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Fénix renascida & Postilhio de Apolo: Uma introdugao Joao Adolfo Hansen A fenis renascida ou Obras poeticas dos melhores enge- hos portuguezes ¢ 4 compilagao de poesia portuguesa do século XVH editada em cinco volumes por Matias Pereira «dn Silva em Lisboa, entre 1716 ¢ 1728. A antologia tem ‘ubras escritas em portuguése espanhiol de cerca de quaren- (ut pootas'; muitas sto andnimas; outras, atribuigdes. Teve vuina segunda edigao aumentada, em 1746, da qual foram sclecionados os poemas deste livro. A professora portugie- ‘i Maria Lucilia Gongalves Pires informa gue a solegio pelo editor limitou-se a textos até entéo inéditos, com excegio dos poems de Violante do Céu, Rimas vérias, Jue em 1646 tinham sido publicados em Rudo, mas nio haviam cixeulado em Portugal. Lembra ainda que a auto- rin de alguns poemas da antologia é problemética porque, uposar da afirmagto do editor de que corrige atribuigées de (wutoria, algumas sto inexatas, Além disso, poenas apre- Hentados como andnimos as vezes aparecem incluidos em Whries de autores a quem nao pertencem*, Postilhao de Apate?, outra colegio de poesia do século XVI, data de 1762; ‘los cento © quarenta poemas dessa compilagio, setenta ¢ lois so extraidos de Fenix renascida’, Tim 1967, Segismundo Spina e Maria Aparecida C. Bran- do Santilli ficeram uma edigfo pioneira de pocmas dessas unlologias, Apresentapao da poesia barroca portuguesa, en {yuocendo-a com uma “Introduglo” e uma exposico dos pro- adlienentas exiticos adotados, No “Preficio” do livro, Spina “A tn enacts ov Cb posts dos mares geo por ueres | Uibox Ons (dei Pesreat aida ric YP taste ie are Wak no 1 etl Gnesi Frias BP aso |i sat pomsara,USowSto Pol dnl ero 10. 3.96 50637, econ conc a a Pato de oot ms pepe garb oanbaa {tr ete aap ees aoa pores, cee Strano {yan eds i ha a Pow on Oa Fn Hoge haa else "Wa ardent infomoyis strc enor saad ds gu dete volar Ih*Kwgonee de Al Peco, Iwreooucko fala de intecrogazdes que Ihe assaltaram o espirito depois de realizar as duas compitagdes: “[...] valeria a pena, apés dois séculos ¢ tanto, reeditar os cancioneiros? Ou seria conveni- ente reduzi-los a uma antologia?”. Expondo a razKo dessas dividas, o filblogo afirma que “[...] a obra dos poetas selsoentistas sempre esteve relegada a um plana despiciendo, esperando pelo juizo do tempo, pela paciéncia dos estudiosos e pela mnudanga dos critérios estéicos™ Em Portugal, a obra dos sciscentistas comesou a ser desqualificada principalmente a partir das reformas da cul- ‘ura patzncinadas pox Sehastido de Carvalho e Melo, May- ues de Pombal As reformas combatiam 0 aristotelismo ladas pelos jesuitas ¢ as do século XVIT foram entiio associadas ao “doloso histbrico do estado da Universidade de Coimbra no tempo da invasao dos denominados "jesuttas” ¢ dos estraxos feitos nas ciéncias e noi professores, ¢ directores que a regiam pe- Jas maquinagées, ¢ publicagoes dos novos estatutos por eles fabricados, editado em 1772, no governo de D. José I, sendo ministro o Conde de Ociras, Sebastido de Carvalho e Melo, Marqués de Pombal: Nos Sextos (1593) e Sétimos Estatutoa (1658), quedesde o anno dle mil quinhentose noventa e vite até agora governdrao a dca Universidade, ndo ha couse alguma, que se possa aproveitar para bjecte de reférma. Muito pelo contrario se contém nelles hum, doloso systema de ignoraacia artifical, e de impossibilidade para se aprenderem as mesmas Scieneias, que se fingio quere~ sem-se ensinar; e huma Officina perniciosa, eujas méquinas * Samu Slee Mada Apuacida Bando Sell, Apescaato ds por banace onan, A Fade is Caeser as 1, oko Aocuo Hass ficino desde entio sinistramente laborando para chstruirein Todas as luzes naturaes dos felices engenhos Portuguezes! Nesse tempo, Luis Antonio Verney ¢ Francisco José Freire ‘andido Lusitano) sistematizaram a critica 4 poesia do sé- lo XVI, propondo principalmente que é falha de juizo € que tem a fantasia depravada. Escrevendo sobre Géngora, Candido Lusitano classifica as metforas da “Fabula de Polifemo e Galatéia” como “sofismas” e, quando examina a fala do clclope, que diz & ninfa como em um dia sereno tinha visto a propria imagem refletida nas Aguas de uma praia: Miréme, x luzir vi un Sol en mi frente, Quando en el Cielo un ojo se-veia, ‘Neutra el agua dudava, a qual se preste, Al Cielo tumano,o at Cielope celeste ‘firma que, por “falta de fundamentos”, no verso “Ai Cielo fumano, 0 al Ciclope celeste”, Gongora tirou a ilagio de que o Glu ¢ um celeste Polifemo e Polifemo wn human Céu a0 olho, “Sol da cara”. Segundo o retor,tais metiforas estra- gain a fantasia poétiea, pois tornam remota e obscura a translagao dos conceitos. Declarando admiti-las s6 em com: Posiges cémicas, onde “esses conecitos falsos no sentido metafSrico” promovem o riso, come em “Wébula de Polifeino e Galatéia”, parédia da obra homénima do espanhol escrita por Jacinto Freire de Andrade, diz que Géngora ¢ como “os ‘meninos, ou um simples ristico, que estimam 0 lato coma .ouro,¢ 0 cristal como o diamante”. O pressuposto ilustrado da Sua critica se 1é a seguir » Gomponcio atria do eet da Unie de Coit no trgo ds ise do ‘evict ov mgt ms Stn etn wate Bn aa ‘eer tna cep nnn ran sh ss on a als Ore na Wpogrchie, Ans MOCCUO 3 Crtvn de Ueodude i 3 pore de Gangae 26 rmrachighe 2 KIX 2 wee lnmosucko A beleza pottica est fundada na verdade, © compie-se de per- feighes reais, nio de desconcertos, ou ilustes aéreas, Nunca ao entetidimento pode diveta,ou indiretamenis parecer verdadeixe o-que é falso, porque foi criado para conbeoer a verdade,exceto se ele esté depravado pelo desconcerto dos Srgios””, As categorias neoclassicas de “verdade”, “racionalidade”, ‘Snaturalidade” = “clareza” dessa critica foram apropriadas * nas historias literérias do século XIX, que constizuiram @ .gednone das literaturas nacionais em Portugal e no Brasil, sendo mantidas como um impensado eritico no séeulo XX, quando poesia Josiculo CALs a ser eesificada.somo jarroco". A imerpretacdo desse termo ainda generaliza- “da no ensino superior ¢ médio brasileiro @ = da tradigio “Xtetsta da historiografia literdria do séeulo XIX, que con- 3 cebe cada momento da historia como etapa para estégios S _posteriores e suseriores, A concepgio se mantém atuante * de forma inercial e impensada nas categorias psicologistas ‘que, a partir do século XX, operam dedutivamente com a “2 nogio de “barroco” ¢ “neobarroco”, dando continuidade ao pressuposto remantico-nacionalista exposto par Gongal- & ves de Magalies no Discurso histérico sobre a literatura “2. brasiteira, publizado em 1836 na revista Niteréi, em Paris. ¢_ Nesse texto, Magalhides cor a alegoria evolucionisia av ee wcdnnwead din i a pera des vy Be be te nmin ae coe Bat oe Me! da cultura brasieira, que entio organizava.com onuros ip- telectuais do IHGB (Jnstinute Historice-Geografico Bra- ‘ yr sileizo), na forma de uma montanba cireundada_por um, caminho aspendent ascendente. Afirma que ele mesmo e os intelec: . » fazem subir, com a missao civilizatoria que, ao definir a 32 rruntca gh fee Cro, Ate pio Rea ves am 27S | Pealede dee asus epee pimagua with en vale, Pads Laos Ona cy Poerseal de renesco tienen, 1759, FELL Lol Cap MID 2? Ue Bienes ‘po J0i0 Aoouro Haase galhaes, a maioria dos autores coloniais ficarnm alienados do éthos nacional no artficialismo da imitagio de modelos metropolitanos, mas teria havido prefiguragées do mesmo * fi local A religito eristi e civilizagdo européia. Segundo Ma- 4 \ em descrigbes da natureza ¢ criticas a predagdo colonialista, “¢ 2 & O resgate desses prentincios nativistas pela histéria literé- Ta 3 "a compde as expressies scessvase progresivas dammarun ¢ 4 & reza fisien © humane do pais, fazendo da literatura umn instrumento de formago da jovem nagao. Nessa historia, 0 telos nacionalista determina oscritérios de definigiodo que. Sejao evento valido de ser representado e a qualidade osté- 5 dex porns da arte qu repemna, fan clean nate us aqui e ali, nas obras coloniais, exemplos do ideal pré-for- autores coloniais “barrocos” em protonacionalistas, como 2 4 corre hoje na folclorizagio nacional-vanguardeiro-publi- = of sivinio-baiana da. porsin chasnada “Gregirio de Matos” 9 $ d | Como o fim estd no prinefpio, as obras literdrias silo even- tos reveladores da neces avanga para asua plena xealizagio fatura, Sendo modelada como retrospecgio de prefiguragdes de um arquétipo, essa historia literéria permanece teolégica, como o figural da interpretagio cris- (8, Nos casos das obras crn quea-peeligasagio-ndo-pode ser revelada, o tempo anterior A Independéncia é constituido por meio de eategorias espaciais como um lugar vario, que im- org e iia arti Ho, a8. sentagies metropolitanas. A mesma representacéo colonial E dada como exterior A “vealidade brasileira” ja pressuposta ‘no Tugar como “nacional”, contudo, e, sendo exterior, tam- bém ¢ artificial, itil, ociosa, alambicada, farmalista,exces- siva, pedante ete. O proprio evento da representagio tem lidida sua especificiiade de pritica, pois é absorvido na es- séncia que o explica dedutivamente come falta de ser Ihmcuese Quando as representagSes coloniais so transfornadas em “barroco”, no siculo XX, a interpretagio idealista é mantida no uso dedutivo e acritico da nogio, que generaliza as cate- gorias neocléssicas para fundamentar as avaliagies da poe- sia seiscentista como “excesso”, “jogo de palavras”, “alambicamento”, “artificialismo”, “formalism”, “niilismo temitico”, “afetagdo”, “pedantismo” e mais anacronismos. As dividas ée Segismundo Spina quamto a validade da publicagdo dos yoemas de Féniz renascida e do Postithao de Apolo indicam que, em 1967, as categorias idealistas dessa historiografia sinda pretendiam ter a universalidade que lide a historicidade das praticas posticas do século XVIL. Hoje, jise demonstto: em varios estudos histéricos, literdrios e an- txopolégicos que nfo sfo universais, obviamente, mas catego- rias particulares, datadas ¢ interessadas, assim como sio particulares, datados e interessados os condicionamentos nstitucionais ¢ os preceitos doutrindrias da poesia de Féniz ‘renascida e Postilhdo de Apoto de que este texto trata a seguir, No Antigo Bstado portugués anterior as reformas pombalinas, ewe 1580, quando e pais entrou na érbita cul- tural da Espanha, ¢ 1750, quando morreu D. Joao V ¢ teve infcio o governo de D. José I, as “belas letras” eram ordena- polos pai ‘pelos jesuitas na “Officina” condenada no Cornpencdi hist tico-mercadologica, A prétiea da poesia localizaya.se entio no centro do poter,a Corte, e dos saberes, a Universidade, ena ‘extensio de ambas as academias, Freqlentemente, a poesia era feita também em conventos, onde a roclusgo antes social oe Acou Haws 22, facultava as trocas simbélicas com pexterior. Foi comum ‘nesse tempo o tipo da freira poeta, como Vielante do Céu, ¢ @ correspondéncia trocada entre as ordens religiosas, que propunham motes a serem glosades em certames poéticos. i publicou Jnundacién Castélida, as freiras portuguesas soli- citarara-Ihe que escrevesse algo para elas, © que a mexica- Por exemplo, er 1689, quando Sor Juana Inés de le Cruz { x 1na logo fez, enviando-Ihes um conjunto de vinte enigmas trovados. Os poemas chegaram a Lisboa em 1693 e, no © ano seguinte, foram copiados em todos os conventos da 2 cidade, tornando-se matéria de emulagées e interpreta- 4g8es poéticas da Casa do Prazer, uma associagio ou acade- ia de freiras letradas’ 4 phidéncia de “bons usos” da linguagem fundaraentados nas A privica da poesia ¢ prosa nesse tempo era uma juris- 4 autoridades retéricas e poétieas de um costume antigo eand- nimo. A poesia incluia-se naturalmente na concepgfio “ corporativa da monarquia absolutista fandada na teologia crista de um tles ou causa final, Deus, que hierarquiza orienta suas espécies no tempo segundo a analogia pela qual todos os seres sdo seus efeitos e signos. Fundamentada pela avtoridade de Santo Tomas de Aquino, a hierarquia funda da nese ze/os era doutrinada como unidade de integragao do corpo politico do Estado. Nessa integragao, a liberdade dos sitditos definia-se como subordinagao a papéis estamentais constituidos ¢ limitados polos privilégios, Na deutrina de poder monarquico como “politica catélica” exercida virtuo- samente pelo zei sobre um corpo politica de membros subar. dinados ou siiditos, era nuclear o conceito de “bem eomum”, definido pelos juristas contemporaneos como aharmonia que nasceria também do controle que os membros desse corpo_ "CL Serna i de Cuz Enimas eos Casa del Pacer én v tui de ‘Anco Aare Maso ff cep oe Me 198 ey y culates, para obierem e manterem.a.concirdia do tade como. umdade piblica de paz. Pressupondo 0 corporativismo, a ati- ; vidade politica era orientada para a resolugio de confltes de inveresse dos estamentos, ordens, individuos e represenia- «Saige tribuere. Entendia-se “politica”, no caso, come wma ~ Karte de obter, manter e ampliar o poder mondrquico. Nessa arte, a ordem hienkrquica era orientada eticamente pelo con- cvito de “interesse”, pelo qual eada parte devia contentar-se com o que era ¢ fazia, colaborando para a conedrdia e a paz do “ber comumn” do todo para ter atendidos seus interesses particulares, O autocentrole da vontade e da liberdade era realizado publicamente como adequago da representagio pessoal as fornias institucionais do aparato hierarquico, O $ efetuadas, as virtudes catélicas anti-heréticas que preten- diag rnanter a coestio pacifica do corpo politico do Império. A distingdo iluminista-liberal de priblico/privado nio exisila ound a nitda; em decorréncia, no caso das artes, a autoria, as obras e o piblico cram concebidos de modo dife- 4} Fente do que hoje se conhece. Os poetas tinham a passe, mas “,, Tigre-conconéncia das mereadoriax “originalidade™, "dire. YY tos autorais” ¢ “plagio”, umbém no havendo a figura do damentadas nosubstancialismno neo-escoldstico e nfo comer das ocasides solenes e polémicas da hierarquia, ¢ o publica ‘hdo era, como éa partir do Tluminismno, a “opinido piblica” 3 5 dotada da representatividade democritica e da iniciacva exi- haem coal 2d Proce nig £ 4 oto Aooure Hanson tea especifiea do intenesse contraditérto de uma particulari- dade ideologica, “Priblico” eva, uo caso, totalidade mistion 6 corpo politico figurada nas representagies como “bem co- vam” do Hstado, Incluido nela, cada destinatano produzige pela representagio devia reconhecer sua posicgo subordinada, ‘Por outras palavras, a poesia desse tempo réprodusie aga lo que cada membro,do compa mistico d éxio jd Prescrevendo, simnultaneamente, que ele devia ser, ow selay persuadindo-o a permanecer como o gue jé era. O espago piblico figurado nas representagies como totalidade mis- tica de “bem comumn” era como um teatro corporativista, onde se revelava o préprio piblico para o destinatério par- ticular como totalidade juridico-mistica de destinatario® integrados em ordens ¢ estamentos subordinados, Justamen- te por isso, impunha-se a todas as praticas artisticas a normatividade retorica, que pressupie a imitago regrada de modelos, ou seja, a repetigao. Aindistingto de piblice/privade determinava entio que © parecer algo, come “filho de algo” ou “fidalgo”, fosse tao fundamental quanto o ser algo, uma vex que os signos da posigio social eram dados em espetdculo como evidéneia da psig, Logo, o saber e o poder tinham uma dimensio exte- Tior e espetacular, em que se aplicavam e transformavam, segundo as conveniéncias ¢ os conflitos das eircunstancias hierérquicas. Os dispositivos simbélieos ordenados pela re- teria sxistotélica © latina que davam forma as representa: ses eram imediatamente priticos e figuravam a unidade do “ben comm” do corpo politics do Tmpério e o auto- controle de suas partes como interiorizagéo individual e co- letiva da violéncia legal. Difundiam-se ento como modelo para toda a sociedade nas formas da etiqueta de Corte, da Cjrstos aan, moi e tna a Rance au ie ett, Pats, elles Lees, 1934, vo. pry tom thy uke tnrooucto oko Aooaro Hanes ied i 3 2 edusago jesuttca, dos castigns exemplars, da censura ere ‘mecenato, a importagio de artistas italianos, a construgéo de "4 ressiio do Santo Oficio da Inquisigéo, da erudigéo das hu- palacio-convento de Mafra, 0 gosto da musica, da épera, dos {,_ manidades eda are da conversgio aguda salbes, das academias ¢ dos certames letrados. A poesia entdo Bm varias ooasiées, Anténio Manuel Hespanha demons- ‘roa que na antiga sociedade portuguesa o poder era entendi. do de mancira dupla: como poder de jurisdicao ou ato de dizgr 9 direito, ea atributo do rei; como poder de fazer 0 ditado do diveito, repetindo a palavra real, era atribuido levrados", O ato da repeticio de direito pelos | instituigées burocritieas do Império reproduia os sim autorizados do poder, enquanto se reproduzia'a Si mesmo, simbolicamente, como Tepresemtagio autorizada de wm sa- iber do poder A poesia fazia-se 4 sombra do poder como uma saber do poder ue era apangio dos letrados, sgeproduzindo em suas formas agudas a presumida excelén. “cia dos tipos e dos habits superiores ‘Como se sabe, aaypideza foi dofinida retbriea e pooticamente por Aristoteles e autores latinos como a “palavra brilhanite™ tanciados. Durante a Unido Tbérica, entre 1580 e 1640, quan- oa cultura do pais se exspanholizowe imitou modelos poéticos © artisticos da Illa, e depois da Restauragio, até o fim do reinado de D, Joao V, em 1750, a agudeza foi um padrdo cultu- zal difundido por todo o corpo politico de Tmpério nio apenas de “cima para baixo”, como sentido unidirecional da domi- nagio do Estado para os governades, mas como uma pratica simbélica coletiva que, especificando a exceléncia de cortesio, cera aplicada em tedos os grupos. estamentos, produzindo ten- sées ¢ conflitos. Cankeceu 0 auge no reinado de D. Joao V, devido principalmente is condigées materiais propiciadas pelo ouro e os diamartes das Minas Gerais, que patrocinarar 0 "9 Ain Manual Vana «Anges Dae av," ear da oii ed ‘Pade Parada: pas «mais dria, nse Mose Oi) eA Manuel [spo Cao itera de Panag 0 anageRepine 06209807; Use aor Game 18 Np. 3° realizada nos selées, na Universidade, nas academias ¢ nos conventos incorporou e transformou as priticas cortests que vinham sendo representadas nos principais livras de edueagéo de principes e de civilidade das maneiras que circulaxamn no pais desde 0 século x1V@. Os textos do stculo XVI que doutsi- ‘nam as maneiras dos “melhores” pressuptem a cantralizaglio do poder em uma Corte, “lugar geométrice das hierarquias"®, ‘que, neutralizande 0 poder dos nobres por meio da maziipula- ‘eo das disputas que os divider, simultaneamente difunde 0 modelo curiat para todas as ordens politicas do Estado come padrio universal da exceléncia humana. A triade cortest de “discrigao, prudéncia e paciéncia”, exposta por Baldassare Castiglione em [libro det cortegiano (1528), especifica 0 tipo do “principe perfeito” do séoulo XV, exemplificado por au- tores como Giovanni Botero, em Della Raggion di Stato (1589), com virios nomes de reis, entre eles D. Jodo TI de Portugal, Afonso de Aragio o Francisco I. DistingBes especioses de sa- et co, pad se clad, um eco mt enn, 8 Alar Fa Serie ‘i es une ara a om es as ence epee de repbics ogy dc et Ciatonds0 Lot de Chee Daanade itd cic so nob esa ase artes quae evn bm prince Sober or abso 2 Fe Ac de es ert ‘tia onan pcp 5391 Fanci de Monge eo Oe pis a Saran lie tracaso dtc eo ance or poe 88 Coma Dis ce Cava, eve aorsea uma Care dts 498 ante Oho dee De arse bon bin 156) © lds Cao te cdr ck et sans ¢ OB Sando matesa cn, alemds tems akan cma O Cont cry do ee Din Manele Deena de eoeonn de rs Se Cus Tans ee leno imperart Geo S58, e Gomrn dls Co, we ona an comr Iara em seus eos ay mares gates st pugs pi Bore isdn tin cosets thaws de Peto aeeock,Panepano 52 de Fildasoecasplrg tw hdbsna, mca aio nei dose mae Carte aan W613 de tanec Fades Loo t noses xn acer, Sire fae rns ‘nena Ate ce vce elon acm Ene ole encoun ive. ‘istam dn Samra Fj: Da sins oe mts Acta Poe de \ oben ce Grane in nips acraidse de Cone, “Set Enmarnal ay azarae ontcu Peoence ate fectienent ea nace ‘dasigua bute este nHery Machu Oi) Estat oe Reh ts ee poli gem penne te, Pals bee Pope in a Inewe0uo grado e profano, de puro e impuro, de bastardo e legitimo modulam os exempla desses textos conforme as virtudes, con- veniénciase deooros da hierarquia, Ein todos as casos, so prin ipais as idéias de ondo, ordem,e de raxio, razdo, representadas retorica e poeticamente om estilos agudos, Assim, a poesia de Fénixrrenascida e de Postilhdo de Apolo nao pode ser entendida fora dessa racionatidade, que inclui todo © movimento académico do Seiscentos*, Em Portugal, como se vin, é uma racionalidade absolutista dominada pela doutrina teolégico-politica do Estado constituida no Conci lio de Trento (1543-1563). Nesse tempo, os colégios da Com- panhia de Jesus atenderam a uma demande popular de instrugio basica que faculiava aos mogos as possibilidades de entrar para 2 Universidade e integrar-se nos quadros bu- rocriticos do Estado e do clero. A educagio aristocratica con- tinuou a ser feita no lar pela repetigze dos hdbitos antigos da cavalaria ¢ das atividades das armas que nao necessitavam imediatamente do saber letrado, mas principalmente por mestres € preceptores que adaptaram Cicero, Quintiliano, Séneca, Téeito ¢ o saber de humanistas do século XVI, como Vives e Erasmo, ds formas absolutistas da civilidade de Cor- te, A velha nobreza orgulhosa da iguoréncia guerreira adap- tow-se pouco a pouco & centralizacgo estatal como nobreza cortesi. 0 ideal de uma formagio de “letras e armas” tornou- se nuclear no ensino de aristocratas. O latim eo grego, as belas Tawas, ou 2 poosia o a histiria antigas, a ilotofia aristorélica, estbica, platénica ¢ escolistica, a retérica aristotélica ¢ ciceroniana forein os principais instrumentos adotados para constituir umn estilo de vida em que a inculeagio de hébitos nobres — entendendo-se “nobreza” com 0 duplo sentido de “esiamento” e ‘virtude” — foi a meta principal. ‘04a Aran Case oes nos do Mow ea Remi oa 64-1. 3F in O Moines neurite nel Tescba22, ss Fal, Cont tana oe Exh 1068-v batePuerfonc, Ascot er or seve Ua, Sins Nace, 8a oto Anos Haves ‘Na constitnigdo desse estilo superior, a poesia antiga foi jmitada em géneros orat6riose poétiens que figuram as ages politicas, as eleigoes erdticas, os hébitos ¢ a diego dos “me- Ihores" e, por contraste, dos “vulgares” de enti. Os mes- mos padrdes retérico-poéticos constituem as academias Tuso-brasileiras dos séculos XVII ¢ XVIII eomo uma extensio da Corte caracterizada por dispositivos retéricos e teolégico- politicos de representagéo da pessoa e da histéria diferentes dos padrées iluministas ¢ pos-iluministas. A intima conexio de saber ¢ poder que as caracteriza é legivel em um texto panegitico que D. Francisco Xavier de Meneses dedicou a rai- hha na data do seu aniversério, 7 de setembro de 1728: Rainha, que ilustr, sibia, as mais sublines, entre todas eém- cia; sejam as que admiramos, académnicas, de to divina prove ‘oho animadas que formandoa verdadeira, mais que panegtirica, hhistorica, Jevem to harmonioso nome para que suspenda, sem suspender-se, posteridade [...]. Que podras presiosas, que pirepos, que carbincules, que rubis,ardendo sem ceder, Iutindo sem abrasas, multiplicardo tanto resplendor, tanto husimento, que mumerem, que assinalem, um dia natalicio a quem: deve Portugal as forvunas, as flicidades e as venturas?", Na sesso académica que se seguiu, um letrado ainda fa- laria sobre Filosofia Moral; outro daria uma ligho de Astro- nomia; um terceito trataria de tema histérico; ¢ outros, ainda, poderiam expor a doutrina dos Sete Sabios da Grécia ou pro- var que a luz é coisa obscurissima,¢ ler, como era costume na Academia Portuguesa, extratos e criticas dos livros noves que safam na Europa, A sesso durava mais ou menos trés horas enels também eram Tides poemas compostos em diferentes Ct. FrarchcaXavardo Mens, bodice pneplica acon pibs de headers ‘aad tia Pogue ue celtou aco mpegs is sas Secs fom dest Se 1728 Capo Artin Camées Grav “aston Seta 230 | dace ohn Matos De Art's Mamie Magar Cand rn de Popa Sami gine naar ues ane ay 1998, WI 4 8 Wwcoasi0, metros ¢ linguas pelos participantes, Em 1718, como se vé em um cédice da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, o quarto Conde da Ericeira fez uma academia em sna casa, danda ligBes de politica; como sempre, versavam. sobre o elenco das virtudes da Eticaa Nicémaco que formam. © bom principe catélico, caracterizandg-s e pelo radical anti- ‘miaquiavelismo ¢ anti-luteranismio na emulagdo de lugares- comuns da tradigdo ret6rica desenvolvidos um a um com tiralos como “Da Temperanga”, “Da Benevoléncia”, “Da Caridade”, “Da Iustiga”, “Da Prudéncia” ete” ‘A.acaderaia ou reuniso litero-cientifica era uma extensio calta ou letrada da Corte; sendo uma situacho de discnssio intelectual, a politica estava presente, mas nio na forma da negatividade dos projetos de transformagio do presente, que pressupdem asnogées iluministas de “critica” ¢ “superagio”. No caso, a politica era a boa arte tradicional de bem reger a Repdlica contra seus inimiges intermos e externos, garan tindo a unidade suposta do “bem comum” por meio das vir- tudes aristotélico-catélicas agudamente representadas nas miltiplas eizeunsténcias hierarquicas. Em 1717, o Conde da Ericeira introduziu na Academia Portuguesa os temas fisicos, matematicos efiloséfices, junto dos literdrios. Em 1720, D. Joao V fundou a Academia Real, destinada a reeserever a histbria civil e eclesidstica do Trmpé rio segundo uma perspeetiva monumental que inclula a his- ‘dria da colonitagio do Brasil, Foi para dar conta do projeto que se fundou na Bahia a Academia Brasilica dos Esqueci- dos, em margo de 1724. A primeira confertncia, feita em 25 de abril do 1724 pelo Doutor José da Cunha Cardoso, evi- dencia a situaglo e a posigdo dulicas dos letrados de entao na ceplgrafe extraida de Ansénio: Non Aabeo ingenium, Cavsar sed iussit, habebo, O poderoso que esse Cardoso adulava, de- cand ret, i de pol ne Acca Pope Cas do acti Setar ‘Cone de teed cance cle 21 cee 01718 Ms 176 eee Cee ‘Ones de Comte, a4 eso Aocuse Havas larando que nao tinha engenho, mas que teria porque César ordenava, era 0 Vice-Rei Vasco Fernandes César de Meneses, que patrocinava a academia e o trocadilho. A noticia da fun- ago informa: “Nao pareceu hem se dessem especiais as- suntos poéticos para a conferéncia do primeiro dia, porque toda ela se reputou por breve para os merecides encbmnios do nosso augustissimo Protetor [..]". Num tempo em que o letrado niio tinha autonomia critica, as conveniéneias hierarquicas e a subservigncia implicita an- tecediam qualquer consideragio propriamente intelectual, assim, a primeira conferéncis da Academia dos Esquecidos também evidencia a maneira seiscentista ¢ setecentista de definir a experiéneia da historia e a auto-representagio dos letrados e poctas que # vivian e escreviam. Come em Hists- ria da América Portuguesa (1750), de Sebastido da Rocha Pita, é uma histéria composta conforme 0 modelo da eréni- ca, acumulande exemplos de ages virtuosas © de eventos providenciais orientados como aconselhamento ético dos poderosos que exercem a “politica catélica”. Os letrados ado- 3 cama concepgio civeroniana da histori come magistravitae, § sinestra da vida, compondo a temporalidade dos eventas nar- Yades como exemplaridade do presente. Para compor 2 exemplos, acignam uma meméria cotctiosa.e minucinsa de casos gregos, latinos, biblicos, patristicos e escolasticos inva- 4 riavelmente adaptados 4 definigio da fidalgnia como exce- Tgpcis er “letras armas”, Narrados com muita erudigle " dade da “politica catélica”. Esta é interpretada providencial- _mente, constituindo-se os portugueses como instrumento O84" “causa sogiinda” de Deus na Nistbaa 35 4 lay ae fark D aed pr os oval Todyya, pew po wing poe tT ae, Gade 1m 2 Wem 2 awocurto, Quando reitera a naturalidade do pacto de sujeigdo, da hierarquia, doprovidencialismo e da conquista pela Fé e pelas armas, o letredo também se representa a si mesmo com os critérios da exceléncia fidalga, constituindo-se como “me Thor” nao porser necessariamente “gente de representagio” on “filho de algo”, mas por ser detentor de um saber do dita do que é, simbolicamente, uma meméria autorizada dos modelos que fundamentam a autoridade da exceléncia pre- sumida, Memorizando esse saber, o letrado o repetia incan- savelmente em novas ocasives cerimoniais ¢ polémicas, reproduzindo-se a si mesmo como antoridade no ssber que fundamentava a autoridade dos “melhores”. Come nos dis- cursos de D, Francisco Xavier de Meneses e José da Cunha Cardoso, a intima fusio de saber/poder caracteriza 0 aulicismo e as duas formas extremas da subordinagio hie- rarquica dos lotrados, a adulagio ea subserviéneia, Hoje, obviamente, a subserviéncia intelectual e a adu- Jago do poder causam niuseas & consciéncia democréti- ca, uma ver que seus praticantes so por definigao tipos desqualificados merecedores de desdém. Antes de gene- ralizar esse juizo para os letrados do Antigo Estado portu- gués © desqualifics los sumariamente como hipéeritas interesseiros, no entanto, é til lembrar que entao 0 aulicismo era por assim dizer funcional ou institucional, pois, na sociadade doutxinada como corpe amistica de estamentos subordinades, 0 elagio da eabega mandanto ¢ dos suporiores hiexirquions é elemento constitutive das re des clientelares baseadas nas relagies pessoais, na amiza- de, no favor eno.dom,redundande.ne proveito do membro gubordinado que o faz, O aulicismo antigo evidencia 0 corporativismo, @ indistingéo da esfera apie e privada e bo on ae 3 8 ‘Na fronweira das categorias do imaginario social mais am- i plo e das categorias dos grupos cultivados, situava-se entioa imagem do sibio-lewade, padre ou funcioniria muita ve: 2es poctaG@A imagem era equlvoea, pols nela convergiam 25 “2 representagies da letrado-artestio,.escrevente que simples . 105, e do letrado.sSbia-que-a.seinventava em novas ocasides, mente repetia a tradigio, fazendo copias manusaritas de tex- 7 ‘De todo modo, os homens da plums gram. “pessons de le © que, vai 3 do os saberes do ler e de e i i : considerados tinha de propriamente as de letras” ainda quando seu saber nada ~ sibio®, como sechservafaciimente 4 ‘2 na maioria dos participants, ‘ins luso-brasileiras ai do séeule XVI. Come foi dit, as pritices dos lewadesport- i ‘mis esrivies medievsis, mas também io sendo esrivores, no squtida-ilyministe dado ao.termo-s-paxicda segunda metade do século XVII, elesse identificavam com a imagein : Sita da profissdo que exerciaine esa era, abvismeuie,pro- 38 fissio subordimada go poder real. Bo que se vé.na qualificas ~ "* (Gao dos sete socios principais que aparecem na noticia da fundagio da Academia Brasilica dos Esquecides: o Reve- rendo Padre Gongalo Soares da Franca, 0 Desembargador Caetano de Brito Figueiredo, Chanceler do Estado, 0 Desembargador Lute do Siqueita da Gama, Ouvidor Geral da Civel,e Doutor inicio Barbosa Machado, Juis de Fora; Coronel Sebastiao da Rocha Pita; 0 Capitéo Joao de Brito Lima. Dos sete, 0 académico Cardoso era 0 tinico que no tinha qualifieagao profissional, mas é sabido que se inte- grava no grupo dominante dos senhores de engenho da Bahia com a representagio de “pessoa principal”, Gina ou aa cn Caan feet SEs a © paddasde Inreoout0 ‘Muitas vezes, por se dedicarem excessivamente as huma- nidades, os le:xados luso-brasileiros desse tempo tinham o espirito meio embotado pelo latinério e nao brilhavam, pro- priamente, nas artes que organtizavam a civilidade mundane dos “melhores”. A forma social corrente para classificar tais letrados era “pedante”. Como agora, o termo era um dispo- sitivo de poder aplicado simbolicamente como categoria in- ‘tclectual e politica para constitnir a inferioridade de desafetos, excluindo-os da boa civilidade. Como categoria intelecinal, “pedante” significa “espirito fraco” on estragado pelo saber Tivresco, cuja debilidade é piorada pela ignordncia das ma- neiras cortests;.como categoria politica, significa “vulgar”, Nos usos portigueses do terme, convergian outras signifi- cages: aplicava-se aos que exerciam profissdo de ensino e, por uma derivagio ficil, aos que estavam dominados pelo saber livresco, sem a fina sprezzatura, a desdenhosa natara- Tidade dos que se representavam como anténticos sibios ou. diseretos. Como o de Polonius, em Hamlet, seu saber os leva- va a demonst-ar pradéncia e juizo excessivos em férnmilas arrevesadas, obscuras ¢ eraditas, que serviam de matéria as alegages de que sua pretensfo de serem arhitros universais, legislando platitudes de senso comum, era uma afezagio ti- pica de quem no conhece o seu lugar. Os “pedantes” tarm- bém eram identificados 4 categoria dos escreventes sepetidores, cuja imagem era rejeitada nos efreulos mais aris. 1ocriticos como propria da vulgaridade, como se pad ler em ‘varias sitiras desse tempo, Fim todos os casos, estava em jogo 8 oposigio discrigdo /wulgaridade A classificajio intelectual do letrado como “pedante” era feita, invariavelmente, de perspectiva politica da represen- tagdo dos “melhores”, os fidalgos, que ostentavam os signos exteriores de discrigfo ¢ exceléncia em “letras e armas”. A desqualificagto também era ocasionalmente feita segundoa 38 Ito Ancira Hans antiga representago da aristocracia velha, cujos membros ‘mais tradicionalistas por vezes ainda declaravam orgulhar- se da prépria ignorancia, demonstrando desdém pelas letras, que tachavan como coisa de homens de saia ou padres. Na Franga, 0s letrados da nobreza togada que tinham obtido acesso & Universidade desde o século XVI, aproximando-se ‘mais e mais dos érgfios centrais do poder real por meio prin- cipalmente das carreiras relacionadas ao Direito, eram, como diria LeRoy Ladurie, trutas subindo @ cascata dos despre- 208”, Algo semelhante ocorria em Portugal, no séenlo XVII Nos inimeros conflitos de representagGes poéticas em que 0s letrados desse tempo se desqualificavam uns aos outros, esforgando-se em ostentar a representagio de “melhores”, 6s usos do termo pressupunham 0 engenho dos autores e a agudece da sua arte como o diferencial intelectual da quali- dade superior que era alegada. Invariavelmente, os letrados afirmam que tém o jufzo perfeito e, representando-se a si -mesmos como “entendidos” ou tipos capazes de produzir as aparéneias adequadas a todasas ocasides da hicrarquia, cons- tituem o pedantismo de outros letrados como falta de de- coro. A discrigio, formulada em estilos agudos, era um saber ‘ou uma técnica da imagem regrada como representagio Aistintiva da posiglo superior do lecrado na hierarquia das letras, Em Portugal, a aplicagdo do termo “pedante” nega- va posigio principalmente quando o letrado assim classifi- sade era cristie-nove, pocta gongérice ou de erigem plobéia. No final do século XVIe no inicio do XVII, principalmente xa ItAlia e na Espanha, foram muito lidos os textos de retores _gregos levados de Bizancio para a Trélia no séeulo XV, como Longino, Demétrio Falereo, Dionisio de Halicarnasso & Hermégenes. Esses autores tratam principalmente da "Cl ermal Lsoy Lars. evo ne Teemnc ocean ge norachie ‘Siasaue ne nestle non chao eer Reps perce telcos Sel onc pence teste Ps be Phiouopagse) in, 85 9p, 59 § A poesia de Géngora foi atacada co elbee A postin 2 ple neu io clocugio ornada, os tropos e as figuras do estilo, ¢ acham-se nna base, por assim dizer, das poéticas do conceito engenhoso 4o século XVIL. Na Espana, o cophecimento de Hermagenes faculion a Géngora a experiéncia inovadora de tratar com es- guagem de Gingora emula a dos poetas latinos neotéricos do tempo de Augusto, que tinham ermulado os alexandrinos. Ela é fandamentalmente ulna Tngiageis de sigrios indire ‘os, sabstituindo pela formulago merafdrica, perifrases ¢. antiteses herméticas, sublimes ou tendencialmente sublimes, ag formas direras e claras do estilo humilde. As imagens ten- dem para a sintese do epigrama, pois slo simultaneamente efeitos visualizantes, ¢ sentencios; sentido equivecado em significagies opostas, vulgaridade e pe 4 dantismg jh po inicio do séeulo XVI por Quevedo, Jaure ~ fega, que afirmaram que ela s6 é clara quando queimada. A aluséo ao fogo constitui Gongora como judeu e © Santo Ofieio da Inquisigio para dar conta da sua moa. cullerano, cunhado erm 1624 STP para classficar 0 ele pare classificar o estilo gongérico, 6 um trocadilho com, Jugerano. Bm Portugal, ehabito de falar agoogoradoioiuma. mania cortesd e plebéia alvo de muite.deboche-cdmico-Sen- do constituldo como vulgnridade tipica de arzvistas que vm trepamn, como li diz 0 verso gregoriano, tarnbém foi cassificado come “pedantiemo” ~ Ao mesmo termpo, era pouco nitida a fronteira entre “sA- bio” © “pedante”, pois o mesmo pedantismo alegado pejora- tivamente para constituir a inferioridade de muitos era efetivamente incentivado na formagiio de todos os letrados. Liss Loner Giger, eréace en Epa desig ce Or, lamancs, cones Univeriad de ‘slanancs, he Joie Anauro Hass Desde o colégio até a Universidade, os estudos feitos segun- do os preceitos do Ratio studiorum da Companhia de Jesus previam justamente a memorizagio e a repetigho de saberes uadicionsis como férmaulas ético-politicas exemplares em todas as circunstaneia da vida de relagio, Sempre enuncia- das em estilos intrincados ¢ casuistas, elas jé eram matéria cBmica no século XVI, como foi dito, principalmente nos ata- ques fidalgos aos arrivistas saidos das fileiras cristis-novas do capital mercantile financeiro, Mas, como sempre, no se deve generalizar. O mesmo saber transformado nos usos clas- sificados como pedantismo, vulgaridade, excesso e afetagio era o miicleo da instrugiio e formagio das trés faculdades ati- vas, meméria, vontade € intelecto, com que a Escoléstiea entdo definia a unidade da pessoa humana, As trés faculda- des fundamentavam 0 saber/querer/poder de toda. pritica dos “melhores”. Blas so admiravelmente exemplificadas pelos dois maiores antores portugueses desse tempo, Anté- nio Vieira e D. Francisco Manuel de Melo, que inventaram ‘obras em que a meméria prodigiosa da tradigio é aplicada para figurar casos exemplares que se adaptam a experién- cia contemporanea segundo o reto divecionamento da von tade para as causas consideradas justas pelo conselho prudente do intelecto Por outras palavras,¢ iil classificar toda a poesia do sé- one XVM como futilidade e pedantisme, pois a simples clas- sifieagio demonstra ign seu préprio tempo, A afetagao era tida como um excesso im- prudente e vulgar e, como foi dito, era um dispositive retdrico- politico com que se atribuiam ¢ negavam posigbes aos individuos ¢ grupos também na inveng3o e recepgto da poe- sia. Mas ela também era programatica, por exemplo, no Iudismo dos saldes cortestios, que pressupunha a capacidade Ienccuio mundana de afeti-la com naturalidade, ou seja, a técnica de inventé-la come fingimente poético ou contrafacgao divertida com que se propunham temas amenos, frivolos, fateis, jocosos ou ja abertanente obscencs. Como no mote que pergunta se 0 beija é melhor com dentes ou sem eles, propondo-se inva- tiavelmente, como glosa, que sem, pois desdentados beijam com “rubis” (gengivas) mais preciosos que “pérolas” (dep- tes). Ocioso? Certamente, porque aristocritico. Os jogos do sa [Hp afistocriitico ¢ das academias podiam ser e quase sempre te hakas de €ram muito futeis; mas sua futilidade ¢ irredutivel & ética burguesa do trabalho que determina os enunciados que dzsqualificain essa poesia, pois era elemento constitutive de uma forma mental aristocratica que dava outra definigzo 20 tempo, ao corpo, ag trabalho, ao dcio e & propria futilidade, Em Féniz renascida, sio bons exernplos dessas jocosidades tidlods der Ngesacia de AES Mh produzidas como contrafacgiio os poemas de D. Tomas de Noronha, como o soneto que comega “O mao no de cristal, nila mio nevada”, ¢ 0 de Jerénimo Baia sobre as heatas. Com- postos invar.avelmente segundo as duas variantesaristotélicas do cémico, o ridiculo ea maledicéneia, incluem-se na racionalidade de Corte coma jogo da discretezza giusiciosa difundida a partir da Ttélia desde o séenlo XV. Entendidas como exercicio engenhosamente divertide de emulaggo de antoridades eémicas, como Horacio, Javenal, Marcial ¢ poe- Aasmedievais do esedrnio © maldiser, as jocosidades slo pe- “= eae ds um copeumecomipiouede signos aguder de Oy imeligéneia que afeta a aletacio ow a vulgenidade, distin- “Nyuindo seus praticantes dos “vulgares” incapazes, segundo a convengio, de fazer distingbes ‘Nas prdticas podticas, esses saberes eram definidos como dominio técnivo das virtudes elocutivas que davam forma e sentido qualitativos 4 experiéncia historica do corpo politico do Lapério. segundo a oposiggo metafisica complementar Me A roridadan ¢ m yrodadn 9 Hin dade & oko Anco Hissin de infinito /finito que determina todas as representagies desse tempo. Conforme a liglo do Concilio de Trento di na educagio dirigida pela Companhia de Jesus, o mundo e a historia slo efeitos e signos de uma Causa Primeira, Deus, que 0 ilumina e orienta com a lue natural da sua Grage. Reflexo da proporgdo divina acesa na consciéncia como a sindérese, centelha do Bom que orienta o ato do livre arbitrio, a lus natural aoonselhia que se evite o mal, formulando-se aiscursivamente como um juizo sintetizado em “palavras bri- Taantes", as agudezas — indice da diserigio dos “melhores” T. S. Eliot propés que os poetas ingleses do século XVIT possuiam um mecanismo de sensibilidade com qual podi- am devorar intelectualmente qualquer espécie de experién- cia. Segundo Bliot, a compulsto da semelhanga que caracteriza tal mecanismo faz poetas como John Donne Andrew Marvell inventar a poesia come harmonia de dissondincias”, A poesia dos nove poetas desta coletinea, mais a de um Anénimo, presumido autor de “Descrigao da Noi- te", de Postilhao de Apolo, caracteriza-se pela mesma compulsio da semelhanga de seus contempordneos ingleses. ‘Violante do Céu (1607-1693), Jerdnimo Baia (1620/30-1688), Jacinto Freire de Andrade (1597-1657), Francisco de Vas- conceles (1665-1725), Frei Anténio das Chagas (1651-1682), Antbniv Barbosa Bacelar (1610-1663), Dom Francisco Ma- uel de Melo (1608-1666), Antonio dos Reis (1690-1738) D, Tomas de Noronha (?-1651) pratiearam agudamente as formas poéticas mais usadas no século XVII, 0 sonete, ¢ 70- mance, o idilio panegirico, o madrigal, a endecha, a décitna, o epigrama, a cangio ¢ as liras, figurando intelectualmente "15 Rhee vanes meaphyil post, Tre Gah eure at my Cle Card, 636s The lub ec te fe Hopes Univer 1033, New oan Oe {hon fit Bae & Company 1980.20. Inreoough0 ‘0s mais varados afetos da alma nas semelhangas e diferen ‘gas metafbricas dos géneros em que se especializaram. Sa- endo que as paixdes so naturais, também sabiam que, ‘poeticamente,elas nfo sao informais, porque sua codificagto 6 retériea. Assim, quando compunham, expunham a maté- ria do poema segundo os rigidos preceitas téenicos de duas linhas colaterais, uma delas em total acordo logico com 0 tema, a outra simetricamente em desacordo com ele. O wit ona agudeza da operagio consiste na coincidéncia de ambas, como acontecia naquele anel de bnix que Oviio enviow para a amante, Nix, Neve, com a inseriglo: O, Nix, flamma mea (©, Nix, minha chama), harmonizando as oposigBes quente/ (rio e branco/negro na agudeza, Da mesma maneira que a agudeza matematic ido de duas linhas di- Vergentes que vio ‘outra a partir de uma terceira, a agudeza retérica aplicada pelos autores de Férux renascida 4 poesia consiste na unido € na convergén- cia de wip accrdoe.de um desacoxde logicos extraidos da matéria do discursd# Na invengio de poema, vio do con- eito mais geral do tema para conceitos associados © por nam a leituraum exercicio intelectual de dificultago cres- Gente, Os poemas sio incongruentes e mal esetitas quando o desacorda lagico nfo coingide com o acordo; no entato, 1103 bons poetas, como ¢ 0 caso dos nove compilados neste fivro,a difeuitagdo 6 amplifieada com um tora &-vontade intelectual que mais se evidencia nos exoelentes como re- sultado de um artificio racionalmente aplicado. ‘Obviaments, a imagem poética é ume categoria historica Os arabescos conceptistas de Violante do Céu, as sutilezas me- lancélicas de Antinio Barbosa Bacelar, as jocosidades malva- f (et sts anim Sain, De act tpt er nies fe Sena Ma 9 acy pon ie 3 nin, Wearen, 1350, Yrs Nes ape Gacaos Sac imi ote Su Coach wince, peri at de Fier ehcommets pr verona, Pe, ns Sau 201,36. “4 Jatio Aseate Haws das de D. Tomas de Noronha, as finezas discretissimas de D, Francisco Manuel de Melo, os jogos gongbrices de Jeronimo Baia, as ponderagdes morais de Francisco de Vasconcelos, as parddias cultas de Jacinto Freire de Andrade, a doutrina poé- tica de Anténio dos Reis ¢ 0s coneeitos agudos de Frei Anténio das Chagas dramatizam justamente a capacidade intelectnal de deverminar a natureza e 0 valor das trocas simbelicas da racionalidade de Corte portuguesa do século XVIL. Os diversos _tsos que esses poetas fazem das aguderas pBem em cena mo- delos coletivos comuns, por meio dos quais a transferéncia ‘itetafbrica é processada, avalinda ¢ frufda. Todos eles acredi- tam que o estilo literalmente cai, quando é posto em contato direto,com a verdade nus. Assim, evitando a vulgaridade de um estilo apenas pedesire, valorizam a novidade da formula- fo engenhosa dos temas, que sic extraidas da tado sociaLab- jetivo de seu tempo e para ele retornam na recepgio, Dizendo-o de aguda press loregramente.dos preceitosretéricos mum: partilhada, refratada einterpretada pelo poeta e por seus Plblicos segundo as varias posigBes da hierarquia. Considerar a pratica seiscentista da poesia como interagio dindimica de poeta e puiblico pode impedir que sua estrutura © sua fungo sejam autonomizadas das praticas simbdlicas de seu tempo, come oeorre nos jufzos que a desqualificam sem mais. No caso, © poota ¢ antes de tudo wm aristotélico, que inventa 0 pooma especificando o género, as espécies, os individnos, os acidentes e as diferengas do tema. Depois de analisar ou classifiear 0 tema, figura os termes obtidos com metaforas, que divide e dispde em pares de opostos. Reclassificando os termos opostos com outras metaforas de 45 ~ bmosusto x .{ conoeitos cada vez miais distanciados da imagem inicial, o S poeta expande o discurso para zonas laterais ¢ inesperadas de significagao que exigem a interpretagio ativa do destina- ¢ taro. A poesia eonfere distinglo pois, ao entender a harme- { dconceitas distanciados, 0 destinatari ‘engenhoso, agu- “db e discreto quanto 0 porta, Como resultam da aproxima- 5, 5 figo de conceites distantes, as metiforas sio imprevistas 4 > gtendencialmen:e herméticas “15 0 Bseribo no para muchos, afirma Géngora em uma carta tS {para ‘9 amigo Pedro Salinas. Ao defender orgulhosamente a “" Ghscuridade programitica dos versos das “Soledades", .Géngors evidencia o costume dos poetas seiscentistas, prin- “cipalmente os espanhidis, de ndo editar os poemas come livro ‘presto, preferindo publieé-los em folhas manuscritas que ‘circulavain nos cireulos da intiguidade para evitay sua, apro-

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