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Ramos, Paulo
Revolução do gibi : a nova cara dos quadrinhos
no Brasil! Paulo Ramos. -- São Paulo: Devir, 2012.
12-04363 CDD-741.5
A trajetória de Angeli, Glauco e Laerte se confunde. O trio ajudou a dar a cara do quadrinho urbano
.fique surgia em São Paulo na década de 1980, época em que o país passava pelo processo de rede-
mocratização, após anos de regime autoritário. O fim da ditadura militar trouxe ares de liberdade. Li-
berdade que os três puseram à prova nos quadrinhos que faziam.
Os novos ventos democráticos trouxeram a Circo Editorial. A empresa, coordenada por Toninho
Mendes, pôs nas bancas revistas em quadrinhos de humor produzidas pelo grupo. "Chiclete com Ba-
nana", "Geraldão" e "Piratas do Tietê" obtiveram boa repercussão nas bancas dialogando com o leitor
adulto, num momento em que a maior parte da produção editorial do país ainda era prioritariamente
direcionada ao público infanto-juvenil.
As produções serviram de base para muitos autores da geração seguinte. A saúde da Circo Editorial-
e de suas publicações -foi abalada pelas sucessivas mudanças econômicas da primeira metade da década
de 1990. A editora fechou. Os desenhistas, no entanto, já haviam consolidado uma marca autoral e crí-
tica nas tiras feitas para a "Folha de S.Paulo".
Ocuparam também outros espaços do jornal, do caderno infantil ao destinado aos jovens. Transfor-
maram a si próprios em personagens de quadrinhos nas histórias de "Los Três Amigos", vividas por suas
contrapartes Angel Villa, Glauquito e Laerton. Depois, Adão lturrusgarai seria incluído como quarto
integrante.
A produção dessa época e a que veio nos anos seguintes pôde ser (relvista desde a virada do século na
forma de coletâneas, publicadas por diferentes editoras, em diferentes formatos. Houve também uma
tentativa de trazer de volta a "Chiclete com Banana" nas bancas, via reedições.
No cinema, o longa-metragem "Wood & Stock - Sexo, Orégano e Rock n Roll" obteve boa reper-
cussão. Luiz Gê, autor importante da Circo Editorial, marcou sua volta aos quadrinhos, adiada por
quase 20 anos. Laerte reinventou a maneira de fazer tiras e criou um novo gênero.
O ano de 2009 mudou de forma trágica a história do trio e dos quadrinhos no Brasil, com o injusti-
ficável assassinato de Glauco e do filho dele, Raoni, em Osasco, na Grande São Paulo.
Capítulo 20
26.04.2006
SEIS MAos BOBAS geli, Glauco e Laerte, autores de Chiclete com Banana,
Geraldão e Piratas do Tietê, respectivamente.
Parte dos personagens deles resistiu ao tempo e é publi-
cada até hoje na "Folha de S.Paulo" em forma de tiras.
Mas alguma coisa mudou. Percebe-se isso claramente du-
rante a leitura do álbum. Havia uma declarada intenção
transgressora, bem mais do que hoje. Sexo era o tema pre-
ferido, sempre trabalhado com o humor peculiar e urbano
do trio.
PARCERIAS DOS ANOS 80 PUBlICADA$ NAS REVISTAS Temas como sexo, homossexualismo e uso de camisinha
CHICLETE COM BANANA E GERALDÃO
eram novidade nos anos 1980. Todos são abordados pelo
JACtiisDA DEVléJt~~IA
trio. Mais do que 17 parcerias - publicadas originalmente
nas revistas "Chiclete com Banana" e "Geraldão", da ex-
tinta Circo Editorial-, "Seis Mãos Bobas" é um registro de época, um momento pós-ditadura em que a
liberdade de expressão ainda testava seus limites.
O que o trio parecia adorar era testar os limites dessa liberdade. Batizaram uma das histórias de
"Cenas Censuradas da Reunião do Conselho de Censura". Pura provocação. Segundo Laerte, em de-
poimento registrado no fim da edição, ainda havia resquícios da "tesoura" da censura. E isso inco-
modava.
Esse depoimento se junta a outros e compõe um dos diferenciais do álbum (em comparação a outras
publicações individuais do trio pela mesma parceria entre Devir e jacaranda): o making of de cada his-
tória. Sugestão: leia a história e corra para saber como foi feita.
É lá que você descobre por que Angeli não participou da homenagem a Henfil, vítima de Aids (a
doença era outro tema novo na época). Angeli "não estaria gostando dele naquele momento". Glauco e
Laerte contestam. Toninho Mendes, que recolheu os depoimentos, tem o mérito de não esconder as di-
vergências pontuais do grupo.
Divergências que não comprometeram a relação do trio. Glauco, Angeli e Laerte, autores do trabalho
conjunto "Los 3 Amigos", mantêm uma relação duradoura. Começou lá na década de 1980. O álbum
mostra um pouco daquela época. Há muito mais material, que também merece reedição. É como diz o
homenageado Henfil: "Morro, mas meu desenho fica". O deles também ficou.
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A GERAÇÃO CIRCO
25.07.2006
49.'3
Capítulo 20
lecionava. "Do Angeli eu comprava todas as Chicletes com Banana, além de acompanhar seu trabalho
na Folha [de S.Paulo]".
"Esse espírito contracultural foi uma descoberta meio tardia para mim. Quando era guri tinha medo
de barbudos drogados, mas aos poucos esse medo foi se transformando em admiração, num processo
sem volta. Claro nem eu nem o Angeli somos hippies, talvez o Angeli tenha sido um pouco, vi umas
fotos dele de bigodão e tal. De qualquer forma, cada vez mais me vejo enfronhado com autores ditos
malditos.
"Então foi uma reviravolta de 180 graus, meu ídolo anterior, o belga George Rémis, Hergé, era um
ultradireitista. Mesmo assim, continuo admirando muito todos os álbuns do Tintim. Seu desenho con-
tinua uma referência mundial, transcriado por autores de todos os continentes."
"Wood & Stock - Sexo, Orégano e Rock n Roll" deve estrear oficialmente no dia 25 de agosto em
Porto Alegre. "Estarnos negociando as salas comerciais aqui do sul, Cinemark, Cinesystem, GNC etc.",
diz a produtora-executiva do desenho, Marta Machado. "Pretendemos estar em pelo menos cinco salas e
mais cinco na grande Porto Alegre e interior."
Depois, vai subindo o mapa do Brasil. Novas sessões em São Paulo e Rio de Janeiro. "Distribuiremos
de forma independente, mas acreditamos no potencial do filme para um grande público. Nossa ideia é
não restringir a um segmento apenas." O próximo projeto é um desenho dos Piratas do Tietê, de Laerte.
A previsão de estreia é 2008.
30.08.2006
A editora gaúcha L&PM tinha uma tradição de publicar quadrinhos nos anos 1980. Muitos dos ál-
.r-lbuns eram com personagens nacionais e voltados às livrarias. A década de 1990 indicava que a em-
presa não ia mais apostar no filão. Só que a aceitação da Coleção Pocket - edições em formato de livro
de bolso - estimulou a editora a investir novamente em autores brasileiros. Nesta virada de semana,
chegaram às livrarias três títulos: "Geraldão - Edipão, Surfistão & Gravidão" CR$9), "Piratas do Tietê
2 - Histórias de Pavio Curto" (R$ 9) e "Pagando o Pato" (R$ 8).
O Pato, de Ciça, foi uma das tiras mais politizadas do país nas décadas de 1970 e 80. A autora fazia
dos animais uma metáfora do regime militar brasileiro. As formigas, por exemplo, tinham uma rainha,
que sempre usava um porta-voz para se comunicar com os "reles" súditos (leia-se, o povo). É um im-
portante registro de época.
A ditadura datou muitas das histórias do Pato. Mas Ciça soube se reciclar. Incluiu temas mais "demo-
cráticos" nas tiras, que são publicadas atualmente no "Jornal do Brasil", do Rio de Janeiro. Os persona-
gens falam agora sobre os sem-terra, inflação, corrupção. É dessa fase o material da L&PM.
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A GERAÇÃO CIRCO
A paulistana Ciça - ou Cecília Whitaker Vicente de Azevedo Alves Pinto - publicou uma outra co-
letânea de seus personagens em 1986, pela editora Circo Editorial. Era uma edição maior e mais com-
pleta do que o livro de bolso da L&PM. A capa, curiosamente, era a mesma.
"Geraldão - Edipão, Surfistão & Gravidão" mostra tiras do personagem-título, que saem na "Folha
de S.Paulo" desde a primeira metade da década de 1980. A edição traz histórias de Geraldão e de outras
duas criações de Glauco: Casal Neuras e Van Grogue. Não são muitas tiras. Mas são suficientes para
mostrar como o cartunista ajudou a tornar mais adulto o humor diário nos cadernos de cultura dos jor-
nais brasileiros, em especial o da Folha.
Uma prova disso é a cueca de Geraldão. O leitor vai reparar que, neste primeiro número, o persona-
gem com complexo de Édipo segura a cueca com uma das mãos. Ela ameaça, mas nunca cai. Anos de-
pois, num contexto mais "liberal", criador e criatura assumiram a queda da peça Íntima. Hoje, o
Geraldão é publicado diariamente com tudo à mostra.
Vale um estudo: observar a evolução de Geraldão sob a ótica da liberdade de expressão. O que mudou
com o passar dos anos? Os meios de comunicação ficaram mais ousados no trato com as tiras ou a so-
ciedade passou a aceitar melhor determinadas condutas? Ou as duas coisas? Geraldão é reflexo de tudo
isso, independentemente da respostas.
A ideia do estudo vale também para Laerte e seus "Piratas do Tietê 2 - Histórias de Pavio Curto". A
exemplo do número anterior, lançado em junho, é uma coletânea de histórias que saíram na "Folha de
S.Paulo". Ao lado de "Chiclete com Banana", de Angeli, foi por anos uma das tiras mais urbanas do
país. Serviu para influenciar muitas das tiras publicadas atualmente.
Piratas são de uma fase de Laerte em que ele impunha um humor mais agressivo. E violento, afinal,
eram piratas. Também vale como comparação para as histórias que ele cria hoje na Folha. Possuem o
mesmo rótulo no título: "Piratas do Tierê", Mas os piratas sumiram. Há muito tempo. Restou um
humor diferente, mais introspectivo, mais filosófico, quase um novo gênero de tira. Os velhos persona-
gens ficaram só no pocket.
A L&PM pretende publicar outras obras nacionais ainda neste semestre. A maioria é de Glauco. A
editora também editou álbuns com tiras estrangeiras, caso de Recruta Zero, Hagar e Garfield.
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Capítulo 20
A GENITÁUA DESNUDA
~
..•
WALTER seo
o mais Waltel dos Walters
e outros hpmho$ muters
CQnl.entáriQ - Os livros 4e bolso com personagens de Iaerte e Glauco ganbaramoutros volumes nos anos seguintes. O
catát6go passou aincluirtambénlColetâneas de Angeli, Iottl e dos personagens déMaurkio deSousa.AColeção Pocket
ajudou a L&PM a se reerguer editorialmente e a retomar a antiga linha de publicação de quadrinhos. A partir de 2009, a
editora gaúcha pas$OUa investirtíUllbélllem outros fOflllatos.~.Um deles foram edições enlcapa dura com tiras de Snoopy
e Charlie Brown. A L&PM foi uma das pioneiras a apostar no mercado de quadrinhos para livrarias nas décadas de 1970
eSO.
19.04.2007
que motivou o contato telefônico com Luiz Gê foi uma nota di-
O vulgada para a imprensa. O texto dizia que ele autografaria nesta
quinta-feira à noite em São Paulo uma série de publicações antigas,
todas fora de catálogo. A informação realmente confere. Mas tem
muito mais. O desenhista pretende voltar a fazer quadrinhos, lançar
um livro e reeditar a história da Avenida Paulista em quadrinhos.
Na verdade, uma coisa puxa a outra e arribas se confudem com a
história do desenhista, que é da mesma geração de Laerte e Angeli.
Melhor ir do início. Luiz Gê decidiu se desfazer de parte de seu acervo.
São publicações com antigos trabalhos dele. O local escolhido para
vender o material foi a "Menor Livraria do Mundo", que funciona
dentro do "[eremias, o Bar" (inspirado no personagem "[erernias, o
Bom", de Ziraldo).
A lista é longa. Começa com uma raridade: exemplares da "Balão",
considerada a primeira revista independente brasileira depois dos "Ca-
tecismos" de Carlos Zéfiro (quadrinhos eróticos que foram lidos clandestinamente por décadas). A
"Balão" durou de 1972 a 1975 e revelou nomes como Laerte, Angeli, Paulo e Chico Caruso. E o próprio
Gê, então aluno da USP (Universidade de São Paulo).
Ele foi também um dos criadores da revista. Por isso, ainda tem alguns exemplares guardados em casa,
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A GERAÇÃO CIRCO
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Capítulo 20
"Eu entrei com um pé atrás. Dei pouquíssimas aulas. Mas aí acabei andando e pegando mais aulas",
diz. Na universidade, ele foi o orientador de "O Circo Editorial de Lucca", trabalho de conclusão de
curso do desenhista Jozz. O projeto explica a linguagem dos quadrinhos por meio de metalinguagem.
Vai ser publicado pela editora Devir.
Pergunto se ele não pretende voltar a fazer quadrinhos. Surpresa: "Eu tenho vontade de voltar neste
ano". Tem vários projetos. Mas antes, diz, vem o livro. Outra surpresa. A obra é uma versão resumida
do doutorado defendido na Escola de Comunicações e Artes da USP em 2004. O trabalho teve quase
800 páginas e gerou três volumes.
"Escrita plástica: pensamento, conhecimento e interdisciplinaridade" tenta mostrar que os mesmos
mecanismos mentais de processamento das palavras ocorrem com os desenhos também. Gê mostra
como se dá esse processo nas artes, na comunicação, na tecnologia e na ciência. Ele afirma que também
tem editora para o livro, diferente da que vai relançar a história da Avenida Paulista.
Comentário - A anunciada volta de Luiz Gê aos quadrinhos ocorreu em 2009, numa adaptação de "O Guarani'.' para os
quadrinhos,·publicada pela editora Átíca. O contmto para o relançamento da obra sobre a Avenida Pauli sta acabou fiCando
com a Companhia das Letras. A editora programava inicialmente lançar o álbum para 201 O. O projeto ficou para 2012. O
acordo com a Companhia das Letras prevê também um álbum inédito, uma continuação de "Viagem ao Centro do Universo",
uma história de 12 páginas iniciada pelo desenhista em 1990 no número 23 da revísta "Chiclete com Banana". A narrativa
mostra a chegada de um especialista, Doutor Spix, ao que seria o centro do universo. A ida dele até o local se deu por um
convite da Acadenna Imperíal. A última página deixa o final em aberto e a intenção de continuar com a história. Uma le-
genda dizia que "0 levantamento sobre os passos seguintes serão publicados a seguir em uma trepidante revista desta edi-
tom. Aguardem!".
11.06.2007
as histórias de faroeste, em especial as ambientadas na divisa com o México (com os Miguelitos, rótulo dado
aos meninos que povoavam o local).
A aventura foi publicada pela primeira vez no número 12 da revista "Chiclete com Banana", de no-
vembro de 1987. Foi o primeiro passo para uma série de outras histórias, que serão lançadas edição sim,
edição não da antologia.
A nova Chiclete vai reeditar material dos 24 números da revista de Angeli, publicada entre 1985 e
1990. Terá também histórias de edições especiais de personagens criados por Angeli. A vedete será Ré
Bordosa, presente em todos os 16 números mensais da antologia.
A assiduidade dela é "por ser a personagem mais famosa e admirada", diz por telefone Toninho Men-
des, editor das duas versões da revista. "Tudo o que foi feito sobre ela vai sair nas 16 edições." A morte
dela foi programada para a edição 13.
Mendes selecionou 800 páginas de histórias de um total de 2.300. Um dos critérios foi a atualidade
do material. O que foi separado para a antologia será lançado fora da ordem cronológica. Neste primeiro
número, há histórias das edições 1 (duas histórias), 2, 5, 9, 12, 18 e de um especial de Ré Bordosa, de
outubro de 1987.
O motivo, segundo Mendes, é para distribuir melhor os autores pelos 1G números. "Se eu mantivesse
a ordem cronológica, eu teria as quatro primeiras edições [da antologia] só com Angeli e as últimas
teriam menos material dele. E é uma coisa que não nos interessa."
Angeli produziu muitas histórias até a edição sete. Depois, apareceram outros autores que passaram
a dividir o espaço da revista com ele. É o caso de Laerte, que tem a história "Penas" publicada neste nú-
mero de estreia.
Toninho Mendes foi o criador e responsável pela Circo Editorial, que publicou por 11 anos o novo
quadrinho urbano que surgia em São Paulo após a abertura política, em 1985. Além da Chiclete, pas-
saram pelas 111J.OS
dele revistas como "Ceraldão", "Piratas do Tietê" e "Circo".
Hoje, ele se dedica a outras atividades. Mas mantém um pé firrne nessas histórias. Ele coordena as
reedições do material, publicadas há alguns anos pela Devir. A volta da "Chiclete com Banana", a mais
LUl10sada Circo Editorial, era uma "necessidade dos leitores e nossa", diz. Mendes conta que a revista
era muito procurada, mas pouco encontrada.
E uma volta da Chiclete com material inédito? "A gente [ele e Angeli] não descarta vir a fazer uma re-
vista. Mas precisa ver antes como é que esta edição vai se comportar nas bancas". Ao todo, foram distri-
buídas 35 mil cópias, vendidas em bancas de São Paulo e do Rio Grande do Sul. Cada número terá 48
p;íginas e será publicado em papel jornal, o mesmo usado na primeira versão da "Chiclete com Banana".
Comentário - Os números seguintes da "Antologia Chiclete com Banana" passaram por sucessivos atrasos. O segundo
começou a ser vendido em agosto de 2007. O terceiro, em novembro. O quarto, com Rê Bordosa na capa, em janeiro do
ano seguinte. O décimo número, de janeiro de 2010, foi o último a ser publicado. A Companhia das Letras havia fechado
contrato para publicar uma coletânea de "tos Três Amigos".
Capítulo 20
24.07.2007
O último registro de Meiaoito: o revolucionário personagem foi atropelado e esmagado por um ca-
minhão da Coca-Coca, empresa-símbolo do grande império capitalista (na visão de Meiaoito,
claro). O flagrante veio a público na sexta-feira passada. Circulou no caderno Ilustrada do jornal "Folha
de S.Paulo".
Desde então, não se tem notícias do personagem, tido como o último comunista vivo. Ainda acredi-
tava na tomada do poder via revolução. Nanico testemunhou a cena do atropelamento. Ele era o fiel se-
guidor de Meiaoito na causa revolucionária. Embora não seja relevante para este caso, há farto material
de arquivo que revela cenas de assédio de Nanico para cima do parceiro. Pelo que se sabe, ficou apenas
no flerte.
O suspeito do possível crime é Angeli, criador do personagem e autor das tiras de Chiclete com Ba-
nana. Ele é réu confesso do assassinato de outro personagem. O desenhista matou a "porraloca" Rê Bor-
dosa quatro anos após a primeira aparição dela nos quadrinhos. A cena foi mostrada num especial da
revista "Chiclete com Banana", de dezembro de 1987. Houve uma segunda edição em agosto de 1991.
Toninho Mendes, cúmplice de Angeli na morte de Rê Bordosa, disse por telefone estar tão surpreso
quanto os leitores da Folha. Mendes era o editor da revista "Chiclete com Banana". Ele é também o res-
ponsável pela antologia da publicação, lançada mês passado.
As buscas ao suspeito principal continuam. Angeli foi procurado ontem, por telefone. Até este mo-
mento, não ligou de volta. O testemunho dele é essencial para saber o real destino de Meiaoito. As tiras
dos dias seguintes têm abordado outros temas.
Nas últimas tiras de Meiaoito, publicadas desde o mês passado, ele era mostrado em crise existencial.
Em seu banheiro, reavaliava seu papel na revolução e via vários fantasmas, de Che Guevara a Stálin.
Um dos conselhos que ouviu é que o tempo de revolução já havia terminado. "Se não pegou ninguém
naquela época, não vai pegar agora", disse a ele um dos fantasmas.
Angeli matou mesmo Meiaoito?
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A GERAÇÃO CIRCO
30.07.2007
501
Capítulo 20
Apesar de o nome das tiras da Folha continuar sendo "Piratas do Tietê" até hoje, eles raramente aparecem
nas piadas diárias de Laerte. Ele tem preferido criar um personagem diferente para cada tira.
Comentário - Os outros dois volumes de "Piratas do Tietê - A Saga Completa" foram publicados em novembro de 2007
e maio de 2008. A coleção venceu por dois anos seguidos o Troféu HQMix de melhor publicação de humor. Nas tiras, os
personagens não voltaram mais.
Comentário - "Laertevisão - Coisas Que Não Esqueci" foi o trabalho mais premiado no Troféu HQMix de 2008. O álbum
venceu em três categorias: melhor projeto editorial, projeto gráfico e edição especial nacional. Também naquele ano, o
cartunista foi premiado pelo álbum "Piratas do Tietê - ASaga Completa". Em março de 2009, a peça "A Noite dos Palhaços
Mudos", baseada nos quadrinhos de Laerte, venceu o Prêmio Shell de Teatro, de São Paulo. A vitória foi para os atores
Domingos Montagner e Fernando Sampaio, que viveram os palhaços no palco. Na peça da companhia ta Mínima, a dupla
muda tenta resgatar um nariz de palhaço, mantido por uma organização que tenta exterminar a classe circense.
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A GERAÇÃO CIRCO
13.06.08
O S jornais "Zero Horà', do Rio Grande do Sul, e "A Tribunà', do Espírito Santo, suspenderam
publicação de tiras de Laerte. A informação foi dada pelo próprio desenhista no programa "Áudio
Papo", da Rádio USP, de São Paulo. A entrevista, previamente gravada, vai ao ar nesta sexta-feira à noite.
a
"É possível que outros jornais cancelem também. Mas eu não penso em redefinir minha direção não",
disse ele ao jornalista Fabio Rubira, apresentador do programa. A nova direção a que Laerte se refere é
a forma como tem produzido as tiras de Piratas do Tietê nos últimos anos. Elas deixaram de ter uma
piada no fim, como ocorre normalmente nas tiras cômicas.
No lugar do humor, o desenhista tem produzido reflexões, algumas surreais, como se fossem peque-
nas crônicas na forma de quadrinhos, sem personagens fixos. "Eu dei um tempo com eles. Um tempo
definitivo."
Esse modo de produzir as histórias já constitui o embrião de um novo gênero de tira, que tem sido
rotulado provisoriamente de "tiras filosóficas". "Já não tô mais chamando de fase, porque eu não vejo
o fim dela. Eu estou achando que é um novo ciclo que eu comecei", disse na entrevista.
A guinada criativa de Laerte se deu após a morte de um de seus filhos num acidente de carro em
2006. Isso funcionou como uma espécie de "divisor de águas" no trabalho dele. Em outra entrevista,
concedida em agosto do ano passado, ele disse que não via mais graça no tipo de humor que fazia.
A "Folha de S.Paulo" continua com :.1 publicação das tiras de Laerre nos cadernos de cultura e infor-
mática. Segundo o desenhista, o jornal tem dado liberdade ao trabalho dele.
Comentário - O novo modo de produzir tiras de Laerte se firmou e fez escola. Outros desenhistas brasíleíros passaram
a ocupar espaço nos jornais e na internet com quadrinhos com temas livres, sem a preocupação de criar uma piada no
final. Em artigo produzido em 2010 para o Intcrcom (Congresso Brasileiro de Ciências d'a Comunicação), defendi o nome
de "tiras livres" para esse novo gênero dos quadrinhos.
Capítulo 20
1.3.07.08
Comentário - Houve uma divertida exibição de "Dossiê Rê Bordosa" na cerimônia de premíação do Troféu HQMix
de 2008, julho daquele ano. O curta levou a plateia às gargalhadas. O vídeo conquistou duas dezenas
de prêmios.
504
A GERAÇÃO CIRCO
14.03.10
desenhista Jean assinou a charge da edição deste domingo da "Folha de S.Paulo". O humor se an-
O corava na disputa entre os pré-candidatos presidenciais Dilma Roussef e José Serra, mediados por
Lula, na hora de inaugurar uma obra.
O diferencial do trabalho é que reproduziu o estilo que marcou Glauco nas últimas três décadas, in-
clusive no privilegiado espaço de charges do jornal. Jean dedicou o desenho ao colega. Até intitulou a
arte como "Casal Neuras", alusão a uma das criações de Glauco.
Na véspera, a Folha, jornal onde Glauco trabalhava desde o final da década de 1970, fez uma home-
nagem histórica ao quadrinista. O espaço de todas as ilustrações não foi preenchido. Charge, ilustrações,
todas as tiras, tudo ficou vazio, num branco que fez as vezes do negro no luto.
A Folha produziu, também no sábado, um caderno especial, de seis páginas. A convite do jornal, au-
tores gráficos fizeram desenhos para marcar a morte do colega. O de maior destaque foi o assinado em
conjunto por Angeli e Laerte, órfãos do amigo com quem compunham a série "Los Três Amigos".
A ilustração de Angeli e Laerte representou em desenho o sentimento da perda. Mostrava um frag-
mento de uma escura metrópole. Os prédios traziam placas com os nomes motel, sex, drive rhru, cartel,
próprios do universo de personagens criado por Glauco. No centro, em primeiro plano, havia uma
árvore branca, com o rosto de um Geraldão atônito.
O solteirão neurótico foi o personagem de Glauco mais usado nas várias homenagens visuais que to-
maram conta da internet e de telejornais desde a sexta-feira, dia 12, data da morte do desenhista, então
com 53 anos.
Os trabalhos foram a forma encontrada por muitos quadrinistas de expressar o que as palavras difi-
cilmente poderiam explicar. Habituados a acompanharem Glauco nas seções de humor, acordaram com
o rosto e os personagens dele em destaque na pauta policial.
Glauco Villas Boas havia sido assassinado na madrugada daquela sexta-feira, pouco depois da meia-
noite, na fazenda onde morava, em Osasco, na Grande São Paulo. Os tiros fatais atingiram também o
filho dele, Raoni, de 25 anos.
Desde então, a imprensa tem dado ao caso um destaque digno da importância do desenhista, algo in-
comum na mídia brasileira quando o assunto é quadrinhos. Os sites noticiosos já punham o assunto
como a principal manchete do dia na manhã da sexta. Os telejornais de fim de noite iniciaram as edições
com a morte e a vida de Glauco.
Os principais jornais do país estamparam na capa das edições de sábado fotos de Glauco e desenhos
de Geraldão, alguns com maior espaço do que a Folha, caso do "Jornal da Tarde", ligado ao grupo do
concorrente "O Estado de S. Paulo".
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Capítulo 20
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A GERAÇÃO CIRCO
ser representado sem roupa, maneira provocadora de testar a liberdade democrática. O caso é histórico
e precisa ser relembrado em futuras obras que se proponham a explicar a trajetória das tiras no Brasil.
Geraldão, os demais personagens de Glauco e também os de Angeli ajudaram a tornar as tiras cômicas
brasileiras definirivamcnte adultas, terreno que já vinha sendo trilhado, na década de 1970, por Edgar
Vasques, Henfil e Ciça.
No plano pessoal, como foi tão noticiado nos últimos dias, Glauco se tornou um dos fundadores e
dirigentes da igreja Céu de Maria, ligada à filosofia do Santo Daime. No plano profissional, continuou
com os trabalhos da Folha.
Nas charges para o jornal, seu estilo cartunizado ajudava a fazer um contraponto mais leve e humo-
rístico, sem perder a criticidade, aos trabalhos ácidos do amigo Angeli. Nas tiras, Glauco continuou al-
ternando os personagens antigos com outros, novos, com suas neuroses peculiares.
As tiras dele neste século já não tinham o mesmo impacto provocador das duas décadas anteriores.
Isso não tira a importância delas, nem seu valor. Ao contrário do colega Laerte, vizinho de página, que
abandonou os personagens fixos e se reinventou no gênero - e o gênero em si -, Glauco se manteve fiel
ao uso de suas criações.
Os corpos de Glauco e de seu filho foram enterrados no sábado de manhã no Cemitério Parque Ceth-
semani Anhanguera, em Osasco, Com o enterro, o noticiário tende a deixar de equilibrar a importância
do quadrinista com as informações sobre sua morte.
As investigações sobre o suspeito do crime vão nortear o noticiário policial, como já vem ocorrendo
desde a tarde deste domingo. É de se esperar também pautas sobre o entorno do caso: drogas, compor-
tamento errático, cultos religiosos.
Do ponto de vista do leitor, tais notícias não irão preencher o vácuo deixado na página de tiras da
Folha, espaço que Glauco ajudou a tornar tão popular na imprensa brasileira. Mesmo que seus perso-
nagens já não tivessem o mesmo impacto de antes, era como se fossem pessoas próximas, que costuma-
mos ver todos os dias. E que, abruptamente, não veremos mais.
O novo editor-executivo da "Folha de S.Paulo", Sérgio Dávila, que assume o cargo nesta segunda-feira,
disse em entrevista ao jornal "O Estado de S. Paulo" que a página de tiras será remanejada. A última história
foi publicada neste domingo. Dávila reforçou, acertadamente, que Glauco é insubstiruível.
Como disse Laerte, "perde-se uma pessoa maravilhosa e doce, mas o trabalho dele fica".
Fica mesmo, Laerre,
O que a imprensa noticiou nos últimos dias ajudou a relembrar à sociedade a importância do dese-
nhista e deu a ele o merecido destaque histórico que sempre teve.
Comentário - A "Folha de SPaulo'' circulou dois dias depois um suplemento de 32 páginas com charges, tiras e
cartuns feitos pelo desenhista durante os 33 anos em que trabalhou para o jornal. O caderno especial foi chamado de
"Gibi do Glauco". Na seção de tiras,houve mais de uma homenagem dos colegas de página. O jornal decidiu reeditar:h'i
tiras de Glauco por um ano. A reestreia ocorreu na edição do dia 17 de março. A vaga na seção de charges foi ocupada
pelo jovem talento João Montanaro.
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Capítulo 20
03.10.10
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A GERAÇÃO CIRCO
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