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Ramos, Paulo
Revolução do gibi : a nova cara dos quadrinhos
no Brasil / Paulo Ramos. -- São Paulo: Devir, 2012.
12-04363 CDD-741.5
A s tiras estão entre as primeiras histórias em quadrinhos publicadas no país. Não só no Brasil. Estão
..t"\.na raiz da produção de muitos dos países do Ocidente. Desde então, figuram nos jornais e revistas.
Vindas dos Estados Unidos ou produzidas por aqui. Seja de lá ou de cá, elas encontraram nas coletâneas
uma forma de difusão nas últimas décadas.
A tendência continuou neste século. Histórias vindas de jornais ou do exterior foram transformadas
em livro e vendidas em lojas de quadrinhos ou livrarias, ganhando ares de novidade a uma outra gama
de leitores em potencial.
Muitas são contemporâneas. Outras, herdadas de décadas atrás. Algumas vindas de jornais regionais
i: pouco conhecidas pelo circuito comercial do eixo Rio-São Paulo. Nos diários, elas passaram no fim
ia primeira década deste século por reformulações e perda de espaço.
Reformulações: "O Estado de S. Paulo" apostou em séries produzidas pelos brasileiros Lourenço Mu-
rarelli e MarceIlo Quintanilha. A experiência durou seis meses. Outra reformulação: "O Globo" renovou
1 página, trazendo novas séries, nacionais e estrangeiras.
Perda de espaço: o "Jornal do Brasil" deixou de publicar tiras no caderno de cultura. Mudança hisró-
.ica. O diário carioca ficou conhecido como um dos principais espaços de quadrinhos nacionais do país
~partir da década de 1980.
Como será visto em outro capítulo desta obra, as tiras dos jornais foram sombreadas pelas veiculadas
:10S blogs nos anos finais da década, tanto em volume quanto em qualidade.
Capítulo 18
04.09.2006
E ditora com sede no ABC paulista procura desenhista interessado em participar de coletânea de tiras
cômicas. Parece anúncio. E é. A proposta é reunir um grupo de ilustradores para compor a quinta
edição do projeto "Tiras de Letra", que edita os trabalhos de diferentes autores em sistema de cooperativa.
O novo número está programado para sair em outubro.
A organização é do professor universitário e desenhista Mario Mastrotti, ele também um dos coope-
rados. Mastrotti conta que a ideia surgiu por causa da "falta de oportunidades do mercado editorial
convencional". O livro vai sair novamente pela Virgo, editora que o desenhista capitania em São Caetano
do Sul, no Grande ABC paulista.
A curiosidade da coleção são os nomes. Há sempre um trocadilho no título dos livros: "Tiras de Letra
Outra Vez", no segundo número, "Tiras de Letra Muito Mais", no terceiro, "Tiras de Letra Pra Valer",
no quarto. A quinta edição foi batizada de "Tiras de Letra Todo Dia". Mastrotti fecha o livro assim que
reunir 27 autores, como fez nos números anteriores. Já tem dez.
Mastrotti está na luta há mais de 30 anos. É o criador das tiras "Cubinho", "De-co-ra-ção-e-de-men-
te" e "Filhos da Máquina", todas reunidas nas edições anteriores. Na entrevista a seguir, ele fala como
funciona o projeto.
Cada número faz uma brincadeira com a palavra "tiras". Você tem nome na manga para mais edições?
Mastrotti - Isso é o que não falta, no início de 2007 está previsto o número seis, "Tiras de Letra na Casa
da Vizinha"!
A internet tem popularizado e difundido muito o humor visual, tiras inclusive. O papel está perdendo
espaço, na sua opinião?
Mastrotti - Penso que a portabilidade de um gibi ainda é um diferencial forte. No longo prazo, creio
que isso pode mudar. A questão econômica sempre tem um grande peso nessas mudanças.
Comentário - A coleção se manteve nos anos seguintes, nos mesmos moldes, e ajudou a manter um tipo de publicação
quecsectom~lf nu:m~o 1l\Eitçado ilaciollal., as coletân~ de tiras de ..(\iferelltes autores. Mario Mas~otti()rganifou outros
cinco volumes, todos brincando com a palavra "tiras": "Tiras de Letra na Casa da Vizinha" (2007), "Tiras de Letra até de-
baixo d'Água" (2098), "Tiras de Letra na Batalha" (2009), "Tiras de Letra Agora ou Nunca" (2010), "Tiras de Letra Nota
438
TIRAS DE LÁ E DE CÁ
18.09.2006
leitor já viu a história acima. Mais exatamente no dia 28 de agosto. Foi nessa data que se viu pela
O primeira vez a tira vencedora do Salão Internacional de Humor de Piracicaba deste ano, Mismatches,
uma mistura de desenho com colagem (os protagonistas são palitos de fósforo). O resultado é um dos tra-
balhos mais criativos dos 33 anos do salão.
O "Acácio", que assina a tira, é um paulista de 45 anos, nascido em Piraju, a 328 km de São Paulo.
Ele conta que já fez outras experiências com colagem de objetos. Uma delas foi com clipes de papel.
Mas Mismatches é seu primeiro prêmio. A ideia estava escrita em um caderninho de notas que sempre
o acompanha. Foi a concretização de um daqueles "insights" que todo mundo tem, mas nunca anota.
Essa anotação deu trabalho para virar realidade. O quadrinista tinha de cortar cada palito no meio
para reduzir o volume e a espessura da imagem na hora de escanear a tira. Acácio Geraldo de Lima se
define como um "artista plástico/quadrinista de coração e designer/produtor gráfico de profissão". Pa-
ralelamente aos desenhos, atua como coordenador das áreas de merchandising visual e computação grá-
fica no Senac Santa Cecília, na capital paulista.
Acácio é uma pessoa acolhedora, daquelas que transforma uma conversa rápida num grande bate-
papo entre amigos. Esta entrevista mostra um pouco disso. Ele fala de Mismatches, do prêmio que ga-
nhou em Piracicaba e de como conseguiu fazer os desenhos com um braço só (usava uma tipo ia quando
criou a tira).
***
Mismatches é uma tira que usa outro recurso, além do desenho. É uma ampliação do conceito de qua-
drinhos?
Acácio Geraldo de Lima - Eu acho que é mais uma técnica não convencional. Podemos dizer que a
mensagem, sim, é ampliada por pegar carona em objetos banais do cotidiano assumindo o papel hu-
mano, fàzendo com que o observador possa rir de si mesmo se vendo em objetos que sua sociedade
criou.
439
Capítulo 18
Há uma história curiosa sobre a produção desses trabalhos, não? Foi um trabalho de um braço só?
Acácio - Pois é, em fevereiro fraturei o ombro esquerdo e fiquei um longo período de tipoia e, depois
de alguns meses, tive que operar. Quando fiz Mismatches, me virei só com a mão direita, usando a es-
querda apenas para apoiar coisas sem esforço.
Foi uma surpresa ver o seu nome como vencedor na categoria tiras na edição deste ano?
Acácio - Todos nós que competimos, torcemos para ganhar, pois acreditamos em nosso trabalho, nE ,-
ao mesmo tempo temos consciência de que tem muita gente boa. Só o fato de ser selecionado dctit: :
tantos já é uma grande conquista. Mas, quando se é premiado nesse salão, você sente uma explosi :
de alegria.
20.09.2006
a ser vendido hoje. O álbum reúne 225 tiras, que saíram há sete ",:'.
no jornal "Folha de S.Paulo". O desenhista conta que a publiCG.:~
segue uma ordem cronológica. Começa onde terminou o álbum C-.:- '
440
TIRAS DE LÁ E DE CÁ
Gonsales vê diferença na leitura das tiras nos jornais e nas compilações. Nestas, o leitor acompanha
tudo de uma só vez, o que pode chamar a atenção para estratégias repetidas para provocar o humor
(algo que passaria despercebido na leitura diária). "No álbum, as fórmulas ficam mais evidentes. A sen-
sação é de repetição. Às vezes, tem de dar uma editada (para afastar uma tira da outra)".
O desenhista mantém uma página virtual com histórias de Níquel Náusea e companhia. Não é um
autor avesso a novidades. Mas seu humor é daqueles tradicionais, bem aos moldes das tiras norte-ame-
ricanas mais clássicas. "As tiras nacionais caminham para uma coisa mais introspectiva, mais pessoal.
Acho que o legal é a diversidade. As tiras americanas têm uma maneira rígida de ser. É mais ou menos
o que eu sigo."
A tira cômica possui uma estratégia própria para provocar o humor. A exemplo de uma piada, tem
de criar um desfecho inesperado. A surpresa provoca o riso. Mas Gonsales diz que não se espelha numa
piada para criar a dose diária de Níquel Náusea. "Às vezes nem é uma piada. Mas é uma situação mini-
mamen te engraçada".
Gonsales sabe o que cria. Talvez seja o desenhista brasileiro que mais domina o chamado "mundo
animal", tema da maioria das tiras que cria. É veterinário formado pela Universidade de São Paulo. Foi
nas aulas da USP que ensaiou os primeiros desenhos. Chegou a trabalhar na área. Um ano. Largou por
causa dos desenhos.
A primeira tira de Níquel Náusea saiu na Folha de S.Paulo em 1985, quando Gonsales venceu um
concurso de novos talentos promovido pelo jornal paulista. Está lá desde então. Este "Tédio no Chi-
queiro" é o sexto álburn de Níquel Náusea lançado pela editora Devir. O primeiro foi "Com Mil De-
mônios!". Depois, vieram "Botando os Bofes de Fora", "Nem Tudo Que Balança Cai", "Vá Pentear
Macacos" e "A Perereca da Vizinha".
Comentário - Fernando Gonsales é um dos autores de tiras com produção mais regular no mercado brasileiro do início
deste século. Impunha um humor tradicional nas páginas do jornal "Folha de S.Paulo" e compilava as histórias, depois,
na forma de álbum, numa média de um por ano. Até 2010, o desenhista havia publicado outras quatro coletâneas, todas
pela Devir: "Minha Mulher É uma frJlinha (março de 2008); "Em Boca Fechada Não Entra Mosca" (dezembro de 2008);
"Um 'llgre, Dois TIgres, Tm Tigres" (2009); "A Vaca Foi pro Brejo atrás do Carro ntÍrente do Boi" (2010); "Cadê o Ra·
tinho do Titio?" (2011).
02.02.2007
A s tiras de "Calvin e Haroldo" estão de volta às livrarias. Começa a ser vendido nes;a virada de semana
no álbum "O Mundo é Mágico - As Aventuras de Calvin & Haroldo" (Conrad) E a última coletânea
da série, que deixou de ser produzida no fim de 1995. O álbum é inédito no Brasil. A edição tem 168 pá-
ginas, com duas tiras em cada uma, todas em preto e branco. A coletânea traz também algumas páginas
dominicais coloridas (histórias maiores, publicadas pelos jornais norte-americanos nos suplementos de fim
de semana).
A decisão do norte-americano BilI Watterson de não criar mais histórias da dupla não significou o
afastamenro da série nos jornais. Desde então, as tiras são (re)publicadas à exaustão, tanto nos Estados
441
Capítulo 18
23.04.2007
mjornal mensal de 12 páginas e tiragem de 5 mil exemplares circula desde o fim do ano pass,,~
U em cidades do interior paulista. O conteúdo do "Jornal Graphiq" é todo dedicado às histórias 0:-
quadrinhos. O quinto número começou a circular no último dia 18. Há matérias, mas o carro-che:'.
são tiras nacionais.
A maior parte das tiras cômicas é do desenhista Mário Latino, editor do jornal e mantenedor do F~
jeto. São dele personagens como "Roberval", ''Agente 000125" e "Wyatt Apple". O material, antes. ;'-
publicado na revista independente "Graphiq", também feita por ele. Durou 14 números.
442
TIRAS DE LÁ E DE CÁ
"Escolhi este formato [jornal] porque neste momento é o mais viável financeiramente", diz Mário
Latino, por e-rnail. "O custo-jornal é uma quarta parte do custo-revista, pode crer." Ele diz que, no iní-
cio, precisou "botar a mão no bolso" para manter a ideia. "A partir do número três, com os anunciantes
aparecendo, o jornal se sustenta sozinho e ainda sobra um troco. Mas, para ele se garantir como publi-
cação independente, ainda preciso do dobro de anunciantes."
Ter mais anunciantes é a saída para pagar as tiras de outros desenhistas. Há trabalhos de Ruy Jobim
Neto (autor do cão "Jarbas"), Bira Dantas e Moretti ("Sigmóid Frund") e Márcio Baraldi ("Vapt
Vupt"). "É surpreendente a disposição dos colegas do traço em enviar material. Não sei se é porque
tenho algum prestígio no meio, mas até agora todo mundo topou sem cobrar um puro."
O nicaraguense Mário Latino mora no Brasil desde o fim de 1987. Tinha fugido do país de origem,
onde foi guerrilheiro da Frente Sandinista de Libertação Nacional nos anos 1970. Mora atualmente em
um sítio em Suzano, cidade a 38 km de São Paulo. É de lá que produz o "Jornal Graphiq".
O município do interior paulista recebe os exemplares de graça, colocados em pontos estratégicos,
como bibliotecas, locadoras e restaurantes. A distribuição é feita também a todos os prédios da cidade.
Este quinto número vai viajar para outras cidades do interior paulista: Ferraz de Vasconcelos, Poá,
Mogi das Cruzes. "Às vezes, algum amigo leva alguma coisa para São Paulo, mas ainda é cedo para me
aventurar aí [na capital paulista] e a tiragem é muito pequena."
Para contornar o problema, o desenhista vende exemplares pela página que mantém na internet. Co-
meçou até a fazer um sistema de assinaturas. "Quadrinista sem publicar é igual a quadrinista morto ...
não existe."
16.05.2007
443
Capítulo 18
optou pelo difícil caminho de criar personagens desconhecidos, muitos inspirados na boemia noturna.
Às vezes, enveredava pelo caminho da metalinguagem.
O resultado foi uma tira inovadora, talvez até demais para o que era produzido no Brasil lá pelos
anos 80. Não é de estranhar que ele tenha migrado para o formato de uma página inteira em "Avenida
Brasil". O espaço limitado da tira ficou pequeno demais para a criatividade dele.
Em dezembro último, Paulo Caruso lançou um álbum com histórias de "Avenida Brasil" sobre o pri-
meiro mandado do presidente Luiz lnácio Lula da Silva. A obra, chamada "Se Meu Rolls-Royce Falasse".
foi lançada pela editora Devir.
19.06.2007
humor no fim, mas a abordagem é completamente surreal. A começar pela estrutura da tira. Há semF~:
duas histórias: a principal, em primeiro plano, e outra, no rodapé, sem personagens fixos.
As situações da série criada pelo norte-americano Tony Millionaire também escapam do convencior i.
Os personagens comem o próprio corpo, atiram em si, perdem partes do corpo. Mas nunca morrer:
O autor, hoje com 51 anos, capitaliza a repercussão da série, que publica desde 1994 em semanár.:
dos Estados Unidos.
Ele prepara uma versão animada dos personagens para a linha Adult Swim, do canal a cabo Carro. -
Network. Já foi gravado um piloto da série. Segundo a editora Zarabatana, há material de Maakies p.:.~.:.
pelo menos mais dois álbuns. Um segundo número vai depender da aceitação deste álbum de estre.,
Comentário - A série não ganhou um segundo álbum pela Zarabatana. Mas encontrou espaço na Internet. O síte iníor-
t#aüv()~'<ll", ligado a(}smpo~I()bo{jnduiU' a tira na seçã,(ldedlcada a culturaeentret~llimel1tl>,M~e8 p.anecell na
página virtual até 2011. A versão animada foi exibida no Adult Swín, do Cartoon Network, entre 2008 e 2009.
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TIRAS DE LÁ E DE CÁ
07.07.2007
445
Capítulo 18
morou para chegar ao Brasil. A HQM corrige isso. A editora se firma como uma alternativa no mercado
de quadrinhos. Em um ano, ganhou um HQMix (por "Mortos Vivos") e planeja outros voos.
A HQM confirmou na sexta-feira os lançamentos de um livro de Neil Gaiman, de uma graphic nove:
dele de 1987, "Violem Cases", e de um livro teórico nacional, "A Era de Bronze dos Super- Heróis", de
pesquisador Roberto Guedes.
"Liberty Meadows", o último lançamento da HQM, tem tudo para agradar quem gosta de tiras, assirr.
como Calvin agradou. É daquelas leituras que começam a ser feitas e não dá vontade de parar. Que ve-
nham os próximos álbuns.
Comentário - A HQM não havia publicado um segundo álbum de Uberty Mead9ws até o inÍcÍ()de 2012. A série, no en-
tanto, foi incluída na página de quadrinbos do caderno de cultura de "O G19bo", do Rio de Janeiro. O ingresso das histórias
08.07.08
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TIRAS DE LÁ E DE CÁ
Escola). O programa do governo federal compra grandes lotes de títulos e os distribui a escolas dos en-
sinos fundamental e médio.
A inclusão garante uma maior visibilidade junto aos professores de todo o país. A difusão na área aca-
dêmica é uma das formas que Cedraz vê de difundir suas criações. Está nos planos do autor o lançamento
de uma revista, a ser publicada nas bancas por uma editora de São Paulo. "Ainda não posso falar mais
pois a coisa ainda está em acerto."
Segundo ele, o projeto estava programado para este mês. Mas foi adiado por causa da recuperação de
Cedraz, que passou neste ano por uma cirgurgia na vesícula. "A saúde anda meio abalada, mas vai dando
para continuar a luta", diz. "Já estou tocando vários projetos". Entre esses projetos, inclui também
peça, desenho animado, exposição e mais livros.
Os projetos de Cedraz e as dificuldades que encontra para publicar seus personagens são dois dos as-
suntos que ele comenta nesta entrevista, após uma série de e-mails trocados nas últimas semanas.
***
Um dos livros seus foi incluído na lista do PNBE do governo. Como você viu isso e de que forma
essa inclusão pôde ajudar na divulgação de suas criações?
Cedraz - Foi uma grande vitória para nós pois, como sabe, a nossa editora é pequena e concorremos
com grandes. Essa conquista foi muito importante pois, além de dar um fôlego no orçamento, vamos
ter mais penetração e visibilidade.
o que falta para a Turma do Xaxado ganhar outros mercados nacionais? Essa é uma preocupação sua?
Cedraz - Uma grande editora que lance os nossos livros e os coloque em livrarias. A nossa editora não
tem distribuição nacional e fica difícil. Uma grande ajuda está sendo dada pela publicação das tiras em
livros didáticos. Recebo diariamente dezenas de e-mails do Brasil todo graças a essas publicações.
Quais seus novos projetos com relação a Xaxado?
Cedraz - Este ano, o Xaxado fàz 10 anos de publícação e estamos preparando várias coisas. Uma peça
teatral, desenho animado, exposição de quadrinhos, livros por outras editoras e até uma revista em qua-
drinhos para as bancas. Estamos também pensando em lícenciamento em produtos e serviços. Os sonhos
são muitos e esperamos concretizá-Ios.
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Capítulo 18
09.07.08
de respeito."
Na região Centro-Oeste do país, onde é mais lido, ele diz ter um público fiel. Mesmo assim, não d:,:',
carta estratégias de marketing para popularizar os lançamentos. "Sempre trabalho com parceiros, a5':-'
consigo propagandas na tevê, lançar os livros com um certo glamour fazendo de cada lançamento i.:':
evento esperado, vitrines nas livrarias e, no último livro, até ourdoor eu consegui fazer."
O autor lançou até agora nove coletâneas de tiras de Cabeça Oca. A última, "Abafa o Caso!", foi L:-·
çada em abril deste ano. As obras resgatam histórias publicadas nos jornais "O Popular", de Coiâni, :
"Jornal de Tocantins", de Palmas. As tiras mostram a convivência bem-humorada do menino Cabe :
Oca com a família.
O protagonista foi criado quando o autor tinha 5 anos. Ele mesmo serviu de inspiração. "Estava :-:':
desenhando em frente o espelho. Queria criar um personagem para fazer meus gibis. Minha mãe pas' _
no corredor, viu a cena e me chamou de cabeça-oca. Gostei do nome e batizei assim o personagem.
As tiras são divididas entre Cabeça Oca e Mariana, irmã dele. A gravidez da esposa de Queiroz se
de base para a personagem. A gestação da filha ocorreu ao mesmo tempo que a da mãe de Cabeça el.,
"Durante vários meses, o leitor acompanhou a gravidez e nascimento da personagem em tempo r:,:~
Nunca recebi tanta carta", diz o autor, que é designer gráfico e mora em Goiânia.
Os personagens criados por Christie Queiroz estão em expansão. Criou uma grife com suas cria~: :
e tenta, sempre que possível, buscar novos espaços para divulgar as obras. Em setembro de 2007, este :
na Bienal do Rio de Janeiro. "Quando vou a outros Estados, vejo curiosidade e muita surpresa das ~:
soas com o meu trabalho."
Mas falta, como ele mesmo diz, romper as fronteiras. "Eu imagino que hoje a internet quebrou c' _
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TIRAS DE LÁ E DE CÁ
fronteiras. Mas não. Elas ainda existem. No prefácio do meu quarto livro o Ziraldo disse que o Brasil
precisa me conhecer. Entendo que isso realmente precisa acontecer."
Comentário - O nono e o décimo volumes de "Cabeça Oca" participaram de uma promoção comercial rara no Brasil
- e muito comum na Argentina -, a venda das obras com a edição do jornal diário. Em julho de 2009, es dois álbuns
foram vendidos por "O Popular", de Goiânia, iuicialmente para assinantes e, na semana seguinte, para o público em geral.
Essa foi a terceira venda de álbuns da série por meio do jornal. A primeira ocorreu em 2006, com
lumes. A segunda ocorreu no ano seguinte, com os restantes.
11.07.08
-lucas lima
omo tantas outras tiras infantis, a série Nicolau tem como protagonista um menino. Mas ele tem
C um diferencial, pautado na vida moderna: é filho de mãe solteira e vive num prédio. "Quis inventar
um garoto normal, porém que sofresse com algo. A separação de seus pais foi o estopim de tudo", diz
por e-rnail Lucas Lima, o criador da tira cômica.
Nicolau não foi a primeira experiência dele com quadrinhos. Antes, fez por um ano uma série chamada
"Os Escoteiros". Lima diz que gostava da tira, mas sentia falta de personagens mais comuns, que tivessem
maior identificação com as pessoas.
"O Nicolau surgiu daí, foi uma tira pensada. Queria uma gama grande de personagens para não
perder nenhuma idéia que surgisse. Pra isso, nada melhor que um edifício, onde podem morar muitas
pessoas."
Hoje, ele trabalha com uma média de 12 personagens, que moram ou trabalham no prédio. Diz que,
com eles, inventa "um universo". Há desde o porteiro Potiguá até um papagaio, Marcel, tratado por
Nicolau.
As situações de humor são criadas na interação do menino loiro com os moradores e funcionários.
Embora não seja a protagonista, a mãe de Nicolau tem papel de destaque nas tiras. Moderna e inde-
pendente, ela tem de se dividir para cuidar do filho e dos "problemas" domésticos. Como a árdua tarefa
.ie abrir uma lata de palmitos.
As tiras iniciais foram compiladas num livro, lançado em dezembro de 2007. "Nicolau - Primeiras
Histórias" foi publicado pela Junqueira & Marin, editora de Araraquara, no interior paulista, mesma ci-
449
Capítulo 18
dade do autor. "Pelo fato de as tiras do Nic [Nicolau] serem bastante populares em Araraquara, tivemos
um lançamento bastante concorrido, está sendo uma experiência muito boa.".
Foi num jornal da cidade, o "Tribuna Impressa", que as tiras estrearam. São publicadas lá até hoje. A
série é veiculada também em jornais de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Ribeirão Preto, também ne
interior de São Paulo.
Além do livro e de uma versão na forma de revista em quadrinhos, outra experiência nova para c
autor foi ver suas criações no teatro, na forma de bonecos. A peça, escrita por ele e pela esposa, foi apre-
/ sentada nesta semana no Sesc Pompeia, em São Paulo. Segundo Lima, foi resultado de uma sucessão de
convites. O Sesc sondou a Companhia Polichinelo, grupo de Araraquara especializado em teatro de bo-
necos, sobre a possibilidade de uma peça envolvendo quadrinhos. O dono da companhia lia as tiras de
Nicolau e ampliou o convite para o quadrinista. Foi o início do projeto, que ganhou forma nas apre-
sentações desta semana.
"O cenário é um grande livro fechado que, quando aberto, se transforma no prédio onde vivem c'
personagens", diz. "O enredo gira em torno das tentativas desastradas do Nicolau - e seu inseparáve
papagaio - em fazer com que seus pais assinem seu boletim, que está com notas baixíssimas. Projeçô-.
dos quadrinhos originais e onomatopeias são usadas o tempo todo."
14.09.08
o s desenhistas Gabriel Bá e Fábio Moon conquistaram mais um espaço na mídia impressa. O, .r-
mãos gêmeos estrearam hoje uma tira, chamada "Quase Nada". As histórias, semanais, serão
publicadas na edição de domingo da "Folha de S.Paulo".
O jornal paulistano dedicou uma matéria para o lançamento da nova série. Na reportagem, os é:
autores explicam que a proposta das tiras não será criar piadas. A intenção é contar histórias mais re:~:·
xivas. "A ideia é tratar dos relacionamentos cotidianos, sem personagens fixos, a partir de ideias ~_:
estão constantemente em nossas cabeças", disse Moon ao jornal.
450
TIRAS DE LÁ E DE CÁ
o modelo seguido por eles se assemelha ao que Laerte tem feito no mesmo jornal. O trabalho do car-
tunista na série "Piratas do Tietê" foge do gênero tira cômica. Esta funciona como uma piada, com um
desfecho inesperado, que leva ao humor.
"Gostamos de todas as tiras do Laertc, incluindo as atuais, que estão menos fáceis, mas são geniais",
diz Moon, na mesma reportagem. "Essa liberdade que tem na 'Folha', de poder fazer tiras assim, que
não sejam piadas, nos estimulou a tentar."
O nome - explica Moon - vem da limitação proporcionada pelo formato da tira. "Pensamos nesse
nome porque é basicamente o que dá para contar em uma tira." Mesmo que limitado, trata-se de um
novo espaço conquistado pela dupla. Bá e Moon também fazem uma história por mês para a revista
"Época São Paulo".
21.11.08
n
"'<.?anhia
uanto você pagaria para reler os casos da Radical Chic e as tiras de G~tão de Meia-Idade? A Com-
Editora Nacional aposta que o leitor desembolsaria R$ 62. E o valor de cada um dos vo-
lumes de uma coleção que relança os causos das duas criações de Miguel Paiva. A série é produzida em
capa dura. Os seis primeiros volumes - três com cada um dos personagens - começaram a ser vendidos
neste mês.
Radical Chic é uma solteirona moderna. Faz ginástica, é vaidosa, namora, vive as encanações de toda
:nulher. O grande público talvez enxergue nela a atriz Andrea Beltrão, da TV Globo. A emissora carioca
45J
Capítulo 18
exibiu na década de 1990 uma série com a personagem, que era vivida por Beltrão. Os episódios eram
de curta duração, pequenas esquetes sobre pensatas da Radical.
A coleção da Companhia Editora Nacional prevê ao todo seis volumes. Cada um deles foi batizado
com um nome, que procura sintetizar um dos lados da personagem. Estes três primeiros foram intitula-
dos "Corpo de Delito", "Mulheres que Pensam" e "Sexo à Deriva". Os volumes têm 96 páginas cada um.
A mesma facilidade que o carioca Miguel Paiva tem em escrever sobre o universo feminino vale tam-
bém para os problemas masculinos modernos, representados na figura do Gatão de Meia- Idade. A exem-
plo da "irmã" Radical, a figura dele, aos olhos do grande público, pode estar associada a uma adaptação
em carne e osso.
O personagem foi levado ao cinema em 2006, num filme dirigido por Antônio Carlos da Fontoura.
O solteirão convicto e de rabo de cavalo foi interpretado pelo ator Alexandre Borges. Para os leitores de
"O Globo", no entanto, o gatão já é um amigo diário. O personagem descasado e com uma filha pré-
adolescente é publicado no jornal desde 1995, quando foi criado.
Em essência, as características dele - sintetizadas em seu nome - mantiveram-se as mesmas durante
todos esses anos. O que mudou foi o modo de produção das tiras. O primeiro volume da coleção, "Pri-
meiras Tiras", traz histórias ainda em preto e branco.
Mas, como alerta Miguel Paiva no prefácio, não são bem as primeiríssimas tiras. Estas já tinham sido
compiladas em outros dois volumes, menos luxuosos e mais em conta, lançados na década de 1990 pela
editora Objetiva. Hoje, estão esgotados.
O segundo volume, "Vida em Cores", acompanha a evolução no modo de produção da série. Traz as
primeiras tiras produzidas em cores, motivo do título do álbum. O conteúdo das piadas, em essência.
permaneceu o mesmo.
O terceiro álbum, "Enquadrado", reúne histórias de quando a série mudou de local de publicação.
Gatão de Meia-Idade passou a sair abaixo da coluna de Ancelmo Góis, colaborador do jornal. Issc
alterou o formato das histórias. O dia a dia do personagem deixou de ser produzido no molde tradiciona.
da tira. As histórias ganharam um formato quadrado, o tal do "enquadrado" do título.
Cada um destes três primeiros volumes, já à venda, têm 128 páginas. A coleção de Gatão de Meia-
Idade prevê outros três álbuns, no mesmo formato.
07.01.09
"Jornal do Brasil", do Rio de Janeiro, parou de publicar tiras cômicas. A última aparição dos quc.-
O drinhos foi na edição de 30 de dezembro do ano passado. A um dos autores o jornal justificou:
cancelamento alegando corte de custos.
O jornal carioca mantinha quatro séries: "O Pato", de Ciça, "Malvados", de André Dahmer, "Dor:
Inafio", de Ota, e outra produzida por Pedro de Luna. Três dos trabalhos podem ser lidos nas págin~
virtuais dos quadrinistas.
Dahmer também veicula tiras no portal "G 1", que deixou de ter no semestre passado uma editor:
4'í2
TIRAS DE LÁ E DE CÁ
dedicada a quadrinhos. Era o único grande portal brasileiro com uma área voltada exclusivamente ao
tema.
mais
16.01.09
BABY BLUES MOSTRA LADO CÔMICO DE SER PAI PELA PRIMEIRA VEZ
4';.1
::=.::-:_: 18
Vi nas tiras da série várias situações vividas por meus irmãos e cunhadas. E não serei o único. Não
tenho dúvidas de que há outros pais, avós e tios saudavelmente corujas, que também vão se enxergar
nas situações de "Baby Blues".
31.03.09
454
TIRAS DE LÁ E DE CÁ
Esta coletânea foi lançada nos Estados Unidos em 1996. As tiras foram criadas dois anos antes. Têm
sido publicadas desde então, tanto nos jornais como em álbuns. A série chega com atraso ao Brasil. É
de esperar que a Oevir lance outros volumes, a exemplo do que fez na filial portuguesa. 6timo. A tira é
das melhores. Que venha mais.
e COMO VOCÊ
FAZ PRA AeRIR A
rORNPIRA?
22.05.09
455
Capítulo 18
"Aline - Viciada em Sexo" (L&PM, 128 págs.) também reúne tiras já veiculadas na Folha. A diferença
é que a obra começou a ser vendida neste ano. É a terceira coletânea de bolso com a personagem lançada
pela editora gaúcha, dentro da linha "Pocket". O material é de 1998, segundo o autor.
São tiras de uma fase em que Adão fazia um desenho mais "bonitinho", como ele mesmo diz. Os per-
sonagens tinham um traço mais arredondado. Na virada do século, ele voltou a seu estilo inicial, da pri-
meira metade da década de 1990. Era um traço mais solto e despreocupado, que o acompanha até hoje.
Para o grande público, este livro de bolso de Aline tem outro apelo. A personagem que divide um
apartamento com dois amantes, agora, não está apenas nos quadrinhos. Ela foi levada para a TV aberta
num especial de fim de ano da Globo. Segundo Adão, vai virar série e entrará na grade da emissora.
Na entrevista a seguir, possível pela distância encurtada com a ajuda da tela do computador, o dese-
nhista de 44 anos diz que a negociação com a Globo não foi nada fácil. E começa dizendo o que c
levou a morar na Patagônia. Ou quem o motivou. Ela atende pelo nome de Laura. E gerou um outre
amor: a filha Olívia. O casal espera outro filho.
***
Por mais que a internet reduza a distância, estar fora do país não dificulta a sua atuação por aqui?
Adão - Se eu trabalhasse com charge política, talvez ia me complicar um pouco. Aí eu acho que você ter:
que estar mergulhado no país do qual você está escrevendo. Mas meu humor é mais de comportsmentc
Meu cérebro é tipo um HD de muitos gigas lotados de experiências. Onze anos em Porto Alegre, no·.~
anos em São Paulo, sete no Rio [de Janeiro]. Mesmo morando num vilarejo, tenho um mon tão de m:-
teriaI pra piadas. Mas, fàlando em distância, internet, acho que hoje em dia a internet a/àstou um pouc-
as pessoas. Vejo hoje muitos colegas ilhados em seus estúdios. Então, tanto fàz você estar aqui ou scol:
Você se inseriu bem no mercado argentino. Participa da revista "Fierro", chegou a desenhar recentemente
uma tira de "Macanudo", de Liniers. Como foi sua recepção por lá?
Adão - Até agora eu publico somente na revista "Fietro". O que já acho grande coisa. Bom, não sei se-.:
um pouco de influência minha, mas também de outros desenhistas argentinos de humor, a "Fierr.:
está tendendo pro humor. Antes, ela não era assim. Era mais quadrinhos de aventura, histórias de co::-
tinuação. Mas a ideia é expandir minha invasão na Argeatine. Lançar algum livro em espanhol ou ctut.;
em algum jornal está nos meus planos. Tanto que tenho uma versão do meu blog em espanhol. O L-
nlets, que é gente finíssima, diz que quer que "iturrrusgsrsi" seja um nome fàmoso na argentina.
456
TIRAS DE LÁ E DE CÁ
E a entrada na "Fierro"? Você procurou a revista? Como foi esse contato inicial?
Adão - Fui lá com minha mesma cara de pau de sempre. Procurei o Lsutsro Ortiz, que edita a revista.
Muito simpático, me recebeu muito bem. Me perguntou se eu estava bem em Buenos Aires, ofereceu
ajuda. Pegou meu material, mas disse que tinha esse problema de eu ser brasileiro. Mas falou que tinha
gostado muito do meu trabalho e que ia conversar com o {juan} Sesturain, que é editor também. Em
uma semana, ele me ligou e falou que queria me publicar já. Eu comecei com duas tiras por edição e,
agora, estou com duas páginas.
Aline ganha novo impulso agora por conta do especial exibido na Rede Globo. Como se deu a negociação?
Você procurou a emissora ou ela o contatou?
Adão - Foi um amigo, Mauro Wilson, que sempre quis adaptar o personagem. Passaram anos, achei que
não ia rolar e, justamente quando fui morar na Patagônia, o Mauro me ligou dizendo que estava tudo
certo, se encaminhando. Foi uma negociação complicadíssima e só acabei aceitando em prol do meu
amigo. Parece estranho, mas o que aconteceu foi isso mesmo. Se não fosse por ele, o especial não teria ido
pro ar; Negociar com a Globo não é nada ficil. Bom, no início fiquei super pé atrás com o projeto, mas
acabei adorando o especial. Incrivelmente não tenho nenhum senão. Gostei de tudo que vi. E parece que
agora acabaram decidindo que vai virar seriado. Vão começar gravando dez capítulos. Eu estou feliz, porque
vou poder continuar trabalhando com mais tranquilidsde. E é importante frisar aqui que a Aline da Globo
passa a ser da Globo, do Mauro Wilson e do Mauricio Farias [diretor do especial]. Não se deve confundir
a Aline do papel com a da TV Mas o especial ficou igual às minhas tiras. Todas as minhas piadas estão lá.
Em "No Divã com Adão", você comenta que fazia análise. Continua fazendo no novo pais?
Adão - Eu fiz um tempo, mas parei. Se você chutar uma moita em Buenos Aires, salta um montão de
analistas. E desenhistas também. Agora, estou com uma filhinha de um ano e minha mulher está nova-
mente grávida. Ou seja, não tenho mais tempo pro divã. Acho que estou na Patagônia pra povoar o pe-
daço, que é muito desértico.
457
Capítulo 18
22.07.09
A série narra a vida de Hugo, uma espécie de Cândido, de Voltaire, mas sem o otimismo. Desempre-
gado, passa o tempo refletindo as mazelas que a vida trouxe a ele. Lidas em sequência, as tiras formam
uma história maior. Do começo ao fim, o leitor tem contato com dois dias da vida de Hugo.
"Foi uma oprtunidade de fazer uma espécie de romance, quando, normalmente, só se trabalha no
formato de conto", diz Zimbres, que também é ilustrador e designer. Algumas das tiras são inéditas.
Foram feitas especialmente para encerrar a trajetória do protagonista. As novas histórias aparecem no
final do último capítulo e no epílogo.
"Vida Boa" foi criada para um concurso de tiras feito pelo jornal paulista. Laerte era um dos jurados.
A série venceu e passou a ser publicada no caderno de cultura, em 1999. Dois anos antes, Zimbres inau-
gurava outro projeto: a coleção miniTonto. A proposta era publicar pequenas edições, de 32 páginas,
em formato de bolso.
A coleção teve 16 revistas e trouxe histórias de autores como Lourenço Mutarelli, Allan Sieber e Eloar
Guazzelli. O próprio Zimbres lançou uma, "O Apocalipse Segundo Dr. Zeug". A série estava parada há
alguns anos. Zimbres fala que pretende retomar a linha de revistas. Diz já ter um pronto, de Rafael Sica,
e outros seis encomendados.
Os títulos em produção, segundo ele, são de Chiquinha, do peruano Jorge Perez-Ruibal, de Eloar
Guazzelli, Diego Medina, do argentino Ernan Ciriani e de MZK. "Tenho um crédito numa gráfica e
quero usar pra imprimir mais quatro pelo menos, se não der tenho que procurar mais uma parceria. É
algo que não vai morrer nunca, quer dizer, nunca vou assumir que vou parar, mas vai ter que ir no meu
ritmo, preciso de dinheiro, tempo e ajuda dos amigos pra fazer."
O catálogo eclérico da coleção é reflexo da experiência diversificada dele na área de quadrinhos. Pu-
blicou em diferentes revistas, tanto nacionais como estrangeiras. A experiência autoral e editorial de
Fabio Zimbres põe uma natural lupa em suas opiniões. Na leitura dele, o atual mercado brasileiro tem
sido bastante promissor. "Estou tentado a dizer que nunca esteve melhor." Um dos diferenciais seria a
variedade de títulos e gêneros.
A produção brasileira foi um dos temas abordados nesta entrevista com ele, feita após uma série de
trocas de e-mail, Zimbres fala também sobre a série "Vida Boa". É ela que inicia a conversa.
***
"Vida Boa" é um dos poucos casos de tiras cômicas que contam uma história maior, em capítulos diários.
Quando você imaginou a série, já tinha ideia de que seria assim?
Fabio Zimbres - Não. Na verdade não tinha nenhuma ideia do que scri« a tira, tirando o bto de o título
''Vida Boa" ser irônico desde o principio, tudo estava em aberto. A ideia de continuidade foi sendo crisd«
aos poucos até que eu aceitei como uma das características. Acho que começou porque eu nunca bzÍa as
tiras uma a uma, eu sempre me sentava pra fàzer todas as da semana e sempre ficava mais interessante ficar
explorando e fazendo vsrieçôes num tema que ficar bzendo piadas sobre assuntos slestátios.
Como foi a seleção da série no concurso da "Folha de S.Paulo"? Quantas tiras tiveram de ser inscritas?
Elas foram reaproveitadas depois no início da série? Com quantos candidatos a tira concorreu?
Zimbres - Não me lembro dos detalhes, quantos candidatos etc. Só me lembro do Lacrtc e a Maria Eu-
gênia (elajulgava ilustração, acho). Mas me lembro que o Arnaldo Branco ficou em segundo com Mun-
dinho Animal. Sempre que me encontro com ele brinco que a Folha deve se arrepender até hoje. Pelo
Capítulo 18
menos ele é mais engraçado. Mandei acho que três tiras e foram exatamente as três primeiras que saíram
publicadas. Nessa altura ainda não sabia que o personagem iria soirer tanto. E também não tinha me
dado conta que o Leette já tinha um personagem chamado Hugo. Fiquei tempos sem usar o nome dele
e tentando uma solução (mudar o nome dele pra Vitor Hugo, por exemplo), mas deixei pra lá.
Fica claro na leitura que uma mesma cena se mantém por várias tiras. Essa manutenção da situação
também era intencional? Extraía-se o humor até quando rendia?
Zimbres - Mais ou menos isso. Eu gosto de fazer diálogos, é mais ou menos como numa peça de teatro.
vocé cria uma siwação, uma paisagem e deixa as coisas interagirem. O humor na verdade era secundário.
digamos que é uma obrigação a que eu me impunha. A visão é sempre cômica, mas o que me intcrcssav..
mais eram as sensações e as reflexões que certas situações podem sugerir. Quando me dei conta de qUê
a continuidade da tira podia ser seguida ;/ risca, acabei esttuturendo os eventos futuros em torno da'
necessidades do personagem: dormir, comer, arrumar dinheiro etc. E cada situação, por mais insigni6-
cante, se vocé se der ao trabalho, pode sugerir milhões de coisas. Na verdade, é como se o personageI7:
parasse a cada momento pra pensar sobre o que estava acontecendo com ele ou qual o sentido daqui!,
que ele estava fazendo. E, assim, todo o ritmo fica muito lento, cada ação gera centenas de pensamento_'.
Tinha a sensação de ficar esticando um segundo da vida do personagem em vários minutos ou hora..
Cada um daqueles pensamentos dele provavelmente são flashes instantâneos que nós todos temos e c
acabava desdobrando em várias tiras. Publiquei a tira por mais de um ano e no final se passaram do.:
dias na vida dele.
A passagem da série na Folha foi relativamente curta em comparação com outras publicadas pelo jornal.
O que houve?
Zimbres - Acho que não era uma tira muito querida. Conheci muita gente que gostava dela que me c::
ctcvia na época e me escrevem até hoje, mas de Iato não era uma tira de "massa" e nunca tive a ititenc;
de fazer algo assim. As tiras da Folha, e acho que no Brasil em geral, têm esse hábito de visitarem muit .
universos, são vários personagens e iubitets que compartilham da mesma tira. Uma coisa meio esq::-
zotrénici que tem muitas explicações pra ser assim, mas digamos que é algo completamente contra:.
ao que acontece nas tiras sindicalizadas americanas. Nunca fiú adepto da linguagem mainstream, sem[ _-c
Fui mais chegado ao underground e nesse sentido as tiras brasileiras são mais pra underground que <.
dica to, há mais liberdade. Mas eu quis experimentar com as restrições e manter a tira nos trilhos "ê-
grandes viagens. Mais uma ironia da tira. E, no caso, ela terminou tão cleustroiobice e deprcssiv« L:_ c
acabava afastando as pessoas. A tira saiu antes que eu mesmo me cansasse e fizesse como os outros c--
tunistss e inventasse outros personagens pra aliviar a barra do Hugo e do leitor um pouco, mas eu r.;
contente com o tempo que tive pra escrever até onde escrevi e fechar esses dois dias na vida do Hui:
Você tem uma experiência ampla no mercado de quadrinhos brasileiros. Como você analisa o atual me-
mento nacional?
Zimbres - Olha, estou tentado a dizer que nunca esteve melhor. Se nos anos 1950 e parte dos 60 h.:
uma indústria e, antes disso, havia os quadrinhos infantis (indústria que nunca chegou ao que ct.: -
Argentina, é verdede), agora temos tudo isso e mais. Quem quer indústria trabalha pros Estados Uuic
Europa e Mauricio [de Sousa). E temos muitas editoras, dá pra dizer que se você quer publicar é I~_
publicar, seja com autoedição ou através de editoras. Mas é certo também que isso tudo é meio peql;;:-
460
TIRAS DE LÁ E DE CÁ
e não sabemos aonde vai chegar, se o interesse das editoras vai acabar quando o governo parar de comprar
livros. Continua ridiculamente difícil distribuir no Brasil e a banca de revistas é um território quase que
exclusivamente estrangeiro. Quadrinhos no Brasil sempre foram uma montanha-russa, altos e baixos e
sempre vemos a moda anterior ser substitutda pela moda mais recente, então não dá pra fazer previsão.
Mas o que eu gosto da situação de hoje é que tem muita gente nova fàzendo quadrinhos e publicando
e há vários tipos de quadrinhos, de humor a romances, históricos, experiências que não se definem entre
msinstreun ou underground, coisas pop, lú de tudo e isso é bem estimulante.
461
Capítulo 18
América Latina. A série saiu dos quadrinhos e se tornou uma rentável franquia, existente até hoje. A úl-
tima tira foi publicada em 13 de fevereiro de 2000 e trazia um texto de agradecimento e de despedida
assinado pelo autor.
Esta é a segunda reunião de tiras lançada pela L&PM neste ano. Publicou também um álbum com
histórias de "Garfield", mas sem o mesmo cuidado editorial. "Garfield - Série Ouro" fazia uma compi-
lação do que havia sido publicado nas edições de bolso da editora, e fora da ordem cronológica.
As duas coletâneas de tiras se inserem num novo momento da editora gaúcha. A L&PM tem dividido
os lançamentos de quadrinhos entre os livros de bolso e obras em formato maior, estratégia que ganhou
mais visibilidade neste ano. O novo tamanho faz a editora reingressar num mercado em que foi forte
na década de 1980 e início da seguinte, o de álbuns em quadrinhos voltados às livrarias.
Comentário coleção de "Peamas" teve outros dois volumes lançados em ao 1o e mais um em 2011. O livro "Garfield
- Série Ouro", comentado na resenha, havia sido lançado em março de 2009. A L&PM destacava apenas os superlativos
da obra: a reunião de a582tíras distribuídas em 624 páginas. O.que a editora.gaúcha não informou ao leitor na ocasião
é que as mais de 2500 tiras já tinham sido publícadas pela mesma L&PM na forma de livros de bolso, linha conhecida
como "pocket", Do ponto de vista do comprador, a informação era bastante relevante. Se ele já tinha os dez livros de
bolso da editora, não precisaria desembolsar R$ 85 para comprar as mesmas tiras, compiladas fora da ordem cronológica
(iam do futuro para o passado e vice-versa).
iornal "O Estado de S. Paulo" vai publicar histórias em quadrinhos de Lourenço Mutarelli e i\L~-
O cello Quintanilha. MutareJli estreia nesta sexta-feira. Quintanilha, no sábado. A inforrnacâo :
noticiada na edição de hoje do jornal. O assunto ganhou chamada na capa e ocupou três páginas do ~"-
demo de cultura, onde serão veiculadas as séries.
4(,2
TIRAS DE LÁ E DE CÁ
Comentário - As duas séries foram publicadas num tamanho maíor, equivalente ao espaço de duas tiras. A experiência
durou um semestre. Depois,foi abandonadª,
463
:,,::;L!o 18
16.04.10
••.., E
BANZO E BENITO SÃO DOIS PERSONAGENS BEM LEGAIS
11.05.10
464
TIRAS DE LÁ E DE CÁ
Outra novidade na edição do último domingo foi uma tira em branco. A proposta é ocupar o
espaço com trabalhos enviados pelos leitores. Com as alterações, "O Globo" deixa de publicar séries tra-
dicionais, como "Recruta Zero", Snoopy", "Hagar", "Turma da Mônica" e "O Menino Maluquinho".
05.10.10
465
Capítulo 18
racterísticas de uma antologia (uma vez mais de acordo com o "Dicionário Houaiss da Língua Portu-
guesa"). A divisão ternática ajuda a organizar melhor os temas que se tornam alvos da leitura crítica do
escritor, do existencialismo às viagens ao espaço, das pesquisas de opinião à política.
(Difícil não observar o quão atuais as piadas continuam ...).
A reunião de tiras, no entanto, deixa de lado muitas outras histórias da série, o que não justifica o ad-
jetivo que acompanha a palavra antologia. Brincadeiras com alguns políticos, por exemplo, ficaram de
fora. Em particular um deles, incluído na lista dos fichas-sujas, reeleito para deputado federal até prova
) em contrário.
Sob esse aspecto, a série já teve coletâneas melhores, mesmo que com produção editorial mais aca-
nhada. Uma delas foi publicada pela gaúcha L&PM em 1997 (''As Cobras em Se Deus Existe que Eu
Seja Atingido por um Raio").
Apesar de ser mais uma antologia, é sempre bem-vinda. A criação de Verissimo marcou época na his-
tória gráfica do país e justifica esta e outras reedições. O escritor criou a série na década de 1970, época
em que o país gritava como podia contra o Regime Militar. Desenhar duas cobrinhas foi uma forma de
contornar a censura.
"Uma das razões para fazer as Cobras era que, na época em que elas nasceram, você podia dizer mais
com desenho do que com texto", disse Verissimo ao jornal "O Globo" na edição de domingo, em en-
trevista concedida à jornalista Cora Rónai. "Desenho tinha aquela conotação de coisa lúdica, infantil.
e era conveniente para driblar a censura. Não que as Cobras fossem grandes contestadoras, mas elas
sempre passavam alguma coisa."
Elas continuaram dizendo até 1997, quando deixaram de ser publicadas. Verissimo dizia que não
ficava bem para um senhor de 60 anos ficar desenhando cobras. O escritor ensaiou um retorno há
quatro anos no site "Terra Magazine". Namoro rápido, logo substituído por histórias antigas, que vão
ao ar até hoje na página virtual.
Verissimo criou outra tira, Família Brasil, pubJicada uma vez por semana em "O Estado de S. Paulo"
e também já reunida em livro pela Objetiva. A editora tem centralizado as obras bem-humoradas do
escritor, um dos mais importantes da literatura contemporânea brasileira. Tardou para a empresa resgatar
As Cobras. A edição é a mais bem cuidada que a série teve no país. Mas é mais uma antologia. Não a
antologia definitiva anunciada no título. Pena.
Comentário de
Luis Pernando Verissimo. "As Melhores do Analista de Bagé" faz uma reunião das histórias, publicadas nas revistas "Play-
boy" e ·'Superinteressante". O texto de VerisSimo é desenhado por Edgar Vasques. A primeira passagem do personagem
em forma de livro foi em 1983. "O Analista de Bagé em Quadrinhos" foi lançado pela gaúcha L&PM, que editou as obras
de Verissimo por mais de 20
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