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Ação Social na Área da Saúde

Mental

Apontamentos de: Ana Paula Farinha


E-mail:
Data: 2012

Bibliografia: Alves,
Fátima (coord) (2001) Acção Social na Área da Saúde Mental, Ed.
Universidade Aberta, Lisboa, 265p.
Alves, F. (2011). A Doença Mental nem sempre é Doença – Racionalidades Leigas
sobre Saúde e Doença Mental. Editora Afrontamento, Porto.
Nota:

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SAÚDE MENTAL ana paula farinha [2011/2012

1.SAUDE/DOENÇA MENTAL E SOCIEDADE


1.1Sobre os conceitos de saúde e de doença
O conceito de doença mental e de doente mental remete-nos para os
conceitos de saúde, doença e doente que são produzidos pelas
sociedades ou seja manifestam-se num determinado tempo e espaço.
São pois relativos.
Saúde (OMS) estado positivo de completo bem-estar físico, mental e
social. Esta perspectiva dá-nos a vivência biológica como inseparável
do contexto sociocultural, psicológico, económico, ecológico em que o
sujeito vive.
Saúde (modelo médico) é a ausência de doença.
A doença provoca um desequilíbrio, não só a nível biológico, como a
ouros níveis (a família, os amigos, o emprego, a escola). Nesta
perspectiva a doença não são só os sintomas mas também o contexto
familiar, social, laboral, etc, em que a pessoa doente se insere.
A discussão dos conceitos de saúde e doença na Sociologia da saúde
têm-se situado entre dois debates:
--o da abordagem funcionalista
--o da abordagem marxista da saúde.
Abordagem funcionalista:
Parsons analisa a sociedade como sistema social e coloca a tónica na
manutenção do seu equilíbrio. Enfatiza a disfuncionalidade para o
sistema social que ele diz ter um nível geral de saúde muito baixo, com
uma grande incidência de doença. Parsons vê a saúde como um pré-
requisito para a manutenção do sistema social.

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A abordagem marxista da saúde:
Parte da analise existente nas sociedades capitalistas ocidentais e
baseia-se na capacidade de desempenho dos papeis sociais aceites.
Os marxistas contestam esta posição que serve os interesses dos
capitalistas já que só considera os factores biológicos e oculta a
importância dos factores sociais na produção da doença e da saúde.

Enquanto os funcionalistas partem do modelo médico e de uma


definição de saúde e doença aceites por todos, os marxistas opõem-se
e chamam a atenção para outros níveis de análise como os factores
sociais.

Friedson distinguiu:
--Doença como estado biofísico ou seja, com a existência de anomalias
no funcionamento biológico do corpo. O problema existe
independentemente de a pessoa o reconhecer ou aceitar.
--Doença como estado social é um conceito que se relaciona
directamente com as acções e os seus significados, com crenças,
valores e avaliações.

1.2 SOBRE OS CONCEITOS DE SAUDE E DE DOENÇA MENTAL


No modelo biomédico a doença mental e a doença biofísica são
consideradas do mesmo ponto de vista.
Até à II guerra mundial a doença mental foi circunscrita ao portador.
Com Freud há a introdução de novos elementos enquanto
determinantes da estrutura da personalidade. E hoje já se considera
importantes as relações do doente com o meio familiar.
A causalidade orgânica, psicológica e social
A explicação causal da doença mental é alvo de 3 perspectivas
dominantes:
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1-A da causalidade orgânica
Explica-se pelas alterações ou perturbações do organismo que podem
ser observáveis e quantificáveis. Neste caso a doença mental refere-se
a comportamentos ou atitudes desadequadas ou estranhas como não
dormir ou não comer, sem causa aparente. Esta perspectiva valoriza os
factores biológicos, incluindo a hereditariedade ou factores adquiridos
de ordem traumática, tóxica ou infecciosa. Valoriza sobretudo os
medicamentos.
2-A da causalidade psicológica
A doença mental é explicada com base nos factores pessoais
(sentimentos, emoções, etc). É abordada a doença como estado de
perturbação afectiva ou seja como um fenómeno da natureza psíquica
com causas relacionais. Neste caso acentua-se os aspectos
psicológicos (conflitos, motivações, pensamentos) e integram-se na
história de vida (acontecimentos marcantes). A tónica está na relação
entre o doente, o meio familiar e a história de vida.
3-A da causalidade social
Aqui perspectiva-se a doença mental como entidade do contexto onde
surge. Os factores sociais (estilo de vida, classe social, crenças)
desempenham o papel principal para explicar a génese e a evolução da
doença mental. A abordagem implica que se considere os aspectos
culturais, económicos, etc, Subjacentes ao surgimento da doença: são
as relações e papeis sociais que os sujeitos desempenham nas suas
vidas laboral, familiar, afectiva, escolar, de lazer, etc.
Analisar a doença mental só do ponto de vista biológico é insuficiente
porque negligencia os factores psicológicos e sociais que são
determinantes não só no diagnóstico mas também do ponto de vista da
reabilitação. Os factores psicológicos valorizam os aspectos
subjectivos do indivíduo e únicos em cada um na génese da doença e
da sua evolução.
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1.2.2 A perspectiva Psicossocial
Do ponto de vista psicossocial a doença mental resulta da interacção
entre os factores biológicos, psicológicos e sociais. A génese e a
evolução da doença dependem desses factores e da interacção entre
eles.
Não é possível analisar a doença mental, as suas causas e
consequências, isolando cada um dos factores. Eles não se encontram
separados e todos juntos formam cada situação.
Na doença mental os factores sociais ocupam um lugar de destaque.
Os estudos provam que factores como o género, a classe social ou o
contexto habitacional estão correlacionados com a doença mental. As
mulheres têm uma maior taxa de incidência do que os homens. Estes
números desfavoráveis às mulheres podem estar relacionados com os
aspectos socioculturais, nomeadamente com a acumulação de papéis
sociais.
1.2.3 A antipsiquiatria: seus contributos, para a compreensão do
conceito de doença mental.
A escola da antipsiquiatria, nas décadas de 60 e 70, partiu da negação
do próprio conceito de doença mental, na medida em que ela não se
constitui como doença no mesmo sentido da doença física.
Logo, propõem um modelo de explicação em que a doença mental é
considerada como um fenómeno social produzido pela sociedade e
onde a psiquiatria é um instrumento que tem por função a manutenção
e a defesa de uma certa normalidade adaptada à ordem estabelecida
nessa sociedade.
Se é a sociedade que produz e define a doença mental e se esta resulta
das condições de vida degradantes, da quebra de laços sociais, etc,
então é a sociedade que está doente e não os sujeitos. A doença
mental é assim considerada uma doença social ligada à opressão e à
exploração de pessoas.
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Esta corrente de pensamento deslocou a análise da doença do
indivíduo para o sistema familiar e social (a maioria dos estudos foram
feitos na área da esquizofrenia).
Deste movimento podemos identificar 3 correntes teóricas:
1-Inglaterra, Laing, Cooper e Esterson. Defendem a compreensão, que
rompe com a observação. A esquizofrenia é para eles uma crise micro-
social. Consideram que os psiquiatras não devem alimentar o estigma.
2-Basaglia, anos 70. O movimento da psiquiatria democrática (na linha
de Goffman) caracteriza os hospitais como instituições de violência.
Este movimento foi importante para a desinstitucionalização e para a
criação de estruturas assistenciais.
3-EUA, Szasz. Para ele a doença mental não justifica hospitais nem
estruturas específicas. Acaba por questionar a psiquiatria e o trabalho
desenvolvido pelos psiquiatras.
Critica à antipsiquiatria: Sedgwick questiona a base em que assenta a
diferença entre doença física e mental. A designação de doença só por
si sugere sempre uma transgressão normativa social.
Foi com a antipsiquiatria que emergiu a doença mental como
construção social. Teve ainda o mérito de denunciar o carácter
assistencial e autoritário da psiquiatria.

1.2.4Sobre os conceitos de “normal” e “Anormal” na óptica das


culturas
Devereux designou de “Par conceptual” de base da psiquiatria: o
normal e o anormal cuja linha de demarcação é o que distancia as
várias abordagens ao nível da explicação da doença mental. O anormal,
não pode ser um desvio ao comportamento geral do grupo. O que
determina a anormalidade é a sua função.
Durkheim enfatiza a saúde como desejável quer para o sujeito quer
para a sociedade e diz-nos que a doença é indesejável e a evitar. Ele
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propõe que se designem por normais os factos que apresentem as
formas mais gerais e por patológicos os outros. Deste ponto de vista, é
a norma que orienta todos os nossos raciocínios práticos. Inerente à
norma está uma força coercitiva. O normal é o que está de acordo com
a norma: logo, cada civilização tem o seu conjunto de normas aceites e
difundidas. Nesta perspectiva o comportamento e a comunicação das
pessoas com doença mental pode ser encarado como desvio ou seja, a
transgressão da norma. O rótulo de doente mental assume uma
importância vital: facilita a aceitação social do comportamento do
doente. As expectativas que os outros têm dele são diferentes.

1.3 O papel social da pessoa com doença mental


Papel social designa a função/ funções que a pessoa tem na sociedade.
A doença tem consequências a nível individual, ao nível do grupo, da
comunidade, pode interferir nas relações e interacções. Reduz a
capacidade do exercício dos papéis sociais que lhe estão atribuídos.
Parsons definiu o papel de doente:
--a pessoa doente não é responsável pela doença
--é libertada das suas responsabilidades sociais
--deve submeter-se às indicações da medicina para melhorar.
O estatuto do doente é esta interacção entre o sujeito, a sua situação e
os grupos sociais— a família, o trabalho, os amigos— e a sociedade em
geral que legitima o processo— os médicos são os legitimadores.
A situação da doença mental é um pouco mais complexa do que a
doença física. O doente mental é responsabilizado pela sua doença, já
que se crê que ela é resultante de fraquezas ou defeitos de carácter.
Por outro lado ele não reconhece a doença, logo não sente
necessidade de se tratar.

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1.4 A exclusão social e a estigmatização das pessoas com doença
mental
Esta perspectiva do papel de doente mental é influenciada pela imagem
social que se tem da pessoa com doença mental e baseia-se em
análises que remetem para a noção de estigma como construção
social. É-se desviante, não em relação a uma estatística mas em
relação a valores grupais e culturais. Assim o desvio é um ponto de
vista e não uma realidade.
O estigma é uma reacção social, situada no espaço e no tempo, que
isola certos atributos e classifica-os como indesejáveis, desvalorizando
as pessoas que os possuem. É uma avaliação social que generaliza
esses atributos à pessoa inteira (e não só à parte visada: o coto, o
cego, o drogado, o louco). Segundo Goffman a identidade fica
deteriorada.
Para Goffman o estigma é um atributo que torna a pessoa diferente dos
outros. Nas nossas sociedades ocidentais uma doença física não é
igual a uma doença mental. Esta suscita nas outras reacções bem
diferentes. Essa atitude resulta de que a doença mental é uma realidade
estranha: é a cabeça que está doente. A construção da doença mental
como algo estranho provoca uma reacção de afastamento. Forma-se
então um conjunto de estratégias, conscientes ou não, que segregam a
pessoa com doença mental. Na sociedade em geral a reacção é de
rejeição e evitamento enquanto que na família há um acompanhamento
que vai evoluindo, na compreensão do doente e das suas dificuldades.
Ao doente mental são atribuídas algumas características:
--falhas de carácter
--expressão estranha no olhar
--associados ao crime sexual
--são violentos (só 2 a 3% o são).

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Nos finais do século XX o desenvolvimento farmacológico permitiu o
controlo da loucura em pouco tempo. Com as manifestações e
consequências das crises de loucura menos visíveis espera-se que
mude o estereótipo a ela associado. Compreender a doença é
compreender a experiência do doente. É necessário compreender o
contexto social onde está inserido, o impacto na família e nas suas
relações sociais. É compreender os problemas e necessidades mas
também as potencialidades da situação na sua totalidade.
1.4.1 Formas e mecanismos de exclusão social das pessoas com
doença mental
A perspectiva crítica aborda a exclusão, não como uma doença
individual, mas como o resultado das contradições das sociedades
capitalistas actuais.
A exclusão social deve ser vista numa perspectiva multidimensional.
Interessam os factos sociais e culturais mas também os económicos,
pois é esta interacção que gera a inclusão de uns e a exclusão de
outros.
O critério de utilidade, utilizado por Gouldner explica a exclusão: numa
ordem social marcada pelo etnocentrismo, o critério de utilidade é um
mecanismo de selecção que admite alguns talentos, logo exclui outros
dividindo a humanidade em dois: os úteis e os inúteis para a
sociedade. Logo a exclusão é proporcional aos atributos das pessoas
incapazes de competir numa ordem onde não há lugar para todos
porque o que é útil ou lucrativo para a classe dominante não é útil e
lucrativo para todos.
Os estudos chamam a atenção para a associação entre classe social e
doença mental. É nestas classes mais baixas que se encontra uma
maior propensão à doença, não só mental mas no geral. No caso da
doença mental é a psicose esquizofrénica que mais surge. Os
resultados apontam para uma relação entre a classe social e a evolução
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da doença: os pacientes das classes mais baixas permanecem nos
hospitais e os que saiam têm mais probabilidades recidivas do que os
pacientes de classes mais altas.
3 Tipos de explicações para a correlação entre doença mental e classes
mais baixas:
1-“A explicação pelo deslocamento descendente” ou seja, as que
desenvolvem a doença deslocam-se para a classe social mais baixa.
2-“A explicação pela tensão ambiental”. O ambiente da classe
trabalhadora produz tensões que se transformam em factores causais
da doença mental.
3-“A explicação pela rotulação diferencial e tratamento diferencial”. A
classe trabalhadora tem uma maior probabilidade de ser rotulada como
doente mental e de sair do papel de doente mental.
A doença mental e o desemprego, as dificuldades financeiras, a
diminuição de auto-estima e a confirmação do estatuto de doente
mental são quase consequências naturais. As psicoses estão em
grande número associadas ao desemprego ou à diminuição de
rendimento. Deste modo, a posição no mercado de trabalho é uma
variável fundamental na explicação da exclusão social das pessoas
com doença mental. O trabalho é um elemento chave na
integração/exclusão do indivíduo. Além do rendimento, a dignidade e o
reconhecimento societal integra o indivíduo no padrão de vida
dominante: a expectativa social das nossas sociedades é que o
homem/mulher trabalhe. Quando isso não acontece a sua posição é
questionada.
Há também uma correlação entre as fontes e os níveis de rendimento.
Os doentes mentais, a par dos idosos e deficientes, são um grupo
vulnerável já que dependem de pensões e estão excluídos dos modos
de consumo dominantes.

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Os hospitais psiquiátricos surgem como um reflexo social: são eles
que os rotulam e classificam de doentes mentais. Desta relação surge o
Estatuto de doente que leva a sociedade a exclui-los como incapazes
perante si próprio, a família e o meio social envolvente.

2 A História da loucura e as políticas de saúde mental


2.1 Perspectiva histórica da resposta social à loucura: do grande
enclausuramento à desinstitucionalização.
A sociologia e a etnopsiquiatria destacam a relatividade cultural
quando dizem que a doença mental só existe numa determinada cultura
se for reconhecida como tal. O que é loucura numa sociedade pode não
o ser em outra.
Foucault considerou que a loucura esteve sujeita às regras politicas e
sociais, aos costumes, aos interesses económicos, à história.
2.1 Das civilizações greco-romanas à época medieval
Na idade média não havia um conceito uniforme de loucura nem um
tratamento uniforme para as pessoas que fugiam à normalidade
(definida pelo cristianismo). Diferenciava-se os “tolos” e os “loucos”.
Os tolos eram abençoados e detentores da sabedoria.
Neste período histórico a concepção básica é magico-religiosa. O louco
é visto como um possesso, com espíritos demoníacos e justificada a
loucura como sobrenatural.
No renascimento a loucura sai do mundo oculto e misterioso e é
exaltada por mestres e artistas, de Shakespeare a Erasmo.
2.1.2 Da subversão asilar ao hospital psiquiátrico.
A época do absolutismo e da ascensão burguesa transformou a
loucura num mundo de exclusão institucionalizada, fechou toda a
massa de indigentes em asilos, sem função, sem especialização
médica:

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Pobres, vadios, loucos, etc. Os hospitais gerais ou casas de correcção
proliferaram por toda a Europa durante o século XVIII.
Este enclausuramento não era assistencial nem caritativo, somente
repressivo. Os trabalhos forçados justificavam-se pela necessidade de
funcionamento da instituição e como um meio de controlo moral. O
imperativo trabalho justificou o enclausuramento. Condena-se assim a
ociosidade e a improdutividade. A loucura e a pobreza são agora
percebidas no horizonte da moral em detrimento da religião.
O internamento representa dois papéis sociais: o de exclusão e o de
organização social. É um acto de conquista da razão. É que o século
XVIII representa para muitos países a industrialização e o capitalismo.
Era necessária mão-de-obra. Nos asilos só vão ficar os loucos, a
antítese dos valores defendidos pela burguesia.
As ideias saídas da revolução francesa e de todo o contexto social
permitiram que Pinel, Tuke e Riel reclamassem para os loucos um novo
estatuto—o de doente mental. A partir daqui, sós nos asilos, eles
tornam-se objecto de conhecimento. Substituem-se as amarras físicas
pelas de caracter moral: são vigiados e controlados e é-lhes incutido
um sentimento de dependência, humildade e culpa. As técnicas de
tratamento aplicadas eram o resultado de um contexto repressivo e
moralista, muito longe da medicina científica.
É neste contexto que surge a Psiquiatria, como ciência correctiva e
administrativa ao serviço do estado e a quem compete vigiar e punir os
loucos. Agora pretende-se combater a loucura com a moral, incutindo-
lhes valores sociais e morais, os pilares da ordem capitalista. Com a
chegada do seculo XIX e o desenvolvimento das ciências exactas e
naturais, as terapêuticas medicamentosas ganham relevo. Temos então
um asilo com funções jurídicas, morais e sociais, a quem se junta o
médico, porque a loucura é uma doença e o psiquiatra como
especialista de uma nova ciência: a psiquiatria. Entre o doente e o
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psiquiatra há uma relação unidirecional em que o médico recolhe todo
o tipo de informação necessária à descrição dos comportamentos. A
loucura adquire o estatuto de objecto já que é classificada e
categorizada.
O positivismo está na base da Psiquiatria Somaticista ou organicista.
Esta considera que a loucura é uma doença mental com origem
orgânico-cerebral. Pinel dividiu as doenças mentais em:
--Mania
--Melancolia
--Demência
--Idiota.
A teoria da degenerescência de Morel afirma que muitas doenças de
tipo psicótico correspondem a desvios mórbidos que pela via da
hereditariedade evoluem para formas mais graves. Neste grupo está a
esquizofrenia.
Kraeplin desenvolveu estudos que constituem a psiquiatria como uma
disciplina autónoma e chega a uma classificação científica, descritiva e
nosográfica das doenças mentais.
Já no seculo XX é Bleuler e Jung que apoiados na psicanalise de Freud
lançam o movimento psicanalítico. Neste cenário estão duas correntes
de pensamento que se confrontam:
--os organicistas
--os psicodinâmicos
Os organicistas ligam os sintomas observados a lesões no cérebro.
Os psicodinâmicos privilegiam o estudo desses sintomas do ponto de
vista do seu sentido e relaciona-os com as alterações do
funcionamento psíquico.
Só após a II guerra mundial se tenta dar resposta a outro problema: a
institucionalização. Há críticas quanto às condições de vida dos
doentes mentais, ao agravamento da doença no asilo, etc. Este cenário
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leva a que surjam alternativas ao modelo asilar nomeadamente em
Inglaterra e que ficam conhecidos como No Restraint e Open-Door.
O No Restraint apresenta-se como um sistema de coação nula, com
preocupação em diminuir o sofrimento do doente e impõe uma
supressão da utilização de meios de coação corporal. O movimento
atribui-se a Conolly, que também fundou o retiro de York.
Já o Open Door nasce no seculo XIX, mas depois do No Restraint em
Inglaterra e origina uma importante reforma asilar:
• Altera a configuração do asilo
• Altera a estrutura e o funcionamento: portas abertas,
demolição de muros, eliminação de grades e zero coação
física.
As mudanças tiveram impacto nos doentes e famílias, sobretudo
já no seculo XX, pois no seculo anterior não se generalizou esta
prática.
Aos poucos os factores psicológicos ganham relevo na
abordagem da doença psíquica e as neuroses passam a constituir
um grande sector clinico da psiquiatria. A doutrina psicanalítica
rompe a exclusividade da teoria organicista: a doença não é só
uma malformação genética mas também um conjunto de
perturbações objectivas na história de cada sujeito.

2.1.3 Movimento de renovação psiquiátrica no sec XX: A


derrocada dos muros asilares e a emergência da psiquiatria
comunitária.
Entre o final do seculo XIX e a II guerra mundial estão no terreno e
em confronto as teses organicistas e as teses psicanalíticas. Na 1ª
metade do seculo XX e apesar dos desenvolvimentos ocorridos
em termos de novas terapêuticas, a assistência aos doentes
mentais está centrada nos hospitais psiquiátricos.
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Também no início do seculo XX, nos EUA, dá-se o
desenvolvimento das técnicas de grupo. Wender e Schilder
introduzem conceitos analíticos nos tratamentos de grupo e
Moreno desenvolve as técnicas Psicodramáticas e sociométricas.
É então que nos EUA nasce o movimento de “Higiene Mental”,
apologista da integração da psiquiatria na vida da comunidade.
Vai promover a criação de métodos de prevenção primária,
secundária e terciaria das doenças mentais e lançar as bases da
psiquiatria comunitária.
Em França desenvolveu-se a perspectiva social da psiquiatria e
cria-se um serviço novo na sua assistência: a ida dos
trabalhadores sociais ao domicílio.
Em Inglaterra a partir de 1930, o internamento passa a ser
voluntário. Abriu-se o caminho às ciências sociais mas também
aos cuidados em ambulatório. Assim podemos considerar que
nesta 1ª metade do seculo temos duas perspectivas: a que
privilegia os hospitais e a que defende “o fora dos hospitais”.
A partir da II guerra mundial os asilos e hospitais além de
contestados, já não são suficientes. Desenvolve-se a psiquiatria
social. Rapoport chama-lhe a 3ª revolução psiquiátrica: desloca-se
a tónica dos cuidados médicos (1ª revolução) e das abordagens
psicodinâmicas (2ª revolução) para a utilização de métodos de
grupo e da terapia pelo meio (3ª revolução).
Vai ser em Inglaterra que se vai desenvolver a comunidade
terapêutica enquanto método social.
A comunidade terapêutica é o método da readaptação social
segundo Jones. A sua comunidade terapêutica instaura uma
ruptura com as estruturas tradicionais e tem 4 características
fundamentais:
1-Democratização
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2-Permissividade
3-Comunidade de intenções e de fins
4-Confronto com a realidade
A comunidade terapêutica caracteriza-se:
-- Pela liberdade de comunicação
-- Pela análise da dinâmica interpessoal
-- A abolição de relações de autoridade
-- A promoção de situações de reeducação social
-- A existência de uma reunião diária com todas as pessoas e
pessoal.
A psiquiatria comunitária: tenta aplicar os modelos da medicina
social e da saúde pública à psiquiatria clinica. Tenta identificar
factores ambientais que determinem ou influenciem a doença.
Assim, após a II guerra mundial todos os movimentos dão uma
nova importância aos factores sociais. Isto vai implicar uma
redefinição dos papeis nas estruturas hospitalares e comunitárias
e dar enfase ao papel de doente: já não é objecto de
conhecimento mas sim sujeito da sua própria recuperação.
A partir dos anos 60, os EUA, enfatizam a política social com
prevenção, tratamento e reabilitação das pessoas com doença
mental. A psiquiatria comunitária prevê a desactivação dos
grandes hospitais e a sua substituição por centros comunitários
de saúde mental.
Os centros comunitários de saúde mental caracterizam-se por:
• Existência de uma cadeia completa de cuidados
• Facilidade de acesso sem discriminação
• Continuidade dos cuidados
• O controlo e implicação da comunidade
• Responsabilidade especificamente geográfica.

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Estamos perante uma rede de serviços coordenada de forma
pluridisciplinar e a funcionar articuladamente. Tem 5 serviços
essenciais:
-um serviço de hospitalização
-um dispensário
-um serviço de hospital parcial
-um serviço de urgência
-conferencias e programas de educação.
A ala esquerda dos psiquiatras franceses questionou a instituição
asilar. Os defensores da Psiquiatria do sector postulam que
nenhuma terapia é bem sucedida no interior de uma estrutura
hospitalar excluidora e despersonalizante. Pretendiam evitar ao
máximo a segregação e o isolamento do doente. Consideram que
o doente deve ser tratado no seu meio, junto da família e de
outros grupos, para promover a sua aceitação social e integração.
A psiquiatria do sector tem 2 objectivos básicos:
1-Prestar assistência aos doentes mentais precocemente e apoiar
os doentes crónicos ao nível médico e social.
2-Evitar a desadaptação provocada pelo afastamento do doente ao
meio, promovendo a criação de estruturas ao nível da comunidade
por forma a evitar a hospitalização.
Nos anos 50 a Psicofarmacologia permitiu que a psiquiatria se
desenvolvesse a nível dos tratamentos e assistência, com a
introdução de tranquilizantes, ansioliticos, antidepressivos, etc.
logo, a hospitalização prolongada diminuiu.
Nas últimas décadas surgiram alternativas institucionais, como os
hospitais dia, os ambulatórios, a psiquiatria nos hospitais gerais,
etc.

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2.2 A política de saúde mental: o caso português
É muito parecido com o europeu. Estiveram os loucos inseridos, no
grupo dos indigentes e ociosos, vítimas de repressão e censura social.
Foram associados “a outros tipos sociais” e nunca uma categoria
autónoma. Só nos finais do seculo XIX, começaram a abrir
estabelecimentos próprios para doentes mentais.
2.2.1 Do asilo à comunidade: que desinstitucionalização da psiquiatria
em Portugal?
Nos finais do seculo XIX a loucura já tem o estatuto de doença e a
medicina já tem a função de a tratar. Apartir deste momento há
duas grandes tendências que se mantêm até hoje:
1-uma coloca a tónica no hospital
2-a outra coloca a tónica na comunidade.
A política da saúde mental em Portugal permite identificar 4
períodos, com medidas de intervenção distintas e mostram-nos os
avanços científicos e sociais que se fizeram sentir a nível
europeu. São eles:
2.2.1.1 Os grandes hospitais psiquiátricos em Portugal –da 2ª
metade do seculo XIX até 1963
Este é o 1º período. Caracteriza-se pela existência de grandes
hospitais psiquiátricos, que surgem com as primeiras
classificações das doenças mentais. Os hospitais começam por
ter uma função de manutenção da ordem pública, de protecção ao
louco. A 1ª grande reforma da assistência psiquiátrica em 1945, e
pela primeira vez é proposta uma abordagem profilactica e
higienista, com a criação de centros de assistência psiquiátrica,
dispensários de higiene mental e asilos.
2.2.1.2 Os movimentos de renovação psiquiátrica (tónica na
comunidade) na política de saúde mental: as décadas de 60 e 70

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Este é o 2º momento. Debate-se nesta altura a necessidade de
evitar a segregação e a marginalização do doente, trata-lo sem o
afastar da família, do emprego, do grupo, da comunidade. Este
segundo período é de sucesso para a psiquiatria comunitária e
médica. A desinstitucionalização acontece à medida que o
hospital psiquiátrico perde o protagonismo como único na
assistência psiquiátrica. Com a LSM (lei da saúde mental), a
orientação é claramente comunitária.
2.2.1.3ª Saúde mental nos cuidados de saúde primários. Anos
84/90.
A nova legislação coloca a tónica na ligação da saúde mental aos
cuidados de saúde geral e na criação da valência de saúde mental
em alguns centros de saúde. Este 3º período marca a aproximação
da psiquiatria à comunidade pela desinstitucionalização e
integração dos cuidados. Continua a reorganização dos serviços e
a deslocalização dos recursos.
2.2.1.4ª reforma da lei de saúde mental—o final dos anos 90 e
actualidade.
Este é o 4º momento. Os grupos de trabalho propõem um
conjunto de princípios organizacionais:
1-Sectorização (responsáveis em cada unidade).
2-Continuidade dos cuidados
3-Desenvolvimento de cuidados a nível da comunidade.
4-diversificação e coordenação dos dispositivos de cada sector
5-articulação dos serviços de saúde mental com os outros
serviços.
6-reestruturação da hospitalização psiquiátrica.
7-envolvimento dos pacientes, família, e outros nos cuidados de
saúde mental.

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Com base nestes princípios o modelo organizacional prevê a
integração dos serviços de saúde mental nos serviços gerais com
3 características:
1-Criação de dispositivos de saúde mental nas unidades de saúde
em cada área geodemográfica de 250 000 habitantes.
2-A criação de unidades de saúde mental infanto-juvenis nas
unidades de saúde.
3-criação de serviços regionais para apoiar os serviços locais,
com centros regionais de alcoologia, de toxicodependência e de
psiquiatria forense.
Podemos então concluir que os princípios gerais da política de
saúde mental são:
• Prestação de cuidados a nível comunitário
• Integração da assistência psíquica nos serviços médicos
gerais
• Hospitalização tendencialmente realizada nos hospitais
gerais.
A última lei de 98 assenta em 5 princípios básicos:
1. Tónica na comunidade, com a prestação de cuidados de
saúde mental e de reabilitação psicossocial.
2. Tratamento em meio o menos restritivo possível.
3. Internamento tendencialmente em hospital geral
4. Comparticipação pelas áreas da saúde, segurança social e
emprego na área da reabilitação e inserção social (esta é a
novidade, já que a lei anterior só se debruçava sobre a área
da saúde).
5. A prestação de cuidados é assegurada por equipas
multidisciplinares, de forma a responder aos aspectos
médicos, sociais, psicológicos, de enfermagem e de
reabilitação.
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3-A reabilitação de pessoas com doença mental
3.1-Prevenção e promoção da saúde mental
A prevenção pode ser primária, secundária e terciária.
A prevenção primária diz respeito à redução real da ocorrência de
casos de doença. Actua na redução de incidência de casos novos
de doença mental numa determinada população e num
determinado espaço e tempo.
A prevenção secundária trata a possibilidade de se readquirir o
nível normal de funcionamento e prevenir a recidiva ou
agudização da doença. Aqui os eixos centrais são o diagnóstico
precoce e o tratamento imediato.
A prevenção terciária diz respeito à reabilitação e é no sentido de
minimização e prevenção de sequelas da doença/incapacidade.

3.1.1 A prevenção primária


As técnicas de consultadoria e educação não produziram
resultados e nos anos 80 surge o interesse pela prevenção
primária que se vai subdividir em 2 dimensões:
1-A implementação de acções para promover a saúde e melhorar
a qualidade de vida, diminuindo a incidência da doença.
2-As acções que operam em torno da prevenção de ocorrência de
doenças específicas.
Caplan, na ausência de conhecimento etiológico diz-nos que a
prevenção primária se deve dirigir à melhoria dos recursos da
comunidade e Actuar na redução das condições que favorecem o
aparecimento da doença mental. A prevenção primária deve então
concentrar-se na identificação dos factores que favorecem o seu
aparecimento e das forças ambientais que caracterizam a
resistência (factores protectores). Esta abordagem parte do
pressuposto de que a doença mental resulta de fenómenos de
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desadaptação social. Caplan propõe então um modelo: consiste
em 3 grupos de dimensões da vida das pessoas e que designa
por “Resposta à necessidade”.
--Resposta à necessidade física (ex: alimentação)
--Resposta às necessidades psicossociais (ex: afecto)
--Resposta às necessidades socioculturais (ex: influencias sobre
o desenvolvimento da personalidade).
Os factores estruturais que potenciam a doença mental (pobreza,
isolamento, stress, etc) são cada vez mais visíveis na nossa
sociedade. A promoção da saúde mental implica uma actuação a
vários níveis (pluridimensional).
3.1.2 A prevenção secundária
Tem por objectivo reduzir as sequelas causadas pela doença,
baixando a prevalência dessa doença na comunidade. Actua em 2
eixos:
1-o diagnóstico precoce, onde devem existir estratégias de
identificação de modo a que se detectem os casos que estão na
comunidade. Segundo Caplan o diagnostico precoce pode ser
realizado se:
• Houver aperfeiçoamento dos instrumentos de diagnóstico.
• Informação prévia que permita a detecção das primeiras
perturbações (ex: triagem da população de risco).
• Se existirem condições técnicas que permitam a
investigação mais aprofundada dos casos suspeitos.
2-o tratamento, como encaminhamento precoce, pois o
diagnóstico só faz sentido se conduzir a um tratamento imediato
e eficaz.
3.1.3 A prevenção terciária
Pressupõe a reabilitação enquanto possibilita a minimização e a
prevenção de sequelas da doença numa determinada
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comunidade. A reabilitação é um instrumento que permite
trabalhar individualmente com cada pessoa tendo por objectivo
readquirir o seu potencial máximo de funcionamento.

3.2 A reabilitação e inserção social das pessoas com doença


mental crónica o que caracteriza as pessoas com doença mental
é a ruptura relacional permanente com o mundo que as rodeia. A
ruptura relacional é ampla e leva ao refúgio permanente e
crónico. É uma forma de estar no mundo em que domina a
estratégia do desinteresse, da não implicação, da passividade.
Segundo Arranz podemos identificar:
• Aspectos emocionais, o desinteresse pelo circundante.
• Aspectos interpessoais, isolamento e evitamento das
relações interpessoais.
• Aspectos sociais, incapacidade social, como se o próprio
deixasse de ser uma pessoa social e que se traduz no
abandono dos seus papeis sociais, compromissos
familiares e laborais.
A pessoa com doença mental crónica não é apenas um doente a
curar. Continua a ter interesses, expectativas, preocupações.
Tem dificuldade em se integrar na vida real do dia-a-dia e tem
dificuldade ao nível das competências básicas (tarefas
domésticas). De tudo isto resulta dificuldades de inserção no
trabalho. São extremamente dependentes ao nível da instituição,
família, médico ou equipa. A falta de suporte desencadeia muitas
vezes recidivas, estados de ansiedade ou depressão.
Nestes doentes crónicos temos então 3 aspectos a considerar:
• A sua doença
• Os seus défices psicológicos e instrumentais

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• Os seus défices de funcionamento social.
O plano de reabilitação individualizado deve conter as áreas que
em cada caso é possível trabalhar realisticamente ou seja a
integração social pode não passar por uma integração laboral.
O processo de reabilitação exige o suporte de um sistema
integrado e abrangente:
• Dispositivos residenciais/ ambientes que ofereçam
diferentes níveis de supervisão
• Serviços de reabilitação psicossocial
• Trabalho sistemático com as famílias
• Gestão de casos em equipa
• Os serviços comunitários sociais e de saúde mental devem
estar interligados
• Serviços psiquiátricos com avaliação multidisciplinar das
situações (psicossocial), uma intervenção na crise
(urgências e internamento), planos de tratamento
individualizado, medicação e tratamento (individual e
grupal) e tratamento compulsivo quando se justificar.
Do ponto de vista da reabilitação a integração laboral e
residencial são fulcrais. O reforço da auto-estima pelo facto de
se sentirem úteis e produtivos à sociedade. Os empregos
competitivos e polivalentes possuem uma tensão com a qual o
doente mental não consegue lidar. A não-aceitação ou o fracasso
provoca recidivas. A autonomia residencial nos doentes crónicos
não tem bons resultados: apresentam dificuldades nos contextos
residenciais em termos de limpeza e abastecimentos,
comprometem a toma da medicação, a alimentação, etc. Tudo
isto contribui para as recidivas e o retorno ao hospital.

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3.3 Os padrões de cronicidade: desafios para a reabilitação
psicossocial
Desviat descreveu 4 padrões actuais de cronicidade:
1. O remanescente institucional, é aquele que é tributário de
uma instituição hospitalar e não se enquadram noutros
serviços comunitários. Não há possibilidade de vinculação
familiar ou social.
2. Os crónicos externos, são aqueles que com a psiquiatria
comunitária saíram dos hospitais mas que continuam a
manter com ele uma relação de dependência e identidade.
3. Os utentes crónicos dos serviços em ambulatório, são os
que nunca estiveram nos hospitais.
4. Os doentes crónicos adultos jovens, são os pacientes de
evolução prolongada. Esta é a única categoria que tem
vindo a aumentar. O aumento deste sub-grupo deve-se a
vários factores:
• À desinstitucionalização
• À demografia
• À grande mobilidade actual
• À mudança da estrutura familiar
• Ao consumo de drogas.
Nos estudos realizados estes doentes estão desintegrados e
apresentam problemas ao nível clinico, social, legal e
assistencial. Na sua maioria são homens e apresentam muitas
dificuldades ao nível das relações interpessoais e afectivas
estáveis. Consideram-se vítimas sociais e não vítimas da doença.
Sentem-se fracassados, culpam e exploram os outros.
3.4 Viver na comunidade: possibilidades e limites
A maior parte dos doentes crónicos pode viver em sociedade.
Mas tem que existir uma continuidade de serviços disponíveis na
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comunidade. Sem recursos suficientes o que se produz é uma
mudança de lugar, com uma vida marginal e isolada e muitas
institucionalizações. A permanência na comunidade implica um
factor muito importante: a medicação. São doentes com grande
resistência à toma dos fármacos.
As dificuldades e problemas na comunidade: Geralmente a
sintomatologia ou melhora (na maior parte dos casos) ou piora.
As atitudes familiares são um factor que interfere com a
hospitalização, mas também com a aceitação do paciente fora do
hospital.
4.4.1 A família no processo de reabilitação e reinserção social
da pessoa com uma doença mental crónica.
Na nossa sociedade as famílias não lidam bem com a doença
em casa: são um grupo pequeno, que trabalha, que não tem
tempo, etc. A doença mental quase sempre provoca uma
reorganização familiar, gera tensões, angustias, medo do
futuro. A família sofre com o silêncio absoluto, apatia, o
discurso constante, a insegurança. A família desenvolve
sentimentos de culpa, ansiedade e raiva em relação ao doente.
Qual a atitude da família perante o familiar doente?
• Registo duplo (dizer uma coisa e fazer outra).
• Rejeição (quando as famílias rejeitam a situação chegando
a nega-la, é uma defesa contra a angustia)
• Proteccionismo (atitudes de defesa excessivas em relação
ao familiar doente)
• Indiferença (desinteresse perante a situação a roçar a
negligencia)
• Conflito (estas atitudes podem ser conscientes ou
inconscientes)

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• Perturbação ou processo patológico (podem desenvolver-
se reacções patológicas na própria família).
As famílias precisam de ajuda para lidar com o stress emocional
que implica cuidar de um doente mental:
• As rotinas são interrompidas por crises e
hospitalizações frequentes.
• Comportamentos e atitudes difíceis de compreender
como alucinações, delírios, alterações de humor
• Estigma e isolamento social resultantes
• Supervisão das tomas de medicação
• Supervisão das rotinas da vida diária, higiene,
alimentação
A estigmatização da família é uma consequência da
estigmatização do seu membro. É sentida pelas famílias como
uma injustiça e uma infelicidade porque no padrão normal de
família tal não acontece. A posição social é afectada porque
há uma redução dos contactos sociais. Esta ruptura social é
muitas vezes contornada com o encobrimento ou a
dissociação.
A família enquanto agente terapêutico.
Estabelece uma aliança com os terapeutas e com o seu
membro doente mental. Este trabalho conjunto marca a
diferença do ponto de vista da qualidade de vida e dos
resultados obtidos. Esta estratégia diminui as recidivas e os
internamentos.
O processo de reabilitação psicossocial pressupõe o
envolvimento da família desde a 1ª crise. Esta mobilização das
famílias implica uma troca e trabalho conjunto entre a equipa e
a família. Esta ligação constitui um estímulo para o doente e

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favorece a troca de informações e conhecimentos das
dificuldades e problemas com que as famílias lutam. Mas
também as suas potencialidades que podem ser aproveitadas
no processo terapêutico. O objectivo da equipa e da família no
processo de reabilitação é comum: promover a autonomia e a
autodeterminação da pessoa com doença mental.
O insucesso da inserção social nesta área deve-se à falta de
estruturas comunitárias de suporte para os utentes e famílias.
O recurso às famílias é uma estratégia de substituição. As
famílias são a estrutura que evita a institucionalização dos
doentes e é penalizada porque:
• É utilizada como estrutura única extra-hospitalar.
• É encarada como um parceiro menor
• É responsabilizada pela medicação, ida às consultas,
etc.
• É responsável pela integração social do doente
(economicamente, efectivamente, relacionalmente).
3.5 As potencialidades dos grupos de ajuda mútua, para
famílias e pessoas com doença mental.
Os grupos de ajuda mútua são já recursos importantes para
as famílias. Têm vindo a crescer na europa e nos EUA. Os
GAM têm uma função organizativa e reivindicativa dos direitos
sociais através da denúncia pública e pressão politica no
sentido de dar visibilidade a esta problemática. Os GAM são
uma resposta fundamental de ajuda às famílias, sobretudo às
que funcionam como suporte:
1-oferecem mecanismos de ajuda na solução dos problemas
2-dão a oportunidade de expressar sentimentos sem medo do
estigma.

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3-possibilidade de partilha e acompanhamento de outros. Em
sentido lato, estes grupos centram-se na educação através da
compreensão e partilha da experiência pessoal.
3.6 Dispositivos residenciais
Estes dispositivos residenciais permitem a reapropriação
pessoal que a institucionalização empobreceu (o tempo, o
espaço, o corpo, o uso de objectos). Estes dispositivos vão
desde os serviços públicos para utilizadores muito
dependentes, famílias de colocação, moradias independentes,
quartos de pensão, etc. a esta diversidade de soluções
corresponde uma variedade de quadros diferenciados que vão
da dependência à autonomia. Assim devem definir-se os
objectivos:
--Acomodar?
--Desinstitucionalizar?
--Reabilitar?
--Reinserir?
3.6.1 Tipologia dos dispositivos residenciais
Segundo Ramon podemos identificar os seguintes tipos de
dispositivos residenciais:
1—Estruturas hospitalares adaptadas: os hospitais
psiquiátricos desmantelados estão transformados em
dispositivos residenciais que se têm destinado aos crónicos
há muitos anos internados ou para aqueles que têm delitos
penais associados. Está aqui associado o estigma, a
privacidade é inexistente, fraca possibilidade de troca com a
comunidade.
2—Colocação familiar: esta é uma estratégia que pode ser
comunitária ou excludente. Muitas vezes não se verifica a
inserção na vida social.
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3—As casas colectivas: Estes dispositivos exigem um
planeamento cuidado, com características e localização
cuidadas, um número de residentes adequado, gestão do
quotidiano, regras de supervisão, etc.
4—Serviços residenciais integrados: Tipo de residência para
quem tem uma maior autonomia. São casas com cuidados
médicos, actividades colectivas, etc. No entanto não oferece
integração externa.
5—Arrendamento: Aqui é necessária capacidade financeira. A
vizinhança pode ser hostil. Não tem qualquer tipo de suporte
técnico, social ou outro.

4-RESPOSTAS SOCIAIS
Na sociedade civil, além das ONG´S católicas, não existe
tradição de intervenção social nas necessidades de saúde. A
sociedade civil secundária tem alguma responsabilidade
social na organização dos equipamentos que respondem de
forma incipiente às necessidades identificadas como lacunas
da politica social. Mas no que respeita aos doentes mentais só
muito recentemente começaram a surgir:
• A capacidade reivindicativa deste grupo da população é
inexistente. Geram-se pequenos movimentos de
cidadania para dar voz aos utentes e famílias mas com
poucos resultados.
• Não há respostas específicas no domínio da inserção
laboral
• A formação profissional tem respostas específicas mas
privilegiam a deficiência.
• As necessidades básicas dos doentes mentais têm sido
asseguradas pelas reformas por invalidez. Quem a
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recebe pode ter qualquer actividade profissional. Deste
modo, em termos económicos, estas pessoas
encontram-se praticamente dependentes das famílias de
origem.
• Em termos sociais, são pessoas que se isolam, reduzem
os seus contactos sociais ao grupo doméstico.
4.1.1 Recursos institucionais de apoio as pessoas com doença
mental.
A LSM tem implícita a perda de importância do hospital
psiquiátrico e ao mesmo tempo valoriza a prevenção e a
promoção da saúde mental. Perante este contexto (tónica na
comunidade) só uma rede diversificada de respostas
articuladas a todos os níveis poderá ser eficaz na satisfação
das necessidades da saúde mental:
1. Com os cuidados primários (centros de saúde e
unidades de saúde). Aqui devem desenvolver-se todas
as acções de prevenção e promoção da saúde mental.
2. Com os cuidados secundários (rede hospitalar geral,
hospitais centrais especializados, urgências)
3. Com os cuidados terciários ou seja, a reabilitação
psicomotora e tudo o que a ela está associado.
4.1.1.1 Recursos na comunidade
1—O apoio da família : este é fundamental. As famílias são um
importante recurso de inserção social. No entanto têm sido
esquecidas. É importante que haja uma articulação das
estruturas comunitárias com as famílias.
2—Apoio social na comunidade: ao nível da comunidade
temos algumas respostas que não são contudo especificas da
saúde mental:

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• Centros de dia (a população alvo são os idosos). No
entanto há a registar casos de sucesso de boa
adaptação à comunidade.
• Lares para idosos, que recebem situações psiquiátricas
de adultos jovens em situação de negligência social e
isolamento.
• Serviços de apoio domiciliário: que surgiram para os
idosos mas que já estão adaptados a situações de
doença mental e dão suporte ao nível das refeições,
higiene e manutenção da casa.
• Famílias de acolhimento: como recurso de longo prazo
ou temporário. É uma solução de baixo custo, flexível e
estão integrados na comunidade. As famílias devem
receber formação, remuneração e têm direito a apoio e
supervisão técnica.
• Instituições para pessoas com doença mental: estas
promovem todo o trabalho de inserção social, formação,
trabalho, residência. As várias estruturas operam ao
nível da reabilitação psicossocial.
• Associações de familiares, de técnicos e de pessoas
com doença mental : não respondem às necessidades,
estão só em lisboa. Fazem um bom trabalho ao nível das
actividades ocupacionais e inserção laboral.
• Centro regional da segurança social : prestam ajuda nos
transportes, alimentação, medicação, etc.
• Comparticipação do estado na medicação : aos crónicos
• Instituto do emprego e formação profissional : com
alguns programas específicos.
• IPSS : tratamentos e inserção.

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• Voluntariado : na área da saúde mental existe muito
pouco.
• Habitação : apoios para arrendamento e reabilitação.
4.1.1.2 Recursos específicos da área da saúde mental.
Como respostas sócio-ocupacionais e residenciais, temos
algumas com comparticipação financeira e a sua execução é
regulada pelos vários intervenientes (CRSS,IPSS, ONG´S). São
elas:
• Forum ocupacional que se destina a doentes mentais
com dificuldades transitórias ou permanentes e visa a
reinserção social e familiar tal como profissional.
Desenvolve actividades ocupacionais.
• Unidades de vida apoiada: é uma resposta habitacional
para pessoas com limitações mentais crónicas e factores
sociais graves que não se organizam no dia-a-dia.
Promove programas de readaptação.
• Unidades de vida protegida: é uma estrutura habitacional
destinada ao treino de autonomia de pessoas com
problemas psiquiátricos graves e de evolução crónica
estável. Promove a reabilitação e fomenta a autonomia.
• Unidade de vida autónoma: é uma estrutura habitacional
destinada a pessoas adultas, boa capacidade de
autonomia, que permite a sua integração em formação
ou emprego. O objectivo é assegurar a estabilidade dos
utentes numa vida normalizada a nível relacional e
laboral.

FIM

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