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Os Quatro Inimigos Naturais dos Homens

" O homem tem 4 inimigos naturais: o medo, a clareza, o poder e a velhice. Medo,
clareza e poder podem ser vencidos, mas a velhice não. Seus efeitos podem ser
adiados, mas ela nunca pode ser vencida."

"Um guerreiro sabe que é apenas um homem. Ele só lamenta que sua vida seja tão
curta que ele não possa agarrar todas as coisas que gostaria. Mas, para ele, isso
não é um problema: é só uma pena."

" Sentir-se importante fará a pessoa tornar-se pesada, desajeitada e vaidosa. Para
ser um guerreiro, é preciso ser leve e fluido"

"Os xamãs do México antigo deram o nome de aliados para as forças inexplicáveis
que agiam sobre eles. Eles as chamavam aliados porque pensaram que podiam
utiliza-las a seu bel-prazer, uma noção que demonstrou ser quase fatal para
aqueles xamãs, porque o que eles chamavam de aliado é um ser sem essência
corporal que existe no Universo. Os xamãs dos tempos modernos os chamam de
seres inorgânicos. Perguntar que função os aliados tem é como perguntar o que
nós, homens, fazemos no mundo. Estamos aqui , e é só. E os aliados estão aqui,
como nós; e talvez estivessem aqui antes de nós."

"Um guerreiro tem de saber, antes de mais nada, que seus atos são inúteis e que,
no entanto, ele tem de proceder como se não soubesse. Esta é a loucura controlada
de um xamã".

"Quando um homem entra no caminho dos guerreiros, fica consciente, aos poucos,
de que a vida comum ficou para trás para sempre. Isso significa que o mundo não
é mais um escudo para ele; e que ele deve adotar uma nova maneira de viver, para
poder sobreviver"

"Um guerreiro deve aprender a fazer todos os seus atos contarem já que ele vai
ficar neste mundo por muito pouco tempo; na verdade, um tempo demasiado curto
para que ele possa presenciar todas as suas maravilhas."

- Um homem de conhecimento – disse Don Juan – é aquele que seguiu honestamente


as dificuldades da aprendizagem; um homem que sem se precipitar ou hesitar, foi tão
longe quanto pôde para desvendar os segredos da sabedoria.

- O que é preciso para se tornar um homem de conhecimento?

- O homem tem que desafiar e vencer seus quatro inimigos naturais. Um homem
pode chamar-se um homem de conhecimento somente se for capaz de vencer seus

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quatro inimigos.

- Mas há algum requisito especial que o homem tenha de atender antes de lutar contra
esses inimigos?
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- Não. Qualquer pessoa pode tornar-se um homem de conhecimento; muitos poucos o


conseguem realmente, mas isto é natural. Os inimigos que um indivíduo encontra no
caminho do saber para tornar-se um homem de conhecimento são realmente
formidáveis; a maioria dos homens sucumbe a eles…

- Quando um homem começa a aprender, ele nunca sabe muito claramente quais são
seus objetivos. Seu propósito é falho; sua intenção, vaga. Espera recompensas que
nunca se materializarão, pois não conhece nada das dificuldades da aprendizagem.
Devagar ele começa a aprender… a princípio, pouco a pouco, e depois em porções
grandes. E logo seus pensamentos entram em choque. O que aprende nunca é o que ele
imaginava, de modo que começa a ter medo.

Aprender nunca é o que se espera.

Cada passo da aprendizagem é uma nova tarefa, e o medo que o homem sente começa a
crescer impiedosamente, sem ceder. Seu propósito torna-se uma batalha. “E assim ele
depara com o primeiro de seus inimigos naturais: o medo! Um inimigo terrível,
traiçoeiro, e difícil de vencer. Permanece oculto em todas as voltas do caminho,
rondando, à espreita. E se o homem, apavorado com sua presença, foge, seu
inimigo terá posto um fim à sua busca.”

- O que acontece com o homem se ele fugir com medo?

- Nada acontece a não ser que ele nunca aprenderá. Nunca se tornará um homem de
conhecimento. Talvez se torne um tirano, ou um pobre homem apavorado e inofensivo;
de qualquer forma, será um homem vencido. Seu primeiro inimigo terá posto fim a seus
desejos.

- E o que pode ele fazer para vencer o medo?

- A resposta é muito simples. Não deve fugir. Deve desafiar o medo, e, a despeito dele,
deve dar o passo seguinte na aprendizagem, e o seguinte, e o seguinte. Deve ter medo,
plenamente, e no entanto não deve parar. É esta a regra! E o momento chegará em
que seu primeiro inimigo recua. O homem começa a sentir seguro de si. Seu propósito
torna-se mais forte. Aprender não é mais uma tarefa aterradora. Quando chega esse
momento feliz, o homem pode dizer sem hesitar que derrotou seu primeiro inimgo
natural.

- Isso acontece de uma vez, Don Juan, ou aos poucos?

- Acontece aos poucos, e no entanto o medo é vencido de repente e depressa.

- Mas o homem não terá medo outra vez, se lhe acontecer alguma coisa nova?

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- Não. Uma vez que o homem venceu o medo, fica livre dele o resto da vida,
porque, em vez do medo, ele adquiriu clareza... uma clareza de espírito que apaga o
medo. Então, o homem já conhece seus desejos; sabe como satisfazê-los. Pode antecipar
os novos passos na aprendizagem e uma clareza viva cerca tudo. O homem sente que
nada lhe oculta. “E assim ele encontra seu segundo inimigo: a clareza! Essa clareza
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de espírito, que é tão difícil de obter, elimina o medo, mas também cega. Obriga o
homem a nunca duvidar de si. Dá-lhe a segurança de que ele pode fazer o que bem
entender, pois ele vê tudo claramente. E ele é corajoso, porque é claro; e não para diante
de nada, porque é claro. Mas tudo isso é um engano; é como uma coisa incompleta. Se o
homem sucumbir a esse poder de faz de conta, terá sucumbido ao seu segundo inimigo e
tateará com a aprendizagem. Vai precipitar-se quando devia ser paciente, ou vai ser
paciente quando devia precipitar-se. E taterá com a aprendizagem até ser incapaz de
aprender qualquer coisa mais.”

- O que acontece com um homem que é derrotado assim, Don Juan? Ele morre por isso?

- Não, não morre. Seu inimigo acaba de impedi-lo de se tornar um homem de


conhecimento; em vez disso, o homem pode tornar-se um guerreiro valente, ou um
palhaço. No entanto, a clareza, pela qual ele pagou tão caro, nunca mais se transformará
de novo em trevas ou medo. Será claro enquanto viver, mas não aprenderá nem desejará
mais nada.

- Mas o que tem de fazer para não ser vencido?

- Tem de fazer o que fez com o medo: tem de desafiar sua clareza e usá-la só para
ver, e esperar com paciência e medir com cuidado antes de dar novos passos; deve
pensar, acima de tudo, que sua clareza é quase um erro. E virá o momento em que
ele compreenderá que sua clareza era só um ponto diante de sua vista. E assim ele
terá vencido seu segundo inimigo, e estará numa posição em que nada mais poderá
prejudicá-lo. Isso não será um engano. Não será um ponto diante de sua vista. Será o
verdadeiro poder. “Ele saberá a essa altura que o poder que vem buscando há tanto
tempo é seu, por fim. Pode fazer o que quiser com ele. Vê tudo o que está em volta.
Mas também encontra seu terceiro inimigo: o poder! O poder é o mais forte de
todos os inimigos. E, naturalmente, a coisa mais fácil é ceder; afinal de contas, o
homem é realmente invencível. Ele comanda; começa correndo riscos calculados e
termina estabelecendo regras, porque é um senhor. Um homem nesse estágio quase nem
nota que seu terceiro inimigo se aproxima. E de repente, sem saber, certamente terá
perdido a batalha. Seu inimigo o terá transformado em um homem cruel e caprichoso.”

- E ele perderá o poder?

- Não, ele nunca perderá sua clareza e seu poder.

- Então, o que o distingue de um homem de conhecimento?

- Um homem que é derrotado pelo poder morre sem realmente saber manejá-lo. O
poder é apenas uma carga em seu destino. Um homem desses não tem domínio
sobre si, e não sabe quando ou como usar o poder.

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- A derrota por algum desses inimigos é uma derrota final?

- Claro que é final. Uma vez que esses inimigos dominem o homem, não há nada que
ele possa fazer.
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- Será possível, por exemplo, que o homem derrotado pelo poder veja seu erro e se
emende.

- Não. Uma vez que o homem cede, está liquidado.

- Mas se ele estiver temporariamente cego pelo poder, e depois o recusar?

- Isso significa que a batalha continua. Isso significa que ele ainda está tentando ser um
homem de conhecimento. O indivíduo é derrotado quando não tenta mais e se
abandona.

- Mas então Don Juan, é possível a um homem entregar-se ao medo durante anos, mas
no fim vencê-lo?

- Não, isso não é verdade. Se ele ceder ao medo, nunca o vencerá, porque se desviará do
conhecimento e nunca mais tentará. Mas se procurar aprender durante anos no meio de
seu medo, acabará dominando-o, porque nunca se entregou realmente a ele.

- E como o homem pode vencer seu terceiro inimgo, Don Juan?

- Também tem de desafiá-lo propositadamente. Tem de vir a compreender que o


poder que parece ter adquirido na verdade nunca é seu. Deve controlar-se em todas
as ocasiões, tratando com cuidado e lealdade tudo o que aprendeu. Se conseguir ver
que a clareza e o poder, sem controle, são piores do que os erros, ele chegará a um
ponto em que está tudo controlado. Então, saberá quando e como usar seu poder. E
assim terá derrotado seu terceiro inimigo. “O homem estará, então, no fim de sua
jornada do saber, e quase sem perceber, encontrará seu último inimigo: a velhice!
Este inimigo é o mais cruel de todos, o único que ele não conseguirá derrotar
completamente, mas apenas afastar. É o momento em que o homem não tem mais
receios, não tem mais impaciências de clareza de espírito… um momento em que
todo seu poder está controlado, mas também um momento em que ele sente um
desejo irresistível de descansar. Se ele ceder completamente a seu desejo de se deitar e
esquecer, se ele se afundar na fadiga, terá perdido a última batalha, e seu inimigo o
reduzirá a uma criatura velha e débil. Seu desejo de se retirar dominará toda sua clareza,
seu poder e sabedoria. Mas se o homem sacode sua fadiga e vive seu destino
completamente, então poderá ser chamado de um homem de conhecimento, nem
que seja no breve momento em que ele consegue lutar contra seu último inimigo
invencível. Esse momento de clareza, de poder e conhecimento é o suficiente.”

Trecho de livro “A Erva do Diabo” – (Don Juan / Carlos Castaneda) – 8 de abril de


1962

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