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Resumo:
Introdução
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Mestre em História pela PUC – Goiás. Professor da Rede municipal de Ensino de Campos Belos.
Pesquisador do La Folie: Grupo de pesquisas em história da loucura.
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Sobre essa questão os argumentos de Foucault (1999) são importantes para se entender como eles
ainda explicam nosso tempo. Segundo ele essas políticas estavam atreladas às ações de cunho
higiênico. Apresentavam-se como um dispositivo de controle social, de disciplinamento, de
massificação e individualização, de esquadrinhamento. Além disso, estavam atrelados aos preceitos
de modernização dos estados e das políticas de governo das massas. Isso porque, de modo geral,
essa perspectiva de governo tende a produzir inimigos e a produzir igualmente “[...] eliminação do
perigo biológico e ao fortalecimento, diretamente ligado a essa eliminação, da própria espécie ou
raça” (FOUCAULT, 1999, p. 306).
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Sobre essa questão o livro Raça pura: uma história da eugenia no Brasil e no mundo, Pietra Diwan
mostra como se desenvolveram os ideais eugênicos no mundo e em especial no Brasil. Sobre o caso
brasileiro a autora, no último capítulo, narra a forte influência de médico Renato Khel, na produção
desse ideário.
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interventor os bobos seriam a representação, senão a maior, pelo menos uma das
mais importantes, desveladora do quão decadente seria aquela cidade. Alongava-se
demasiadamente a demora em mudar a capital de Goiás. Diz o interventor e
entusiasta mudancista: “A contingência secular de necessitar a população de um
exercito de baldeadores de agua, deu lugar a que surgisse uma estranha instituição
nitidamente local – o bôbo” (TEIXEIRA, 1933, p. 115). Em seguida, destaca o modo
como se institucionaliza o bobo naquela cidade.
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Cumpre destacar aqui, que o processo de desvinculação do louco das outras pessoas se dá de
modo peculiar com Pinel, para quem não bastava apenas tirar as correntes dos loucos. Era preciso
que os loucos tivessem um lugar próprio para as ações terapêuticas. No caso do Brasil, essa
discussão sobre a necessidade de se estabelecer um local para dos loucos data, pelo menos
teoricamente, de 1852, data da inauguração do Hospício de Pedro II. (Cf. CASTEL, 1978 e ENGEL,
2001).
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Mesmo que se use de violência, autoritarismo, tudo isso passa a fazer parte
de um suposto bem maior, o reestabelecimento de uma pretensa natureza racional
pertencente ao homem, a sua normalização e moralização. Continua o mesmo autor
a problematizar o caráter humanista que circunscreve o “cuidado” com a loucura,
seus instrumentos, técnicas e instituições: “O autoritarismo violento, longe de estar
em contradição com o humanismo proclamado pelos primeiros alienistas, é seu
instrumento. A filosofia do tratamento moral participa certamente do otimismo
pedagógico do Iluminismo” (CASTEL, 1978, p. 227). Em grande parte, as
instalações, pelo menos no que diz respeito ao modus vivendi dos encerrados, não
se alteraram drasticamente no decorrer da história. Pelo menos os mesmos
sentimentos humanistas e restauradores da razão e da moral ainda estão presentes.
Sendo assim, pode-se dizer que o louco nada mais é do que um produto,
isto é, o alvo das relações de poder, e, portanto, o equivalente aos efeitos de
atuação das relações de poder e saber prestigiados pela medicina. Ocorre
inicialmente na sociedade e posteriormente no interior das instituições, entre elas,
dentro dos manicômios.
E em Goiânia, como se processava a relação dos loucos com a sociedade
que os observava? Como se davam essas relações sociais entre os loucos e os
tidos como normais? Era a loucura, na nova capital, a priori, enclausurada? Veremos
no próximo tópico alguns conflitos ratificadores da construção de Goiânia e qual
percepção sobre a loucura existente. Finalmente, como a ideia do asilo, na capital,
só será aventada a partir do surgimento da prioridade dada à limpeza e à ordenação
do espaço público.
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A partir de 1944, as últimas edições da Revista Oeste se dedicaram em fazer matérias sobre essas
instituições.
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Embora em temporalidades diferentes, o sentido da rua e os “tipos” que nela vivem é apontado por
Magali Gouveia Engel, em Os delírios da razão. No contexto do Rio de Janeiro das primeiras décadas
do século XIX, a autora nos ajuda a compreender o contexto de Goiânia, nos seus primeiros
movimentos: “[...] a presença da loucura nas ruas da cidade despertava o riso, a compaixão, as
injúrias grosseiras e a troça, às vezes, cruel. Sentimentos mistos e contraditórios que, oscilando entre
a aceitação e a rejeição, demonstram de qualquer forma a existência de um espaço de convívio entre
o louco e o não-louco, no qual ambos sabiam perfeitamente como se defender um do outro. Nesse
contexto, a loucura possuía uma ‘visibilidade imediata’, revelando-se aos olhos da população urbana
por meio do vestuário exótico, de hábitos estranhos, de atitudes diferentes, de gestos e palavras
‘incompreensíveis’, de alterações na fisionomia [...]” (ENGEL, 2001, p. 24).
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com eles grande parte da poesia das velhas ruas, onde o buzinar do ‘Ford’ não dá
ensejo a espetáculos dessa natureza” (REVISTA OESTE, 07/1942, p. 12).
Se por um lado não temos a confirmação ou mesmo as evidências cabais de
como a loucura se situava na nova capital, esse pequeno trecho nos mostra que ela
estava presente de algum modo. A presença da loucura é como que uma ruptura na
estrutura social que precisa ser esquadrinhada. O primeiro enfrentamento ocorre
com o Ford, mas depois ocorrerá com a polícia que será quem combaterá os loucos
ou alienados, mas também todos os tipos de rua.
Na seara de documentos da década de 1940, pinçamos um que retrata a
maneira segundo a qual o Estado se organizaria para efetuar o governo da
população que habitava as ruas7. No caso específico dos loucos e psicopatas há o
Decreto-Lei 847 de 12 de fevereiro de 1947 8. Este documento trata da criação do
Serviço de Assistência aos Psicopatas do Estado de Goiás. As alíneas do art. 1 º
dizem:
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Há também uma portaria que trata do modo como os mendigos deveria se portar e se organizar, a
Portaria nº 28 de 15 de janeiro de 1948. Nesse documento, fala-se da necessidade de se cadastrar e
se colocar placas nos mendigos, como forma de controle da mendicância.
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Esse decreto entra em vigor nas proximidades do convenio assinado para a construção daquele que
seria o Hospital Psiquiátrico Prof. Adauto Botelho. Esse convênio só foi possível em função do
decreto 8550 de 1946, que possibilitou a construção ou reforma de instituições psiquiátricas no Brasil.
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controlar também a população que ainda não manifestou sua loucura e os potenciais
loucos. Esses processos podem ser vistos na medida em que o decreto-lei 847 trata
dos egressos do hospício e do combate por meio de medidas higiênicas e
profiláticas, bem como por meio do levantamento estatístico do número de loucos.
Esse decreto será o primeiro documento e nível estadual a prevê o papel do
hospital psiquiátrico que seria construído na capital, fato que se concretizou apenas
em 1954, ano de sua inauguração. Na cerimônia de inauguração um dos discursos
que merece a atenção é o do então Secretário do Estado da Saúde, José Peixoto da
Silveira, que analisamos.
Segundo Rego Santos (2020) no quadro geral de todo esse projeto que
mistura saúde, razão e civilização, a inauguração do Adauto Botelho representa,
segundo seus entusiastas, algo além de um esforço científico. A representação do
hospital é construída para ser científica e paradoxalmente uma espécie de benção,
de milagre, notadamente sustentada por supostas justificativas ditas nacionalistas. O
hospício simboliza, portanto, uma marcha de fé: “[...] embrenhando-se pelos sertões
a dentro, onde mora o cerne da nacionalidade ‟, nesta jornada evangelizadora da
saúde de nossa gente, nesta marcha benfazeja de luz e de fé” (FOLHA DE GOIÁS
03/04/1954).
Não só em nível conceitual, mas em nível político e moral, o discurso
representa, embora tardiamente em relação aos grandes centros urbanos do
período, os mesmos movimentos eugenistas, civilizatórios e purificadores que os
caracterizam.
A saúde é situada como um dos deveres primordiais do governo: “Dentre os
deveres primordiais do Governo nenhum pode sobrepor-se ao de assistir à saúde do
povo; este problema no nosso vasto Brasil encerra tamanha gravidade, tal amplidão
e magnitude, que para ele se deve atentar com grande patriotismo [...]” (FOLHA DE
GOIÁS 03/04/1954). Destaca-se como o Brasil tem sido alvo ao mesmo tempo de
doenças e inseguranças em relação à saúde, bem como são sugeridas ações
patrióticas urgentes, para se redefinir o quadro da saúde no país dada, sua grande
extensão. O país se encontraria fragilizado, enfraquecido não só pelas doenças,
mas também pela quantidade de povos não civilizados e potencialmente instáveis.
Seria necessário, portanto, que todas as forças fossem colocadas à
disposição para a construção deste novo Brasil, logo deste novo Goiás. Para
tanto“[...] os recursos e os esforços máximos do Governo precisam [precisariam] ser
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Considerações finais
Fontes:
CORALINA, Cora. Estórias da casa velha da Ponte. São Paulo: Ed. Global, 1984.
TEIXEIRA, Pedro Ludovico. Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Getúlio Vargas,
Chefe do Governo Provisório, e ao povo goiano, pelo dr. Pedro Ludovico Teixeira,
interventor federal neste estado, 1930-1933. Goiânia, AHEGo, Goiânia, 1933.
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Bibliografia:
DIWAN, Pietra. Raça Pura: uma história da eugenia no Brasil e no mundo. São
Paulo: Contexto, 2007.