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E:mail: jgoldonipeixoto@gmail.com
Nesse sentido, em nossa casa, a religião sempre foi objeto de escárnio. A menor
manifestação da fé de uma pessoa se tornava objeto de zombaria. Minha mãe, que às
vezes até me parece uma pessoa inclinada à fé religiosa, prefere não dar sua opinião no
que toca à espiritualidade. Portanto, em casa, a voz ativa sempre foi do meu pai, e,
religião, era sinônimo de ignorância. A fé, segundo ele, não era nada mais que uma
covardia do espírito humano em não aceitar a dura realidade do acaso e a inexorável
mortalidade do homem. Meu pai, com isso, sem saber, contribuiu para o mergulho do
meu espírito num verdadeiro lodo niilista. Se por um lado eu assimilava e replicava suas
ideias, por outro, meu espírito agonizava e sentia que as portas para algo fundamental
estavam sendo fechadas à força. A conta não fechava, e eu não estava bem. No fundo,
sabia que a minha conivência com as ideias do meu pai se deviam à agressividade
retórica dele de um lado, e ao meu despreparo intelectual e pouca estrutura emocional
para lidar com suas investidas do outro. Sei que ele não fazia isso por mal, até porque,
tenho milhares de motivos para amá-lo e elogiá-lo. Meu pai é um homem bom. No
fundo, sei que pensava estar me fazendo um bem e ajudando a edificar meu intelecto.
Contudo, o que ele me causou com isso tudo foi um grande sentimento de falta de
sentido para a vida.
No entanto, minha sede de sentido sempre foi maior que minha falta dele. Por
isso, minha inquietação existencial me levou a abandonar minha graduação em
economia e a ingressar pouco tempo depois no curso de filosofia, depois que tive
contato em uma livraria na qual trabalhei com o pensamento do filósofo e escritor Olavo
de Carvalho. O seu livro “A filosofia e seu inverso” apresentava uma maneira
radicalmente oposta à do meu pai em conceber o universo da filosofia e da ciência, na
qual esse “inverso” expresso no título era precisamente a cosmovisão defendida pelo
meu pai. O telos fundamental da filosofia, dizia o livro, é o ordenamento superior do
espírito e o amor pela verdade, não sua negação através de artificialismos retóricos, que
é chamada desde os antigos como filodoxia. Até então, eu era incapaz de conceber a
existência de intelectuais de grande envergadura que fossem defensores de uma
perspectiva com um teor transcendente. Que ignorância a minha! A história da filosofia
está repleta deles! Eu havia sido alvo por diversos anos de um preconceito gigantesco,
que colocava a religiosidade como algo antagônico ao exercício da filosofia e da razão.
Dessa maneira, no decorrer dos meus estudos filosóficos conheci os sofisticados
sistemas metafísicos de pensamento de Platão, Aristóteles, Plotino, Santo Agostinho,
Santo Tomás de Aquino, Santo Anselmo e muitos outros, que me deram um bom estofo
intelectual para analisar de maneira adequada as incongruências presentes no
pensamento niilista que meu pai tanto insistia em me ensinar. Antes, suas ideias
entravam na minha mente sem barreiras como ervas daninhas, e seus frutos na minha
alma eram a angústia e a ansiedade. Agora, eu havia ganho maior capacidade de analisá-
las à partir de uma base intelectual mais sólida.