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DEVIR liVRARIA

Publisher: Mauro M. dos Prazeres


Diretor Geral: Walder Yano
Diretor Editorial: Douglas Quinta Reis
Editor: Leandro Luigi DeI Manto
Revisão: Glória Flores
Diagramador: Benson Chin e Tino Chagas

REVOLUÇÃO DO GIBI: A Nova Cara dos Quadrinhos


no Brasil© 2012 Paulo Ramos. Todos os direitos reserva-
dos e protegidos pela Lei 9610 de 19/02/1998. Arte da
Capa © 2012 João Pedro Montanaro. Todos os direitos
reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do
conteúdo desta obra, por quaisquer meios existentes ou que
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por escrito dos editores e do autor, exceto para fins de
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1a edição: Maio de 2012


ISBN: 978-85-7532-507-0

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, Sp, Brasil)

Ramos, Paulo
Revolução do gibi : a nova cara dos quadrinhos
no Brasil! Paulo Ramos. -- São Paulo: Devir, 2012.

1. Histórias em quadrinhos - Brasil - História


2. Histórias em quadrinhos - História e crítica
I. Título.

12-04363 CDD-741.5

Índices para catálogo sistemático:

Lf-lisrórias em quadrinhos 741.5


.....................................................................
caPimW20

A trajetória de Angeli, Glauco e Laerte se confunde. O trio ajudou a dar a cara do quadrinho urbano
.fique surgia em São Paulo na década de 1980, época em que o país passava pelo processo de rede-
mocratização, após anos de regime autoritário. O fim da ditadura militar trouxe ares de liberdade. Li-
berdade que os três puseram à prova nos quadrinhos que faziam.
Os novos ventos democráticos trouxeram a Circo Editorial. A empresa, coordenada por Toninho
Mendes, pôs nas bancas revistas em quadrinhos de humor produzidas pelo grupo. "Chiclete com Ba-
nana", "Geraldão" e "Piratas do Tietê" obtiveram boa repercussão nas bancas dialogando com o leitor
adulto, num momento em que a maior parte da produção editorial do país ainda era prioritariamente
direcionada ao público infanto-juvenil.
As produções serviram de base para muitos autores da geração seguinte. A saúde da Circo Editorial-
e de suas publicações -foi abalada pelas sucessivas mudanças econômicas da primeira metade da década
de 1990. A editora fechou. Os desenhistas, no entanto, já haviam consolidado uma marca autoral e crí-
tica nas tiras feitas para a "Folha de S.Paulo".
Ocuparam também outros espaços do jornal, do caderno infantil ao destinado aos jovens. Transfor-
maram a si próprios em personagens de quadrinhos nas histórias de "Los Três Amigos", vividas por suas
contrapartes Angel Villa, Glauquito e Laerton. Depois, Adão lturrusgarai seria incluído como quarto
integrante.
A produção dessa época e a que veio nos anos seguintes pôde ser (relvista desde a virada do século na
forma de coletâneas, publicadas por diferentes editoras, em diferentes formatos. Houve também uma
tentativa de trazer de volta a "Chiclete com Banana" nas bancas, via reedições.
No cinema, o longa-metragem "Wood & Stock - Sexo, Orégano e Rock n Roll" obteve boa reper-
cussão. Luiz Gê, autor importante da Circo Editorial, marcou sua volta aos quadrinhos, adiada por
quase 20 anos. Laerte reinventou a maneira de fazer tiras e criou um novo gênero.
O ano de 2009 mudou de forma trágica a história do trio e dos quadrinhos no Brasil, com o injusti-
ficável assassinato de Glauco e do filho dele, Raoni, em Osasco, na Grande São Paulo.
Capítulo 20

26.04.2006

TRÊs DESENHISTAS E SUAS SEIS MÃos BOBAS

fW(;Et.' N ada mais atual. Num momento em que se vive um


"revival" dos anos 80, um lançamento para agradar
('I-\\JGO em cheio os trintões, quarentões e afins. "Seis Mãos
fJ6rIe Bobas" (DevirlJacaranda, R$ 23), lançado hoje, reúne 17
parcerias de três dos autores mais marcantes da época: .An-

SEIS MAos BOBAS geli, Glauco e Laerte, autores de Chiclete com Banana,
Geraldão e Piratas do Tietê, respectivamente.
Parte dos personagens deles resistiu ao tempo e é publi-
cada até hoje na "Folha de S.Paulo" em forma de tiras.
Mas alguma coisa mudou. Percebe-se isso claramente du-
rante a leitura do álbum. Havia uma declarada intenção
transgressora, bem mais do que hoje. Sexo era o tema pre-
ferido, sempre trabalhado com o humor peculiar e urbano
do trio.
PARCERIAS DOS ANOS 80 PUBlICADA$ NAS REVISTAS Temas como sexo, homossexualismo e uso de camisinha
CHICLETE COM BANANA E GERALDÃO
eram novidade nos anos 1980. Todos são abordados pelo
JACtiisDA DEVléJt~~IA
trio. Mais do que 17 parcerias - publicadas originalmente
nas revistas "Chiclete com Banana" e "Geraldão", da ex-
tinta Circo Editorial-, "Seis Mãos Bobas" é um registro de época, um momento pós-ditadura em que a
liberdade de expressão ainda testava seus limites.
O que o trio parecia adorar era testar os limites dessa liberdade. Batizaram uma das histórias de
"Cenas Censuradas da Reunião do Conselho de Censura". Pura provocação. Segundo Laerte, em de-
poimento registrado no fim da edição, ainda havia resquícios da "tesoura" da censura. E isso inco-
modava.
Esse depoimento se junta a outros e compõe um dos diferenciais do álbum (em comparação a outras
publicações individuais do trio pela mesma parceria entre Devir e jacaranda): o making of de cada his-
tória. Sugestão: leia a história e corra para saber como foi feita.
É lá que você descobre por que Angeli não participou da homenagem a Henfil, vítima de Aids (a
doença era outro tema novo na época). Angeli "não estaria gostando dele naquele momento". Glauco e
Laerte contestam. Toninho Mendes, que recolheu os depoimentos, tem o mérito de não esconder as di-
vergências pontuais do grupo.
Divergências que não comprometeram a relação do trio. Glauco, Angeli e Laerte, autores do trabalho
conjunto "Los 3 Amigos", mantêm uma relação duradoura. Começou lá na década de 1980. O álbum
mostra um pouco daquela época. Há muito mais material, que também merece reedição. É como diz o
homenageado Henfil: "Morro, mas meu desenho fica". O deles também ficou.

492
A GERAÇÃO CIRCO

25.07.2006

WOOD & STOCK NO CINEMA: SEXO, ORÉGANO E ROCK'N'ROLL

desenhista Angeli sempre deu um ar de


O contracultura às suas criações. Fora dos
quadrinhos, a vida alternativa de seus perso-
nagens foi rotulada para maiores de 18 anos.
O desenho "Wood & Stock - Sexo, Orégano
e Rock n Roll" foi proibido para menores.
Foi a primeira vez no país que uma animação
para o cinema teve essa classificação.
A decisão foi revista no começo de
junho. Mas não muito. O Ministério da Jus-
tiça reclassificou o longa para quem tem
mais de 16 anos. O desenho, por
enquanto, testa a recepção do público. Passa
no próximo sábado em São Paulo no 14°.
Anima Mundi e teve sessões no Rio de Ja-
neiro na semana passada. Antes disso, passou
por Minas e pelo nordeste.
A história dos dois hippies tem tido boa re-
cepção. O auge foi em Recife, no CINE-PE,
Festival do Audiovisual, no mês de abril. Teve
sala cheia e conquistou três prêmios: especial do júri, melhor trilha sonora e o inédito e inusitado melhor
atriz coadjuvante para a dublagem de Rita Lee para Rê Bordosa,
Segundo a cantora, Angeli se baseou nela para criar a personagem "porraloca", Nem teria precisado
interpretar no trabalho de dublagem. A ex-integrante do grupo Mutantes não é a única personalidade
do meio musical a compor o cast da dublagem. O cantor e compositor Tom Zé fez a voz de Raulzito
(Raul Seixas) durante uma "viagem" dos personagens-título. Tom Zé é baiano, como Raul. "Caiu como
uma luva", diz Otto Guerra, diretor do longa.
Wood & Stock - dois velhos que mantêm, ainda hoje, o modo de vida hippie - são o fio condutor
da animação, feita com verba do Ministério da Cultura. Mas, como Rê Bordosa prova, há outras criações
do mundo "alternativo" de Angeli. Estão lá Meiaoito, Nanico, Rhalah Rikota, os Skrotinhos.
A ideia de colocar todos na tela grande surgiu de uma conversa entre Otto Guerra e o cartunista num
bar paulistano, 1I anos atrás. O diretor, que cria desenhos em sua produtora desde 1984, sugeriu
fazer um longa-metragem com o personagem "Ozzy", personagem de Angeli voltado ao público infantil.
O cartunista teria retrucado: por que não Wood e Stock?
Por que não? Ficou Wood e Stock. Angeli participou do projeto à distância. Ajudou no roteiro, deu
ideias. A redação final ficou a cargo Rodrigo John. Não foi o primeiro trabalho com quadrinhos feito
por Guerra. Em 1994, ele animou a dupla de caubóis gays Rock e Hudson, de Adão Iturrusgarai.
O diretor tem um histórico de fã e produtor de quadrinhos. Começou a fazer desenhos nas HQs.
"Copiava o belga Hergé, autor do Tintim. Sempre fui um devorado r de quadrinhos. Passei a ser fã do
Crumb em 1977 e conheci o trabalho do Angeli em meados de 1984", diz. Não só conhecia como co-

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Capítulo 20

lecionava. "Do Angeli eu comprava todas as Chicletes com Banana, além de acompanhar seu trabalho
na Folha [de S.Paulo]".
"Esse espírito contracultural foi uma descoberta meio tardia para mim. Quando era guri tinha medo
de barbudos drogados, mas aos poucos esse medo foi se transformando em admiração, num processo
sem volta. Claro nem eu nem o Angeli somos hippies, talvez o Angeli tenha sido um pouco, vi umas
fotos dele de bigodão e tal. De qualquer forma, cada vez mais me vejo enfronhado com autores ditos
malditos.
"Então foi uma reviravolta de 180 graus, meu ídolo anterior, o belga George Rémis, Hergé, era um
ultradireitista. Mesmo assim, continuo admirando muito todos os álbuns do Tintim. Seu desenho con-
tinua uma referência mundial, transcriado por autores de todos os continentes."
"Wood & Stock - Sexo, Orégano e Rock n Roll" deve estrear oficialmente no dia 25 de agosto em
Porto Alegre. "Estarnos negociando as salas comerciais aqui do sul, Cinemark, Cinesystem, GNC etc.",
diz a produtora-executiva do desenho, Marta Machado. "Pretendemos estar em pelo menos cinco salas e
mais cinco na grande Porto Alegre e interior."
Depois, vai subindo o mapa do Brasil. Novas sessões em São Paulo e Rio de Janeiro. "Distribuiremos
de forma independente, mas acreditamos no potencial do filme para um grande público. Nossa ideia é
não restringir a um segmento apenas." O próximo projeto é um desenho dos Piratas do Tietê, de Laerte.
A previsão de estreia é 2008.

30.08.2006

L&PM LANÇA LIVROS DE BOLSO DE PIRATAS, GERALDÃO E PATO

A editora gaúcha L&PM tinha uma tradição de publicar quadrinhos nos anos 1980. Muitos dos ál-
.r-lbuns eram com personagens nacionais e voltados às livrarias. A década de 1990 indicava que a em-
presa não ia mais apostar no filão. Só que a aceitação da Coleção Pocket - edições em formato de livro
de bolso - estimulou a editora a investir novamente em autores brasileiros. Nesta virada de semana,
chegaram às livrarias três títulos: "Geraldão - Edipão, Surfistão & Gravidão" CR$9), "Piratas do Tietê
2 - Histórias de Pavio Curto" (R$ 9) e "Pagando o Pato" (R$ 8).
O Pato, de Ciça, foi uma das tiras mais politizadas do país nas décadas de 1970 e 80. A autora fazia
dos animais uma metáfora do regime militar brasileiro. As formigas, por exemplo, tinham uma rainha,
que sempre usava um porta-voz para se comunicar com os "reles" súditos (leia-se, o povo). É um im-
portante registro de época.
A ditadura datou muitas das histórias do Pato. Mas Ciça soube se reciclar. Incluiu temas mais "demo-
cráticos" nas tiras, que são publicadas atualmente no "Jornal do Brasil", do Rio de Janeiro. Os persona-
gens falam agora sobre os sem-terra, inflação, corrupção. É dessa fase o material da L&PM.

494
A GERAÇÃO CIRCO

A paulistana Ciça - ou Cecília Whitaker Vicente de Azevedo Alves Pinto - publicou uma outra co-
letânea de seus personagens em 1986, pela editora Circo Editorial. Era uma edição maior e mais com-
pleta do que o livro de bolso da L&PM. A capa, curiosamente, era a mesma.
"Geraldão - Edipão, Surfistão & Gravidão" mostra tiras do personagem-título, que saem na "Folha
de S.Paulo" desde a primeira metade da década de 1980. A edição traz histórias de Geraldão e de outras
duas criações de Glauco: Casal Neuras e Van Grogue. Não são muitas tiras. Mas são suficientes para
mostrar como o cartunista ajudou a tornar mais adulto o humor diário nos cadernos de cultura dos jor-
nais brasileiros, em especial o da Folha.
Uma prova disso é a cueca de Geraldão. O leitor vai reparar que, neste primeiro número, o persona-
gem com complexo de Édipo segura a cueca com uma das mãos. Ela ameaça, mas nunca cai. Anos de-
pois, num contexto mais "liberal", criador e criatura assumiram a queda da peça Íntima. Hoje, o
Geraldão é publicado diariamente com tudo à mostra.
Vale um estudo: observar a evolução de Geraldão sob a ótica da liberdade de expressão. O que mudou
com o passar dos anos? Os meios de comunicação ficaram mais ousados no trato com as tiras ou a so-
ciedade passou a aceitar melhor determinadas condutas? Ou as duas coisas? Geraldão é reflexo de tudo
isso, independentemente da respostas.
A ideia do estudo vale também para Laerte e seus "Piratas do Tietê 2 - Histórias de Pavio Curto". A
exemplo do número anterior, lançado em junho, é uma coletânea de histórias que saíram na "Folha de
S.Paulo". Ao lado de "Chiclete com Banana", de Angeli, foi por anos uma das tiras mais urbanas do
país. Serviu para influenciar muitas das tiras publicadas atualmente.
Piratas são de uma fase de Laerte em que ele impunha um humor mais agressivo. E violento, afinal,
eram piratas. Também vale como comparação para as histórias que ele cria hoje na Folha. Possuem o
mesmo rótulo no título: "Piratas do Tierê", Mas os piratas sumiram. Há muito tempo. Restou um
humor diferente, mais introspectivo, mais filosófico, quase um novo gênero de tira. Os velhos persona-
gens ficaram só no pocket.
A L&PM pretende publicar outras obras nacionais ainda neste semestre. A maioria é de Glauco. A
editora também editou álbuns com tiras estrangeiras, caso de Recruta Zero, Hagar e Garfield.

495
Capítulo 20

A GENITÁUA DESNUDA
~
..•
WALTER seo
o mais Waltel dos Walters
e outros hpmho$ muters

CQnl.entáriQ - Os livros 4e bolso com personagens de Iaerte e Glauco ganbaramoutros volumes nos anos seguintes. O
catát6go passou aincluirtambénlColetâneas de Angeli, Iottl e dos personagens déMaurkio deSousa.AColeção Pocket
ajudou a L&PM a se reerguer editorialmente e a retomar a antiga linha de publicação de quadrinhos. A partir de 2009, a
editora gaúcha pas$OUa investirtíUllbélllem outros fOflllatos.~.Um deles foram edições enlcapa dura com tiras de Snoopy
e Charlie Brown. A L&PM foi uma das pioneiras a apostar no mercado de quadrinhos para livrarias nas décadas de 1970
eSO.

19.04.2007

LUIZ GÊ DE VOLTA AOS QUADRINHOS

que motivou o contato telefônico com Luiz Gê foi uma nota di-
O vulgada para a imprensa. O texto dizia que ele autografaria nesta
quinta-feira à noite em São Paulo uma série de publicações antigas,
todas fora de catálogo. A informação realmente confere. Mas tem
muito mais. O desenhista pretende voltar a fazer quadrinhos, lançar
um livro e reeditar a história da Avenida Paulista em quadrinhos.
Na verdade, uma coisa puxa a outra e arribas se confudem com a
história do desenhista, que é da mesma geração de Laerte e Angeli.
Melhor ir do início. Luiz Gê decidiu se desfazer de parte de seu acervo.
São publicações com antigos trabalhos dele. O local escolhido para
vender o material foi a "Menor Livraria do Mundo", que funciona
dentro do "[eremias, o Bar" (inspirado no personagem "[erernias, o
Bom", de Ziraldo).
A lista é longa. Começa com uma raridade: exemplares da "Balão",
considerada a primeira revista independente brasileira depois dos "Ca-
tecismos" de Carlos Zéfiro (quadrinhos eróticos que foram lidos clandestinamente por décadas). A
"Balão" durou de 1972 a 1975 e revelou nomes como Laerte, Angeli, Paulo e Chico Caruso. E o próprio
Gê, então aluno da USP (Universidade de São Paulo).
Ele foi também um dos criadores da revista. Por isso, ainda tem alguns exemplares guardados em casa,

4%
A GERAÇÃO CIRCO

principalmente do número 9, o úl-


timo, o único vendido em bancas
(por isso, teve uma tiragem maior).
Sobraram uns 50, 60 exemplares,
que estarão à venda. Dos demais,
restaram apenas quatro exemplares
do segundo número. Mas ele avisa:
é material raro. Vai sair caro.
O acervo de Gê não fica só na
"Balão", que vai ter a história con-
tada em livro, intitulado "Geração
Balão". "Tem cartaz, vários livros de
quadrinhos, charge política, cole-
ções completas da 'Bicho"', diz. A
"Bicho" é outra raridade dos anos
70, da qual também participou.
Tem pelo menos 20 pacotes com os
seis primeiros números.
O desenhista ainda é lembrado
pela atuação na revista bimestral
"Circo", lançada em outubro de 1986. Gê era o editor de arte e dividia os desenhos com Laerte, Glauco,
Alcy, Nani e outros. Dois anos depois, viajou para a Inglaterra. Ficou lá entre 1988 e 1990, fazendo
mestrado na Royal College of Arts.
Voltou ao Brasil cheio de ideias, inclusive de uma nova revista em quadrinhos, feita com outros autores.
"Mas aí veio o [ex-presidenre Fernando] Collor. E dançou todo mundo", lembra. Uma das medidas de
Collor foi confiscar o dinheiro das contas de poupança e limitar os limites de saque.
A saída que Luiz Gê encontrou para se virar no início da década de 1990 foi buscar outros caminhos.
Foi quando surgiu a possibilidade de fazer, em quadrinhos, a história da Avenida Paulista. O trabalho
de cerca de 70 páginas foi publicado em 1991 numa edição especial de uma revista da empresa de pneus
Good Year.
"É uma belíssirna história de tudo o que aconteceu até aquela época, 1990. Mas é também uma pes-
quisa de linguagem. Uma curtição para eu brincar graficamente", diz. Ele vai levar exemplares para ven-
der no evento desta quinta à noite na "Menor Livraria do Mundo". São apenas três.
Ele relembra que a revista era distribuída de graça. Bastava o interessado enviar uma carta à Good
Year. Segundo ele, foi o maior número de cartas que a empresa tinha recebido até então. "Eles dizem
que até hoje recebem ligações [sobre a revista]".
Chamada de "Fragmentos Completos", a história deve ser reeditada. Ele já tem editora. "Mas eu quero
fazer algumas modificações". A começar pelo nome. A história ainda hoje é lembrada como "Avenida
Paulista",
Depois da narrativa sobre o cartão-postal paulistano, Luiz Gê se afastou dos quadrinhos. Por isso, é
pouco conhecido pela nova geração de leitores. O "sumiço", na verdade, foi uma mudança de ares. Ele
passou a ser um dos professores da Universidade Mackenzie, em São Paulo. Atua desde 1994 nos cursos
de Publicidade e Desenho Industrial. Entre as disciplinas, há uma sobre histórias em quadrinhos.

497
Capítulo 20

"Eu entrei com um pé atrás. Dei pouquíssimas aulas. Mas aí acabei andando e pegando mais aulas",
diz. Na universidade, ele foi o orientador de "O Circo Editorial de Lucca", trabalho de conclusão de
curso do desenhista Jozz. O projeto explica a linguagem dos quadrinhos por meio de metalinguagem.
Vai ser publicado pela editora Devir.
Pergunto se ele não pretende voltar a fazer quadrinhos. Surpresa: "Eu tenho vontade de voltar neste
ano". Tem vários projetos. Mas antes, diz, vem o livro. Outra surpresa. A obra é uma versão resumida
do doutorado defendido na Escola de Comunicações e Artes da USP em 2004. O trabalho teve quase
800 páginas e gerou três volumes.
"Escrita plástica: pensamento, conhecimento e interdisciplinaridade" tenta mostrar que os mesmos
mecanismos mentais de processamento das palavras ocorrem com os desenhos também. Gê mostra
como se dá esse processo nas artes, na comunicação, na tecnologia e na ciência. Ele afirma que também
tem editora para o livro, diferente da que vai relançar a história da Avenida Paulista.

Comentário - A anunciada volta de Luiz Gê aos quadrinhos ocorreu em 2009, numa adaptação de "O Guarani'.' para os
quadrinhos,·publicada pela editora Átíca. O contmto para o relançamento da obra sobre a Avenida Pauli sta acabou fiCando
com a Companhia das Letras. A editora programava inicialmente lançar o álbum para 201 O. O projeto ficou para 2012. O
acordo com a Companhia das Letras prevê também um álbum inédito, uma continuação de "Viagem ao Centro do Universo",
uma história de 12 páginas iniciada pelo desenhista em 1990 no número 23 da revísta "Chiclete com Banana". A narrativa
mostra a chegada de um especialista, Doutor Spix, ao que seria o centro do universo. A ida dele até o local se deu por um
convite da Acadenna Imperíal. A última página deixa o final em aberto e a intenção de continuar com a história. Uma le-
genda dizia que "0 levantamento sobre os passos seguintes serão publicados a seguir em uma trepidante revista desta edi-
tom. Aguardem!".

11.06.2007

ANTOLOGIA DE CHICLETE COM BANANA TRAZ ESTRElA DE Los TRÊS AMIGOS

A ngeli era Angel Villa. Laerte,


.fl..Laerton. Glauco, Glau-
quito. Juntos, os três cartunistas
se autossatirizavam na forma
de Los Três Amigos. A história de
estreia deles foi incluída na pri-
meira edição da "Antologia Chi-
clete com Banana", que começou
a ser vendida nesta segunda-feira
(Nova Sampa/Devir).
Os desenhistas se inspiraram
no filme "Três Amigos!", de
1986, estrelado por Steve Martin,
Chevy Chase e Martin Short. A
versão em quadrinhos ironizava
A GERAÇÃO CIRCO

as histórias de faroeste, em especial as ambientadas na divisa com o México (com os Miguelitos, rótulo dado
aos meninos que povoavam o local).
A aventura foi publicada pela primeira vez no número 12 da revista "Chiclete com Banana", de no-
vembro de 1987. Foi o primeiro passo para uma série de outras histórias, que serão lançadas edição sim,
edição não da antologia.
A nova Chiclete vai reeditar material dos 24 números da revista de Angeli, publicada entre 1985 e
1990. Terá também histórias de edições especiais de personagens criados por Angeli. A vedete será Ré
Bordosa, presente em todos os 16 números mensais da antologia.
A assiduidade dela é "por ser a personagem mais famosa e admirada", diz por telefone Toninho Men-
des, editor das duas versões da revista. "Tudo o que foi feito sobre ela vai sair nas 16 edições." A morte
dela foi programada para a edição 13.

Mendes selecionou 800 páginas de histórias de um total de 2.300. Um dos critérios foi a atualidade
do material. O que foi separado para a antologia será lançado fora da ordem cronológica. Neste primeiro
número, há histórias das edições 1 (duas histórias), 2, 5, 9, 12, 18 e de um especial de Ré Bordosa, de
outubro de 1987.
O motivo, segundo Mendes, é para distribuir melhor os autores pelos 1G números. "Se eu mantivesse
a ordem cronológica, eu teria as quatro primeiras edições [da antologia] só com Angeli e as últimas
teriam menos material dele. E é uma coisa que não nos interessa."
Angeli produziu muitas histórias até a edição sete. Depois, apareceram outros autores que passaram
a dividir o espaço da revista com ele. É o caso de Laerte, que tem a história "Penas" publicada neste nú-
mero de estreia.
Toninho Mendes foi o criador e responsável pela Circo Editorial, que publicou por 11 anos o novo
quadrinho urbano que surgia em São Paulo após a abertura política, em 1985. Além da Chiclete, pas-
saram pelas 111J.OS
dele revistas como "Ceraldão", "Piratas do Tietê" e "Circo".
Hoje, ele se dedica a outras atividades. Mas mantém um pé firrne nessas histórias. Ele coordena as
reedições do material, publicadas há alguns anos pela Devir. A volta da "Chiclete com Banana", a mais
LUl10sada Circo Editorial, era uma "necessidade dos leitores e nossa", diz. Mendes conta que a revista
era muito procurada, mas pouco encontrada.
E uma volta da Chiclete com material inédito? "A gente [ele e Angeli] não descarta vir a fazer uma re-
vista. Mas precisa ver antes como é que esta edição vai se comportar nas bancas". Ao todo, foram distri-
buídas 35 mil cópias, vendidas em bancas de São Paulo e do Rio Grande do Sul. Cada número terá 48
p;íginas e será publicado em papel jornal, o mesmo usado na primeira versão da "Chiclete com Banana".

Comentário - Os números seguintes da "Antologia Chiclete com Banana" passaram por sucessivos atrasos. O segundo
começou a ser vendido em agosto de 2007. O terceiro, em novembro. O quarto, com Rê Bordosa na capa, em janeiro do
ano seguinte. O décimo número, de janeiro de 2010, foi o último a ser publicado. A Companhia das Letras havia fechado
contrato para publicar uma coletânea de "tos Três Amigos".
Capítulo 20

24.07.2007

ANGELI MATOU MEIAOITO?

O último registro de Meiaoito: o revolucionário personagem foi atropelado e esmagado por um ca-
minhão da Coca-Coca, empresa-símbolo do grande império capitalista (na visão de Meiaoito,
claro). O flagrante veio a público na sexta-feira passada. Circulou no caderno Ilustrada do jornal "Folha
de S.Paulo".
Desde então, não se tem notícias do personagem, tido como o último comunista vivo. Ainda acredi-
tava na tomada do poder via revolução. Nanico testemunhou a cena do atropelamento. Ele era o fiel se-
guidor de Meiaoito na causa revolucionária. Embora não seja relevante para este caso, há farto material
de arquivo que revela cenas de assédio de Nanico para cima do parceiro. Pelo que se sabe, ficou apenas
no flerte.
O suspeito do possível crime é Angeli, criador do personagem e autor das tiras de Chiclete com Ba-
nana. Ele é réu confesso do assassinato de outro personagem. O desenhista matou a "porraloca" Rê Bor-
dosa quatro anos após a primeira aparição dela nos quadrinhos. A cena foi mostrada num especial da
revista "Chiclete com Banana", de dezembro de 1987. Houve uma segunda edição em agosto de 1991.
Toninho Mendes, cúmplice de Angeli na morte de Rê Bordosa, disse por telefone estar tão surpreso
quanto os leitores da Folha. Mendes era o editor da revista "Chiclete com Banana". Ele é também o res-
ponsável pela antologia da publicação, lançada mês passado.
As buscas ao suspeito principal continuam. Angeli foi procurado ontem, por telefone. Até este mo-
mento, não ligou de volta. O testemunho dele é essencial para saber o real destino de Meiaoito. As tiras
dos dias seguintes têm abordado outros temas.
Nas últimas tiras de Meiaoito, publicadas desde o mês passado, ele era mostrado em crise existencial.
Em seu banheiro, reavaliava seu papel na revolução e via vários fantasmas, de Che Guevara a Stálin.
Um dos conselhos que ouviu é que o tempo de revolução já havia terminado. "Se não pegou ninguém
naquela época, não vai pegar agora", disse a ele um dos fantasmas.
Angeli matou mesmo Meiaoito?

500
A GERAÇÃO CIRCO

30.07.2007

COLEÇÃO DE LUXO VAI RELANÇAR HISTÓRIAS DOS PIRATAS DO TIETÊ

U ma coleção em três volumes vai relançar todas as histó-


rias em quadrinhos dos Piratas do Tietê, personagens
criados pelo cartunista Laerte Coutinho. As edições terão capa
dura e 112 páginas cada uma. A primeira foi programada para
agosto. As outras duas devem ser lançadas dentro de um ano.
Os volumes serão publicados pelas editoras Devir e jaca-
randa, que têm em catálogo outros álbuns com trabalhos de
Laerte. Cada uma das histórias trará um texto introdutório
de Laerte, dando detalhes sobre ela. O volume de estreia trará
sete aventuras dos truculentos personagens, que navegam
pelas águas do Rio Tietê, em São Paulo.
A história que deu origem à série, publicada em 1986 no
número quatro da revista "Chiclete com Banana', abre o pri-
meiro volume. Na história inaugural, os Piratas invadem o
"Playcenter" (ou "Pleicenter", como diz o capitão da trupe),
parque de diversões que fica na Marginal Tietê, em São Paulo,
ao lado do rio homônimo. Na invasão, atacam ~ e devoram ~
uma orca, uma das atrações do parque.
Laerte explica no texto introdutório dessa história que os Piratas surgiram para atender a um pedido
de Toninho Mendes, editor da Chiclete e dono da editora que publicava a revista, a Circo Editorial.
Mendes queria uma história de Laerte na publicação de Angeli. "Depois de umas viagens, cheguei aos
Piratas", escreve Laerte, hoje com 56 anos.
"E gostei dos ingredientes: bandidagem, romantismo, humor, aventura, sociologia ... o fato de ser no
Rio Tietê levou naturalmente ao Playcenter e à orca." Fotos do rio paulistano e de pontos da cidade
compõem o primeiro volume. A edição e o projeto gráfico foram feitos por Toninho Mendes, que faz
nova parceria com Laerte.
Mendes editou a revista dos Piratas, lançada nas bancas entre maio de 1990 e abril de 1992. Foram
14 números. Esta nova coleção ~ que tem o subtítulo ''A Saga Completa" ~ traz histórias da revista ho-
mônima, da "Circo Editorial" e da "Chiclete com Banana', todas da Circo Editorial.
"[A coleção] É para reunir, pela primeira vez, todas as histórias dos Piratas", diz o editor. "E, acima
de tudo, é uma homenagem ao Laerte".
Mendes imaginou um diferencial para cada um dos três volumes. O primeiro terá um perfil
de Laerte, de oito páginas. O artigo é de Marcelo Alencar, que por muito tempo escreveu sobre quadri-
nhos no jornal "Estado de S. Paulo". O segundo número vai trazer o texto da peça "Piratas do Tietê
~ O Filme", encenada em São Paulo em 2003. O texto é inédito em livro. O último número terá um
pôster colorido dos Piratas.
Embora o foco esteja nas histórias em quadrinhos de mais de uma página, os três volumes trarão ,,1-
gumas tiras. Mas serão poucas. Elas aparecerão antes das histórias e vão ter a função de antecipar o clima
da narrativa. As tiras dos Piratas foram publicadas por anos no jornal "Folha de S.Paulo" e foram ree-
ditadas pela editora gaúcha L&PM em dois volumes de bolso, lançados no ano passado.

501
Capítulo 20

Apesar de o nome das tiras da Folha continuar sendo "Piratas do Tietê" até hoje, eles raramente aparecem
nas piadas diárias de Laerte. Ele tem preferido criar um personagem diferente para cada tira.

Comentário - Os outros dois volumes de "Piratas do Tietê - A Saga Completa" foram publicados em novembro de 2007
e maio de 2008. A coleção venceu por dois anos seguidos o Troféu HQMix de melhor publicação de humor. Nas tiras, os
personagens não voltaram mais.

LAERTE LANÇA LIVRO DE MEMÓRIAS FEITO EM QUADRINHOS

O cartunista Laerre, 56, vai reunir em livro


memórias
lembranças
dos tempos de criança. As
foram narradas em quadrinhos.
Chamada de "Laerrevisâo - Coisas Que Não
Esqueci", a obra está programa para ser lan-
çada até o fim do mês.
Os quadrinhos são os mesmos que fixam
lançados semanalmente na "Folha de
S.Paulo". Nas histórias, Laerte representa a si
próprio quando criança e aborda em três, qua-
tro quadrinhos, algum fato da infância. Um
ponto que perrneia todas as lembranças é a
presença da televisão.
Ou melhor: dos primórdios da TV no Bra-
sil, na visão do cartunista ainda criança (por
isso, o título "Laertevisão").
Este lançamento da Conrad, de 128 páginas, traz também fotos do cartunista e uma raridade: desenhos
dele produzidos ainda quando era menino. A facilidade ao acesso do material biográfico é por um motivo
familiar. A edição é feita por Rafael Coutinho, filho de Laerte. O álbum foi produzido em capa dura,
parte em preto e branco, parte em cores.
É o segundo livro de Laerte programado para este mês. A editora Devir vai lançar até o fim do mês o
primeiro volume de uma coletânea de luxo dos Piratas do Tietê, criação mais famosa do desenhista.

Comentário - "Laertevisão - Coisas Que Não Esqueci" foi o trabalho mais premiado no Troféu HQMix de 2008. O álbum
venceu em três categorias: melhor projeto editorial, projeto gráfico e edição especial nacional. Também naquele ano, o
cartunista foi premiado pelo álbum "Piratas do Tietê - ASaga Completa". Em março de 2009, a peça "A Noite dos Palhaços
Mudos", baseada nos quadrinhos de Laerte, venceu o Prêmio Shell de Teatro, de São Paulo. A vitória foi para os atores
Domingos Montagner e Fernando Sampaio, que viveram os palhaços no palco. Na peça da companhia ta Mínima, a dupla
muda tenta resgatar um nariz de palhaço, mantido por uma organização que tenta exterminar a classe circense.

')02
A GERAÇÃO CIRCO

13.06.08

DOIS JORNAIS CANCELAM PUBLICAÇÃO DE TIRAS DE LAERTE

O S jornais "Zero Horà', do Rio Grande do Sul, e "A Tribunà', do Espírito Santo, suspenderam
publicação de tiras de Laerte. A informação foi dada pelo próprio desenhista no programa "Áudio
Papo", da Rádio USP, de São Paulo. A entrevista, previamente gravada, vai ao ar nesta sexta-feira à noite.
a

"É possível que outros jornais cancelem também. Mas eu não penso em redefinir minha direção não",
disse ele ao jornalista Fabio Rubira, apresentador do programa. A nova direção a que Laerte se refere é
a forma como tem produzido as tiras de Piratas do Tietê nos últimos anos. Elas deixaram de ter uma
piada no fim, como ocorre normalmente nas tiras cômicas.
No lugar do humor, o desenhista tem produzido reflexões, algumas surreais, como se fossem peque-
nas crônicas na forma de quadrinhos, sem personagens fixos. "Eu dei um tempo com eles. Um tempo
definitivo."
Esse modo de produzir as histórias já constitui o embrião de um novo gênero de tira, que tem sido
rotulado provisoriamente de "tiras filosóficas". "Já não tô mais chamando de fase, porque eu não vejo
o fim dela. Eu estou achando que é um novo ciclo que eu comecei", disse na entrevista.
A guinada criativa de Laerte se deu após a morte de um de seus filhos num acidente de carro em
2006. Isso funcionou como uma espécie de "divisor de águas" no trabalho dele. Em outra entrevista,
concedida em agosto do ano passado, ele disse que não via mais graça no tipo de humor que fazia.
A "Folha de S.Paulo" continua com :.1 publicação das tiras de Laerre nos cadernos de cultura e infor-
mática. Segundo o desenhista, o jornal tem dado liberdade ao trabalho dele.

Comentário - O novo modo de produzir tiras de Laerte se firmou e fez escola. Outros desenhistas brasíleíros passaram
a ocupar espaço nos jornais e na internet com quadrinhos com temas livres, sem a preocupação de criar uma piada no
final. Em artigo produzido em 2010 para o Intcrcom (Congresso Brasileiro de Ciências d'a Comunicação), defendi o nome
de "tiras livres" para esse novo gênero dos quadrinhos.
Capítulo 20

1.3.07.08

CURTA SOBRE MORTE DE RÉ BORDOSA GANHA DOIS PRÊMIOS EM PAULÍNIA

curta-metragem "Dossiê Rê Bor-


O dosa", dirigido por Cesar Cabral,
venceu três prêmios do 10 Festival Pau-
línia de Cinema. A cerimônia de entrega
ocorreu no sábado à noite. A produção
foi escolhida o melhor curta nas seleções
feitas pelo júri oficial, pela crítica e pelo
júri popular (nesta, ficou empatado com
"Vida Maria", de Marcio Ramos).
A animação procura responder por
que o cartunista Angeli matou a perso-
nagem em 1987. O filme já havia con-
quistado uma menção honrosa no
Anima Mundi e dois prêmios do "Cine-
PE", de Permambuco, nas categorias
melhor roteiro e trilha.
O diferencial do curta é que todos os
entrevistados são mostrados na forma
animada. Funciona como se fosse um
documentário. Ouve-se a voz dos entre-
vistados, mas a imagem que se vê deles é
feita por meio de animações. Entre os entrevistados, estão o cartunista Laerte, o editor da revista "Chi-
clete com Banana", Toninho Mendes, e o próprio Angeli.
O principal destaque do festival de cinema, realizado em Paulínia (a 118 km de São Paulo), foi o
longa "Encarnação do Demônio", dirigido por José Mojica Marins, o Zé do Caixão. A produção venceu
em sete categorias da premiação, entre elas a de melhor filme.
Se não houver mudanças de programação, o longa estreia nos cinemas em 8 de agosto. Antes disso,
deve ser lançado o álbum em quadrinhos "Prontuário 666 - Os Anos de Cárcere de Zé do Caixão". A
obra, da Conrad, foi desenhada por Samuel Casal. O álbum é anunciado pela editora como "a história
em quadrinhos que precede o filme".
O 10 Festival Paulínia de Cinema é uma tentativa do município de tornar a cultura a segunda fome
de renda da cidade. Paulínia é conhecida economicamente como pólo petroquímico.
"Dossiê Rê Bordosa' será exibido também no Anima Mundi, tanto na edição do Rio de Janeiro (até
dia 20) quanto na de São Paulo (de 23 a 27 de julho). Há ainda exibições em Belo Horizonte (MG),
Salvador (BA) e no }60 Festival de Cinema de Gramado (RS).

Comentário - Houve uma divertida exibição de "Dossiê Rê Bordosa" na cerimônia de premíação do Troféu HQMix
de 2008, julho daquele ano. O curta levou a plateia às gargalhadas. O vídeo conquistou duas dezenas
de prêmios.

504
A GERAÇÃO CIRCO

14.03.10

GLAUCO VILLAS BOAS (1957-2010)

desenhista Jean assinou a charge da edição deste domingo da "Folha de S.Paulo". O humor se an-
O corava na disputa entre os pré-candidatos presidenciais Dilma Roussef e José Serra, mediados por
Lula, na hora de inaugurar uma obra.
O diferencial do trabalho é que reproduziu o estilo que marcou Glauco nas últimas três décadas, in-
clusive no privilegiado espaço de charges do jornal. Jean dedicou o desenho ao colega. Até intitulou a
arte como "Casal Neuras", alusão a uma das criações de Glauco.
Na véspera, a Folha, jornal onde Glauco trabalhava desde o final da década de 1970, fez uma home-
nagem histórica ao quadrinista. O espaço de todas as ilustrações não foi preenchido. Charge, ilustrações,
todas as tiras, tudo ficou vazio, num branco que fez as vezes do negro no luto.
A Folha produziu, também no sábado, um caderno especial, de seis páginas. A convite do jornal, au-
tores gráficos fizeram desenhos para marcar a morte do colega. O de maior destaque foi o assinado em
conjunto por Angeli e Laerte, órfãos do amigo com quem compunham a série "Los Três Amigos".
A ilustração de Angeli e Laerte representou em desenho o sentimento da perda. Mostrava um frag-
mento de uma escura metrópole. Os prédios traziam placas com os nomes motel, sex, drive rhru, cartel,
próprios do universo de personagens criado por Glauco. No centro, em primeiro plano, havia uma
árvore branca, com o rosto de um Geraldão atônito.
O solteirão neurótico foi o personagem de Glauco mais usado nas várias homenagens visuais que to-
maram conta da internet e de telejornais desde a sexta-feira, dia 12, data da morte do desenhista, então
com 53 anos.
Os trabalhos foram a forma encontrada por muitos quadrinistas de expressar o que as palavras difi-
cilmente poderiam explicar. Habituados a acompanharem Glauco nas seções de humor, acordaram com
o rosto e os personagens dele em destaque na pauta policial.
Glauco Villas Boas havia sido assassinado na madrugada daquela sexta-feira, pouco depois da meia-
noite, na fazenda onde morava, em Osasco, na Grande São Paulo. Os tiros fatais atingiram também o
filho dele, Raoni, de 25 anos.
Desde então, a imprensa tem dado ao caso um destaque digno da importância do desenhista, algo in-
comum na mídia brasileira quando o assunto é quadrinhos. Os sites noticiosos já punham o assunto
como a principal manchete do dia na manhã da sexta. Os telejornais de fim de noite iniciaram as edições
com a morte e a vida de Glauco.
Os principais jornais do país estamparam na capa das edições de sábado fotos de Glauco e desenhos
de Geraldão, alguns com maior espaço do que a Folha, caso do "Jornal da Tarde", ligado ao grupo do
concorrente "O Estado de S. Paulo".

505
Capítulo 20

Os depoimentos de colegas e de pessoas ligadas direta ou indiretamente à área ajudaram a construir


uma imagem de como o desenhista era por trás dos quadrinhos que fazia. Pessoa tímida, doce, inteli-
gente, desapegada, inclusive dos prazos de entrega dos trabalhos.
Houve também - sempre há - alguns oportunistas que se aproveitaram do caso. Como certa autori-
dade política que analisou com suposta propriedade o traço do desenhista menos de um ano depois de
classificar como "um horror" o estilo de autores que dividiam com Glauco a página de tiras da Folha.
Alguns dos depoimentos, por mais bem intencionados que fossem, externavam um profundo desco-
nhecimento sobre a área. Mais de uma pessoa viu no desenho de Glauco um estilo infantilizado. Con-
fusão entre traço pueril com simplificado e, por isso mesmo, rico.
Quem corrigia era o próprio desenhista, em entrevista de 2003, num diálogo póstumo com esses au-
tores: "Tentei usar o computador para desenhar, mas meu desenho sai como se fosse de uma
criança'. Não era, portanto, um estilo infantilizado.
No geral, no entanto, a morte de Glauco - injustificável por todos os ângulos por onde se olhe - pôs
em evidência para a sociedade - inclusive para quem nunca o tinha lido - a importância que ele teve
para a consolidação do humor e dos quadrinhos nacionais no passado recente do país.
Glauco se destacou nacionalmente nos salões de humor de Piracicaba de 1977 e de 1978, premiado
em primeiro e segundo lugares, respectivamente, com desenhos que criticavam, com seu tradicional
humor, a falta de liberdade no período militar (1964-1985).
Na mesma década, começou a fazer trabalhos eventuais para a Folha, até que estreou Geraldão no es-
paço de tiras do jornal. A retrospectiva de sua morte ajudou a precisar a data da primeira história: 4 de
outubro de 1983, e não 1984, como se imaginava antes. Em abril de 1985, criou Geraldinho, versão
infantil do personagem.
O solteirão foi sua criação mais famosa, popularidade reforçada pelo uso dele na maioria dos desenhos
feitos em homenagem a Glauco nos dois últimos dias. Foi um personagem que deu o tom dos demais
seres com quem iria dividir o espaço diário de tiras nos anos e décadas seguintes.
Glauco era hábil em encarnar as neuroses sociais em seus personagens. De uma funcionária tarada -
Dona Marta - ao problemático relacionamento conjugal - Casal Neuras, que assume a neurose no
nome. De um homem obcecado pelo fim do mundo - Zé do Apocalipse - a um drogadito - Doy Jorge.
A tendência em representar a neurose, embora não fosse regra, sintetizava o modo de ser de muitas
de suas criações, ao mesmo tempo em que as distinguia das do amigo Angeli, vizinho da parte nacional
das tiras da Folha. O autor de "Chiclete com Banana" moldava tipos urbanos. Glauco, as neuroses ur-
banas.
Geraldão ganhou revista própria pela Circo Editorial. Pela mesma editora, Glauco dividiu trabalhos
com os parceiros Angeli e Laerte, O livro "Três Mãos Bobas", lançado pela Devir em 2006, reúne algu-
mas dessas parcerias feitas a várias mãos.
O ápice, no entanto, se deu com "Los Três Amigos", sátira dos filmes de íaroeste. Laerte era
Laerton; Angeli, Angel Villa; Glauco; Glauquito. Riam deles mesmos nos desenhos que faziam de si.
Não por acaso, Angeli declarou que, com a morte do amigo, perdia parte de sua história.
O trio ajudou a redefinir o humor brasileiro no período pós-ditadura, época em que as liberdades
eram postas à prova. E Glauco as pôs, justamente com sua criação mais conhecida. Geraldão. O perso-
nagem, que de início andava pela casa com uma cuecona de elástico solto, foi mostrado completamente
nu, com a genitália desnuda, como ficou conhecido o caso.
Para dar a justa medida: foi a primeira vez que um protagonista de tiras cômicas brasileiras passou a

'í06
A GERAÇÃO CIRCO

ser representado sem roupa, maneira provocadora de testar a liberdade democrática. O caso é histórico
e precisa ser relembrado em futuras obras que se proponham a explicar a trajetória das tiras no Brasil.
Geraldão, os demais personagens de Glauco e também os de Angeli ajudaram a tornar as tiras cômicas
brasileiras definirivamcnte adultas, terreno que já vinha sendo trilhado, na década de 1970, por Edgar
Vasques, Henfil e Ciça.
No plano pessoal, como foi tão noticiado nos últimos dias, Glauco se tornou um dos fundadores e
dirigentes da igreja Céu de Maria, ligada à filosofia do Santo Daime. No plano profissional, continuou
com os trabalhos da Folha.
Nas charges para o jornal, seu estilo cartunizado ajudava a fazer um contraponto mais leve e humo-
rístico, sem perder a criticidade, aos trabalhos ácidos do amigo Angeli. Nas tiras, Glauco continuou al-
ternando os personagens antigos com outros, novos, com suas neuroses peculiares.
As tiras dele neste século já não tinham o mesmo impacto provocador das duas décadas anteriores.
Isso não tira a importância delas, nem seu valor. Ao contrário do colega Laerte, vizinho de página, que
abandonou os personagens fixos e se reinventou no gênero - e o gênero em si -, Glauco se manteve fiel
ao uso de suas criações.
Os corpos de Glauco e de seu filho foram enterrados no sábado de manhã no Cemitério Parque Ceth-
semani Anhanguera, em Osasco, Com o enterro, o noticiário tende a deixar de equilibrar a importância
do quadrinista com as informações sobre sua morte.
As investigações sobre o suspeito do crime vão nortear o noticiário policial, como já vem ocorrendo
desde a tarde deste domingo. É de se esperar também pautas sobre o entorno do caso: drogas, compor-
tamento errático, cultos religiosos.
Do ponto de vista do leitor, tais notícias não irão preencher o vácuo deixado na página de tiras da
Folha, espaço que Glauco ajudou a tornar tão popular na imprensa brasileira. Mesmo que seus perso-
nagens já não tivessem o mesmo impacto de antes, era como se fossem pessoas próximas, que costuma-
mos ver todos os dias. E que, abruptamente, não veremos mais.
O novo editor-executivo da "Folha de S.Paulo", Sérgio Dávila, que assume o cargo nesta segunda-feira,
disse em entrevista ao jornal "O Estado de S. Paulo" que a página de tiras será remanejada. A última história
foi publicada neste domingo. Dávila reforçou, acertadamente, que Glauco é insubstiruível.
Como disse Laerte, "perde-se uma pessoa maravilhosa e doce, mas o trabalho dele fica".
Fica mesmo, Laerre,
O que a imprensa noticiou nos últimos dias ajudou a relembrar à sociedade a importância do dese-
nhista e deu a ele o merecido destaque histórico que sempre teve.

Comentário - A "Folha de SPaulo'' circulou dois dias depois um suplemento de 32 páginas com charges, tiras e
cartuns feitos pelo desenhista durante os 33 anos em que trabalhou para o jornal. O caderno especial foi chamado de
"Gibi do Glauco". Na seção de tiras,houve mais de uma homenagem dos colegas de página. O jornal decidiu reeditar:h'i
tiras de Glauco por um ano. A reestreia ocorreu na edição do dia 17 de março. A vaga na seção de charges foi ocupada
pelo jovem talento João Montanaro.

507
Capítulo 20

03.10.10

LIVRO AJUDA A ENTENDER MELHOR TIRAS DE MUCHACHA

A opção de reunir as tiras de Muchacha em livro fez


..l"l.bem à série de Laerte, à venda nas livrarias e lojas
de quadrinhos (Quadrinhos na Cia., 96 págs.). O novo
suporte ajuda a compreender melhor a história, antes pu-
blicada semanalmente no caderno de cultura do jornal
"Folha de S.Paulo".
O espaço de sete dias, reduzido agora à página se-
guinte, torna mais fluida e coerente a passagem de uma
cena à outra e permite ao leitor entender melhor a trama
como um todo. O formato livro - ou álbum, rótulo
usado quando se trata de quadrinhos - também contri-
bui para que se percebam por completo os cortes narra-
tivos feitos pelo cartunista.
Nem sempre a tira seguinte dá continuidade à anterior. Algumas funcionam como uma espécie de
digressão à história lida até então. Mas há uma relação temática, que vai sendo construída pouco a
pouco. A trama de humor dialoga com os bastidores dos programas de TV da década de 1950.
O protagonista é Capitão Tigre, estrela de um dos seriados de então. Com o desenrolar da narrativa,
ele começa a incorporar a personalidade do herói de máscara que interpreta. A confusão de quem ele
realmente é acentua com a troca de patrocinador e a substituição do programa por uma animação, en-
cabeçada pelo revolucionário Morcego Frederico.
A Muchacha do título é encarnada pelo ator Djalma, que também atuava no programa. Desempre-
gado, Djalma vê na criação da cantora latina uma forma de continuar trabalhando. A coletânea traz
como extra uma história de oito páginas, que conta a origem do Capitão Tigre. O trabalho foi feito por
Rafael Coutinho, filho de Laerte.
O diferencial do livro é mesmo possibilitar o intervalo curto na leitura de uma tira à outra, o que ajuda
a entender melhor o emaranhado narrativo de Laerte. Por isso, a série funciona melhor do que quando
foi publicada no jornal, uma vez por semana. Não são poucas as nuances narrativas construídas por
Laerte, merecidamente premiado neste ano com um Troféu HQMix na categoria "grande mestre".

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A GERAÇÃO CIRCO

6:).

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509

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