (2000, p. 123) descreve os alvos centrais das políticas implementadas pelo Esta-
do no norte de Minas por meio da SUDENE e CODEVASF: grandes projetos agropecuários; industria-
lização; reflorestamento; projetos de irrigação. Acrescenta-se a essa lista, mais recentemente, a mineração
e a criação de Unidades de Conservação de Proteção Integral em sobreposição aos territórios de PCTs.
Esses povos e comunidades tradicionais, historicamente, têm construído estratégias de luta para
manutenção de seus territórios contra a invasão de projetos de “des-envolvimento” (VIANA, 1999)3 que
apresentam uma lógica predatória de apropriação dos recursos materiais e naturais e avançam sobre as
3 O termo des-envolvimento, como proposto por Viana (1999, p. 242-243), refere-se ao processo histórico de perda de envolvimen-
to das comunidades tradicionais em relação a seu espaço, história, dignidade, conhecimentos e saberes. VIANA, V. M. Envolvi-
mento sustentável e conservação das florestas brasileiras. Revista Ambiente e Sociedade, Campinas, n. 5, p. 241-244, dez. 1999.

142
ATLAS DA QUESTÃO AGRÁRIA NORTE MINEIRA

“terras tradicionalmente ocupadas” (ALMEIDA, 2006) promovendo a desterritorialização ou, até mes-
mo, o etnocídio de qualquer modo de vida que conteste a hegemonia ideológica e política desse modelo.
A emergência dos novos sujeitos de direito reconhecidos pela Constituição Federal de 1988 fez
avançar no país e na região norte de Minas os movimentos rurais de luta pela terra, apoiados por or-
ganizações de assessoria e grupos de pesquisa nas universidades. Nesse contexto, o NIISA tem desen-
volvido pesquisas e produzido dados sobre os conflitos socioambientais na região que envolvem PCTs,
contribuindo com a fundamentação técnico-científica de suas reivindicações de direitos na disputa de
narrativas na arena pública.
Os conflitos e resistências contra a expansão desse modelo de desenvolvimento que avança sobre
territórios tradicionais têm sido descritos por pesquisadores do NIISA, em parceria com grupos de
pesquisa de universidades públicas (GESTA/UFMG, PCNA/UEA), com organizações de apoio (CAA-
-NM, CPT, CPP) e com os próprios movimentos sociais e organizações comunitárias. Existem avanços
significativos, como as conquistas emblemáticas do movimento geraizeiro na luta contra a monocul-
tura de eucalipto (BRITO, 2017) construindo processos organizativos autônomos de reapropriação
territorial, autodemarcação e gestão da água e da biodiversidade: o Assentamento Tapera (Riacho dos
Machados), o Assentamento Americana (Grão Mogol), o PAE Veredas Vivas e a RDS Nascente dos
Gerais (municípios do Alto rio Pardo). Além da autodemarcação do território geraizeiro do Vale das
Cancelas (Grão Mogol) na luta contra a monocultura de eucalipto e a mineração, bem como a comu-
nidade de Pindaíba (Rio Pardo de Minas) (BOLETIM, 2020). Entre as comunidades quilombolas,
têm destaque nas lutas e retomadas de parte dos seus territórios ancestrais, principalmente os quilom-
bos de Brejo dos Crioulos (São João da Ponte/Varzelândia) e do Gurutuba (7 municípios ao longo do
rio Gurutuba), além dos quilombolas-vazanteiros-pescadores das margens São Francisco - quilombos
da Lapinha e Praia (Matias Cardoso), Caraíbas (Pedras de Maria da Cruz), Croatá e Sangradouro
Grande (Januária) (NIISA/UNIMONTES, 2019). Os vazanteiros em movimento têm promovido a
articulação entre as comunidades sanfranciscanas por meio de estratégias coletivas de resistência frente
ao agronegócio e às unidades de conservação ambiental, um dos exemplos é a retomada e autodemar-
cação do território na comunidade vazanteira de Pau Preto (Matias Cardoso) (BOLETIM INFOR-
MATIVO, 2019; DAYRELL et all, 2019). Os Xacriabá também fizeram duas retomadas, em 2006 e
2013, de seus territórios tradicionais não incluídos no perímetro da TI homologada em 1987, além de
apoiarem a retomada feita pelos Tuxá na fazenda Santo Antônio (Buritizeiro).
O cenário atual de ataque aos direitos sociais, aos direitos dos PCTs e à proteção do meio ambiente
aponta muitos desafios para as comunidades do Norte de Minas e do Brasil, e desafios também para a
pesquisa científica nas universidades públicas. O que exige de nós a capacidade de reinventar perma-
nentemente as formas de resistir coletivamente.

143
CAPÍTULO 12
Nova Cartografia Social no sertão norte mineiro1

Matheus Vinícius Ferreira2 | Adinei Almeida Crisóstomo3

Podemos considerar que a Nova Cartografia Social tem o propósito de tornar o processo de mapea-
mento o mais autônomo possível para a comunidade ou o grupo social e, principalmente, oportunizar
um espaço de reflexão, politização e apropriação do território. Assim a Cartografia e o Mapeamento
Social se tornam um Instrumento de Luta para as Comunidades ou grupos, tem como uma de suas pro-
postas principais a participação coletiva na construção e no auto-mapeamento do território, levando
em conta as histórias, as culturas, as tradições, as ancestralidades, os lugares, os saberes tradicionais e
as memórias. As comunidades relatam suas histórias de vida, evidenciando suas tradições, seus saberes
e suas culturas, fortalecendo assim o caminho de resistência frente aos processos de desenvolvimento
local e regional, dando assim mais visibilidades às mobilizações e as lutas pelos direitos territoriais.
Quando falamos na perspectiva da Nova Cartografia Social, estamos falando de uma outra lógica
de se pensar cartograficamente um Mapa, ela nasce sobretudo de uma certa oposição as formas hege-
mônicas existentes de produção cartográfica. Propõe-se que a comunidade ou o grupo social conduza
todo o processo de um determinado mapeamento, inclusive o manejo do georreferenciamento e que
produza e conte a sua própria história sem uma mediação atuante. A proposta da Nova Cartografia é
que tenha a colaboração de técnicos para assessorar a comunidade ou o grupo e treinar o comunitário,
por exemplo, com o uso do GPS, além de confeccionar os mapas técnicos finais e, na condução espe-
cífica do mapa, estes devem apenas auxiliar sem nenhuma intervenção na produção final.
1 Relato de experiências do projeto “Conflitos Sociais e Desenvolvimento Sustentável no Brasil Central” vinculado ao PNCSA - Projeto
Nova Cartografia Social da Amazônia, realizadas pelo Núcleo de Minas Gerais, situado na Universidade Estadual de Montes Cla-
ros - Unimontes.
2 Licenciado em Geografia pela Unimontes; Mestrando em Geografia pelo PPGEO – Unimontes; Estagiário de campo pelo CAA
– Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas. E-mail: mmatheusvf@gmail.com
3 Mestre em Geografia pelo PPGEO – Unimontes e Doutorando em Antropologia Social pelo PPGAS – UFRN, Bolsista CNPq.
E-mail: adinei_almeida@yahoo.com.br

145
GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI FERREIRA

Os variados Povos e Comunidades Tradicionais que coexistem no Norte de Minas Gerais são ca-
racterizados tanto pela diversidade cultural e relação íntima com os ecossistemas da região, quanto pela
resistência histórica às forças hegemônicas que a eles se opõem. Ao longo dos últimos séculos esses grupos
locais construíram identidades próprias a partir da utilização e convivência com ambientes naturais es-
pecíficos, bem como sofreram diversas mudanças políticas, econômicas e socioambientais, impostas pelo
Estado brasileiro e pela dinâmica do capital (BRANDÃO, 2012; DAYRELL, 2020; NEVES, 2020).
A fim de auxiliar esses povos e comunidades tradicionais no reconhecimento e gestão de seus ter-
ritórios tradicionalmente ocupados, a partir do fortalecimento dos movimentos sociais, o PNCSA –
Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia, fomenta a autocartografia desses sujeitos, que por muito
tempo viveram na “invisibilidade” social (PNCSA/2018).
Por meio de uma parceria entre o Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Social –
PPGDS da Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES e o Programa de Pós-Gradua-
ção em Cartografia Social e Política da Amazônia – PPGCSPA da Universidade Estadual do Mara-
nhão – UEMA, que coordenou o projeto de pesquisa: “Conflitos Sociais e Desenvolvimento Sustentável
no Brasil Central”, foram realizadas, entre o período de 2017 e 2018, experiências da NCS – Nova
Cartografia Social em duas Comunidades Tradicionais a Comunidade Vazanteira de Pau de Légua e a
Comunidade Quilombola Buriti do Meio e um grupo social ressignificado na “Articulação Vazanteiros
em Movimento”, diversos grupos vazanteiros que foram se articulando e denunciando as restrições de
acesso e uso de seus territórios, por um modelo de desenvolvimento injusto e insustentável, decorrente
do avanço de grandes empreendimentos agropecuários e áreas protegidas sobre seus territórios.
Este projeto teve como um dos seus principais objetivos o mapeamento social dos efeitos da ex-
pansão dos agronegócios sobre os processos diferenciados de territorialização específica de povos e
comunidades tradicionais no Norte de Minas Gerais.
Já no período de 2019 e 2020, foi realizada outra experiência da NCS, na Comunidade Tradicional
Geraizeira de Pindaíba, dentro do projeto de pesquisa “Estratégias de Desenvolvimento, Mineração e De-
sigualdades: Cartografia Social dos Conflitos que Atingem Povos e Comunidades Tradicionais na Amazônia
e no Cerrado” tendo como objetivo mapear a ameaça de incidência da mineração de ferro no território
da comunidade, através de uma grande empresa mineradora, a luta da Comunidade é para que a mi-
neração não se instale, e que a degradação ambiental e social possa ser evitada.
Relata-se aqui, de forma breve, a experiência da NCS realizada na Comunidade Quilombola Buriti
do Meio.

146
ATLAS DA QUESTÃO AGRÁRIA NORTE MINEIRA

O QUILOMBO BURITI DO MEIO

Localizada no distrito de Vila do Morro, na porção sudeste do município de São Francisco – MG,
a Comunidade Buriti do Meio, que tem uma população em torno de 270 famílias, possui um modo de
vida historicamente associado ao uso dos recursos naturais do território para a sua reprodução social, de
forma coletiva e solidária. Atividades como lavoura em quintais, coleta de alimentos, a criação de gado
“na solta” e tendo como principal atividade de renda das famílias, a extração de barro para produção
de artesanatos, foram realizadas ao longo do processo histórico de territorialização e concretização da
identidade do grupo Quilombola.
Os primeiros moradores do local e fundadores do quilombo se estabeleceram ainda no século XIX,
oriundos de uma região de extensas terras na depressão sanfranciscana, no norte de Minas Gerais, de-
nominada “Território Negro da Jahyba”, que abrigava populações negras aquilombadas (NEVES, 2020).
Nas últimas décadas, a comunidade passou a sofrer um “encurralamento” 4
ou “cercamento” por
fazendeiros que expropriaram porções do território histórico do quilombo, obrigando as famílias a alte-
rarem seu modo de vida. A partir da chegada das fazendas na região, e consequente imposição de cercas
e impedimento de acessar parte das terras e dos recursos naturais, a comunidade teve que se reinventar
e se reorganizar territorialmente, sendo que na atualidade uma das preocupações é acerca da capacidade
do território de alocar a população que está em crescimento (AGUIAR, 2016; COSTA, 2016).
A comunidade foi reconhecida em 2004 pela Fundação Cultural Palmares como Comunidade
Quilombola, porém a regularização do território que teve processo aberto pelo INCRA – Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária, em 2005, ainda não ocorreu. Dessa forma, estratégias,
como o auto-mapeamento, podem servir como mais um instrumento na luta pela reinvindicação e
reconhecimento de seu território e de seus direitos fundamentais.
A experiência da NCS na Comunidade Quilombola Buriti do Meio foi realizada no período de
2017 a 2018, e seguiu 04 Etapas: Apresentação do Projeto para a comunidade; Oficinas de capacitação
cartográfica, cultura, memória e identidade; Produção de Croquis e Produção de Mapa georreferencia-
do. Ao final das etapas ocorreram mais duas incursões a campo, sendo a primeira com a finalidade de
validar, com a comunidade, as informações contidas no mapa georreferenciado, como também as in-
formações e dados coletados e a segunda para entregar o Produto Final gerado, uma espécie de livreto/
cartilha que no projeto é chamado de Fascículo.
A etapa de capacitação cartográfica serviu para apresentar para a comunidade algumas informações
importantes acerca do universo da Cartografia e Geotecnologias, como noções básicas de orientação e
4 ANAYA, Felisa Cançado. De “encurralados pelos parques” a “vazanteiros em movimento”: as reivindicações territoriais das comuni-
dades vazanteiras de Pau Preto, Pau de Légua e Quilombo da Lapinha no campo ambiental. – Tese (doutorado) - Universidade
Federal de Minas Gerais, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. 2012. 255 f.

147
GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI FERREIRA

localização; diferença entre croqui e mapa, e a utilização do receptor GPS – Global Positioning System.
Após esta etapa, a comunidade realizou, com total autonomia, a produção do croqui do território,
apresentando todos os pontos e elementos espaciais importantes para o grupo em suas relações históri-
cas e atuais com o meio. Estas territorialidades foram posteriormente coletadas in loco com o receptor
GPS, por integrantes da comunidade, para compor o mapa georreferenciado.

Mapa 01: Mapa georreferenciado da Comunidade Quilombola Buriti do Meio, confeccionado a


partir do Croqui da Comunidade. Fonte: PNCSA/MG, 2018.

Dentre as representações do mapa cabe destaque para os ícones de cercas e fazendas, que na pers-
pectiva da comunidade simbolizam elementos de maior ameaça. Nota-se que não há uma delimitação
do território, o único ponto de limite do Quilombo está inserido na porção leste do mapa, represen-
tado por um polígono tracejado em vermelho. Essa representação diz respeito a um acordo ancestral
do fundador do quilombo, que até os dias de hoje é respeitado pela comunidade. Outros marcos
históricos de organização social da comunidade também foram reproduzidos no mapa, como as loca-
lidades internas (“Imbú”, “Querosene”, “Caiçara”, “Mocós”, “Riachinho” e “Centro da comunidade”),
e também foram reproduzidos marcos históricos e simbólicos como a “cerca de pedra”, a “mãe d’água
(nascente)” e “tapera de Aprígio”.
Já a etapa de oficinas de cultura, memória e identidade, constitui-se em momentos de conversas,
entrevistas e relatos em profundidade, individuais ou coletivas, onde se permite o acionamento da me-
mória, com o propósito de discutir sobre a história do lugar, a cultura e a tradição, com o intuído de

148
ATLAS DA QUESTÃO AGRÁRIA NORTE MINEIRA

produzir conteúdos que possam instrumentalizar discursos, estratégias e documentos para a luta pelo
território e pelos direitos a produção e reprodução dos modos de vida.
Como resultados importantes das experiências da Nova Cartografia Social na Comunidade Qui-
lombola Buriti do Meio, destaca-se a produção do Fascículo da Comunidade, contendo o mapa elabo-
rado pelos comunitários, os relatos contando as histórias de vida, lutas e resistências no território, os
lugares sagrados, as plantações, as criações, os mitos, a memória de toda a Comunidade Tradicional.
Como resultados mais concretos, com a produção do Fascículo e o Mapa do Território Quilombola
em mãos, a Comunidade conseguiu junto a Companhia Energética de Minas Gerais – CEMIG, a liga-
ção de energia elétrica para cerca de 80 famílias, com apresentação do Mapa elaborado para companhia.
A elaboração da Nova Cartografia Social do Quilombo Buriti do Meio é mais um Instrumento de
Luta, instrumento que procurou contribuir para o processo de autonomia, reflexão, apropriação e rei-
vindicação do território social, através da reconstrução de sua história e da visibilização de seu modo de
vida e dos domínios territoriais. A titulação do território ancestral é a única possibilidade de reprodução
simbólica e material da vida. É no território do Buriti do Meio que os encantados aparecem, que a mãe
d’água protege a terra e as nascentes, que os homens, mulheres, crianças, velhos trabalham, transformam
o barro em arte, cantam e dançam sua cultura negra, migram e retornam na espera e na esperança!

149
CAPÍTULO 13
Xakriabá, fronteiras, lutas e resistências no Norte de Minas Gerais-Brasil

Heiberle Hirsgberg Horácio1 | Cássio Alexandre da Silva2


Fabiano José Alves de Souza3

Há vários anos atrás


Já existiam fazendeiros
Expulsavam os índios da terra
E se faziam posseiros
Pois índio não tinha valor
Porque não tinha dinheiro.

A nação Xacriabá
Era sempre ameaçada
Sendo obrigada a deixar
A sua própria morada
Que os fazendeiros obrigavam
Sair sem direito e nada.

O cacique Rodrigão
Foi o primeiro a lutar
Para defender a terra
Dos índios Xacriabá
Pois o índio tem que ter
O seu lugar pra morar.

Depois do Rodrigão
Veio também Rosalino
Que com muita garra e força
Lutou contra os assassinos
Pois um dia queria ver
Todo o seu povo sorrindo.
1 Professor do Departamento de Filosofia/CRE e PPGE – Unimontes. Integrante do GEIPI-ABÁ - Grupo de Estudos Interdiscipli-
nares com Povos Indígenas na Unimontes. E-mail: heiberle@hotmail.com
2 Professor do Departamento de Geociências e PPGEO – Unimontes. Integrante do NEPGeR e GEIPI-ABÁ. E-mail: cassio.silva@
unimontes.br
3 Professor do Departamento Ciências Sociais – Unimontes. Integrante do GEIPI-ABÁ. E-mail: fabyllo@yahoo.com.br

151
GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI FERREIRA

Rosalino como cacique


Recebeu autoridade
Uniu com todos os índios
Da sua comunidade
Para retomar a terra

Que é nossa felicidade. [...] (Cacique Xakriabá Domingos Nunes de Oliveira)

O poema acima foi feito pelo Cacique Xakriabá Domingos Nunes de Oliveira, filho do Cacique
Rosalino, liderança Xakriabá que foi assassinada juntamente com os indígenas José Santana e Manoel
Fiúza, porque lutava pela homologação da Terra Indígena Xakriabá, que só foi efetuada após o geno-
cídio4 ocorrido em 12 de fevereiro de 1987. Embora o genocídio tenha sido um dos momentos mais
marcantes e trágicos da História recente Xakriabá, há ainda, mesmo nessa história recente, muitos
outros momentos de violências contra esse povo indígena, como o que ficou conhecido como Curral
de Varas, que levou ao assassinato e ao desaparecimento de muitos Xakriabá. (SANTOS, 1997).
A Terra Indígena Xakriabá está na microrregião do Vale do Peruaçu, município de São João das
Missões - MG, no Alto Médio São Francisco, à margem esquerda do rio, entre os biomas da caatinga e
do cerrado e possui, ao todo, juntamente com a TIX Rancharia, uma área de aproximadamente 54.000
hectares. A maior parte da Terra Indígena Xakriabá, aproximadamente 47.000 hectares, foi demarcada
em 1979, conquanto só homologada em 1988 após o genocídio supracitado. Outra parte, 6.798 hec-
tares, foi homologada apenas em 2003. (SILVA, 2014).
O processo de homologação dessa parte da Terra Indígena Xakriabá foi longo e de muita luta cole-
tiva, e teve como uma das lideranças, além dos indígenas supracitados e muitos outros, o Cacique Ro-
drigão,- que também aparece no poema acima e cujo nome era Manuel Gomes de Oliveira – que “foi
fundamental no processo de demarcação e homologação da Terra Indígena Xakriabá, realizando ações
como, por exemplo, a sua ida à Brasília, na década de 70, antes mesmo de se tornar cacique, exigindo
um reconhecimento, por parte do Estado, da condição indígena dos Xakriabá”. (HORÁCIO, 2018).
Cacique Rodrigão e Cacique Rosalino possuíram diferentes modos de atuação, mas as suas lutas
comuns foram fundamentais para o processo de demarcação e homologação da TIX, lutas que conti-
nuam em andamento e em constante atualização. Para importantes pesquisadoras, o que é indiscutível
é que o assassinato do Cacique Rosalino seria um marco para o povo indígena Xakriabá, “não apenas
porque desencadearia o reconhecimento definitivo da terra, mas porque ele se tornara, no decorrer da
luta - e também após a sua morte -, o representante máximo da ideia do direito à terra incorporado na
categoria ‘índio”. (SANTOS, 1997, p.236).
4 “Em decisão inédita, o Tribunal Federal de Recursos-TFR, no entanto, não só manteve a competência da justiça federal, já que os índios
são protegidos pela união e estão em terras federais, como o ministro Francisco de Assis Toledo enquadrou os acusados pela prática de
crime de genocídio, aplicando pela primeira vez a lei federal nº 2889/56, que ratifica um tratado internacional assinado pelo Brasil e
onde é previsto o crime de genocídio. A pena aplicável neste caso é de 16 a 40 anos de reclusão”. (XACRIABÁ, 1997, p.45).

152
ATLAS DA QUESTÃO AGRÁRIA NORTE MINEIRA

Cacique Rosalino está presente nas narrativas do povo Xakriabá, “dá nome” à Articulação Rosalino
Gomes de Povos e Comunidades Tradicionais5, e é lembrado no “conjunto ritual realizado anualmente
em memória dos Mártires da Terra Indígena Xakriabá” (HORÁCIO, 2018).
Rosalino, Zé Teixeira e Manoel Fiúza: adubo que fortaleceu a nossa luta, guerreiros Xakriabá que
doaram suas vidas pela defesa de nossos direitos e homologação de parte de nosso território. A todos os
nossos guerreiros, nossa eterna gratidão. (Faixa segurada por indígenas na Celebração da memória dos
30 anos dos Mártires Xakriabá, 2017).
A respeito do conjunto ritual supracitado, nos anos de 2017, 2018 e 2019 - 30 anos do genocídio
sofrido e aproximadamente 10 anos depois de um evento articulado pelos missionários do CIMI in-
titulado “Romaria dos Mártires Xakriabá: 20 anos de luta e esperança”- ocorreram as Celebrações da
Memória dos Mártires da Terra Indígena Xakriabá. No conjunto ritual de 2017, aconteceu também
o II Mutirão de Povos e Comunidades Tradicionais, que contou com a participação de pessoas de
diferentes povos e comunidades tradicionais do Norte de Minas, como vazanteiros, geraizeiros, catin-
gueiros, veredeiros, apanhadores de flores, comunidades quilombolas, etc, e também com pessoas do
CIMI, do CAA, do CPT, da Unimontes, entre outros. Sendo que, esses povos, que possuem muitas
referências em comum, inclusive o fato de serem detentores de potentes conhecimentos tradicionais e
dos diretos de uso desses conhecimentos, existem em processo contínuo de resistência e luta comparti-
lhada pela garantia dos seus direitos, que muitas vezes são desrespeitados, mesmo com a existência de
um marco legal próprio, e ainda que conste na Constituição.
Com a Constituição Federal de 1988 - “a Constituição Cidadã” -, os avanços jurídicos alcançados
refletiam as transformações sociais e políticas do país. No artigo 231 em seus parágrafos 1º e 2º, o
Estado reconhece:

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças
e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, compe-
tindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. § 1.º São terras
tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as
utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos
ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural,
segundo seus usos, costumes e tradições. § 2.º As terras tradicionalmente ocupadas pelos
5 “A Articulação Rosalino Gomes de Povos e Comunidades Tradicionais se consolida hoje como espaço de articulação e de cons-
trução de alianças envolvendo a diversidade tradicional da região do Norte de Minas e Alto Vale do Jequitinhonha. Participam
desta articulação os indígenas Xakriabá e Tuxá, comunidades Quilombolas, Geraizeiras, Vazanteiras, Veredeiras, Catingueiras
e Apanhadoras de Flores. Foi durante as Festas de Agosto do ano de 2010, em um evento no Solar dos Sertões, localizado em
Montes Claros-MG, que a Articulação Rosalino se constituiu formalmente, com a proposta de abarcar diversas lutas, estratégias
conjuntas de enfrentamento entre os diversos povos, que começaram a conversar entre si e perceber que a unificação de luta for-
talece a caminhada em busca de direitos e cuidado com os territórios tradicionais”. Disponível em: <https://pt-br.facebook.com/
pg/Articula%C3%A7%C3%A3o-Rosalino-Gomes- >. Acesso em: mai. 2020.

153
GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI FERREIRA

índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas
do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988).

Mas, a “esperança” de reconquistar espaços originariamente tradicionais não se concretiza, conforme


disposto no Artigo 67 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT, “A União concluirá
a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição”.
Notoriamente isso não se tornou fato para as etnias espacializadas pelo país, bem como para os Xakriabá
que acionam novas potencialidades na resistência e na luta para a retomada de suas terras originárias. A
reivindicação do acesso direto ao Rio São Francisco é pauta nessa “política de retomada” do território
Xakriabá. O rio, além de recurso natural, é um dos espaços sagrados ancestralmente reconhecido.
As ameaças continuam e marcam inúmeras etapas acirradas em Audiências Públicas dentro e fora
da Terra Indígena Xakriabá, registrando ações diretas da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia
Legislativa de Minas Gerais - ALMG e da FUNAI no contexto de formação de Grupo Técnico (20076),
conforme legislação7, para a realização do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação.
O relatório abrange as áreas da Vargem Grande, Caraíbas e Poções, passando pelo Dizimeiro e Morro
Vermelho, até a Ilha do Capão e adjacências, compreendendo 43.357 hectares. Ao longo desse proces-
so, em 2013, os indígenas passam a ocupar a Fazenda São Judas de 6 mil hectares na Vargem Grande.
Em 2014, iniciou-se a implantação da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Ter-
ras Indígenas - PNGATI Decreto 7.747 de 2012 - em todo o país. No decorrer do processo da PNGA-
TI, via curso realizado em maio de 2015, os Xakriabá receberam seus parentes Tuxá, que articulavam
a demarcação e homologação de sua Terra Indígena em Buritizeiro-MG. O curso proporciona, junto
aos indígenas do Nordeste, Sul da Bahia e Espírito Santo, o envolvimento político com a Articulação
dos Povos e Organizações Indígenas do NE, MG e ES - APOINME, momento de fortalecimento e
consolidação das lutas.
Em 2016, os Xakriabá concluem o trabalho do “Plano de Gestão Territorial e Ambiental das Terras
Indígenas Xakriabá e Xakriabá Rancharia”, estudo que enfatiza o protagonismo dos indígenas como pes-
quisadores, reconhecendo seus diversos sistemas de saberes ancestrais, produzindo uma cartografia rica
em narrativas, detalhes, expressões, manifestações e representações materiais e imateriais do/no território.
Em um cenário de diversas e intricadas relações de força, os Xakriabá e os Tuxá, na constante luta
de resistência contra a PEC 215, o marco temporal, o desmatamento, as queimadas, a mineração e a
necropolítica, se defendem em busca de políticas públicas multiculturais, universalizantes no contexto
da justiça social, deixando entrever, como afirma Santos (2011, p.103), “A complexidade reside em
6 Grupo Técnico-GT, constituído por meio da Portaria nº1096/PRES/2007 de 13 de novembro de 2007, coordenado pelo antro-
pólogo Jorge Luiz de Paula.
7 Lei nº 6001/1973 (Estatuto do Índio) e o Decreto 1775/96 (Procedimentos Administrativos de Demarcação de Terras Indígenas
e dá outras providências).(2008)

154
ATLAS DA QUESTÃO AGRÁRIA NORTE MINEIRA

que a questão da terra combina a questão da justiça social com a questão da justiça étnico-cultural e
da justiça racial”.
A presença desses povos torna-se cada vez mais marcante nos vários espaços de debates, tanto locais
quanto regionais, estaduais e nacionais, com destaque para o Abril Indígena na ALMG e o Acam-
pamento Terra Livre em Brasília-DF, momentos de reflexão e comunhão de esforços alternativos no
processo democrático. Como diz Acosta (2016, p.18) sobre o Bem Viver, “A Humanidade pode e deve
aprender com os povos que têm convivido comunitariamente e em harmonia com a Natureza, e que
acumulam uma longa memória de vida”.

Continuação do poema, inserido no corpo do texto,


escrito pelo Cacique Domingos Xakriabá....
O meu nome é Domingos
Filho de Rosalino
Quando aconteceu a tragédia
Eu era ainda menino
Presenciei a morte do meu pai
Cometida pelos assassinos.
Os assassinos que eu falo
São um bando de pistoleiros
Eram 16 pessoas
Do primeiro ao derradeiro
Muitos não foi por querer
Mas por força do dinheiro.
Irei relatar pra você
Tudo que aconteceu
Pois eu sou um daqueles
Que lá sobreviveu
Não porque eles quiseram
Mas foi por força de Deus.
No ano 87
Dia 12 de fevereiro
Ali chegou Seu Amaro
Junto com seus pistoleiros
Quebrando todas as portas
E fazendo um tiroteio.
É muito triste esta história
Mas não consigo esquecer
Sabe o que é você deitar
Depois não amanhecer

155
GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI FERREIRA

Com o seu querido papai


Que tanto amou a você.
Já era umas 2 horas
Ao romper da madrugada
Chegaram aquele povo
Sem ter pena de nada
Fez um grande tiroteio
Até minha mãe foi baleada.
A mãe que eu falo é Anísia
Esposa de Rosalino
Que quando saiu foi detida
Pelos malditos assassinos
Que enquanto ela chorava
Eles estavam sorrindo.
O meu pai desesperado
A porta ele apontou
Foi quando foi baleado
Eu não sei quem o matou
Só sei que naquele momento
O meu coração cortou.
Com a morte do meu pai
Eu fiquei desesperado
Mas não podia correr
Porque eu estava cercado
Por aqueles pistoleiros
Que estavam todos armados.
Mas nosso Deus é tão justo
E sempre nos amou
No meio do tiroteio
Acertaram o Agenor
Era um dos pistoleiros
Que morto ali mesmo ficou.
Naquele mesmo momento
O pistoleiro parou
Pra ver o que aconteceu
Com seu amigo Agenor
Foi quando saí correndo
E fui avisar meu avô.

156
ATLAS DA QUESTÃO AGRÁRIA NORTE MINEIRA

Quando eles perceberam


Que alguém tinha fugido
Me deram vários tiros
Que balas zuaram no ouvido
Porém não me acertaram
Pois Deus estava comigo.
Esta história aqui ficou
Mais ou menos na metade
Mas tudo que está escrito
É tudo realidade
Mataram meu pai
Sem haver necessidade.
A história é muito grande
Dá pra você perceber
Porém o tempo não deu
Pra mim pensar e escrever
Mas no próximo livro
Contarei tudo a você.
Apesar do que aconteceu
Não perdi minha esperança
Agora já estou casado
Tenho esposa e duas crianças
Pra quando eu também morrer
Eles ficar na lembrança.
Aos professores indígenas
Aqui de Minas Gerais
Vão firme para o futuro
E não olhem para trás
Tentem restaurar para nós
As tradições de nossos pais.
Agradeço a meu irmão José
Por ter me ajudado
Colocando a minha história
No seu livro publicado
E a todos os leitores
Deixo meu muito obrigado.

Domingos Nunes de Oliveira (XACRIABÁ, 1997).

157
CAPÍTULO 14
Educação do Campo em pauta no Norte de Minas Gerais

Magda Martins Macêdo1 | Erika Fernanda Pereira de Souza2


Maria Auxiliadora Amaral S. Gomes3

O movimento da Educação do Campo no Norte de Minas Gerais se estabelece em consonância


com a trajetória construída pelo Brasil afora, constituída pelos movimentos sociais populares do campo
no aprofundamento da consciência do direito à Educação Pública no Campo, e como nos afirma Freire
“[...] implicando o enraizamento que os homens fazem na opção que fizeram, os engaja cada vez mais
no esforço de transformação da realidade concreta, objetiva.” (1987, p. 25).
O projeto popular da Educação do Campo contempla os diversos processos da formação humana
vivenciados nos espaços comunitários e nos movimentos sociais do campo para além do espaço escolar.
Assim, compreende que a formação humana, de crianças, jovens, adultos, anciãos do campo, se dá na
inter-relação e aprendizagem nas inúmeras experiências humanas diversificadas em espaços diversifica-
dos, considerando que os sujeitos se formam e se humanizam no fazer da história (ARROYO, 2012).
No bojo da Educação do Campo, a Diversidade, a Reforma Agrária Popular, a Arte e Cultura
Popular, a Agroecologia, a Formação dos Professores-Educadores do Campo, a Autonomia do Projeto
Político Pedagógico e a Gestão Escolar Democrática são princípios constituintes e inter-relacionados
de sua ideia maior, de seu projeto de escola e de mundo, enraizada na matriz cultural camponesa de
cada território educativo e em contraposição à perspectiva urbanocêntrica, que desconsidera as identi-
dades e contextos dos povos do campo.
1 Pedagoga, Mestre em Desenvolvimento Social, professora do DE/UNIMONTES. Coordenadora do LabÉdoCampo no Semiá-
rido Mineiro. Integrante da Articulação Educação do Campo no Semiárido Mineiro, Rede Mineira da Educação do Campo,
RESAB e FONEC. E-mail: magdamartins@yahoo.com.br
2 Pedagoga, doutoranda em Educação pelo PPGE/FE/UFG. Integrante do Laboratório de Educação do Campo no Semiárido Mi-
neiro e da Articulação Por Uma Educação do Campo no Semiárido Mineiro. E-mail: erikafernanda.souza@yahoo.com.br
3 Pedagoga, Doutora em Educação, professora do DMTE/ UNIMONTES. Integrante do Laboratório de Educação do Campo no
Semiárido Mineiro, da Articulação Por Uma Educação do Campo no Semiárido Mineiro e Rede Mineira da Educação do Campo.
E-mail: maria.gomes@gmail.com

159
GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI FERREIRA

Caldart (2002, p. 18), diz “Um dos traços fundamentais que vêm desenhando a identidade desse
movimento por uma educação do campo é a luta do povo do campo por políticas públicas que garantam
seu direito à educação, e a uma educação que seja no e do campo.”
A Educação é pauta estratégica tanto de libertação quanto de domínio de um povo, fato eviden-
ciado nas ações do sistema de produção capitalista. A Carta-Manifesto 20 ANOS DA EDUCAÇÃO
DO CAMPO E DO PRONERA, do FONEC, divulgada em 2019, diz das estratégias do capital
de destruição das possibilidades libertadoras da educação, e que “10. A educação tem sido uma área
prioritária para expansão dos interesses do capital em nosso país. O empresariado impõe alterações
significativas na legislação [...]”.
No fazer da história como ação coletiva dos movimentos sociais do campo, a Educação do Campo
é gestada no I Encontro Nacional dos Educadores e Educadoras da Reforma Agrária (I ENERA), orga-
nizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em 1997, e nasce efetivamente em
1998, com a realização da I Conferência Nacional por uma Educação Básica do Campo e se consolida no
ano de 2004 com a realização da II Conferência Nacional Por uma Educação do Campo, onde passa a se
afirmar como direito ampliado à Educação do Campo, envolvendo assim todos os níveis de escolaridade.
Ao longo de seus mais de 20 anos de luta, a Educação do Campo tem conquistado seus marcos
legais e políticas públicas, sendo hoje considerada como uma modalidade da Educação Brasileira.
Em 2002 é publicada As diretrizes operacionais para a educação nas escolas do campo, em 2008 as
Diretrizes complementares, dentre outros marcos imbricados à Educação do Campo, como o Parecer
01/2006 sobre a Pedagogia da Alternância e a Lei Nº 11.947/2009, PNAE (Programa Nacional de
Alimentação Escolar), que define a compra de 30% da agricultura familiar.
Um marco histórico importante é o Decreto Nº 7.352 (BRASIL. 2010), onde são definidas as cate-
gorias: “populações do campo”, a “escola do campo” e “os princípios da educação do campo”. Importante
destacar também o desdobramento do decreto com a criação do PRONACAMPO, que abriga inúmeras
políticas públicas para o atendimento da especificidade da Educação do Campo como PROCAMPO,
PDDE Campo, PNLD Campo, PNAE, Escola da Terra, Saberes da Terra, para citar algumas.

EDUCAÇÃO DO CAMPO NO NORTE DE MINAS GERAIS:


DEMANDA HISTÓRICA DAS POPULAÇÕES CAMPONESAS SERTANEJAS

Adentremos o Norte de Minas Gerais, sertão norte mineiro, território semiárido brasileiro junta-
mente com o Vale do Jequitinhonha. Para Dayrell (1998),

[...] Nas regiões em que os agricultores resistiram ao cercamento de suas terras e à implan-
tação no entorno de projetos de reflorestamento, mesmo não tendo acesso às políticas

160
ATLAS DA QUESTÃO AGRÁRIA NORTE MINEIRA

sociais, ou incorporando apenas parcialmente os pacotes tecnológicos da agricultura dita


moderna, estes conseguiram um nível de produção suficiente para garantir sua reprodução
social e um nível de vida digno. (DAYRELL, 1998, p.172).

A partir da última década de 1990 há nos territórios das populações camponesas sertanejas do
Norte de Minas Gerais, uma intensificação dos movimentos sociais do campo na luta por um projeto
de educação libertador, de formação humana, profissional e política.
O Norte de Minas conta com 04 instâncias gestoras da Educação, pública e privada. São as Superin-
tendências Regionais de Ensino, as SREs, centralizadas nos municípios de Montes Claros, Januária, Ja-
naúba e Pirapora e que são responsáveis pelas escolas do campo nesse território, conforme quadro abaixo.

Quadro 1: Escolas do Campo por Superintendência Regional de Ensino em 2020

ESCOLAS DO CAMPO POR SRE EM 2020 – NORTE DE MG


Municipais
SRE Estaduais Ensino Fundamental Educação Infantil TOTAL

Montes Cla- 32 190 16 238


ros
Pirapora 1 24 0 25
Janaúba 22 105 15 142
Januária 65 153 48 266
Subtotal 120 472 79 671
Fonte: SEE/MG. Cadastro das escolas, 2020.

A análise desses números nos leva a algumas reflexões importantes. A maioria expressiva das escolas
públicas no campo são municipais, o que aponta para a relevância do tema Educação do Campo no
projeto político-pedagógico do Curso de Pedagogia da Unimontes, como universidade pública estadual,
responsável pela formação dos professores que atendem tanto a Educação Infantil como os Anos Iniciais
do Ensino Fundamental e a EJA no campo. Outro aspecto é a ser observado é a baixa oferta da Educação
Infantil e mesmo a discrepância no número do atendimento do Ensino Médio, de responsabilidade das
escolas estaduais, o que indica demanda histórica dos movimentos sociais do campo no Norte de Minas.
Conheçamos um pouco da história da Educação do Campo no Norte de Minas. Em 1999, 2000,
dois movimentos chegam efetivamente ao Norte de Minas: a Educação do Campo, com a realização do
VI Seminário Por uma Educação Básica do Campo, realizada pelo Fórum Regional de Desenvolvimen-
to Sustentável (FRDS), e a Educação Contextualizada, conceito desenvolvido pela Rede de Educação
do Semiárido Brasileiro (RESAB). Nos anos entre 2004 e 2006, foi construído um processo local e
de articulação regional para a criação da Escola Rural Geraizeira no Assentamento Nossa Senhora das

161
GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI FERREIRA

Oliveiras, conhecido regionalmente como Assentamento Tapera. Contudo, houve intenso embate com
SRE de Janaúba que naquele momento histórico desconhecia os recentes marcos legais da Educação do
Campo para a autorização de criação daquela escola étnica e do campo.
Como participante do processo da Escola Rural Geraizeira, a UNIMONTES, enquanto univer-
sidade pública estadual, assume efetivamente o debate da Educação do Campo no ano de 2006 ao
aprovar junto ao PRONERA, os cursos de Magistério do Campo e Formação em Agroecologia/ Nível
Médio e de Alfabetização e Escolarização de Jovens e Adultos Assentados, projeto esse que contou com
a participação dos educadores da Escola Rural Geraizeira em seu processo de formação docente. Dan-
do prosseguimento, aprovou a Licenciatura em Pedagogia do Campo e um curso de pós-graduação
lato sensu na perspectiva da Educação à Distância (EAD), por meio da Universidade Aberta do Brasil
(UAB), com o curso de especialização em Educação do Campo.
As EFAs chegam ao Norte de Minas na primeira década dos anos 2000, quando se inicia a mobi-
lização pela criação da Escola Família Agrícola de Tabocal, conhecida como EFAT, criada em 2005 e
localizada no município de São Francisco Em 2012 é criada a EFA Nova Esperança (EFANE), ligada
ao Movimento Geraizeiro, é localizada no município de Taiobeiras. Ambas oferecem o Curso Técnico
em Agropecuária Integrado ao Ensino Médio a jovens camponeses. Ambas atendem cerca de 330 ado-
lescentes e jovens camponeses (AMEFA, 2019; MINAS GERAIS, 2019).
Em 2014, é aprovado na Unimontes, o projeto do LabÉdoCampoSemiÁridoMineiro (Laboratório
de Educação do Campo no SemiÁrido Mineiro: Diversidade, Território, Agroecologia), dando con-
tinuidade ao debate da Educação do Campo, Educação Contextualizada no espaço institucional da
universidade, sempre considerando o protagonismo dos movimentos sociais do campo, das escolas do
campo e seus educadores e em parceria com outras universidades e institutos federais.
Nesse ínterim, em 2012, um grupo de professores e acadêmicos da Unimontes, educadores re-
gionais, populações tradicionais como geraizeiros, quilombolas, vazanteiros, movimentos sociais do
campo, entidades não governamentais, participaram da Oficina de Produção de Materiais Paradidáti-
cos, sob a coordenação da RESAB em parceria com o INSA, e elaboraram o livro paradidático Opará
e Jequi – os Saberes dos Vales. Durante esse processo é criada uma comissão regional de educação do
campo que culmina na criação da Articulação Por uma Educação do Campo no Semiárido Mineiro.
A Articulação, que no espaço da Unimontes conta com o LabÉdoCampo como articulador, vem
realizando seminários (I SER e II SER SEMIÁRIDO), grupos de estudo (GÉIA), Círculos de Cultura,
publicação do livro paradidático Opará e Jequi, participação de eventos regionais como participação
nos tempos-comunidades das licenciaturas em Educação do Campo das universidades federais mineiras.
Em 2018, o território do Norte de Minas conquistou uma Escola de Assentamento, a escola si-
tuada no Assentamento Estrela do Norte do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST),
localizada a 14 km do centro da cidade de Montes Claros. Outra conquista foi a Resolução Nº 3676

162
ATLAS DA QUESTÃO AGRÁRIA NORTE MINEIRA

de 2018, que prevê a contratação de profissionais graduados nas Licenciaturas em Educação do Campo
e auxiliar de serviços de educação que possuam vínculo com o assentamento,

A luta continua... Por uma Educação do Campo, Indígena e Quilombola, pela Refor-
ma Agrária, pela Democracia!

Não podemos e nem devemos desconsiderar, nessa oportunidade, o contexto atual de desconstru-
ção do Estado de Direito, da Democracia, quando os direitos conquistados historicamente vêem sendo
suprimidos, ameaçados, negligenciados. Ainda mais em um momento de pandemia do COVID 19,
onde a Vida está em risco.
A luta pela Educação do Campo é também a luta pela humanização, emancipação e construção de
um novo momento de solidariedade, justiça e respeito. Direito à diversidade, à terra, água, alimentação
saudável, trabalho justo e a uma nova ordem societária no Norte de Minas.

163
ANEXO A
MINERAÇÃO AQUI NÃO! FORA SAM!
Em defesa dos Povos e das Águas de Minas e Bahia1

Nota das Entidades da Sociedade Civil

As entidades abaixo-assinadas, representativas de amplos setores da sociedade civil, sabedoras da


insistência em levar a frente o empreendimento de mineração e mineroduto, antes “Projeto Vale do
Rio Pardo”, agora “Projeto Bloco 8”, da SAM – Sul Americana de Metais, no Vale das Cancelas, no
norte do estado de Minas Gerais, que estende-se até o Sul da Bahia, vêm por esta nota manifestar sua
opinião, certas de que esta será considerada pelas autoridades e pela opinião pública.
O “novo” projeto da SAM representa a reiteração de um sistema de exploração mineral que já deu
mais do que suficientes provas de falência e caos, em que até o crime faz parte. Pelos dados apresen-
tados nos EIA/RIMA (Estudos e Relatório de Impactos Ambientais), o projeto aprofunda, amplia e
1 Publicada em 21 de maio de 2020 com 101 entidades da Sociedade Civil e Movimentos Sociais se somam a luta em defesa dos Povos
e das Águas de Minas e Bahia. As organizações se colocam contra o “Projeto Bloco 8”, da SAM – Sul Americana de Metais, no Vale das
Cancelas, no norte do estado de Minas Gerais, que estende-se até o Sul da Bahia. A mensagem unificada é #ForaSam - Mineração Aqui
Não. Disponível em: <https://www.cptnacional.org.br/publicacoes/noticias/articulacao-cpt-s-do-cerrado/5215-carta-publica-mi-
neracao-aqui-nao-fora-sam-em-defesa-dos-povos-e-das-aguas-de-minas-e-bahia>. Acesso em: 01 jun. 2020.

165
GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI FERREIRA

intensifica o mesmo modelo que provocou catástrofes criminosas e impunes como os crimes da Vale
em Mariana (2015) e Brumadinho (2019), com 280 mortos, 11 desaparecidos e mais de um milhão de
pessoas afetadas, além da destruição das bacias hidrográficas dos rios Doce e Paraopeba, e das mortes
silenciosas que ocorrem nas comunidades após os crimes. Uma evidência disto: prevê a segunda maior
barragem de rejeitos minerários do mundo: são 1,5 bilhões de toneladas de rejeitos em apenas 18 anos.
O projeto da SAM, além da mina para extração de 27,5 milhões de toneladas/ano de pellet feed
(aglomerados pelotizados com granulometria fina), comporta um mineroduto de 482 km, que atraves-
saria 20 municípios de Minas Gerais e Bahia, na Serra Geral, no Vale do Jequitinhonha, no Planalto
da Conquista e no litoral baiano, até um novo porto em Ilhéus - BA onde, descartada a água poluída,
o minério de ferro iria para a China. Afetaria uma vasta região, habitada e de intensa atividade agro-
pastoril de milhares de comunidades. Apenas na área do complexo minerário, em Grão Mogol, 11
comunidades tradicionais Geraizeiras sofrerão remoção forçada. São inúmeros povos e comunidades
tradicionais, dentre eles, povos indígenas da região sul e sudoeste da BA, que serão atingidos pelo em-
preendimento sem que até o momento tenham tido direito à consulta prévia, livre informada e de boa
fé, nos termos da Convenção 169 da OIT. Irá destruir os sistemas geoferruginosos: as cangas, funda-
mentais para o equilíbrio hídrico da região. Dentre outras questões ambientais.
O uso previsto de 6.200 metros cúbicos de água por hora (54 milhões de m3 por ano – poderia
abastecer um milhão de pessoas) colocaria em risco de colapso ou maior escassez e contaminação da
água de uma região que já apresenta déficits hídricos crônicos resultantes da combinação de irregulari-
dade das chuvas, característica do clima semiárido com empreendimentos inadequados e insustentáveis.
Grande parte da região já está susceptíveis à desertificação. Praticamente todos os municípios do Norte
de Minas e boa parte daqueles no Vale do Jequitinhonha apresentam graves limites no abastecimento
humano de água, como também para o desenvolvimento de muitas atividades econômicas. Mais uma
vez, cabe o exemplo do que a mineração causou nos vales do Doce e do Paraopeba inviabilizados para
o abastecimento humano e econômico.
O impacto na região Sul da Bahia também será profundo, destruirá milhares de postos de trabalho
na Costa do Cacau. Este mineroduto somado ao impacto da construção do Porto de Minérios deses-
truturará a economia da região que tem como base o trabalho de pescadores, agricultores, pequenos
empresários e trabalhadores do turismo. No mesmo sentido, colocará em risco o pouco que resta de
Mata Atlântica e os rios, lagoas e nascentes nela existente.
Além dos altos riscos de contaminação, o volume de água a ser utilizado no projeto da SAM criará
uma condição de escassez e dependência inimaginável, mais cruel do que a já vivida na região centro-
norte de Minas Gerais. Não haverá água disponível em quantidade e qualidade suficientes – como
manda a Lei das Águas (nº 9433/97, Art. 3) – para as pessoas e outras atividades econômicas. Este
quadro não é dimensionado no projeto.

166
ATLAS DA QUESTÃO AGRÁRIA NORTE MINEIRA

Com a imposição da minero-dependência e o deslocamento do real poder de decisão, a região


viveria – uma vez implementado o projeto – um processo radical de perda de autonomia. Decisões de
influência sobre toda a bacia do Jequitinhonha e outras áreas passariam a ser tomadas por uma empresa
estrangeira com base em seus interesses lucrativos.
O falso discurso de progresso e desenvolvimento, de emprego e renda abundantes, as informações
parciais e enviesadas fornecidas pela empresa, somados às promessas e acordos políticos, criaram um
clima de tensão, irracionalidade e polarização, que dificulta que as pessoas possam ter a real noção dos
perigos que as estão rondando. Assim, com uma mistura de manipulação, imediatismo e oportunismo,
a SAM angaria alguns apoios interesseiros minoritários locais e regionais, de forma irresponsável.
Os ecossistemas que seriam atingidos pelo “Projeto Bloco 8” da SAM apresentam limites e fragili-
dades. Mas também potenciais, já demostrados por inúmeras experiências de organizações camponesas
e urbanas, na geração de trabalho, alimentos, fármacos e todo um sistema de convivência socioambien-
tal com os biomas do Cerrado, da Caatinga. Para que desta vez isso não seja ignorado e considerando
a grave crise climática que afeta as condições de vida, estamos aqui externando nossa opinião e nossa
disposição de luta contra esse projeto nefasto.
As manobras que a SAM vem fazendo, com respaldo de governos, denunciadas pelos Ministérios
Públicos Estadual e Federal, que deram guarida a uma Ação Civil Pública contra o projeto, e pelo
IBAMA, que negou o licenciamento ambiental do projeto, são evidências do seu equívoco e de que o
caminho fácil e sedutor que ele apresenta é o caminho da barbárie que compromete irremediavelmente
a sobrevivência de muitas gerações, presentes e futuras.
FORA SAM!

ASSINAM:

Articulação por uma Educação do Campo no Semiárido Mineiro | Articulação do Semiárido Minas Gerais |
Associação Água Doce | Associação de Advogados/as de Trabalhadores/as Rurais no Estado da Bahia - AATR |
Alternativas Pequena Agricultura no Tocantins - APATO | Ateliê Paulo Di Carvalho | Associação Agroecológica
Tijupá | Articulação Sul da Bahia Viva | Articulação São Francisco Vivo | Associação dos Geógrafos Brasileiros
(AGB) | AMAU | Associação dos Professores da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri –
ADUFVJM | Associação Amigos do Rio Gorutuba - Ecos do Gorutuba | Brigadas Populares | Centro de Agricul-
tura Alternativa do Norte de Minas – CAA NM | Centro de Estudos e Ação Social – CEAS | CEDEFES - Centro
de Documentação Eloy Ferreira da Silva | Centro Franciscano de Defesa de Direitos | Centro Popular Ribeirão
das Neves | Coletivo Margarida Alves de Assessoria Popular | Coletivo de Mulheres do Norte de Minas | Comis-
são Pastoral da Terra Nacional | Comissão Pastoral da Terra Bahia/Sergipe | Comissão Pastoral da Terra Bahia/
Equipe Sul Sudoeste | Comissão Pastoral da Terra Goiás | Comissão Pastoral da Terra MA | Comissão Pastoral da
Terra MG | Comissão Pastoral da Terra de Anapu, Pará | Comissão Pastoral da Terra-PI | Comissão Pastoral da

167
GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI FERREIRA

Terra Araguaia TO | Conselho Pastoral dos Pescadores – CPP | Conselho Indigenista Missionário - CIMI | Cam-
panha Nacional em Defesa do Cerrado | Comunidades Tradicionais Geraizeiras do Vale das Cancelas | Cáritas
Arquidiocesana de Montes Claros | Cáritas Diocesana Itabira | Cáritas Diocesana de Januária | Cáritas Regional
Minas Gerais | Centro de estudo, pesquisa, intervenção Ribeirão das Neves | Conselho Nacional do Laicato do
Brasil - CNLB - Regional Leste II | Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração | Diogo Gui-
lherme Matias Ribeiro | Évila Mírian | Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais
- FETAEMG | Federação dos Órgãos para Assistência Social -Fase | Federação das Comunidades Quilombolas
do Estado de Minas Gerais - N’Golo | Fian Brasil | Frades Menores da Província de Santa Cruz | Frente Parla-
mentar em Defesa dos Povos Indígenas, Quilombolas e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais | Fórum de
Desenvolvimento Sustentável do Norte de Minas | Fórum das Organizações e Movimentos Populares do Vale
do Jequitinhonha - Fórum do Vale | Fórum Permanente São Francisco | Fórum Mudanças Climáticas e Justiça
Socioambiental-FMCJS | GEPT - Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Trabalho / Unimontes | Gesta - Grupo
de Estudos em Temáticas Ambientais/UFMG | Gilsilene Maria Mendes | Grupo de Estudos Desenvolvimento,
Modernidade e Meio Ambiente - GEDMMA | Grupo de Pesquisa e Extensão Política, Economia, Mineração,
Ambiente e Sociedade - PoEMAS | Grupo de Mulheres Leitura Feminista Bíblia Go | Gilderlan Rodrigues da
Silva | Gilson Reis - Vereador Belo Horizonte | Hendy Caroline | Instituto Diadorim | Instituto Floresta Viva -
IFV | Instituto Nossa Ilhéus - INI | Instituto DH | Instituto, Sociedade, População e Natureza – ISPN | Instituto
Sócio Ambiental do Sul da Bahia – IESB | Jane Elizabeth Dwyer | José Gomes | Justiça nos Trilhos | Laboratório
de Educação do Campo do Semiárido Mineiro - Unimontes | Mandato Popular da Deputada Estadual Leninha |
Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB | Movimento Fechos Eu Cuido | Movimentos dos Pescadores e
Pescadoras Artesanais do Brasil - MPP | Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA | Movimento dos Traba-
lhadores e Trabalhadoras Sem Terra - MST | Movimento pelas Serras e Águas de Minas - MovSAM | Movimento
pela Soberania Popular na Mineração – MAM | Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Campo MTC
| Núcleo de Estudos e Pesquisas Regionais e Agrários – NEPRA - Unimontes | Núcleo Interdisciplinar de Inves-
tigação Socioambiental - NISA/UNIMONTES | Núcleo do Pequi e outros frutos do Cerrado | Observatório dos
Vales e do Semiárido Mineiro – UFVJM Grupo Interdisciplinar de Pesquisa, Ensino e Extensão | Paloma Couto
| Partido dos Trabalhadores - PT Grão Mogol | Proderur – Mitra Arquidiocesana de Montes Claros | Povos dos
Gerais | Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Social - PPGDS | Projeto Manuelzão – UFMG | Rede
Igrejas e Mineração | Rede Mineira de Educação do Campo | Rede de Mulheres Negras para Segurança Alimentar
e Nutricional | Rede Social de Justiça e Direitos Humanos | Rubens Chagas | Sandra Helena Gonçalves | Serviço
Franciscano de Justiça, Paz e Integridade da Criação - Província Santa Cruz | Sindicato de Trabalhadores Rurais
Capelinha, MG | Terra de Direitos | Unidade Classista

168
ANEXO B
CARTA DO II MUTIRÃO DA ARTICULAÇÃO ROSALINO DE
POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS NO TERRITÓRIO
XAKRIABÁ, À SOCIEDADE BRASILEIRA E INTERNACIONAL1

No momento em que fazemos memória dos 30 anos dos mártires da Terra Indígena Xacriabá; no
momento em que a Articulação Rosalino se apresenta como uma frente de defesa dos povos tradicio-
nais em uma conjuntura de ataque e negação de seus direitos; no momento em que a região sofre com
o agravamento dos efeitos das mudanças climáticas, intensificadas pela lógica desenvolvimentista pre-
datória dos grandes projetos, reafirmamos nosso compromisso com a luta pela libertação dos territórios
e pela construção do bem-viver.
Nós, povos e comunidades tradicionais geraizeiros, quilombolas, catingueiros, apanhadores de flo-
res, veredeiros, vazanteiros juntamente com o povo indígena Xacriabá e organizações aliadas (CIMI,
CPT, CAA, de assessoria, ensino e pesquisa e pastorais do campo), estivemos reunimos durante três
dias no II Mutirão de Povos e Comunidades Tradicionais realizado na aldeia Itapicuru na Terra In-
dígena Xacriabá nos dias 10, 11 e 12 de fevereiro de 2017. Vivenciamos momentos de reflexão, de
fortalecimento da luta, fazendo memória dos indígenas e outros mártires que doaram vidas em defesa
de seus povos, construindo caminhos e renovando esperanças.
Nos momentos de estudos, cada povo relatou suas histórias, seus modos de vida, o contexto atual
de conquistas, lutas e desafios. Contamos com a contribuição da Articulação Rosalino que vem se
constituindo como espaço de fortalecimento da aliança dos povos tradicionais na luta por seus direitos.
Também contamos com a contribuição do Comitê Indígena de Mudanças Climáticas (CIMC) que
vem acompanhando os debates e as políticas nacionais e internacionais relacionadas com a degradação
climática que vem afetando de forma drástica os nossos modos de vida. Passaram 30 anos do Massacre,
mas até hoje as nossas lideranças continuam sob ameaça, na insegurança, tendo que recorrer às instân-
1 Anexo 04 - BOX 4 - OS POVOS TRADICIONAIS FALAM! da Tese de Carlos Alberto Dayrell. De nativos e de caboclos: reconfi-
guração do poder de representação de comunidades que lutam pelo lugar. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Social). Montes
Claros: PPGDS-Unimontes: 2019, p.455-6.

169
GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI FERREIRA

cias de proteção dos direitos humanos.


No Mutirão dos Povos Tradicionais vimos:
A riqueza e diversidade de experiências de vida e de agriculturas moldadas em estratégias de con-
vivência com os ecossistemas que compõem o Norte de Minas e nas regiões de serra do Alto Vale do
Jequitinhonha. A importância da contribuição dos povos tradicionais à economia regional, com a
produção de alimentos e de diversos outros bens necessários à vida humana;
A força da juventude assumindo o seu legado de luta;
O avanço de políticas desenvolvimentistas promovidas pelos governos estadual e federal (monocul-
tura de eucalipto, mineração, pecuária extensiva, grandes projetos de irrigação, barragens) que resultou
na expropriação territorial de milhares de comunidades tradicionais, na invasão das terras do povo
Xacriabá, além do assassinato de camponeses e indígenas. Esse processo ocasionou a degradação das
águas, da flora e da fauna. Dezenas de espécies nativas de abelhas necessárias à reprodução das espécies
da flora nativa estão sendo extintas. A diversidade de nossas sementes e criações estão sendo compro-
metidas.
Milhares de nascentes, rios e pequenos córregos secaram, comprometendo a pesca e a vida dos rios
São Francisco, Pardo e Jequitinhonha;
Com a chegada destes grandes projetos, o nosso modo de viver, as nossas relações comunitárias vêm
sendo afetadas pela violência das elites políticas e econômicas que interferem nas nossas organizações,
costumes e festejos, com a cooptação ou ameaças às nossas lideranças e à nossa juventude;
Como compensação à degradação ambiental dos impactos dos grandes projetos foram criadas
unidades de conservação estaduais e federais, que incidiram exatamente nos territórios dos povos de
comunidades tradicionais. Milhares de famílias de nossos povos foram expulsas ou impedidas ao uso
tradicional do manejo dos recursos, da coleta de flores, frutos, remédios e da solta dos animais. Ressal-
ta-se que a preservação desses espaços é fruto justamente de nossa ação, manejo que aprendemos com
os nossos antepassados.
Vimos também diversas iniciativas de resistência de nossos povos como o acesso à terra, demarca-
ção, retomada e gestão de nossos territórios, produção agroecológica, recuperação ambiental e educa-
ção contextualizada. Conseguimos desenvolver e aprimorar nosso jeito de produzir, com novas práticas
de manejo das águas, das terras, e da coleta extrativista. Melhoramos os processos de beneficiamento da
produção e de acesso aos mercados, desenvolvidas por cada povo de acordo com suas demandas locais
e regionais.
Apoiados pela Articulação Rosalino temos fortalecido nossa aliança pela retomada, gestão e prote-
ção de nossos territórios, a exemplo da luta empreendida pelo povo Xacriabá.
Durante o Mutirão o CIMC apresentou os resultados de sua intervenção em nível nacional e
internacional no sentido de defender os interesses dos indígenas e de outros povos frente à gravidade

170
ATLAS DA QUESTÃO AGRÁRIA NORTE MINEIRA

da degradação climática. No contexto das mudanças do tempo, os povos indígenas denunciam sua
exclusão do processo da construção das políticas de Estado e a priorização de propostas direcionadas ao
agronegócio e ao grande capital. E demandam a construção de políticas e programas que incentivem
as comunidades a se prepararem e prevenirem para as graves consequências da degradação ambiental e
climática que incidem sobre os seus territórios.
No contexto de afrontas aos direitos dos povos tradicionais, denunciamos um conjunto de medi-
das legislativas, como a PEC 68, a reforma da previdência, a reforma do ensino médio, entre outras,
que comprometem os direitos sociais do povo brasileiro. Vimos, no caso particular dos cerrados, que
novas políticas e programas vem sendo implementadas e que podem comprometer irreversivelmente
este bioma e os seus povos como, por exemplo, o Decreto Presidencial 8.447 que instituiu o Plano de
Desenvolvimento Agrícola MATOPIBA, considerado a última fronteira agrícola no Brasil.
Este é o contexto que vivemos atualmente, em que garantias constitucionais vêm sendo ameaçadas
pelo atual governo golpista e ilegítimo, sustentado pelo judiciário, legislativo e legitimado pela mídia
que controla os grandes meios de comunicação no Brasil.
Nós, povos e comunidades tradicionais, assumindo o papel que nos é reconhecido como guardiões
das águas, das terras e das matas, reafirmamos a garantia e demarcação de nossos territórios como pri-
meiro passo para o enfretamento das mudanças do tempo. A luta dos nossos antepassados é a nossa
herança! Nesse momento em que cultuamos a memória de nossos mártires, reafirmamos como nosso
compromisso e missão com a luta pela libertação dos territórios e pelo bem-viver.

São João das Missões, Terra Indígena Xakriabá, 12 de fevereiro de 2017.

ASSINAM:
Povo Indígena Xakriabá | Articulação Rosalino de Povos e Comunidades Tradicionais | Movimento Geraizeiro |
Vazanteiros em Movimento | Comunidades Catingueiras | Comunidades Veredeiras | Povo Quilombola | CO-
DECEX - CIMC – Comitê Indígena de Mudanças Climáticas | CIMI | CAA | CPT | STR de Riacho dos Ma-
chados | STR de Porteirinha | STR de Rio Pardo de Minas | Juventude Geraizeira | Representante da RDS Nas-
centes Geraizeiras | NIISA – Núcleo Interdisciplinar de Investigação Socioambiental – Unimontes | PPGDS.

171
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Preâmbulo:
BALDUINO, Dom T. O campo no século XXI: território de vida, de luta e construção da justiça social. In:
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173
GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI FERREIRA

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174
ATLAS DA QUESTÃO AGRÁRIA NORTE MINEIRA

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Capítulo 1:
COSTA, S.H. G. ‘Recantilados’, entre o direito e o rentismo: grilagem judicial e a formação da propriedade
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- FFLCH. DEGEO/FFLCH/USP Orientação Prof. Drº. Ariovaldo Umbelino de Oliveira, 2017.
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Ariovaldo Umbelino de, & MARQUES, Marta Inez Medeiros (orgs). São Paulo: Casa Amarela e
Editora Paz e Terra 2004. p.29-70
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de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA, 2015).
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Capítulo 2:
CPT. Caderno de Terra no Brasil. Goiânia: impressão manual, 1985,36 p. Disponível em: <https://www.cpt-
nacional.org.br/component/jdownload>. Acesso em: 22 de ago. de 2020.
CPT. Caderno de Terra no Brasil. Goiânia: impressão manual, 1986,51 p. Disponível em: <https://www.cpt-
nacional.org.br/component/jdownload>. Acesso em: 22 de ago. de 2020.
CPT. Caderno de Conflitos no Campo 2019. Brasília: Expressão popular, 2019, 252 p.
ROCHA, L. A. O Poder da Territorialidade: “o lugar da gente”, o território pesqueiro. 177 f. Dissertação.
Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros, 2017.

175
GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI FERREIRA

Capítulo 3:
AGÊNCIA MINAS GERAIS. Estado inicia planejamento de regiões que recebem investimentos do setor
de mineração. 13 nov. 2012. Disponível em: <http://www.2005-2014.agenciaminas.mg.gov.br/
noticias/estado-inicia-planejamento-de-regioes-que-recebem-investimentos-do-setor-de-minera-
cao/>. Acesso em: 15/08/2020
AGÊNCIA NACIONAL DE MINERAÇÃO. Estatísticas da Mineração no Brasil. Disponível em: <https://
www.gov.br/anm/pt-br/centrais-de-conteudo/mineracao-em-numeros>. Acesso em: 12/08/2020.
AGÊNCIA SAFRAS. FMI diz que PIB do Brasil terá queda de 9% em 2020. 24 jun. 2020. Disponível em:
<https://www.canalrural.com.br/economia/fmi-pib-brasil-queda-9/>. Acesso em: 12/08/2020.
ANGELO, Maurício. Mineração responde por 39% dos conflitos pela água que afetaram 70 mil famílias
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f9pw2dgqsv_9AwU >.Acesso em: 12/08/2020.
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BC. 1 jun. 2020. Disponível em: <https://epocanegocios.globo.com/Economia/noticia/2020/06/
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183
editora
entremares

A presente obra terminou de ser impressa


no ano pandêmico de 2020
na cidade de São Paulo.

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