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Flower Power no coração e orégano na cabeça

Todos conhecem algum tiozão: o figura que evoca os bons tempos e critica a
juventude. É dentro deste estereótipo que o cartunista paulistano Angeli criou a dupla
“Wood & Stock”, amigos que viveram intensamente o flower power, se entregando a todo
sexo, drogas e Rock’n Roll que a geração hippie proporcionou. Eles envelheceram mas
ainda acreditam estar curtindo essa vibe em plenos anos 80/90.
A Companhia das Letras tem lançado pelo selo Quadrinhos na CIA coletâneas com
os personagens mais famosos do cartunista. O material de arquivo vem das muitas fontes
onde os personagens foram publicados: das tiras de jornal aos quadrinhos da saudosa
revista “Chiclete com Banana”. “Todo Wood & Stock” é o terceiro volume da coleção que
começou com “Toda Rê Bordosa” seguida de “Todo Bob Cuspe”.
Wood & Stock curtem Jimmi Hendrix, Janis Joplin, os Beatles e os Stones. Eles
fumam baseados que passaram a ser feitos de orégano quando as tiras deram uma
amenizada com as drogas. O sexo livre é tema constante, visto que Wood casou com Lady
Jane, com quem Stock também transou. Os Fabulos Furry Freak Brothers são leitura
favorita da dupla, grande aceno de Angeli ao mestre Gilbert Shelton, referência para o autor
na construção da dupla. Eis aqui outro quadrinho que merecia republicação no Brasil, já que
as edições da Conrad esgotaram.
O conflito de gerações está presente nas tiras com Wood e seu filho Overall, que
curte um som diferente dos clássicos do pai mas acaba seguindo seus passos quando
descobre o sexo e as drogas. Ao solteiro Stock resta encarar as garotas desta geração em
momentos que flertam com fetichismo ao retratar o voyeurismo do velho hippie ou as
experiências com “ninfetas” que enxergam nele uma forma descolada de entrar em contato
com a cultura hippie.
Rascunhos dividem as fases das tiras, dando um toque de bastidores. O traço
aparentemente simples de Angeli reforça o talento do autor que, por mais que estivesse em
um momento que ainda inserisse vários elementos em cena, já dava sinais de que ainda
evoluiria muito no estilo e na finalização do traço. As tiras em cores, no final do compêndio
são ainda mais bem acabadas e culminam na evolução do talento de Angeli.
Se existem ressalvas, elas estão na ausência de notas. Logo na primeira tira, Stock
menciona que não cortou as birras do seu regime: quem reconhecer a palavra como
sinônimo de cerveja ou entrega a idade ou tem ascendência italiana. Uma nota ajudaria em
situações como essa e em momentos em que a tira menciona personagens ou fatos da
geração hippie.
Outra crítica comum aos volumes anteriores é que por melhor que seja a qualidade
de impressão, design e capricho na reunião e restauração do material, seria muito mais
interessante ter como revisitar as tiras da “Chiclete com Banana” como um todo, algo que
as novas gerações só podem conhecer em edições antigas em sebos, ou na coleção já
esgotada publicada pela Devir nos anos 2000. Depois do falecimento do lendário editor
Toninho Mendes, uma homenagem do tipo seria mais que bem vinda.
A auto-estima do careca que ostenta um rabo de cavalo como Stock tem que ser
estudada e é nesse fato que vem uma constatação interessante: Wood & Stock falam dos
anos 60 perdidos nos anos 80, a era dos Punks que hoje, assumem o lugar do tiozão que
relembra seus bons tempos, tal qual Angeli, hoje aposentado das tiras e que vê jovens
talentos como Ricardo Coimbra fazerem chacota com os tiozãos punks.

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