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EDUCAÇÃO
Resumo: Este trabalho tem por objetivo discutir a questão de gênero e sexualidade na educação por
meio de arte-performance e sua potência inventiva de construir espaços de heterotopias na educação.
Busca-se pensar a performance de gênero articulada aos conceitos de corpo, performatividade e
linguagem artística que produzem atos de transgressão, resistência e criação de espaços heterotópicos
na educação. No contexto escolar cotidianamente são desenvolvidas ações para regularização das
posturas e dos posicionamentos dos sujeitos, concepções deterministas e instituídas que condicionam e
demarcam o lugar para o gênero na escola, contrariamente a essas demarcações rígidas e fixas busca-
se, nessa pesquisa, pensar o campo educacional a partir do conceito foucaultiano de heterotopias,
como ação política de contra posicionamento, de resistência, de criação de espaços de liberdade, frente
ao instituído e sacralizado. Em sua perspectiva teórico-conceitual o trabalho dialoga com BUTLER
(2017), FOUCAULT (2013), LOURO (2003), PASSETI (2008), LEMEBEL (1986), autores que
inspiraram a composição e realização da pesquisa na perspectiva da diferença. A perspectiva aberta
por esses autores, conectada aos conceitos de performance e performatividade de gênero, instigam a
problematizar as questões de gênero e sexualidade na educação, bem como mobilizar processos de
transgressão, resistência e a criação de espaços heterotópicos na educação.
Palavras-chave: Educação, performance, performatividade, gênero, heterotopias.
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Mestranda do programa de Pós-graduação Educação Cultura e linguagem PPGEDUC/UFPA.
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Docente do programa de Pós-graduação Educação Cultura e linguagem PPGEDUC/UFPA.
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INTRODUÇÃO liberdade. Em relação com o contexto
A escola tem sido ao longo de educacional esse corpo inventado coloca
séculos concebida como um lugar do questões para escola, um corpo estranho
instituído, da disciplina, da ordem, da Louro (2016) que ao expressar pela arte-
norma, por ser esse lugar da disciplina performance leva a tencionar os limites de
acaba produzindo delimitações e um mundo demarcados por fronteira,
determinações de lugares por onde as questiona os poderes disciplinadores e as
subjetividades e as questões de gêneros regras regulatórias que atuam sobre o
podem transitar, nesse sentido deve-se corpo e a sexualidade nos espaços
problematizar as concepções deterministas educacionais.
e instituídas que condicionam e demarcam A performance de gênero borra a
o lugar para o gênero na escola. Em sua fronteira entre a vida e arte, questionado o
perspectiva teórico-conceitual o trabalho lugar instituído e naturalizado do gênero,
dialoga com Judith Butler (2017), Guacira segundo Judith Butler (2017, p. 191) “É o
Louro (2016) Michel Foucault, (2013), estranho, o incoerente, o que está “fora” da
Edson Passeti (2008), Pedro Lemebel lei, que nos dá uma maneira de
(1998), autores que inspiraram a compreender o mundo inquestionado da
composição e realização da pesquisa na categorização sexual como um mundo
perspectiva da diferença. A perspectiva constituído, e que certamente poderia ser
aberta por esses autores, conectada aos construído diferentemente”. Destacamos a
conceitos de performance e performatividade do gênero, enquanto uma
performatividade de gênero, instigam a construção social e não algo natural, nesse
problematizar as questões de gênero e sentido propomos a dessacralização do
sexualidade na educação, bem como gênero no contexto educacional.
mobilizar processos de transgressão,
No contexto escolar cotidianamente
resistência e a criação de espaços
são desenvolvidas ações para regularização
heterotópicos na educação.
das posturas e dos posicionamentos dos
Buscamos discutir espaços de sujeitos, contrariamente a essas
liberdade criados por subjetividades demarcações rígidas e fixas busca-se
subversivas, que escapam das regras de pensar o campo educacional a partir do
enquadramento, um corpo que se monta e conceito de heterotopias, como ação
desmonta, um corpo inventado que política de contra posicionamento, de
potencializa a criação de espaços de resistência, de criação de espaços de
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liberdade, frente ao instituído. Inspirando- nem para seus prazeres originais, mas para
se em Foucault no seu texto “O corpo um futuro aberto de possibilidades
utópico e as heterotopias”, destaca-se que o culturais” (BUTLLER, 2017, p. 164)
conceito de heterotopia abre a
A performance de gênero se
possibilidade de pensar novos
inscreve como uma arte que provoca
agenciamentos coletivos que
desajustes e contesta as demarcações de
problematizam os lugares instituídos e
gênero, interligando arte-vida e recriando
sacralizados convencionalmente dando
os espaços, para além da
visibilidade a grupos minoritários,
heteronormatividade compulsória que
especialmente a perspectiva queer de
silenciam e excluem os sujeitos. Butler,
comunidades LGBTs.
destaca o gênero enquanto uma construção
social que internalizamos como algo
natural ao longo do tempo por meio do
PERFORMANCE E
discurso.
PERFORMATIVIDADE DE GÊNERO
A linguagem é
Permanentemente no contexto investida do poder de
educacional ocorrem tentativas de limpeza, criar “o socialmente
real” por meio de
reforma e correção do corpo segundo a atos de locução dos
sujeitos falantes. [...]
heteronormatividade, que impõem regras A Linguagem é um
de disciplinamento e padrões de conjunto de atos,
repetidos ao longo do
comportamento sobre os corpos. tempo, que produzem
efeitos na realidade
Contrapondo às formas de regulação, que acabam sendo
pensamos a partir do entendimento de percebidos como
“fatos”. Considerada
Corpo Estranho trazido por Louro (2016), coletivamente, a
o conceito de corpo não como algo fixo, prática repedida de
nomear a diferença
natural e determinado, e sim sempre em sexual criou essa
aparência de divisão
movimento, em construção, um corpo em natural. A
constante processo de montagem e “nomeação” do sexo
é um ato de
desmontagem, um corpo que se inventa ao dominação e coerção,
um ato performativo
seu modo e desnaturaliza as questões do institucionalizado
gênero. Para Butller, “o corpo que cria e legisla a
realidade social pela
culturalmente construído será então exigência de uma
construção
libertado, não para seu passado “natural”, discursiva/perceptiva
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dos corpos. regulações impostas pela norma, e com
(BUTLER, 2017, p.
200). isso possibilitam a criação de espaços de
constrói modos de vida e de identidades relações de gênero para além dos regimes
política e estética dos corpos que transitam fronteira que questiona as tramas dos
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Figura 1: La última cena – video casa Disponível em:
particular <www.yeguasdelapocalipsis.cl/1989-la-ultima-
cena-video-casa-particular>
A máscara, a
tatuagem, a pintura
instalam o corpo em
outro espaço, fazem-
no entrar em um
lugar que não tem
lugar diretamente no
mundo, fazem deste
corpo um fragmento
de espaço imaginário
Fotografia: Captura de pantalla casa particular. que se comunicará
Disponível em: < com o universo do
www.yeguasdelapocalipsis.cl/1989-la-ultima- outro. De todo modo,
cena-video-casa-particular> a máscara, a
tatuagem, a pintura
são operações pelas
A performance La última cena –
quais o corpo é
video casa particular, ocorreu no final dos arrancado de seu
espaço próprio e
anos de 1989 quando Gloria Camiruaga projetado em um
realizava a filmagem de um documentário espaço outro”.
(FOUCAULT, 2013,
sobre o prostíbulo travesti “casa p. 12).
particular”. Junto com os travestis do O que para Foucault (2013) poderia
bordel Lemebel e Casas encenaram a ser lido como um processo de instalar o
última ceia cristã, a inspiração veio de uma corpo em um outro espaço por meio da
tapeçaria pendurada em um dos quartos do performance, com Deleuze e Guatarri
lugar com a imagem da "A Última Ceia" (1995) podemos aproximar do processo de
de leonador da Vinci. desterritorialização, não apenas do corpo,
mas da própria imagem como observamos
Figura 2: La última cena – video
casa particular na performance “a última ceia”, onde um
acontecimento da religião cristã é
desterritorializado pela performance de
gênero inscrita na obra e reterritorializado
no solo das questões de gênero a partir de
uma nova imagem, que conjuga a
dimensão religiosa ao caráter político da
diferença enunciada pela performance de
Fotografia: Captura de pantalla casa particular.
gênero.
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Lemebel, por meio da performance denunciar os estereótipos que associam o
de gênero, reteritorializa a imagem da vírus HIV às comunidades LGBTs como
Santa Ceia inscrevendo nela a presença grupos de riscos a serem segragados
viva de um corpo marcado pela sua socialmente, além do que a performance,
diferença. Com este procedimento também chama a atenção para a violência
performático questiona e intervém na direcionada a estas comunidades e o
realidade, utiliza a performance para crescimento da AIDS na década de 80 e
desterritorializar e reterritorializar o corpo início de 90, que afeta à população travesti
para além dos lugares instituídos que no Chile, sem maiores atendimentos por
demarcam a fronteira de gênero. Nessa parte do estado. Na performance:
nova imagem produzida pela performance
de Lemebel as vidas marginalizadas são O artista lida com a
transgressão,
reterritorializadas em um novo cenário desobstruindo os
político da diferença. impedimentos e as
interdições que a
Figura 3: Chile return aids realidade coloca (a
obra de arte vai se
caracterizar por ser
uma outra criação).
A performance é
basicamente uma arte
de intervenção,
modificadora, que
visa causar uma
transformação no
receptor” (COHEN,
2013, p. 45-46).
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