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Sumário

INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................... 4
1. A Arqueologia e a Bíblia................................................................................................................................ 4
1.1 Panorama geral e funções da Arqueologia Bíblica ................................................................................................. 4
1.1.1 A Arqueologia Bíblica e o Antigo Testamento ................................................................................................ 4
1.1.3 A escola arqueológica Minimalista ............................................................................................................... 10
1.1.4 Os Resultados ............................................................................................................................................... 11
1.2 Os Códigos Legais do Antigo Oriente e o Antigo Testamento .............................................................................. 11
1.2.1 O Oriente Médio e o Antigo Testamento...................................................................................................... 14
1.3.1 Escritos de Povos Antigos ............................................................................................................................. 15
2. As narrativas patriarcais e a arqueologia .................................................................................................... 20
3. Sodoma e Gomorra .................................................................................................................................... 33
3.1 Incredulidade e negação...................................................................................................................................... 34
3.2 O Que Disseram os Geólogos .............................................................................................................................. 34
3.3 A historicidade de Sodoma e Gomorra ................................................................................................................ 35
3.4 A Procura de Sodoma e Gomorra ........................................................................................................................ 35
4. O Êxodo ...................................................................................................................................................... 38
4.1 O Êxodo e a arqueologia ...................................................................................................................................... 38
4.2 O caminho da terra dos filisteus .......................................................................................................................... 40
4.3 A rota do êxodo e as imagens de satélites .......................................................................................................... 41
4.4 O coração endurecido do Faraó .......................................................................................................................... 42
4.5 Teria Israel atravessado o “Mar Vermelho”? ....................................................................................................... 42
5. As principais cidades de Canaã e a Arqueologia ......................................................................................... 45
5.1 A cidade de Ai ...................................................................................................................................................... 45
5.2 A cidade de Hazor ................................................................................................................................................ 46
5.3 A cidade de Jericó ................................................................................................................................................ 47
5.4 A Cidade de Siquém ............................................................................................................................................. 49
5.5 O que estas descobertas podem provar? ............................................................................................................ 50
6. A monarquia e a Arqueologia ..................................................................................................................... 52
6.1 Saul, Davi e Salomão............................................................................................................................................ 52
6.2 A cidade de Ecrom ............................................................................................................................................... 54
6.3 As cartas de Laquis .............................................................................................................................................. 54
6.4 Selo de barro com impressão digital ................................................................................................................... 55
7. Os Manuscritos do Mar Morto ................................................................................................................... 55
7.1 O que são os manuscritos? .................................................................................................................................. 55
7.2 Qumran e sua relação com eles........................................................................................................................... 56
7.3 Como chegaram até as grutas ............................................................................................................................. 57
7.3.1 A descoberta ................................................................................................................................................. 57
7.3.2 Data das descobertas ................................................................................................................................... 58
7.3.3 País em que foram achados .......................................................................................................................... 58
7.3.4 Onde se encontram ...................................................................................................................................... 59
7.3.5 Os atuais donos ............................................................................................................................................ 59
7.4 Israel Adquire os Principais Manuscritos da Gruta .............................................................................................. 60
7.4.1 Os Manuscritos que foram publicados ......................................................................................................... 61
7.4.2 Os Idiomas em que Foram Escritos ............................................................................................................... 61
7.4.3 As Datas ........................................................................................................................................................ 62
7.4.4 Duas Cópias de Isaías Descobertas na Gruta ................................................................................................ 64
Conclusão ....................................................................................................................................................... 65
BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................................................. 66

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INTRODUÇÃO

1. A Arqueologia e a Bíblia

Muitas pessoas após ter lido ou ouvido falar das Escrituras Bíblicas, já questionaram e questionam a
veracidade dos acontecimentos. A arqueologia bíblica, um precioso estudo que vem sendo explorado há
poucos séculos, tem esclarecido muitos destes questionamentos que os cépticos opõem aos fatos históricos
dos livros bíblicos.

1.1 Panorama geral e funções da Arqueologia Bíblica

1.1.1 A Arqueologia Bíblica e o Antigo Testamento

A palavra “arqueologia” deriva do termo grego archaiología, que significa “estudo das coisas antigas
[ou arcaicas]”. Os gregos usavam a palavra “arqueologia” para descrever antigas lendas e tradições. A primeira
menção conhecida — em inglês — data de 1607, usada numa referência ao “conhecimento” sobre o Israel
antigo com relação a fontes de literatura como a Bíblia. Então, no século XIX, quando começaram a ser
desenterrados artefatos dos tempos bíblicos, a palavra foi a estes aplicada.
À medida que a arqueologia se desenvolveu como ciência e as escavações alcançaram terras além das
que têm relevância bíblica, surgiu a necessidade de se cunhar um termo mais exclusivo. E assim, como uma
disciplina distinta em um campo mais extenso, nasceu a “arqueologia bíblica” — a ciência da escavação,
decifração e avaliação crítica dos registros de materiais antigos relativos à Bíblia. A primeira tentativa
“científica” em arqueologia foi conduzida por Napoleão Bonaparte em 1798.
Coisas palpáveis podem assistir a fé em seu crescimento. A arqueologia traz à luz os remanescentes
tangíveis da história, permitindo a criação de um contexto razoável para o desenvolvimento da fé. Permite
também que fatos a sustentem — a confirmação da realidade dos personagens e eventos bíblicos. Assim,
céticos e santos podem, do mesmo modo, perceber a mensagem espiritual arraigada à história.
A arqueologia é o principal meio de recuperar o passado por intermédio da descoberta de sítios antigos
e ao se encontrar, por meio da escavação, construções, artefatos e documentos escritos que eles continham em
tempos passados. Dessa forma, ela dá ao historiador uma ferramenta para que ele possa fazer um retrato do
homem, de suas atividades e do seu pensamento em dado período e lugar na história. Visto que o Antigo
Testamento em si já é uma coleção de escritos pertencentes a um contexto de vida específico, não é de
surpreender que a arqueologia das terras bíblicas, principalmente da Síria-Palestina e seus vizinhos,

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comumente chamada de “arqueologia bíblica”, tenha feito muito para melhorar nossa compreensão dos povos,
lugares, línguas, tradições e costumes entre os quais os hebreus tinham o seu lugar especial.
Enquanto a exploração antiga, e também algumas mais recentes, tinham na Bíblia seu motivo principal
de interesse, a arqueologia moderna desenvolveu-se em uma disciplina reconhecida e independente para
descobrir, datar, examinar, preservar e interpretar os seus achados. A arqueologia não é uma ciência exata,
embora já seja atualmente um campo de pesquisa contemporânea em rápido desenvolvimento que utiliza
métodos de comparação e tipologia. Seus resultados, com exceção das evidências documentais, talvez sejam
subjetivos, sujeitos a interpretações variáveis ou limitadas pela falta de material de comparação ou até pelos
pontos de vista e métodos empregados pelo escavador. Não obstante, alguns princípios de métodos ou
resultados agora impõem respeito e ampla aceitação independentemente de qualquer convicção teológica, ou
falta dela, do próprio arqueólogo.
A função da arqueologia está limitada à determinação do pano de fundo material de uma civilização.
As ideias e os pensamentos de um povo antigo às vezes podem ser reconstruídos com base nesses vestígios
materiais, mas são traçados mais comumente e de forma mais confiável com base em seus escritos. A
arqueologia bíblica tem ilustrado, explicado e ocasionalmente confirmado o texto bíblico, embora às vezes
tenha levantado problemas ainda não resolvidos. No entanto, ela não “comprova que a Bíblia é verdadeira”.
Os autores do Antigo Testamento selecionam seus fatos, fontes e palavras e muitas vezes têm percepções e
preocupações espirituais que estão além do escopo do questionamento ou da confirmação da arqueologia.
Assim, a arqueologia bíblica se propõe a iluminar e suplementar, como também confirmar, ou, mais raramente,
corrigir interpretações tradicionais. Visto que ela leva o leitor a conhecer o pano de fundo contemporâneo aos
autores bíblicos, tornou-se uma ferramenta indispensável, se não essencial, para a completa compreensão da
Bíblia.
Descobertas arqueológicas estão brotando por todo o mundo, mais rápido do que os nossos jornais
podem informar. E são boas as notícias para os estudantes das Escrituras: grande parte dos achados está
ajudando, como nunca antes, na compreensão da Bíblia.
No início do século XVIII, ninguém podia sonhar que maravilhas a arqueologia estava para revelar. O
mundo do passado estava amplamente esquecido, exceto pela procissão histórica de nomes antigos de pessoas
e lugares, mas não havia qualquer evidência física de que eles realmente houvessem existido. Essa era a
condição de nosso conhecimento material sobre a Antiguidade há apenas dois séculos. A Bíblia era o único
testemunho a respeito dela própria. Descoberta após descoberta a arqueologia tem estabelecido a exatidão de
inumeráveis detalhes e trazido reconhecimento crescente ao valor da Bíblia como fonte de história.
A Enciclopédia Arqueológica da Terra Santa cita o valor da arqueologia:
“A arqueologia provê uma amostra de antigas ferramentas e vasos, muros e prédios, armas e adornos.
A maioria destes pode ser posta em ordem cronológica, e com segurança identificada com termos apropriados
e contextos contidos na Bíblia. Neste sentido, a Bíblia preserva com exatidão, em forma escrita, seu antigo
ambiente cultural. Os pormenores das histórias bíblicas não são o produto fantasioso da imaginação dum

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autor, mas, antes, são reflexos autênticos do mundo no qual ocorreram os eventos registrados, desde os
mundanos até os miraculosos.” (The Archaeological Encyclopedia of the Holy Land. A Enciclopédia
Arqueológica da Terra Santa); p. 44 Pode-se crer no Antigo Testamento?).
Há cerca de um século, estudiosos americanos, ingleses, franceses e alemães vêm fazendo escavações
no Oriente Próximo, na Mesopotâmia, na Palestina e no Egito. As grandes nações fundaram institutos e escolas
especializadas nesses trabalhos de pesquisa. Na Palestina, foram descobertos lugares e cidades vezes
mencionados na Bíblia. Apresentam-se exatamente como a Bíblia os descreve e no lugar exato em que elas se
situam. Em inscrições e monumentos arquitetônicos primitivos, os pesquisadores encontram cada vez mais
personagens do Antigo e do Novo Testamento. Relevos contemporâneos mostram imagens de povos de que
só tínhamos conhecimento de nome. Seus traços fisionômicos, seus trajes, suas armas adquirem forma para a
posteridade.
Sem dúvidas o século XX ficou marcado como o século das grandes descobertas arqueológicas. Tendo
em vista as grandes descobertas em lugares como Ugarite, Ebla e Qumram, entre muitas outras. A arqueologia
bíblica tem a cada dia posto a luz novas descobertas que esclarecem passagens bíblicas. É certo que acerca
dos patriarcas não foi encontrada ainda nenhuma descoberta direta, o que é compreensível quando se leva em
conta que o antigo Israel não se encontrava entre os grandes povos que tinham o costume de registrar suas
histórias e façanhas. Mas quando comparado os resultados arqueológicos do Antigo Oriente com os textos
bíblicos, tem se mostrado cada vez mais que os textos bíblicos são dignos de confiança.
“A arqueologia no exato momento não nos pode fornecer certeza histórica de tudo o que descobriu,
mas as probabilidades aumentaram consideravelmente. Adequadamente, a arqueologia não deve ser usada
para “provar” a Bíblia ou para “provar” que a nossa fé está correta. Ela tem nos fornecido, em muitos pontos
um testemunho indireto. Sem dúvidas a arqueologia tem nos fornecido um alto grau de probabilidade e de
certeza em muitas questões. As primeiras descobertas arqueológicas causaram euforia e entusiasmo, hoje
nota-se um problema complexo e carente de novas reflexões.” (DANILO MORAES, 2015, p. 259).
Esse campo de pesquisa oferece “evidências circunstanciais” sobre o passado de Israel, mas para o
pesquisador isso representa um avanço no “equilíbrio das probabilidades”. O papel da arqueologia não é
“provar” a Bíblia, este tipo de “prova” está disponível somente em determinadas ciências dedutivas, como a
matemática e a lógica, Mas, o papel da arqueologia é: (1) fornecer materiais culturais, epigráficos e de
artefatos que propiciem o contexto para a interpretação da Bíblia com precisão; (2) ancorar os eventos do texto
bíblico na história e geografia da época; e (3) construir confiança na revelação de Deus, onde as verdades das
Escrituras colidem com os eventos históricos.
Dentre as principais funções da arqueologia bíblica, temos as seguintes:
“(1) iluminar a Bíblia, (2) apoiar eventos do texto em nosso tipo de história e geografia e (3) edificar
a confiança na revelação do Deus da verdade que sempre será consistente em todas as suas obras, sejam elas
revelação das Escrituras ou seus atos no tempo e no espaço.” (KAISER, 2007, p, 89).

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A habilidade do arqueólogo tem uma enorme impor-tância, uma vez que ele frequentemente se depara
não somente com a delicada e precisa tarefa de escavar artefatos danificados, mas também com a
responsabili-dade de tentar reconstruí-los de certa forma antes que possa ser feita alguma ava-liação
significativa das descobertas. Embora os arqueólogos profissionais de hoje disponham de auxílios
espetaculares, como aparelhos de detecção eletromagné-tica, e máquinas de datação por rádio carbono, uma
grande parte da habilidade da arqueologia continua a depender da paciente remoção e peneiração da areia ou
da terra; da cuidadosa reconstrução de artefatos — muitas vezes quebrados — de cerâmica; da correta
decifração de inscrições terrivelmente desgastadas pelo cli-ma que, num primeiro momento, poderiam parecer
terem sido inscritas em uma língua obscura; do estabelecimento das sequências cronológicas adequadas, com
base na cerâmica e outras evidências, e também da correlação das informações colhidas no local em escavação
com aquilo que já se conhece do período, em geral, de outras fontes ou de outros locais correlatos.
Ao relacionar a história bíblica, as pessoas e eventos na história geral, a arqueologia demonstra a
validade de muitas referências bíblicas. Porém, algumas descobertas têm levantado alguns problemas que tem
ocasionado debates intensos. Mas, uma vez que temos visto tanto destes desafios no decorrer dos anos serem
superados, devemos manter uma posição positiva. Devemos confiar no texto até que a informação
definitivamente contrária esteja disponível. O texto bíblico é inocente até que se prove o contrário.
Um ponto que nenhum pesquisador deve rejeitar é que a arqueologia não comprova que a Bíblia é a
Palavra de Deus inspirada e revelada. Mas diante disso podemos afirmar que a arqueologia comprova que
muitas passagens bíblicas são históricas e confiáveis. Não podemos negar que a arqueologia é uma disciplina
subjetiva, pois ao levar em conta que os objetos achados são “mudos” entre em cena o “intérprete” com seus
pressupostos e princípios.
Não podemos ser ingênuos a ponto de ignorarmos os diversos processos que sofreram os textos bíblicos
para que chegassem até nós hoje. O texto bíblico é aglomerado de uma grande variedade de literatura, histórias,
leis, rituais, exortações, sermões e instruções. Infelizmente os achados arqueológicos consistem em uma
ínfima parcela daquilo que poderia ter sido descoberto. “A arqueologia de hoje com muita frequência torna-
se a nota de rodapé de amanhã a respeito dos primeiros esforços equivocados.” (DILLARD, 2006, p. 109).
“Pelo fato de os hebreus retratarem muito dos padrões culturais contemporâneos da vida no Oriente
Próximo, a história dos israelitas pode ser mais bem entendida comparando-se as narrativas do Antigo
Testamento com o conhecimento da cultura e da arqueologia do período. As escavações e as pesquisas
arqueológicas do Egito e antigo Oriente Próximo trouxeram uma inesperada quantidade de material, que
trouxe luz ao mundo do ambiente bíblico, estas descobertas se tornaram indispensáveis para a exegese e
compreensão do mundo do Antigo Testamento e sua história. Entre os textos jurídicos e sociais, os códigos
babilônios e assírios, as leis hititas, as tabuinhas de Nuzi, os textos de Ras Shamra e as leis, os usos, e os
costumes registrados nos diversos textos, notam-se afinidades impressionantes com o Pentateuco e outras
partes do Antigo Testamento. Os tratados de aliança característicos do Pentateuco podem-se hoje enquadrar,
sobre o aspecto literário, nos tratados hititas e outros achados da Síria.” (MORAES, 2015, p. 259).

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O exame das Escrituras hebraicas contra o cenário cultural apropriado que a arqueologia ajuda fornecer,
irá servir a um propósito importante: estabelecer especificamente, na mente do estudioso sobre a antiguidade
do Oriente Médio, um sentido cronológico apropriado, em relação à revelação divina. Isto, então, irá evitar
que o intérprete das Escrituras aplique categorias inapropriadas de moralidade ou interpretação cristã a
situações ou acontecimentos que eram regidos por um ethos completamente diferente, e irá fundamentar as
suas explicações em uma sequência historicamente legítima.
Podemos vislumbrar a importância da arqueologia, diante da menção que Wright tributa a esta
importantíssima disciplina:
“A Bíblia, ao contrário de outras literaturas religiosas do mundo, não é centrada numa série de
ensinos morais, espirituais e litúrgicos, mas na história de um povo que viveu num certo tempo num certo
lugar... A fé bíblica é o conhecimento do sentido da vida à luz do que Deus fez numa história específica. Assim,
a Bíblia não pode ser entendida a menos que a história que ela relata seja tomada a sério. O conhecimento
da história bíblica é essencial para o entendimento da fé bíblica... Se a natureza de tais períodos deve ser
apropriadamente entendida, e os eventos bíblicos encaixados em seu contexto original na história antiga
como um todo, os antecedentes originais para o material bíblico têm que ser recuperados com a ajuda da
arqueologia.” (apud PRICE, 2006, p. 97).
É importante observarmos as considerações que Tenney apresenta:
“Deve-se reconhecer que há algumas alegações exageradas quanto ao que a arqueologia pode
afirmar. Quanto aos documentos: há pouco tempo os estudiosos do Antigo Testamento considerariam
extravagância falar de documentos do Antigo Testamento hebraico datados do séc. 3 a.C. No entanto, é isto
o que os textos do Mar Morto são. Os documentos pré-exílicos da Palestina são poucos porque o povo
escreveu em materiais perecíveis. Porém, os manuscritos do Egito, onde o clima é extremamente seco, e da
Mesopotâmia onde a escrita era feita em barro, são profusos em todos os períodos, e lançam uma luz
considerável sobre o Pentateuco... certamente um dos resultados do movimento arqueológico moderno tem
sido confirmar substancialmente a historicidade da cultura e períodos refletidos nas narrativas dos
patriarcas, de Moisés e do Êxodo.” (TENNEY, p. 901-902).
A arqueologia nos explica a rica herança que os hebreus receberam das civilizações antigas, e a
influência desta cultura na produção da literatura do Antigo Testamento. A partir do século XX a arqueologia
teve um grande avanço. Descobertas no Oriente Próximo, em sítios como Assur, Nuzi, Mari, Ugarit, Tell-el-
Amarna e demais, nos proporcionaram inúmeras informações que muitos críticos da bíblia não conheciam em
tempos anteriores. Estas descobertas trouxeram a luz informações importantes sobre os patriarcas.
Destacaram-se na américa três grandes arqueólogos W. F. Albright (1891-1971), John Bright (1908-1995) e
George Ernest Wright (1909-1974), e na França Roland de Vaux (1903-1971).

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Willian Foxwell Albright, foi sem dúvida o pesquisador americano do Antigo Testamento mais
influente em seu tempo. Suas pesquisas foram fortemente marcadas pelos resultados arqueológicos e
filológicos, e suas interpretações deram importância ao período dos primórdios, dando ao material do
Pentateuco a data mais antiga que a evidência arqueológica podia permitir. Sua abordagem leva em
consideração a historicidade histórica do texto. Desde o princípio do século XX até sua morte, W. F. Albright
foi o decano dos arqueólogos e o pai mundial da Arqueologia bíblica. Seu aluno mais destacado, George Ernest
Wright, seguiu seus passos como líder do movimento arqueológico. Entre outros de seus alunos notáveis se
encontram Frank Moore Cross e David Noel Freedman, que chegaram a serem líderes internacionais em estudo
arqueológico dos lugares e eventos descritos na Bíblia e do antigo Oriente Próximo, incluindo epigrafia,
semítica e paleografia. Albright tem o crédito de ter dirigido uma boa parte dos seus esforços eruditos no
sentido de reabilitar a reputação do Antigo Testamento como registro do passado no qual se pode confiar. Em
numerosos livros e artigos, demonstrou, repetidas vezes, que a narrativa bíblica tem sido vindicada contra seus
críticos, pela descoberta arqueológica recente.
Há limites para o que a arqueologia pode nos dizer a respeito de Israel e do Antigo Testamento. De
qualquer modo, as informações que essa disciplina produz devem ter como contrapartida uma leitura cuidadosa
do relato bíblico.
“Diante do estudo dos textos antigos devemos manter uma postura de humildade. Devemos permitir
que os autores antigos falem da maneira que desejavam. Temos que buscar entende-los, e não simplesmente
fazermos perguntas sobre eles e seus escritos que estão fora de sua intenção original e de sua visão de mundo.
Não temos todos os dados, não temos todas as “provas”, não temos todo o entendimento para nossas
perguntas. É possível que nunca encontremos a prova irrefutável para muitas de nossas dúvidas, e para muitas
das críticas levantadas quanto a autoridade e historicidade de muitos acontecimentos do Antigo Testamento,
mas “inexistência de provas não é prova de inexistência.” Os livros do Antigo Testamento, em especial do
Pentateuco, não são livros escritos por historiadores modernos para leitores modernos, e principalmente, o
seu compromisso com a verdade não procura alcançar os padrões modernos. Isso não quer dizer que os
antigos não escrevessem história. Ao contrário, frequentemente eles exigem sensibilidade com os eventos e
testemunhos que confirmam tais eventos.” (MORAES, 2015, p. 262-263).
O arqueólogo Bryant Wood resume a importância dos achados arqueológicos:
“Em nossos dias, a maioria dos estudiosos, arqueólogos e estudiosos bíblicos faria exame muito crítico
da precisão histórica de muitas das narrativas da Bíblia, particularmente dos primeiros livros da Bíblia.
Quase todos os estudiosos de hoje diriam que qualquer coisa anterior ao período do reino [de Israel] é pura
história folclórica e mito, e é neste ponto que a arqueologia bíblica pode representar papel muito importante,
porque no campo da arqueologia podemos apresentar evidências novas e dados novos para nos ajudar a
entender estas narrativas bíblicas. Não é incomum as descobertas mais recentes da arqueologia destruírem
opiniões críticas mais antigas sobre a Bíblia. Muitos estudiosos afirmaram que nunca houve um Davi ou um
Salomão, mas hoje temos uma esteia que de fato menciona Davi.” (Apud PRICE, 2006, p. 151-152).

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Há limites para o que a arqueologia pode nos dizer a respeito de Israel e os tempos do Antigo
Testamento. De qualquer modo, as informações que essa disciplina produz devem ter como contrapartida uma
leitura cuidadosa do relato bíblico. As descobertas arqueológicas dos últimos 100 anos, fizeram com que, o
nosso conhecimento sobre o passado antigo enriquecesse, e isso, mostra que é lícito esperar que as futuras
descobertas arqueológicas esclareçam, cada vez mais, os aspectos históricos do Antigo Testamento, assim
como os elementos sociais, políticos e religiosos da vida dos hebreus. No entanto, deve-se admitir que não se
possa, e não se deve esperar nem exigir que a arqueologia, por si só, prove a “verdade” do Antigo Testamento.
A verdadeira função das fontes arqueológicas é fornecer informações sobre a vida e a estrutura da sociedade
do antigo Oriente Médio que capacite os estudantes das Escrituras, na atualidade, a verem o registro sagrado
sob uma perspectiva cultural e histórica adequadas.

1.1.3 A escola arqueológica Minimalista

No final dos anos de 1980 e começo de 1990, deu-se início a um novo movimento de arqueólogos, que
levantaram graves objeções a seus colegas que os precederam, estes novos arqueólogos passaram a ser
denominados de “minimalistas”. Dentre os primeiros pesquisadores identificados como minimalistas, temos:
John van Seters, Donald Redford e Thomas L. Thompson.
“Os minimalistas afirmam que o Israel na Bíblia hebraica nunca existiu, exceto nas mentes dos autores
persas e helênicos, que criaram as narrativas e as histórias da monarquia em sua imaginação. A menos que
exista uma comprovação independente, por ‘fontes extrabíblicas’, os minimalistas rejeitam a utilidade da
Bíblia hebraica como testemunha dos eventos escritos. O texto bíblico é sujeito a um padrão de comprovação
mais elevado do que as fontes ‘extrabíblicas’. Os minimalistas insistem que qualquer afirmação feita por um
texto antigo deve ser comprovada por uma fonte independente.” (MORAES, 2015, p. 262).
Segundo os minimalistas, os manuais de “História de Israel” têm sido, durante muito tempo, uma
paráfrase racionalista do texto bíblico. De fato, grande parte da historiografia sobre essa temática foi conduzida
por religiosos. Dentro e fora da academia a história dos antigos israelitas era vista como a evolução de um
único grupo, ou seja, aceitava-se a sequência: patriarcas, escravidão no Egito, êxodo, conquista da Palestina,
confederação das 12 tribos, monarquia davídico-salomônica, divisão entre reino do norte e do sul, exílio e
volta para a terra.
Acreditava-se que todas essas etapas estavam em conformidade com as evidências arqueológicas e
fontes extrabíblicas, de tal modo, houve um razoável consenso sobre a história de Israel até meados da década
de 70 do século XX (...) Uma mudança significativa só veio a ocorrer, de fato, a partir da década de 1990, com
a criação do Seminário Europeu sobre Metodologia Histórica. O grupo de pesquisadores que possibilitou o
surgimento do referido seminário se uniu em torno das frustrações referentes ao debate sobre o Israel antigo.
A partir de então, tem sido conduzida uma profunda revisão deste tema, de modo que os resultados obtidos

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até o presente momento colocam em xeque o paradigma tradicional da história antiga de Israel. Dentro do
mencionado seminário destacou-se um grupo de pesquisadores que ficaram conhecidos como Escola de
Copenhague ou minimalistas, os quais, gradativamente, adquiriram notoriedade internacional. Apesar destas
significativas mudanças no âmbito historiográfico internacional, os estudos sobre a história de Israel levados
a cabo no Brasil se encontram afastados do recente debate referente a essa temática.
Em suma podemos dizer que sempre que um relato bíblico não apresente confirmação arqueológica,
os minimalistas concluem que tal relato nunca aconteceu. Os minimalistas trabalham a partir de uma
hermenêutica de suspeita e tendem a desconfiar quase de tudo. Os esforços dos minimalistas, porém, ao invés
de serem destrutivos para a posição maximalista (a posição maximalista defende que tudo nas fontes históricas
e arqueológicas que não podem ser provadas como falsas devem ser aceitas como históricas), têm cooperado
com ela removendo elementos inconsistentes ou desnecessários para o relato bíblico.

1.1.4 Os Resultados

Assombrosos e incalculáveis por sua profusão, esses dados e descobertas modificaram a maneira de
considerar a Bíblia. Episódios que até agora muitos consideravam simples “histórias piedosas” adquirem de
repente estatura histórica. Por vezes, os resultados da pesquisa coincidem com as narrativas bíblicas nos
mínimos detalhes. Eles não só “confirmam”, mas esclarecem igualmente os acontecimentos históricos que
originaram o Antigo Testamento e os Evangelhos. As experiências e o destino do povo de Israel são assim
apresentados, não só num cenário vivo e variado, como num colorido painel da vida diária, mas também nas
circunstâncias e lutas políticas, culturais e econômicas dos Estados e Impérios da Mesopotâmia e do Nilo, das
quais nunca puderam libertar-se inteiramente, durante mais de dois mil anos, os habitantes de estreita região
intermédia da Palestina.

1.2 Os Códigos Legais do Antigo Oriente e o Antigo Testamento

É importante perceber que os códigos legais do Antigo Testamento não são únicos no mundo antigo.
A maioria das nações do Oriente Médio antigo possuía sistemas jurídicos semelhantes. Vejamos os códigos
legais antigos mais importantes por ordem de antiguidade:
1. Código de Ur-nammu. Assim chamado por causa do primeiro rei da terceira dinastia de Ur
(aproximadamente 2100-2000 a.C.). Trata-se do primeiro código legal conhecido na história
(aproximadamente 2050 a.C.). Foi escrito em sumério, e apenas pequenas porções foram recuperadas. Possui
um prólogo e vinte e nove leis, todas casuístas.
2. Código de Eshnunna. Seu nome não se deve a alguém, mas a um lugar. A cidade ficava localizada
perto da atual Bagdá, e floresceu entre a queda de Ur e a época de Hamurabi. Suas leis, sessenta e uma no
total, são as mais antigas já escritas em babilônico e datam de cerca de 1980 a.C.

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3. Código de Lipit-Ishtar. Seu nome vem de um governante da primeira dinastia em Isin
(aproximadamente 2000-1900 a.C.), uma das importantes cidades-Estado que surgiram após a queda de Ur. O
código é formado por três partes principais: um prólogo, as leis e um epílogo. É também escrito em sumério.
Um total de trinta e oito leis, completas e incompletas, sobreviveram, sendo todas casuístas. O código data de
aproximadamente 1930 a.C.
4. O Código de Hamurábi. Sexto rei da primeira dinastia da Babilônia, reinou entre 1792 e 1750 a.C.
Foi escrito em babilônico, assim como o Código de Eshnunna, e é o mais famoso código legal extra-bíblico.
Assim como o Lipit-Ishtar, é formado por três partes: prólogo, leis e epílogo. Possui 282 leis casuístas.
5. O código legal hitita. Sua data precisa não é conhecida, mas Harry Hoffner, estudioso da civilização
hitita, declara que “é possível que a primeira compilação das leis hititas tenha sido feita no reino de Telipinu
(1525-1500 a.C.)”. As leis são divididas em duas tábuas, com 100 leis cada uma.
6. As Leis da Assíria Média. Foram preservadas em plaquetas de barro que são da época do rei
Tiglath-Pileser (1115-1077 a.C.), mas sua origem remonta há quase trezentos anos antes disso. Cerca de 116
leis foram encontradas em onze tábuas diferentes, novamente com uma estrutura casuísta. Inéditas em códigos
anteriores, as penas muitas vezes incluíam formas de mutilação como, por exemplo, cortar um nariz ou um
dedo.
O fato dessas leis existirem não significa que eram usadas por tribunais ou juízes na manutenção da
justiça. Esses códigos jamais assumiram o papel de lei vigente. Eram, na verdade, praticamente ignoradas.
Hamurabi (1728-1686 a.C. aprox.), também conhecido como “Humurapi” foi o sexto rei da I dinastia
babilônica. Uma cópia do Código de Hamurabi foi encontrada em 1901 pelo arqueólogo francês J. de Morgan,
em Susa, para onde havia sido levada, aparentemente como um troféu de batalha, por guerreiros elamitas. Era
uma stela imponente de diorito negro, com aproximadamente um metro e oitenta centímetros de altura.
Atualmente se encontra exposta no Museu de Louvre, em Paris, e Hamurabi é sem dúvida a figura mais
conhecida da história mesopotâmia.
Um baixo-relevo de Hamurabi em pé, diante do deus do sol, Shamash, patrono da justiça, encabeçava
as cinquenta e uma colunas de texto cuneiforme, escrito em babilônio semita. Um prólogo declarava que os
deuses tinham comissionado Hamurabi a “fazer a justiça brilhar na terra, destruir o malfeitor e o ímpio... e
iluminar a terra, ao passo que um extenso epílogo reafirmava o seu desejo de ser conhecido como ‘um senhor
que é um pai para os seus súditos.’” (HARRISON, 2010, p. 56-57). “Uma das fontes legais mais antigas,
sobre as quais se baseou o Código de Hamurabi, foi o grupo de ordenações promulgado por Urukagina, rei
de Lagash, por volta de 2380 a.C”. (p. 147).
O código de leis de Hamurabi não se originou dele mesmo, mas seguia um padrão já existente na
sociedade mesopotâmia. A legislação do Código de Hamurabi foi agrupada em aproximadamente trezentas
seções, das quais muitas refletiam um cenário social altamente complexo. Este corpus baseou-se em material
legislativo anterior dos sumérios, como os códigos de Eshnunna e Lipit-Ishtar, e diversas cópias dele foram
feitas sob a forma de stela, de modo a divulgar o seu conteúdo ao público em geral. Embora a data precisa do

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Código de Hamurabi ainda seja incerta, quanto à época em que foi escrito, não pode haver dúvida de que o
código refletia as condições sociais que havia no início do segundo milênio a.C., se não antes disto.
“Fazem-se comparações entre a lei casuística da aliança mosaica e os códigos mais antigos, como o
Código de Hamurabi (c. 1700 a.C.), o Código de Lipit-Ishtar (c. 1875 a.C.) e o Código de Ur-Nammu (c. 2050
a.C.). Existem semelhanças suficientes para confirmar a antiguidade da aliança mosaica – e diferenças ainda
mais notáveis para atestar sua singularidade como revelação divina.” (UNGER, 2006, p. 84).
R. K. Harrison, oferece uma comparação proveitosa, entre o Código de Hamurabi e as leis do
Pentateuco, vejamos:
“Existem algumas correspondências estreitas entre o Código de Hamurabi e as leis hebraicas do
Pentateuco, o que não é de surpreender, tendo em vista a similaridade da herança cultural e da antecedência
racial. Por exemplo, quando um homem cometesse adultério com a esposa de outro homem, o Código de
Hamurabi (seção 129) e a lei Mosaica (Lv 20.10 e Dt 22.22) estavam de acordo com que ambos fossem
condenados à morte. A lei de retaliação, ou lex talionis no Código de Hamurabi era exatamente igual à que
há no Pentateuco (Êx 21.23 e versículos seguintes, e Dt 19.21). Por outro lado, há diferenças importantes. A
lei hebraica permitia que um homem se divorciasse da sua esposa (Dt 24,1), mas não concordava com o
código da Babilônia (seção 142) que permitia que a esposa tivesse o mesmo privilégio. O Código de Hamurabi
é claramente deficiente de pensamento espiritual, e, de modo geral, atribuía à vida humana um valor menor
do que a legislação Mosaica.” (2010, p. 58).
Alguns estudiosos já defenderam a teoria de que Hamurabi era o Anrafel bíblico, rei de Sinear (Gn
14.1,9), porém poucos sustentam essa ideia hoje. Embora as leis de Hamurabi informem que já existiam textos
legais no início do II milênio a.C. (ao contrário dos que preferem datar os livros bíblicos da Lei como
posteriores ao I milênio – uma data tardia), não parece haver nenhuma conexão direta entre Hamurabi e a
Bíblia. (Bíblia de Estudo Arqueológica NVI, 2013, p. 271). A descoberta do Código de Hamurabi, deixou bem
claro que as ordenações legais israelitas haviam sido precedidas por um grande número de códigos legais na
antiga Babilônia. Ao mesmo tempo, ela serviu para demonstrar o espírito singular da legislação mosaica e
desferiu um golpe mortal em outras opiniões que haviam afirmado que matérias legais, como as que existiam
no Pentateuco, eram anacronismos.
“Os contatos estreitos e, frequentemente, a identidade de expressões encontradas entre as leis
israelitas e o Código de Hamurabi, a coleção assíria ou as leis hititas não se explicam por empréstimos
diretos, mas pela influência de um mesmo direito consuetudinário amplamente difundido.” (VAUX, 2003, p.
179).
Os documentos assírios formam um complemento muito precioso aos relatos dos livros bíblicos e
auxiliam-nos principalmente a controlar e corrigir a cronologia bíblica. Pela primeira vez, só vamos encontrar
o nome de Israel nos textos assírios, por volta do século nove antes da era cristã (853 a.C.), por ocasião do
encontro de Salmanassar III – nas imediações de Carcar, na Síria – com o exército aliado das potências sírio-
palestinenses.

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Dos monumentos assírios, que se relacionam com Israel, o mais importante é o Obelisco Negro do Rei
Salmanassar III (859-829 a.C.). Essa pedra, que mede 2 metros de altura, acha-se no Museu Britânico, em
Londres. Nela estão gravados, em três filas, as imagens dos povos vencidos por aquele monarca, levando
tributo para o rei vencedor. A segunda fileira, no alto, representa israelitas levando tributo (842 a.C.). Este
obelisco é valioso por nos oferecer um quadro figurativo dos tipos e trajes israelitas, como os via o artista
assírio.
Imagens de judeus da época bíblica também se encontram em outros monumentos assírios. Existe um
baixo-relevo do Rei assírio Senaqueribe, o qual foi descoberto no lugarejo de Quidjique, onde antigamente
ficava a cidade de Nínive. Nesse baixo-relevo, que também se encontra em Londres, representa-se a
subjugação da cidade de Laquis em Judá (701 a.C.). No quadro também se veem judeus conduzidos para a
presença do rei. São também de muita importância os informes assírios sobre as suas guerras com Israel e a
queda de Samaria.
Muitos sábios pretendiam ver nas leis do Pentateuco simples imitação, ou cópia modificada do Código
de Hamurabi. A denominada escola “Pan-Babilônica” encontrava nisso especial confirmação de sua tese: que
todos os povos da Ásia Menor, inclusive os judeus, hauriram toda a sua sabedoria na Babilônia. Mas, hoje em
dia, rejeita-se este “babilonismo” exagerado, do fim do século dezenove e princípio do século vinte. Não há
que negar as semelhanças e conexões, porém, numa pesquisa mais acurada também aparecem claramente a
diferença e a originalidade do desenvolvimento espiritual em Israel.
Efetivamente, algumas leis avulsas do Pentateuco assemelham-se, segundo a sua formulação, às
respectivas normas em códigos babilônicos, sendo até provável que o direito babilônico, e particularmente o
Código Hamurabi, estivesse conhecido na Palestina também. Porém, de um modo geral, quando confrontamos
o direito bíblico com o do Oriente antigo, ressalta mais a diversidade que a semelhança. O direito babilônico
cuida em primeiro plano de proteger a vida e os bens do cidadão, determinando severos castigos não só por
assassínio como também por roubo e furto. Ao passo que as leis bíblicas visam antes de qualquer coisa a
proteção dos socialmente fracos, e defendem os assalariados, os servos, os estrangeiros, os órfãos e as viúvas.
Enquanto outras leis do antigo Oriente contêm, p. ex., disposições para assegurar os direitos do credor,
encontramos no Pentateuco, ao invés disso, uma série de leis que favorecem o devedor.

1.2.1 O Oriente Médio e o Antigo Testamento

O Oriente Médio e o Antigo Testamento


Devido à harmonia existente entre o antigo Oriente Médio e o mundo do Antigo Testamento, é óbvio
que as descobertas que têm uma influência sobre o primeiro também terão alguma importância para o
entendimento do Antigo Testamento. De modo geral, pode-se esperar que este procedimento sirva ao duplo
propósito de esclarecer o ambiente do Antigo Testamento e conforme determi-nados detalhes específicos da
história e da cultura de Israel. Isto não quer dizer, naturalmente, que nenhum crédito deve ser dado a nenhuma

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seção do Antigo Testamen-to, até que ela tenha sido autenticada, sem sombra de dúvida, por meios de
descobertas linguísticas, arqueológicas ou outras. O enfoque considerado, no entanto, garante um importante
grau de controle sobre o tipo de especulação desenfreada que prejudicou o conhecimento do Antigo
Testamento por um número grande demais de gerações, exigindo um relacionamento mais íntimo entre teoria
e fatos.
Um dos maiores enganos que resultou de isolar o conhecimento do Antigo Testamento dos estudos
sobre o Oriente Médio, foi a insistência sobre a supremacia da teoria, na ausência de um enfoque metodológico
apropriado. Ou seja, o texto do Antigo Testamento somente era considerado histórico se fosse apoiado pelas
descobertas arqueológicas do Oriente Médio. Em vez disto, todo o material fatual relevante, que atualmente
existe em abundância, deve ser considerado, em primeiro lugar, e sobre esta base algumas conclusões
cuidadosas podem, então, ser adotadas, com a condição de que se sujeitem a mudanças à luz de qualquer
evidência material apro-priada que seja descoberta posteriormente. Os estudos linguísticos, arqueológicos,
históricos e outros, terão uma participação fundamentalmente importante no enfoque metodológico, que terá
como seu objetivo, o mais completo conhecimento da vida e dos tempos dos quais vieram os textos do Antigo
Testamento.
Embora ainda haja muitas lacunas no nosso conhecimento a respeito do Antigo Oriente Médio, também
existe uma quantidade crescente de material que se torna disponível para exame dos estudiosos, e uma parte
deste material frequentemente esclarece, de maneira inesperada, as narrativas bíblicas. Um dos maiores
benefícios do conhecimento dos textos do Antigo Testamento, em comparação com o cenário do Oriente
Médio contemporâneo, será a percepção de que as Escrituras Sagradas hebraicas foram dadas por Deus aos
homens e mulheres que se envolveram na luta de enfrentar os problemas apresentados pela sociedade do seu
tempo. A Palavra de Deus, assim, encontrou seus ouvintes em sua situação de vida, e ao falar-lhes, em termos
contemporâneos inteligíveis, fez com que a sua própria vitalidade os influenciasse no processo de revelar a
mensagem da salvação eterna, por meio da graça divina.

1.3.1 Escritos de Povos Antigos

Se as grandes histórias da criação e do dilúvio foram histórias reais, como a Bíblia as apresenta, não
deveriam outras culturas antigas terem sabido destas histórias também? Esta suposição foi confirmada quando
um número de textos cuneiformes antigos foram descobertos contendo paralelos mesopotâmios dos relatos
bíblicos.
Tecnicamente falando, esses textos não foram descobertos por arqueólogos no campo, mas por eruditos
estudando. Apesar da arqueologia na Mesopotâmia não ter sido a ciência exata que é hoje, ela desenterrou
centenas de toneladas de esculturas monumentais e milhares e milhares de tabletes cuneiformes. A maioria
veio através dos esforços de sir Austen Henry Layard, que escavou na antiga capital assíria de Nínive, na
década de 1850. No palácio do rei assírio Assurbanipal, ele encontrou milhares de tabletes de argila que haviam

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sido parte dos arquivos reais. Eles haviam aparentemente esperado por Layard desde que foram abandonados
quando o palácio foi destruído em 612 a.C.
Ele embarcou estes tesouros de volta ao Museu Britânico, e lá eles foram cuidadosamente guardados
nos recessos do porão do museu. Os eruditos começaram a identificar a tempo, catalogar e decifrar muitos
destes tabletes. Estes eruditos podem nunca ter escavado em terra estrangeira, todavia os escritos que eles
desenterraram do porão em sua própria terra provaram ser uma das maiores descobertas arqueológicas de
todas. Três dos mais antigos textos: o Épico de Atrahasis, Enuma Elish e o Épico de Gilgamés, são
especialmente significativos quando comparados à Bíblia.

1.3.1.1 O Épico de Atrahasis — O Gênesis babilónico

A chamada Epopéia de Atrahasis é um poema épico da Mitologia suméria, sobre a criação e o dilúvio
universal. A sua cópia mais antiga data de 1600 a.C., quando a civilização suméria desaparece ante as invasões
dos Hititas, e acredita-se esteja liga às tradições próprias do templo da cidade-estado de Eridu, vizinha à antiga
foz do rio Eufrates. É um dos mitos de criação mais antigos da região do Médio Oriente, narrando a trajetória
de Atrahasis (o muito inteligente). Atra-Hasis ou Atrahasis é o nome do herói da história, uma espécie de Noé.
As semelhanças superficiais entre a Bíblia e os mitos do antigo Oriente Médio não nos devem cegar para as
profundas diferenças de perspectiva.
A descoberta do mais antigo texto mesopotâmio com paralelos com o Gênesis foi feita no século
passado e chamado Épico de Atrahasis (Atrahasis é o principal personagem da narrativa). Apesar de ter sido
primeiro publicado em 1876 por George Smith, do Museu Britânico, descobriu-se em 1956 que ele tinha
erroneamente ordenado a destruição dos fragmentos do texto, e em 1965 que tinha somente um quinto do
próprio texto! Foi então que o erudito inglês Alan Millard, assistente interino do Departamento de
Antiguidades da Ásia Ocidental no Museu Britânico, pôde restaurar outros três quintos de texto dos fragmentos
armazenados no porão do museu. Enquanto analisava um texto que tinha sido desenterrado mais de um século
antes, ele notou que os escritos pareciam estranhamente como os do livro de Gênesis. Esta história épica estava
preservada num tablete de mais de 1.200 linhas. O tablete em si provavelmente datava do século XVII a.C.,
mas a história que ele recontava remonta a séculos do período babilônico mais antigo. A história, apesar de
apresentada de uma perspectiva teológica dos babilônios, contém muitos detalhes que são semelhantes aos
relatos bíblicos da criação e do dilúvio. No conto babilônico, os deuses governavam os céus e a terra (cf. Gn
1.1). Eles fazem o homem do pó da terra misturado com sangue (cf. Gn 2.7; 3.19; Lv 17.11) para tomar dos
deuses inferiores a responsabilidade de cuidar da terra (cf Gn 2.15). Quando o homem se multiplica sobre a
terra e se torna muito barulhento, um dilúvio é enviado (depois de uma série de pragas) para destruir a
humanidade (cf Gn 2.15). Um homem, Atrahasis, é avisado sobre o dilúvio e recebe ordens para construir um
barco (cf. Gn 6.14). Ele constrói um barco e enche-o de comida, animais e pássaros. Por este meio ele é salvo
enquanto o resto do mundo perece (cf. Gn 6.17-22). Muito do texto é destruído neste ponto, portanto não há

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registro da atracagem do barco. Contudo, como na conclusão do relato bíblico, a história termina com
Atrahasis oferecendo um sacrifício aos deuses e o deus principal aceitando a continuação da existência humana
(cf Gn 8.20-22).

1.3.1.2 Enuma Elish — A criação mesopotâmica

A mais famosa história da criação acádia intitula-se Enuma Elish (“Quando acima ...”), um poema de
quase 1.100 linhas. “Entre 1848-1876, foram encontrados os primeiros tabletes do épico babilônico chamado
Enuma Elish. Escritos em caracteres cuneiformes, os sete cantos do épico foram escritos em sete tabletes e
recuperados da biblioteca do imperador assírio Assurbanipal (669-626 a.C.) em sua capital, Nínive. Essa
versão, embora tardia, retorna, quanto aos aspectos políticos, aos dias de Hamurabi, o Grande, (1792-1750
a.C.) e além dele aos dias dos sumérios, os primeiros habitantes da baixa Babilônia.” (UNGER, 2008, p. 41).
Geoge Smith, que havia traduzido a história mesopotâmica do dilúvio, foi também o primeiro homem
a revelar ao mundo a existência de um relato mesopotâmico da criação conhecido como Enuma Elish. Como
o Épico de Atrahasis, fragmentos deste texto também tinham vindo da biblioteca de Assurbanipal, em Nínive,
mas outros fragmentos foram mais tarde encontrados em Ashur (a velha capital da Assíria) e Uruk. Em meados
de 1920 dois tabletes quase completos foram também achados em Kish. Ao todo, sete tabletes juntos
compunham este conto épico. A parte mais interessante deste conto (para estudantes da Bíblia) é aquele em
que a criação é recontada sob uma perspectiva babilônica e assíria. O estranho nome do texto vem das palavras
assírias que introduzem o texto: Enuma Elish, que significam “quando acima”. Na pequena porção do texto
que menciona a criação, somos avisados que o universo, em suas partes componentes, começou com os deuses
principais (que representam as forças da natureza), e foi completado por Marduque, que veio a ser o cabeça
do panteão (assembleia de deuses) babilônico. É Marduque, não a criação, que permanece como o tema
dominante no épico.
Quando procuramos paralelos com o relato de Gênesis encontramos alguns: o caos aquático é separado
em céu e terra (cf. Gn 1.1-2, 6-10), a luz é preexistente à criação do sol, lua e estrelas (cf Gn 1.3-5,14-18), e o
número sete figura proeminentemente (cf. Gn 2.2-3). Além disso, porém, o contexto mitológico controla o
conteúdo. Os deuses geraram outros deuses aos quais tentam destruir por causa de suas barulhentas festas. A
mãe destes deuses, Tiamat, cria monstros para devorá-los, mas o mais forte deles — Marduque — corta-lhe
ao meio. E de suas duas metades que os céus e a terra são formados. A humanidade é formada do sangue do
líder capturado dos deuses rebeldes (uma espécie de demônio entre os deuses) para trabalharem como escravos
para os preguiçosos deuses inferiores e alimentar o panteão babilónico. Este conto mitológico tem pouco em
comum com os primeiros capítulos de Gênesis, que nos falam sobre Deus criando o homem à sua própria
imagem, dando-lhe o mundo para desfrutar, cuidando dele e buscando amizade com ele. Mesmo assim, a
descoberta de Enuma Elish proveu nosso primeiro conhecimento de que outras culturas do Oriente Próximo
compartilhavam aspectos da cosmogonia bíblica (relato da criação).

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Os textos mesopotâmicos, entretanto, embora formalmente similares, são radicalmente diferentes do
Antigo Testamento em conteúdo, significado e relevância. As similaridades formais nem sempre são óbvias à
primeira leitura. Há uma boa razão para isso. Primeiro, a concepção cosmogônica e cosmológica de ambos é
radicalmente diferente. Segundo, a concepção da deidade é totalmente dessemelhante. Terceiro, o lugar e o
papel do homem no mundo e sua relação com as deidades é totalmente distinto. Quarto, a concepção do mal,
do pecado, do castigo, da morte e da imortalidade são tão diferentes que é difícil usar os mesmos termos para
referir-se a tais ideias. Dizer que há certas similaridades formais entre a Bíblia e os textos mesopotâmicos é
possível, porque os homens participam da mesma natureza, dos mesmos temores, das mesmas esperanças e
metas gerais. O relato bíblico é original e universalmente aplicável. Os outros são, como a Bíblia indica,
produtos da mente e do coração humano, em completo alheamento de Deus, mas, não obstante, procurando
lidar com a realidade da vida, mas em termos do homem e da projeção de sua vida, imaginação e desejos.

1.3.1.3 O Épico de Gilgamés — O dilúvio mesopotâmico

Outro achado importante que vem da escavação de Henry Layard foi um velho conto babilônico do
dilúvio chamado Épico de Gilgamés. Ele foi nomeado depois que o principal personagem, o rei Gilgamés, que
deve ter governado a cidade mesopotâmica de Uruk por volta de 2600 a.C., e que nesta história épica está em
busca da imortalidade. Porque nenhuma cópia do texto completo foi encontrada, os eruditos tiveram que
compor o texto baseados nos fragmentos de períodos separados por mais de 1.000 anos (1750-612 a.C.).
Enquanto uma data no século XVIII é conjeturada para a composição original, se o material de Gilgamés for
confirmado nos tabletes Ebla, a data poderia retroceder a um tempo muito anterior. O épico como o temos
hoje está registrado em 12 tabletes. A história do dilúvio, que aparece no tablete 11, parece ter sido tomada
como empréstimo do Épico de Atrahasis (que está incompleto).
Algumas pessoas o declaravam uma prova histórica do dilúvio do Gênesis, enquanto outros ainda
desdenhavam da asseveração de que a Bíblia é singular e autêntica. Em toda a literatura mesopotâmica, o
conto do dilúvio no tablete 11 representa a principal correlação com o texto bíblico. Na história recontada
aqui, Gilgamés é avisado sobre o dilúvio por Utnapishtim, um homem que ganhou imortalidade, e como o
Noé bíblico, também passou a salvo pelas águas do dilúvio. Em seu relato do dilúvio, ele diz que o deus criador
Ea favoreceu-o avisando-o sobre o dilúvio e ordenando-lhe que construísse um barco (cf. Gn 6.2,13-17). Neste
barco ele levou sua família, tesouros e todas as criaturas vivas (cf. Gn 6.18-22; 7.1-16), escapando assim da
tempestade enviada pelos céus que destruiu o restante da humanidade (cf. Gn 7.17-23). De acordo com seus
cálculos, a tempestade acabou no sétimo dia, e a terra seca apareceu no décimo segundo dia (cf Gn 7.24).
Quando o barco veio a repousar sobre o monte Nisir, no Curdistão (ao invés do bíblico monte Ararate, na
Turquia), Utnapishtim enviou uma pomba, uma andorinha e finalmente um corvo (cf. Gn 8.3-11). Quando o
corvo não voltou ele deixou o barco e ofereceu um sacrifício aos deuses (cf. Gn 8.12-22). Apesar de que estes
elementos particulares da história mesopotâmica pareçam excepcionalmente paralelos à história bíblica, uma

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pessoa que leia a tradução inteira da história achará seu caráter extremamente lendário; seu tom difere
dramaticamente do relato do Gênesis.
A respeito da Epopéia de Gilgamés, Harrisson esclarece, que não pode haver ligação com o relato
bíblico da criação, vejamos:
“Este relato do Dilúvio, que tem inúmeras características em comum com a narrativa do Dilúvio do
livro de Gênesis, é uma forma mais completamente desenvolvida da tradição que tinha existido na Suméria,
em um período anterior. O nome Utnapushtim, ou “dia da vida” é o equivalente, na Babilônia, à forma
suméria Ziusudra, e há muitas outras indicações de que esta narrativa tenha se fundamentado em outras
fontes litúrgicas sumérias anteriores.” (HARRISON, 2010, 61-62).

1.3.1.4 Qual o relacionamento destes escritos antigos com o texto bíblico

Desde a descoberta dos textos mesopotâmicos, questões têm sido levantadas a respeito da origem
destas histórias que são semelhantes àquelas encontradas na Bíblia. Três possíveis respostas têm sido
oferecidas pelos eruditos: 1) Elas foram relatos israelitas originalmente, que foram tomados como empréstimo
e adaptados à religião e cultura mesopotâmicas; 2) Elas foram originalmente histórias mesopotâmicas, que
foram tomadas como empréstimo pelos israelitas para atender aos seus propósitos religiosos; 3) tanto os relatos
mesopotâmicos como os israelitas (bíblicos) vieram de uma fonte antiga em comum.
Concernente à primeira opção, até onde se sabe, os relatos bíblicos não foram escritos até o tempo de
Moisés no século XV a.C. Parece improvável, então, que as histórias mesopotâmicas mais velhas (século XVII
a XVIII a.C.) fossem derivadas do relato israelita. Quanto à segunda opção, é possível que Moisés tenha usado
fontes para compilar seus relatos no Gênesis (veja Gn 14). Mais ainda, é possível que os escritores bíblicos
tenham tido acesso ao Épico de Gilgamés. Isso significa que tenha ocorrido uma dependência literária dos
textos mesopotâmicos para compilar os relatos bíblicos? O uso de fontes extrabíblicas não é conflitante com
a doutrina da inspiração, uma vez que há numerosos exemplos nos quais obras não-canônicas são citadas tanto
no Antigo como no Novo Testamentos (veja Js 10.13; 1 Sm 24.13; 2 Sm 1.18; Lc 4.23; At 17.28; Tt 1.2; Jd
14). Todavia, nem a posse e nem o uso ocasional de textos extrabíblicos pelos escritores bíblicos estabelecem
que tenha ocorrido uma dependência literária deles. Os escritores bíblicos continuamente enfatizam que sua
fonte primária era a revelação divina. Fontes secundárias podem ter sido usadas em algumas ocasiões, mas
não parece que elas foram usadas em referência à criação ou ao dilúvio. As muitas diferenças significativas e
omissões entre os relatos podem tornar improvável que tanto os autores mesopotâmicos como os bíblicos têm
tomado emprestado um do outro.
Mas poderia ter acontecido uma “dependência da tradição?” Isto é, poderiam os relatos bíblicos
simplesmente ser variações de mitos mesopotâmicos? Mais uma vez, é improvável. Uma das razões é que a
orientação bíblica é monoteísta (um só Deus) e seus personagens são eticamente morais. Em contrapartida, a
orientação mesopotâmica é politeísta (muitos deuses) e seus personagens são eticamente volúveis. Este

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contraste é evidente, por exemplo, no sentido de que os dois textos tratam do relato do mundo pós-diluviano.
No texto bíblico, Deus aceita o sacrifício de Noé e promete não destruir de novo a terra por um dilúvio (Gn
8.20-22). No Épico de Atrahasis, os deuses descobrem, para sua tristeza, que eles haviam varrido sua única
fonte de alimentos (os sacrifícios dos homens). Porque estão com fome, eles decidem tolerar a humanidade
(que pode alimentá-los). Outra razão é que importantes detalhes nos relatos diferem (como o tamanho do
barco, a duração do dilúvio, o envio de pássaros, e assim por diante). A.R. Millard, que foi coautor de um livro
sobre o Épico de Atrahasis, resume a questão do alegado empréstimo quando diz:
“Todos os que suspeitam ou sugerem o empréstimo feito pelos hebreus são compelidos a admitir uma
revisão de grande escala, alteração e reinterpretação de um modo que não pode ser substanciado por
nenhuma outra composição do antigo Oriente Próximo ou em qualquer outro escrito hebreu... Assumindo que
o dilúvio aconteceu, o conhecimento dele deve ter sobrevivido para formar os relatos disponíveis; enquanto
os babilônios só podiam conceber o evento em sua linguagem politeísta, os hebreus, ou seus ancestrais,
entenderam a ação de Deus nele. Quem pode dizer que não foi assim?” (A. R. Millard, “A New Babylonian
‘Genesis’ Story”, Tyndale Bulletin, volume 18 (1967), p. 17, 18.)
Portanto, parece mais provável que tanto o relato mesopotâmico como o israelita refletem um
conhecimento universalmente preservado de eventos que ocorreram durante a história pré-diluviana e pós-
diluviana da terra. As variações nestas histórias foram passadas por diferentes culturas semíticas que se
desenvolveram após a divisão das nações no pós-diluviano Oriente Próximo (veja Gn 10—11).

2. As narrativas patriarcais e a arqueologia

A fé de Israel está baseada em fato histórico ou em ficção? Abraão é a criação da fé ou o criador da fé?
Não restam dúvidas que o legado espiritual deixado pelo patriarca (pai que governa) Abraão, independe da
sua existência histórica. Para bilhões de fiéis no mundo todo, basta o exemplo de fé e obediência do patriarca.
As três grandes religiões monoteístas, o cristianismo, o judaísmo e o islamismo, reivindicam todas, às vezes
com certa rivalidade, a mesma origem em Abraão. Chamam-no de Pai.
O período patriarcal corresponde, aproximadamente, à Média Idade do Bronze (1950-1550 a.C.), época
que foi marcada pelo movimento de vários grupos de povos nômades no Oriente Médio, e que foi caracterizada
pelos padrões culturais e sociais retratados nas narrativas patriarcais. Explorações arqueológicas realizadas
nas décadas de 1940 a 1960 mostraram de forma considerável, e lançaram luzes as histórias patriarcais
relatadas em Gênesis 12-50. Três estudiosos do antigo Oriente Próximo contribuíram formidavelmente para
as pesquisas da historicidade dos patriarcas, são eles: William Foxwell Albright (1891-1971), Cyrus Herzl
Gordon (1908-2001) e Ephraim Avigdor Speiser (1902-1965). O egiptólogo britânico Kenneth A. Kitchen
também chamou atenção para outras numerosas comparações sociais que são bastante convincentes na
averiguação do mundo e das circunstâncias dos patriarcas tais como elas são descritas em Gênesis 12-50.

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“A língua dos patriarcas foi sem dúvida uma forma do semítico do noroeste, não muito diferente da
língua falada em Mari. Mas como os vínculos com a pátria se enfraqueceram, eles assimilaram a língua
canaanita, da qual o hebraico não passa de um dialeto. O mesmo aconteceu com seus parentes na
Mesopotâmia, que acabaram adotando o aramaico.” (BRIGHT, 2003, p. 115).
“Devemos admitir que é impossível no sentido próprio da palavra escrever a história das origens de
Israel, e isso em virtude das limitações da evidência, tanto da parte da arqueologia, como da própria Bíblia.
O Gênesis nos pinta certos indivíduos e suas famílias, movimentando-se dentro de seu mundo, como se
vivessem sozinhos nele. Tampouco nenhum antepassado hebreu mencionado foi revelado ainda em nenhuma
inscrição contemporânea. Sendo nômades de pouca importância, não é provável que o sejam no futuro.”
(BRIGHT, 2003, p. 103). O que poderemos constatar é que as narrativas patriarcais, foram eventos que
ocorreram com pessoas reais no espaço e no tempo.
Bright apresenta opinião modesta e equilibrada quando as evidências da historicidade das narrativas
patriarcais, vejamos:
“Não podemos superestimar a evidência arqueológica. Não é nunca demasiado afirmar que, apesar
da luz que a arqueologia tem lançado sobre a idade patriarcal, apesar de tudo o que ela já fez e continua
fazendo para justificar a antiguidade e a autenticidade da tradição, ainda não provou que as estórias dos
patriarcas aconteceram exatamente como a Bíblia as narra. Na natureza do caso, não é mesmo possível. Ao
mesmo tempo — e isso deve ser dito com a mesma ênfase — não apareceu ainda nenhuma evidência que
contradiga nenhum item da tradição. Pode-se crer ou não, como se julgar conveniente, mas não existem
provas nem de um lado nem de outro. O testemunho da arqueologia é indireto.” (BRIGHT, 2003, p. 106).
Toda literatura deve ser interpretada à luz do tipo ao qual ela pertence. Não devemos em absoluto
simplificar em demasia as origens de Israel, porque elas são muito complexas. Repetir a narrativa bíblica seria
um procedimento insípido e monótono. Qualquer pessoa poderia fazê-lo por si mesma. Deve-se repetir que,
no que respeita à historicidade da maior parte de seus detalhes, a evidência externa da arqueologia não dá
nenhum veredicto pró ou contra. Portanto, fazer uma seleção rigorosa das tradições, de acordo com a
historicidade disto e negando a historicidade daquilo, é um método muito subjetivo, que só reflete as
predileções de cada um. Reconstruções hipotéticas, embora possam ser muito plausíveis, devem ser evitadas.
Muita coisa deve permanecer obscura. Mas também pode ser dito o bastante para nos certificar de que as
tradições patriarcais estão firmemente ancoradas na história.
W. F. Albright aponta para a historicidade dos patriarcas, vejamos:
“Abraão, Issac e Jacó não parecem mais, doravante, figuras isoladas, quanto menos reflexos da
história hebraica posterior; parecem atualmente verdadeiros filhos de sua época, trazendo os mesmos nomes,
deslocando-se sobre o mesmo território, visitando as mesmas cidades (especialmente ‘Harran e Nahor),
submetidos aos mesmos costumes que seus contemporâneos. Em outros termos, os relatos dos patriarcas têm
de cabo a rabo um fundo histórico, ainda que a longa transmissão oral dos poemas originais, e em seguida

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das sagas em prosa, que se encontra na base do texto atual do Gênesis, tenha sem dúvida deformado
consideravelmente os acontecimentos originais.” (apud VOGELS, 2000, p. 27).
Vos, analisando a visão crítica acerca dos patriarcas declara:
“Devemos enfatizar, antes de tudo, que a historicidade dos patriarcas não pode nunca ser, para nós,
uma matéria de menor importância. Sendo a religião do Antigo Testamento uma religião factual, não há como
essas figuras reterem a mesma utilidade, por meio das lições que podem ser tiradas de suas histórias, como
no caso de história de fato... de acordo com a Bíblia, eles são atores reais no drama da redenção, de fato o
começo do povo de Deus, a primeira encarnação da religião objetiva.” (VOS, 2010, p. 90-91).
A narrativa patriarcal, fornece uma sucessão cronológica essencialmente coerente de eventos, usando
a forma verbal da narrativa hebraica. A historiografia hebraica possui dessemelhanças com a historiografia
moderna, porém, a narrativa patriarcal demonstra que o autor tencionava escrever história real, não mito, nem
saga, nem lenda. A formação de Gênesis teria se dado a partir de pequenas unidades literárias, da mesma forma
que a Epopeia de Gilgamesh. Da mesma maneira que Enuma Elish, a Epopéia de Gilgamesh se baseia em
antigos ciclos e tradições mitológicas sumérios, mas como obra literária é muito superior a seus antecedentes
nas coletâneas litúrgicas da Suméria.
Sob a influência da “nova hermenêutica” e análises criticas tornou-se bastante comum ouvir eruditos
afirmarem que os primeiros capítulos de Gênesis foram escritos dentro da comunidade de Israel depois de sua
libertação do Egito para combater a idolatria entre seus membros. Tal ponto de vista coloca uma séria limitação
à interpretação e aplicação do texto inspirado.
O método histórico-crítico tem como base as pressuposições evolucionistas difundidas em larga escala
no desenvolvimento da Hipótese Documentária, e a religião do povo dos antepassados de Israel é descrita
como animismo ou polidemonismo. Em compensação para Bright (2003, p. 124), “... as narrativas patriarcais
estão firmemente fundamentadas na história.” E continua: “a narrativa da Bíblia reflete com toda precisão
os tempos aos quais se refere” (p. 125). Para muitos estudiosos, todo o evolucionismo e logicismo são
considerados uma invenção moderna imposta sobre o Antigo Testamento.
Abraão não surgiu num vácuo não-histórico. Nem lhe foi dada uma posição proeminente na Escritura
porque Israel como nação, ansiando por um progenitor nacional, criou Abraão como uma figura lendária. O
texto bíblico registra os fatos históricos reais referentes aos ancestrais de Abraão e inclui um rápido sumário
do desenvolvimento da raça humana à qual Abraão foi chamado a servir.
As narrativas patriarcais, seu valor como fontes de informação a respeito da pré-história é considerado
como mínimo, ou inteiramente nulo por muitos críticos. Abraão, Isaque, Jacó eram comumente explicados
como antepassados epônimos de clãs, ou mesmo como figuras míticas, e sua existência real era muitas vezes
negada.
“Apesar de descobertas notáveis em Ur, especialmente nos túmulos reais, não há provas diretas de
que Abraão ali residiu. Indícios, porém, da peregrinação patriarcal viram à luz em torno de Harã. Os tabletes
de Mari, séc. 18 a.C., descobertos em 1935, mencionam Naor (Til-Nahiri, “outeiro de Naor”), terra de Rebeca

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(Gn 24.10). Entre as cidades perto de Harã estão Serugue (Serrugi, em assírio. Gn 11.20) e Til-Turakhi,
“outeiro de Tera”. Pelegue lembra mais tarde Paligu, no Eufrates. Padã-Arã (Gn 25.20) é paddana, em
aramaico, “campo” ou “planície” de Arã. Reú (Gn 11.20) também corresponde a nomes de cidades
posteriores no vale do médio Eufrates.” (UNGER, 2006, p. 60).
“Nos anos de sua estada em Arã - que na época era um centro comercial e de negócios habitado
principalmente por uma raça conhecida pelos sumerianos por MAR.TU e pelos acadianos por Amurru (os
amoritas bíblicos), Abrão sem dúvida tornou-se fluente no dialeto semítico amorita que lá era falado e
adquiriu um estilo de vida nômade, com o qual ele viria mais tarde familiarizar em Canaã.” (MERRILL,
2002, p. 16).
Prontamente muitos críticos alegam que os patriarcas foram figuras não históricas, ou seja, figuras
lendárias, sobre isso Bright declara:
“As tentativas antigas de não achar nos patriarcas mais que a criação livre da lenda, antepassados
epônimos de clãs, ou figuras atenuadas de deuses, já foram abandonadas e de tal forma que não merecem
hoje a mínima discussão. O sabor de autenticidade das histórias nos impede que consideremos os patriarcas
como lendários, e a descrição deles, que nos é apresentada, não tem nada de mitológico.” (BRIGHT, 2003,
p. 124).
As narrativas patriarcais suscitam questões literárias, históricas, culturais e religiosas. Os principais
pontos discutidos e relevantes na arqueologia a respeito dos patriarcas, giram em torno de três pontos: os
movimentos dos povos, os nomes dos indivíduos e dos lugares e os costumes. O esforço para resolver o
problema da historicidade dos patriarcas por meio de paralelos extrabíblicos resultou em conclusões bem
diferentes, e mesmo contraditórias. Mas, a postura conservadora que demonstra e pleiteia a historicidade dos
patriarcas, tem fortes fundamentos como veremos.
E impossível fazer afirmações seguras a respeito da cronologia do período antes de Abraão. Muito se
tem por parte dos críticos tentado comprovar a não historicidade dos patriarcas. Nenhuma menção aos
patriarcas foi encontrada até agora em documentos extrabíblicos daquela época (1950-1550 a.C.). Porém, é
bem provável que não encontremos. Vivendo como nômades às margens das áreas populosas, os patriarcas
peregrinaram pelos grandes impérios da Mesopotâmia e do Egito, mas suas atividades teriam sido
insignificantes para os escribas e cronistas daquele período.
A cronologia e a historicidade das narrativas patriarcais, em certo ponto está sujeita, a se o pesquisador
está sujeito a aceitar a facticidade da informação contida em Gênesis. Caso argumente, baseado em qualquer
informação, que a vida longa dos patriarcas é impossível ou que as narrativas registram acontecimentos não
históricos, episódios legendários, tal pessoa não poderá dizer nada significativo a respeito da cronologia ou
história patriarcal. “Rejeitar os únicos dados disponíveis significa desprezar qualquer chance de reconstruir
a história primitiva dos hebreus.” (MERRILL, 2002, p. 73).
“Como um todo, as narrativas patriarcais possuem um sabor próprio sem paralelo no restante da
Bíblia. Elas refletem um padrão de vida e várias instituições sócio-legais que são peculiares ao período, mas

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frequentemente atestados nos documentos do Oriente Próximo... a antiguidade das tradições de Gênesis é
confirmada por várias práticas patriarcais que diretamente contradizem os valores sociais e as normas de
uma era posterior.” (PRICE, 2006, p. 83).
Se é de se presumir que as religiões evoluem ao longo de muitas gerações de primitiva para formas
complexas, em seguida, qualquer demonstração de adoração religiosa “complexa” certamente deve ser uma
imposição tardia dentro da narrativa bíblica. Muitos críticos fazem uma leitura não histórica das narrativas
patriarcais. Segundo muitos críticos as tradições orais dos patriarcas, foram contadas por diversos clãs, que
buscavam transmitir as histórias de seus pais e fundadores. Vejamos a declaração de Noth: “Abraão é menos
um indivíduo do que um símbolo ou personificação dos clãs israelitas.”
Bruce K. Waltke, faz uma preciosa análise que, demonstra que se a intenção do autor de Gênesis fosse
“inventar” as narrativas patriarcais, este autor, teria acomodado as narrativas patriarcais ao conteúdo do
restante do Pentateuco, como as narrativas patriarcais divergem em alguns pontos do restante do Pentateuco,
isso demonstra que, o autor narrou acontecimentos históricos e reais. Vejamos:
“As práticas religiosas dos patriarcas tanto concordam notavelmente quanto, ao mesmo tempo,
discordam consideravelmente das práticas religiosas que Moisés ordena. Por exemplo, de um lado Noé, sem
explicação, distingue entre animais limpos e imundos (presumivelmente o mesmo como especificado na lei)
antes que a lei fosse dada (6.19-7.13). Por outro lado, os patriarcas cultuam a Deus sob diferentes nomes,
tais como El Olam (“o Deus Eterno”, 21.33) e El Shaddai (17.1), que nunca se repetem na Torá, excetuando
Êxodo 6.3. Além disso, contrário a lei mosaica, e sem censura do narrador, Jacó erige uma coluna de pedras
(massebâ, Gn 28.18-22), Abraão se casa com sua meio-irmã (Gn 20.12) e Jacó, simultaneamente, se casa
com irmãs (Gn 29.15-30; cf. Dt 16.21,22; Lv 18.9,18, respectivamente). Se as histórias fossem simuladas, se
esperaria que o autor do Pentateuco baseasse sua lei na ordem criada ou nas tradições antigas e, pelo menos,
não citasse dados que pudessem possivelmente denegrir seu ensino. Essas tradições religiosas são antigas,
não tendo sido nem adulteradas nem inventadas.” (WALTKE, 2010, p. 30-31).
Wellhausen, é o crítico mais representativo da escola Documentária, a concluir que os relatos sobro
Abraão tinha valor histórico nulo. A história de Abraão seria a que teve maior proeminência e acabou
prevalecendo sobre as demais. E assim ele declara:
“Não podemos obter conhecimento histórico algum sobre os patriarcas, mas somente sobre as épocas
em que as narrações que lhe dizem respeito se formaram entre o povo israelita. Essa época posterior, com
suas características – tanto as profundas como as superficiais, inconscientemente projetada na noite dos
tempos, onde se reflete como um fantasma transfigurado.” (apud VOGELS, 2000, p. 23).
Na página 320 do seu livro, ele disse: “Abraão... é algo dificultoso para interpretar. Isto não significa
que, em tal conexão como esta, podemos considerá-lo como um personagem histórico; podia, com mais
probabilidade, ser considerado como uma criação livre de arte inconsciente. Talvez seja ele a figura mais
jovem no grupo e provavelmente foi num período comparativamente posterior, que ele tenha sido colocado
antes de seu filho Isaque.”

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Segundo a maioria dos críticos, a história de Jacó e seus filhos foi uma lenda que servia apenas para
firmar uma origem comum e um conjunto de tradições para as doze tribos que perfaziam o contingente e a
confederação daqueles que haviam conquistado a terra, conhecidos agora como Israel.
Tais relatos segundo muitos críticos, seriam textos míticos, nos quais os patriarcas representariam
divindades; ou textos étnicos, nos quais os patriarcas não seriam indivíduos, mas tribos; ou textos folclóricos,
que se referem a heróis populares lendários; ou ainda a textos etiológicos, escritos para explicar certos
fenômenos. Com isso todo relado do relacionamento de Deus com os patriarcas, se torna fictício, este “Deus”
apresentado, não passa do deus do autor que “inventou” a narrativa patriarcal.
Martin Not, devido seu apreço pelas tradições orais, que teriam preservado a certo modo o valor
histórico das narrativas patriarcais, declara:
“Eles (os patriarcas) eram homens de verdade, que viveram num momento dado como personagens
históricos... não dispomos de nenhuma prova, além do que já foi dito, que nos permita propor algumas
afirmações históricas definitivas no que concerne ao tempo, ao lugar, aos pressupostos e às circunstancias
da vida dos patriarcas como seres humanos.” (apud VOGELS, 2000, p. 24).
Tenney esclarece o contexto dos documentos do período patriarcal:
“O período de Abraão esclarece uma fase da história humana na qual já existiam documentos escritos
a mais de um milênio. Na verdade, é a partir deste período patriarcal que umas enchentes de informação
arqueológica apoiam as histórias patriarcais e a validade de sua história geral. Embora os próprios
patriarcas não sejam mencionados em documentos extra-bíblicos - seus nomes, nomes de lugares e outros
nomes pessoais mencionados nos registros aparecem em documentos da Mesopotâmia. Cerca de 20.000
tabletes de uma cidade do Médio Eufrates, chamada Mari, contêm muitos nomes familiares às histórias
patriarcais, pois eles foram escritos por semitas do noroeste, cujas leis e costumes eram muito similares aos
dos patriarcas hebreus. (“Mari” por G. E. Mendenhall, Biblical Archaeologist Reader). Pode-se dizer o
mesmo dos tabletes Nuzi, que vieram ligeiramente depois, também da Mesopotâmia (“Biblical Customs and
the Nuzi Tablets”, por C. H. Gordon, ibid.). Eles fornecem uma confirmação cultural abundante das histórias
em Gênesis.” (TENNEY, 2008, p. 901).
Temos muitas razões para acreditarmos na historicidade das narrativas patriarcais. Os arqueólogos
descobriram paralelos interessantes quanto a lugares e costumes descritos em Gênesis. Duas grandes
descobertas que autenticam estes paralelos são as tábuas de Mari (século XIX a.C.) e textos procedentes de
Nuzi (século XV a.C.). Os costumes sociais e procedimentos legais comprovados nestes textos são paralelos
às tradições patriarcais.
Uma forma de evidenciar a historicidade dos patriarcas, vem da forma dos nomes dados nessa época,
pois os nomes tendem a refletir o ambiente cultural característico de seu tempo. Primeiramente, os nomes que
aparecem nas narrativas patriarcais se enquadram perfeitamente numa classe que sabemos que foi corrente
tanto na Mesopotâmia como na Palestina no segundo milênio. Foi encontrado nomes semelhantes aos de

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Serugue, Naor, Terá, Abraão e Jacó nas cartas de Mari do século XIX a.C., mostrando que estes nomes eram
comuns neste período.
“Estudos de textos originários da Assíria, Babilônia e Neo-Assíria Antigas confirmam o fato de que
esses nomes aparecem em documentos que relatam eventos pertencentes a essa mesma época e região do
Eufrates-Habur na Alta Mesopotâmia. Visto que o relato bíblico liga Abraão e sua linhagem exatamente a
essa área, em torno de Harã, onde ele temporariamente se assentou depois de sair de Ur dos Caldeus, a
relação é mais do que um mero incidente.” (KAISER, 2007, p. 80).
O grupo de nomes de patriarcas que começam com o prefixo i/y, tais como Yitzchak (Isaque), Ya’akov
(Jacó), Yoseph (José) e Yshmael (Ismael). Eles pertencem à população dos amorreus, do grupo de língua
semítica do noroeste, do início do segundo milênio a.C. e são comuns nos arquivos de Mari que datam desse
mesmo período de tempo.
O nome de Abraão, encontra paralelos em descoberta arqueológicas, vejamos:
“O nome é atestado no Oriente Próximo antigo, no segundo milênio a.C., sob formas diferentes, como
Aba-rama (ame o pai), ou Ami-rami (meu pai é exaltado = é grande em relação a seu pai) e outros mais. Os
nomes de pessoas de dois irmãos de Abraão, Nahor e Haran (11.27), são também nomes atestados por
documento. É significativo que vários nomes de pessoas da família de Abraão sejam também nome de
cidades... É notável que todas essas cidades sejam próximas a Harran, no noroeste da Mesopotâmia.”
(VOGELS, 2000, p. 25).
Semelhanças entre a lei familiar hurrita, esclarece algumas atividades da família de Abraão. Outro
exemplo paralelo foi o encontrado numa carta de Larsa, indicando que um homem sem filhos podia adotar seu
escravo como herdeiro. Assim, várias fontes contemporâneas do Oriente Médio apoiam a historicidade da
narrativa patriarcal.
“Os nomes Abraão, Isaque, Labão, Jacó e José parecem ter sido de uso bastante comum durante este
período, pois no segundo milênio a.C., Abraão aparecia como A-ba-am-ra-ma, A-ba-am-ra-am, e A-ba-ra-
ma, ao passo que Jacó (Ya-’equb’-el) estava em uso como nome de um lugar na Palestina já em 1740 a.C.
Em tábuas de Chagar Bazar, no norte da Mesopotâmia, que foram datadas de, aproximadamente, 1725 a.C.,
uma forma alternativa de Jacó (Ya-ah-ga-ub-il) era usada como nome pessoal. Até o presente, no entanto,
não foram descobertos indícios dos próprios patriarcas, e pela natureza do caso não é razoável esperar algo
diferente.” (HARRISON, 2010, p. 69).
Não devemos nos precipitar achando que o paralelo histórico dos nomes por si só, seja suficiente para
a historicidade dos patriarcas, mas os mesmos nos fornecem um paralelo histórico importante, pois estes
documentos extrabíblicos nos permitem afirmar que os patriarcas trazem o nome de personagens históricos do
segundo século a.C.
Em comum com outros povos orientais, os amorreus do período de Mari consideravam a matança de
um jumento, como está escrito nas tábuas, como uma característica essencial no estabelecimento de uma
aliança entre indivíduos ou povos. Esta carta indica que o juramento de aliança era acompanhado pelo

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sacrifício de um jumento, que ratificava o acordo. A frase, “matar um jumento”, registrada nas tábuas, é
completamente semita, e o fato de estas palavras aparecerem nesta conexão em hebraico, traz uma interessante
informação complementar sobre os costumes que existiam entre os nômades que peregrinavam sobre jumentos
nos tempos patriarcais e posteriores. Os siquemitas eram conhecidos como “Bene Hamor”, ou “Filhos do
jumento” (Js 24.32).
O caso de Eliezer de Damasco, a quem Abraão descreve como sendo “um servo nascido em minha
casa” (Gn 15.3), afirmando que Eliezer era um filho adotivo, temos as tabuinhas de Nuzi que parecem se
referir a mesma situação: um escravo poderia se tornar herdeiro de um casal que não tivesse filhos caso fosse
por eles adotado.
As tábuas de Nuzi indicam que a instituição do casamento era considerada como um meio de
procriação, e não um artifício para o companheirismo humano. O contrato de casamento dispunha que, se a
esposa não tivesse filhos, por qualquer razão, era obrigada a dar uma criada a seu esposo, de modo que
pudessem nascer crianças no círculo familiar. Em conformidade com este costume, Sara deu Agar, uma
escrava egípcia, a Abraão (Gn 16.2), e, duas gerações mais tarde, Raquel deu Bila a Jacó (Gn 30.3-4). Segundo
a lei de Nuzi, qualquer criança que resultasse de tal união deveria permanecer na família e a sua expulsão era
estritamente proibida. Este fator explica a apreensão que Abraão sentiu (Gn 21.11), quando Sara decidiu
expulsar Agar e Ismael, depois que este tinha zombado de Isaque, o filho pequeno de Abraão e Sara, no dia
de seu desmame.
De acordo com os costumes em Nuzi, o “direito de primogenitura”, ou título à posição de primogênito,
era negociável entre os membros da família. Uma vez que estas transações eram bastante comuns em Nuzi,
não haveria nada particularmente incomum no fato de que Jacó se aproveitasse de seu irmão faminto para
obter seu direito de primogenitura (Gn 25.31). Onde era necessário que a herança fosse dividida, a lei de Nuzi
reconhecia como líder da família, aquele que tivesse possessão dos ídolos da casa. Estes ídolos eram,
evidentemente, as imagens, ou “terafins” que Raquel roubou (Gn 31.19), e uma boa quantidade de estátuas
similares foram recuperadas em Nuzi.
Embora os textos de Mari e Nuzi tenham um grande e inegável valor, fornecendo um cenário histórico
autêntico para as narrativas que tratam de Abraão, Isaque e Jacó, uma fonte de informação ainda mais
importante para este mesmo período foi descoberta, na Turquia, por Sir Leonard Woolley. Escavando
imediatamente antes e imediatamente depois da Segunda Guerra Mundial em Tell el’- Atshana (Alalakh)
naquilo que originalmente era o norte da Síria, ele descobriu dois estratos que continham palácios reais, um
dos quais pertencente ao período 1900-1780 a.C., e o outro ao século XV a.C. Muito mais de quatrocentos e
cinquenta textos foram recuperados das ruínas, e são considerados aproximadamente contemporâneos aos de
Mari e Nuzi. No entanto, são de um valor consideravelmente maior para o período patriarcal, uma vez que são
mais próximos daquele tempo, tanto cronológica quanto geograficamente.
Estas tábuas fornecem informações adicionais sobre o status preferencial que podia ser dado a qualquer
filho de uma mulher em particular A posição de filho primogênito na família normalmente implicava que a

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pessoa interessada podia reivindicar uma dupla participação na herança por ocasião da morte do patriarca da
família. No entanto, as tradições de Alalakh reforçam determinados casos tanto em Mari quanto em Ugarit,
para mostrar que o pai tinha liberdade de desconsiderar as sequências naturais da primogenitura e, em vez
delas, escolher o seu próprio primogênito entre os seus filhos. Este costume, obviamente, influenciou o caso
de Manasses e Efraim (Gn 48.13-20), a reputação de Rúben (Gn 49.3), e a promoção de José (Gn 48.22). Com
base neste costume, fica evidente que as instituições sociais registradas nas narrativas patriarcais são
abundantemente representativas da vida no segundo milênio a.C.
“As histórias patriarcais refletem fielmente costumes que não eram praticados e as instituições que
não existiram nos períodos posteriores, alguns dos quais foram até mesmo proibidos pelas normas religiosas
do Israel tardio. Por exemplo, o casamento com a meia irmã (Lv 18.9) e o de duas irmãs simultaneamente (Lv
18.18) eram permitidos nos tempos patriarcais, mas foram proibidos na sociedade israelita posterior. Esse
fato desmente a teoria de alguns críticos, segundo a qual essas histórias foram inventadas durante o período
da monarquia israelita” (Bíblia de Estudo Arqueológica NVI, 2013, p. 73).
Indo na contramão das hipóteses críticas concernentes aos nomes dos patriarcas, temos os seguintes
dados:
“Os nomes dos parentes mais próximos de Abrão, como seu bisavô Serugue, seu avô Naor e seu pai
Terá (e o próprio nome de Abrão). Pesquisadores confirmaram que estes nomes aparecem em antigos textos
assírios e babilônios e aqueles textos neo-assírios e correspondem aos lugares na região Eufrates-Habur da
Siro-Mesopotâmia). Além disso, se tentarmos colocar os nomes dos patriarcas num ambiente cultural,
descobriremos que eles são mais proeminentes no grupo linguístico semita do noroeste da população amorita
do início do segundo milênio a.C. (como Mari), e exemplos do terceiro milênio também têm sido atestados em
Ebla. Nomes com um prefixo i/y, como Yitzchak (“Isaque”), Ya’akov (“Jacó), Yoseph (José) e Yshmael
(“Ismael”), pertencem a este tipo de nome, e a frequência com que aparecem diminui significativamente no
primeiro milênio e daí em diante. Assim, o tempo durante o qual os homens com este nome teriam vivido seria
o período pré-israelita - um fato que está de acordo com o texto bíblico.” (PRICE, 2006, p. 87).
Alguns críticos alegam que a religião dos patriarcas é um reflexo da fé de Israel recente, do período da
monarquia. Sobre isso Willian P. Brown comenta: “o fato de a religião dos patriarcas ser tratada, em Gênesis,
como totalmente distinta da fé de Moisés exclui a possibilidade de que ela seja simplesmente uma
retroprojeção da crença israelita mais recente”. (Brown In. BRIGHT, 2003, p. 23). Em linguagem popular,
esta conclusão crítica se dá através da seguinte ilustração: conduzir retrospectivamente todo o aparato crítico
cultual do templo de Jerusalém, é semelhante ao desenvolvimento de um rio que tem sua explicação a partir
da fonte distante. Com isso, muito do material referente às crenças religiosas, aos valores morais, às leis, e à
visão social encontrados no Pentateuco, representa uma projeção superposta sobre o passado remoto e
santificado, de seus próprios pontos de vista mais avançados tal como os expunham os redatores, cronistas,
moralistas e legistas das Escrituras, que viveram no século V a.C.

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Seguidamente Bright apresenta a forma como as peregrinações dos patriarcas e seu modo de vida se
encaixa no contexto do segundo milênio (2003, p. 110-111).
“Uma vez que os sistemas de escrita estavam em uso por volta do III milênio a.C., o que torna
desnecessário presumir que tenha existido um longo período de transmissão oral entre os próprios fatos e sua
documentação em relatos escritos. Os povos do final do III e início do II milênio a.C. mantinham registros
escritos e não dependiam da memória para os assuntos que consideravam importantes. Os acontecimentos do
período patriarcal podem ter sido registrados logo após sua ocorrência em textos que o escritor bíblico
utilizaria mais tarde como fontes” (Bíblia de Estudo Arqueológica NVI, 2013, p. 73).
Somos forçados a concluir que as narrativas patriarcais refletem autenticamente os costumes sociais
vigentes no segundo milênio, e não os que estavam em viger em período posterior, principalmente da
monarquia, como alegam os críticos. Os patriarcas não foram simples indivíduos particulares, mas chefes de
clãs consideráveis.
Lugares e cidades mencionadas nas narrativas patriarcais revelam paralelos históricos com o período
do segundo milênio. A cidade de Harã na Alta Mesopotâmia, que é tratada no tempo de Abraão como um
centro comercial segundo o texto bíblico, foi abandonada depois dos tempos patriarcais e permaneceu desolada
e desocupada de 1800 a 800 a.C. Se a história de Abraão tivesse sido inventada e escrita numa época posterior,
é pouco provável que seu inventor tivesse escolhido Harã. Acerca da localidade em que os patriarcas viveram
a cidade de Harã . “Observando este ponto, Barry Beitzel, um arqueólogo da Trinity Evangelical Divinity
School, declara: É altamente improvável [que alguém inventando uma história mais tarde] escolhesse Harã
como um local-chave quando a cidade não havia existido por centenas de anos.” (PRICE, 2006, 87). De modo
semelhante, as ruínas de cidades patriarcais como Ur, Hebrom, Berseba e Siquém revelam consistentemente
que elas existiram durante esse tempo.
Um ponto de comparação entre estes textos e a Bíblia envolve leis que regiam a herança. Em Gênesis
49, Jacó abençoa seus 12 filhos, dividindo uma fatia igual da herança para cada filho. Isso, porém, mudou no
Sinai, pois a lei mosaica estipulava que o filho primogênito devia receber o dobro da herança (Dt 21.15-17).
Esta aparente contradição foi formalmente explicada pelos altos críticos de acordo com a documentário
Hipótese Documentária de Wellhausen, que alegava que diferentes escritores compuseram relatos conflitantes
do Pentateuco ao mesmo tempo na história pós-exílica de Israel. Entretanto, os documentos do antigo Oriente
Próximo confirmam que a situação refletida na distribuição de Jacó de uma herança “igualitária” a todos os
seus filhos foi o que precisamente se achou nas Leis de Lipit-Istar do século XX a.C; “uma fatia igual na lei
das heranças é evidente nas leis de Lipit-Istar (século XX a.C.).” (PRICE, 2006, p. 84).
Podemos considerar mediante inúmeros exemplos de historicidade e contexto dos patriarcas no
ambiente do segundo milênio, que não importa como Moisés tenha obtido as fontes para compor as narrativas
patriarcais, uma coisa é certa: o Pentateuco retrata fielmente a época e o período histórico dos patriarcas.
Muitos dos detalhes e costumes históricos das vidas dos patriarcas são agora conhecidos por nós a partir de

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documentos históricos. Ou seja, o mundo da narrativa de Gênesis retrata o mundo verdadeiro. Há indícios
razoáveis de que a história registrada nessas narrativas corresponda aos próprios acontecimentos.
“Longe de serem anacronismos, os detalhes das histórias bíblicas dos patriarcas se encaixam muito
bem no ambiente histórico do segundo milênio a.C. Não há evidências que permitam aos eruditos questionar
sua autenticidade” (Bíblia de Estudo Arqueológica NVI, 2013, p. 26).
Devemos compartilhar uma preocupação sobre esta visão crítica, porque, no Novo Testamento, Abraão
é chamado “pai de todos nós” (Rm 4.16), e crentes em Cristo são considerados seus “filhos” e “descendência,
herdeiros segundo a promessa” (G1 3.7,29). Além disso, a historicidade dos patriarcas é aceita por Jesus e
pelos autores do Novo Testamento (Mt 1.1,2; 3.9; 8.11; Lc 13.28; 16.22-30; 20.37,38; Jo 8.39-58; At 3.13,25;
7.16,17,32; Hb 2.16; 7.1-9; 1 Pe 3.6) e usada como testemunha por eles da garantia de Deus quanto ao
cumprimento de sua Palavra (Rm 4.1-25; G1 3.6-29; Hb 6.13; Tg 2.21-23). Para o crédito dos patriarcas, o
autor de Hebreus devotou mais da metade daqueles vinte e nove versículos - quinze, para ser exato - ao
detalhamento das maneiras pelas quais os patriarcas e suas esposas provaram ser homens e mulheres de fé.
Qual seria a realidade destes exemplos de fé, se não tivessem sido personagens históricos, reais?
Levanta-se uma dúvida, quais foram as fontes que Moisés teria utilizado para compor a história dos
patriarcas. Onde foi que ele conseguiu tal informação? Além das tradições e genealogias primitivas trazidas
do Oriente, as tradições familiares dos patriarcas teriam sido passadas de geração a geração. José, e depois
Moisés, teriam tido todos os recursos para registrar e preservar as tradições que os ancestrais portavam.
É evidente que o autor de Gênesis não pretendia dar a Israel uma informação exata acerca do passado
distante, e as narrativas não deviam ser entendidas assim. Ele é impudentemente seletivo. ‘Somente aquilo que
contribui para a história de Deus – i. é, para a intenção teológica do texto - merece ser comentado. E ainda,
“as narrativas de Gênesis podem ser descritas como sermões dirigidos ao antigo Israel, cuja intenção é
comunicar a Israel a mensagem relevante de Deus. Ou seja, não é prudente fazer perguntas ao texto, que o
autor não pretendia responder.
As narrativas de Gênesis não são, obviamente, historiografia moderna. Ao menos por uma razão: não
são relatos de testemunhas oculares. Se, como afirma a tradição, Moisés foi o seu autor original, ele viveu no
mínimo seis séculos depois de Abraão. Podemos descrever o texto histórico de Gênesis como historiografia
querigmática antiga.
Devemos admitir algumas dificuldades em situar os patriarcas no início do segundo milênio, alguns
textos bíblicos carecem de atenção. A bíblia relaciona os patriarcas, com os arameus: “O meu pai era um
arameu errante” (Dt 26.5; cf. Gn 25.20; 28.5; 31.20.24). Os textos encontrados se referem aos arameus, bem
mais tardiamente. A primeira menção está em um documento assírio datado de cerca de 1110 a.C. “Sugere-se
como solução que existe uma continuidade racial entre os amoritas da época dos patriarcas (Ez 16.3) e os
arameus dos séculos XI e X a.C. Poder-se-ia dizer que eram proto-arameus.” (VOGELS, 2000, p. 28). Outra
dificuldade se encontra no texto de (Gn 21.34), que diz: “E morou Abraão na terra dos filisteus por longo
tempo”, mas a história nos mostra que os filisteus, se instalaram em Canaã somente depois de 1200 a.C. E

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ainda, o nome da cidade que partiu Terá e sua família, “Ur dos caldeus” aponta pra o apogeu dos caldeus, ou
seja, os babilônicos, que só ocorre no final do século VII a.C. Os caldeus só surgem nos textos assírios no
século IX a.C. No início do segundo milênio, talvez se dissesse “Ur dos sumérios”. “Tais dificuldades, se
explicam por meio de anacronismos que não afetariam o fundo verdadeiramente histórico dos textos. Os
autores dos relatos dos patriarcas substituíram os nomes antigos pelos nomes em uso na época em que
escreviam”. (VOGELSN, 2000, p. 28). “A frase identificadora ‘dos Caldeus’ é sem dúvida uma glosa
explicativa surgida tempos depois, já que os caldeus e os kaldu (i.e. caldea) não eram conhecidos até o século
nove a.C. O propósito, é claro, era distinguir a Ur que se localizava no sul daquelas outras cidades que
tinham o mesmo nome.” (MERRILL, 2002, p. 13).
“Embora tenham existido diversas cidades chamadas Ur na antiguidade, a cidade citada na Bíblia é
sempre chamada “Ur dos caldeus”, provavelmente para distingui-la de alguma cidade famosa de mesmo
nome. A descrição “caldeu” começou a ser aplicada à região sul da Mesopotâmia só depois de 1000 a.C.,
muito depois do tempo de Abraão. Antes disso, os caldeus viviam no norte da Mesopotâmia. As influências
culturais (costumes, leis, etc.) observadas nas narrativas patriarcais, seguem mais os modelos das cidades do
norte da Mesopotâmia, como Nuzi e Mari”. (Bíblia de Estudo Arqueológica NVI, 2013, p. 705).
O texto bíblico relata que Yahweh disse a Abrão para deixar seu país (na ocasião Arã), indo para um
lugar que ele progressivamente lhe revelaria. É bem provável que Abrão tenha se movido daquele lugar
participando das grandes migrações de amoritas que estavam em voga naqueles dias.
“Esses amoritas, que foram equivocadamente caracterizados em certa ocasião como sendo de origem
puramente nômade, eram na verdade seminômades em sua maioria, e geralmente urbanizados. As pesquisas
arqueológicas realizadas em numerosos sítios na Síria e em Canaã tem revelado, segundo o ponto de vista de
alguns estudiosos, que as populações indígenas dessas regiões foram dominadas na última parte da Baixa
Era do Bronze (2200-2000) por povos geralmente descritos como amoritas.” (MERRILL, 2002, p. 17).
É verdade que Abraão nunca é mencionado na Bíblia como sendo de origem amorita, embora a
designação “Abraão, o Hebreu” possa indicar que ele era tido como alguém que estava associado a certos
povos migradores.
O mesmo se dá com o costume dos patriarcas de se servirem de camelos (Gn 12.16). Aceita-se em
geral que a domesticação de camelos, ocorreu somente no Oriente Próximo antigo depois de 1200 a.C. Para
os críticos, tais anacronismos poderiam provar que a Bíblia teria sido escrita ou editada muito tempo depois
do que se acredita ou suas passagens não são sempre confiáveis. O estudioso da Bíblia judia e professor de
cultura hebraica na Universidade de Tel Aviv, Noam Mizrahi, afirma que o transporte de pessoas em camelos
naquele período é equivalente a falar que “as pessoas usavam trailers para transportar coisas durante a Idade
Média.
“Embora os camelos só fossem usados em grande escala muito mais tarde (v., e.g., Jz 6.5), a
arqueologia tem confirmado sua domesticação esporádica já no período patriarcal”. (Bíblia de Estudo NVI,
2003, p. 27). Outra opção para entendermos o uso de camelos pelos patriarcas, é entender a palavra “camelo”

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como anacronismo, entendendo que o texto de início se referia a “jumento”, substituído posteriormente por
camelos. Embora os camelos fossem conhecidos de longa data, desde os tempos mais primitivos, e os casos
isolados de sua domesticação poderia, portanto, ter ocorrido em qualquer período (é provável que os nômades
tenham mantido rebanhos de camelos em estado semi-selvagem, para lhes dar o leite, o couro e as peles),
parece que a domesticação real do animal, como animal de carga e meio de transporte, se deu entre o décimo
quinto século e o décimo terceiro, no interior da Arábia.
“Embora exista, na realidade, pouca dúvida de que os jumentos foram domesticados antes que os
camelos; seria incorreto achar que os últimos não eram usados nas caravanas de comércio orientais em um
período muito antigo. Quando Parrot estava escavando Mari, descobriu restos de ossos de camelos nas ruínas
de uma casa que pertencia ao período pré-sargônico (2400 a.C.). Selos cilíndricos recentemente descobertos
no norte da Mesopotâmia, que podem ser datados do período dos patriarcas hebreus, retratam cavaleiros
sobre camelos. Um relevo encontrado em Biblos, na Fenícia, atribuído pelos arqueólogos ao século XVIII
a.C., mostrava, na verdade, um camelo ajoelhado, indicando seu uso como animai de carga naquele período.
Outro testemunho da domesticação do camelo, também do século XVIII a.C., desta vez de Alalakh, no norte
da Síria, consistia de uma tábua cuneiforme, contendo uma lista de animais domésticos que mencionava
especificamente o camelo, sob a designação GAM MAL. Escavações arqueológicas no norte da índia também
mostraram que o camelo tinha sido domesticado no início do segundo milênio a.C.” (HARRISON, 2010, p.
76).
Após a elaboração de muitos pesquisadores que demostraram a historicidade dos patriarcas com vimos
acima, surge no cenário pesquisadores que fazem uma releitura dos materiais arqueológicos e negam a
historicidade dos patriarcas, são eles: Thomas L. Thompson , em 1974; John Van Seters , em 1975 e Donald
B. Redford , em 1970. Eles concluíram que uma parcela das evidências não apoiava, em todas as instâncias, a
historicidade dos patriarcas. Basicamente, eles procuram demonstrar que os materiais arqueológicos
possibilitam datar os patriarcas no início do segundo milênio, como no primeiro milênio. Segundo estes
pesquisadores, as dificuldades que os achados arqueológicos apresentam em datar os patriarcas no início do
segundo milênio, ou seja, seus anacronismos, não podem ser explicados como simples anacronismos. Para
eles, esta seria “uma solução facilitadora” (VOGELS, 2000, p. 30). Eles preferem ver nesses “anacronismos”
indicações para datar os textos, fixar seus limites cronológicos. E concluem que os relatos dos patriarcas
refletem a situação histórica de Israel na época da monarquia, nos séculos IX e X. Van Seters data os patriarcas
no século VI. Obviamente que estes pesquisadores seguem a Hipótese Documentária e as escolas que
sucederam, para nortear suas pesquisas. E concluem: “As tradições bíblicas sobre os patriarcas não tem uma
perspectiva histórica, mas perspectivas ideológicas, sociológicas, políticas e religiosas.” (VOGELS, 2000, p.
31). Obviamente, que estas posições de Thompson e Seters receberam dura oposição, e se mostraram frágeis
em muitos pontos.
Se os autores bíblicos tivessem inventado as tradições dos patriarcas, inspirando-se na religião que eles
próprios praticavam, os relatos teriam sido bem diferentes. Os patriarcas praticavam, segundo os textos

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bíblicos, uma religião pré-israelita, pré-mosaica. Se os patriarcas tivessem sido inventados no período da
monarquia, obviamente seus criadores os poriam em observância as leis mosaicas, tais como as práticas
religiosas, grada do sábado, oposição aos deuses pagãos, e oposição a outras nações, e até mesmo a guarda do
sábado que é tão preciosa para religião de Israel. Salta-nos aos olhos a narrativa que nos apresenta Abraão
construindo altares onde bem entende (Gn 12.7;13.18) e planta árvores sagradas (Gn 21.33), sendo que, tais
práticas era proibidas pela lei mosaica, que prescreve o luar de culto (Dt 12.2-5) e condena essas árvores
sagradas (Dt 16.21). Teria os “inventores” da “lenda” dos patriarcas ter esquecido dos preceitos da lei, que
estava em vigor em seu tempo, e apresentado Abraão quebrando preceitos importantes da lei de Moisés? É
difícil, portanto, imaginar que essa religião patriarcal tivesse sido inventada por um autor que era fiel a tradição
Javista e a lei de Moisés. Certamente, se a intenção fosse “inventar” uma história dos ancestrais de seu povo
e de sua fé, teriam inventado uma história muito mais “ortodoxa”.
Conforme verificamos anteriormente, os documentos de Nuzi e Mari mostram que as narrativas
patriarcais refletem as leis e os costumes sociais que eram correntes no século XIX e nos que se seguiram da
história da Mesopotâmia. À correspondência em linguagem e nomes próprios entre os registros de Mari e as
tradições do livro de Gênesis, indica a existência de antecedentes culturais comuns, e colocam a tradição
israelita em uma base histórica relativa à cultura homogênea do Oriente Médio. As narrativas patriarcais nos
apresentam verdadeiros seres humanos. Estão encarnados em sua cultura, da qual seguem as leis e os costumes.
São filhos da sua época. É impossível fazer com que todos aceitem os patriarcas como pessoas de carne e
sangue, mas tem-se tornado cada vez mais difícil permanecer cético diante da profunda compatibilidade entre
o relato de Gênesis e as descobertas sobre as épocas e os locais em que a Bíblia situa os patriarcas. As
evidências que se demonstrou até agora nos dá todo o direito de afirmar que as narrativas patriarcais estão
firmemente fundamentadas na história.
Neste momento cabe mencionar uma sucinta e relevante descrição a respeito da historicidade das
narrativas bíblicas:
“A fé bíblica é histórica, não meramente porque ela “contém” história ou mesmo porque ela “trata”
com história “em si mesma”. A mensagem que a Bíblia proclama, o ensinamento que ela comunica, os
julgamentos que pronuncia, a salvação que promete, tudo é definido historicamente e entendido como sendo
histórias ou fundamentadas na história. É somente desta maneira que nós somos capazes de nos
identificarmos com ela.” (KAISER, 2007, p. 163).

3. Sodoma e Gomorra

“Então o Senhor, da sua parte, fez chover do céu enxofre e fogo sobre Sodoma e Gomorra. E Abraão
levantou-se de madrugada, e foi ao lugar onde estivera em pé diante do Senhor; e, contemplando Sodoma e
Gomorra e toda a terra da planície, viu que subia da terra fumaça como a de uma fornalha”. (Gn 19.24, 28).

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A sinistra força dessa narrativa bíblica tem impressionado profundamente os ânimos dos homens em
todos os tempos. Sodoma e Gomorra tornaram-se símbolos de vício e iniquidade e sinônimos de aniquilação
completa. Incessantemente, o terrível e inexplicável acontecimento deve ter inflamado a fantasia dos homens.
Devem ter ocorrido coisas estranhas e absolutamente inacreditáveis no Mar Morto, o Mar Salgado, onde, de
acordo com a Bíblia, ocorreu a catástrofe.
A Bíblia registra que no tempo de Abraão, uma pentápolis (um grupo de cinco cidades) se estendia ao
longo da bem irrigada planície na porção sul do Vale do Jordão (Gn 13.10-11). Em um dos relatos mais
memoráveis da Bíblia, lemos que uma destruição cataclísmica cobriu duas destas cidades — Sodoma e
Gomorra (Gn 19.24-29). De acordo com a Bíblia, os habitantes eram tão ímpios (Gn 18.20; 19.1-13) que uma
chuva de “fogo e enxofre” foi enviada por Deus em juízo. A infâmia destas cidades persiste até hoje preservada
em nossa palavra portuguesa sodomia.

3.1 Incredulidade e negação

Para muitos pesquisadores da Bíblia e arqueólogos, a história de Sodoma e Gomorra não aconteceu
como descrito na Bíblia. Os mais críticos eruditos da Bíblia, chamaram-na de “história puramente mítica”.
Para a maioria dos eruditos críticos ela é uma “extraordinária história-origem” criada por contadores de história
israelitas mais tarde para comunicar assuntos teológicos e sociais, não para preservar a memória dos lugares e
acontecimentos históricos. Outros eruditos dizem que existe uma fração de historicidade dentro de um grande
conteúdo de tradição literária posterior. Não é totalmente ficção, mas um “fragmento de memória local,”
tomada por israelitas e ampliada pela imaginação.

3.2 O Que Disseram os Geólogos

Os geólogos tiraram dessas descobertas e observações outra interpretação, que poderia explicar a causa
e fundamento da narrativa bíblica da aniquilação de Sodoma e Gomorra.
A expedição americana dirigida por Lynch foi a primeira que, em 1848, deu a notícia da grande descida
do Jordão em seu breve curso pela Palestina. O fato de, em sua queda, o leito do rio descer muito abaixo do
nível do mar é, como só pesquisas posteriores comprovaram, um fenômeno geológico singular. “É possível
que haja em algum outro planeta coisa semelhante ao que ocorre no vale do Jordão; no nosso não existe”,
escreve o geólogo George Adam Smith em sua obra “A Geografia Histórica da Terra Santa”. “Nenhuma outra
parte não submersa da nossa Terra fica mais de 100m abaixo do nível do mar”.
Será que Sodoma e Gomorra afundaram quando (acompanhado por terremotos e erupções vulcânicas)
um pedaço do chão do vale ruiu um pouco mais? E o Mar Morto se alongou naquela época em direção ao sul?
A ruptura da terra liberou as forças vulcânicas contidas há muito tempo nas profundezas da abertura.
Na parte superior do vale do Jordão, junto a Basan, erguem-se ainda hoje as crateras de vulcões extintos e

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sobre o terreno calcário há grandes campos de lava e enormes camadas de basalto. Desde tempos imemoriais,
os territórios ao redor dessa depressão são sujeitos a terremotos. Repetidamente temos notícias deles, e a
própria Bíblia fala a respeito. Como para confirmar a teoria geológica do desaparecimento de Sodoma e
Gomorra escreve textualmente o sacerdote fenício Sanchuniathon em sua História Antiga redescoberta: “O
Vale de Sidim afundou e se transformou em mar, sempre fumegante e sem peixe, exemplo de vingança e morte
para os ímpios”.
Algumas tentativas científicas para validar o evento histórico têm sido inconsistentes em seu
tratamento da evidência bíblica e arqueológica. Alguns geólogos argumentam que um forte terremoto (mais
de 7 pontos na escala Richter) ocorreu ao longo de uma falha do vale aberto onde o mar Morto repousa hoje.
Eles conjeturam que este terremoto, que incendiou “leves frações de hidrocarbono escapando dos reservatórios
subterrâneos” (a “chuva de fogo e enxofre”) destruiu Sodoma e Gomorra.
A alta consideração destes autores por geologia e climatologia não é da mesma forma estendida às
Escrituras. Pelo contrário, eles disputam que estes relatos bíblicos foram o resultado de lembranças primitivas
destes desastres geológicos, os quais foram mal recontados nas tradições religiosas das pessoas através dos
tempos. Consequentemente, estes eventos foram ingenuamente atribuídos a Deus e erroneamente ligados a
diferentes histórias dentro da historiografia israelita. A despeito de sua “abordagem científica,” os autores não
oferecem evidência histórica ou arqueológica para sustentar sua teoria.

3.3 A historicidade de Sodoma e Gomorra

Os escritores bíblicos, acreditavam que a narrativa era história genuína. Eles citaram-na como
referência de valor histórico, pois que valor histórico uma fábula teria para convencer uma audiência da certeza
do julgamento de Deus? A menção da destruição de Sodoma e Gomorra por tantos autores bíblicos para
diferentes audiências testifica do reconhecimento universal do evento no antigo Oriente Próximo (Dt 29.23;
32.32; Is 1.9,10; 3-9; 13.19; Jr 23.14; 49.18; 50.40; Lm 4.6; Ez 16.46-49; 53-56; Am 4.11; Sf 2.9; Mt 10.15;
11.23-24; Lc 10.12; 17.29; 2 Pe 2.6; Jd 7; Ap 11.8). Além disso, antigos historiadores não bíblicos também
escreveram sobre Sodoma e Gomorra de uma maneira realista.
Flávio Josefo, historiador do século I, escreveu extensivamente sobre Sodoma e Gomorra, como o fez
Filon. A literatura judaica extrabíblica também contém referências frequentes a cidades, como os Rolos do
Mar Morto, 3 Macabeus 2.5; Sabedoria de Siraque 16.7; Apocalipse de Esdras 2.19; 7.12; Testamento de Levi
4.6; Testamento de Nafitali, 3.4; 4.1; Testamento de Aser. 7.1; Testamento de Benjamim 9.1; Targum Pseudo-
Jonatas de Gênesis 18.20,21; etc. Alguns até afirmaram que evidências de sua destruição podiam ser vistas em
seus dias.

3.4 A Procura de Sodoma e Gomorra

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Só no começo do século XX, com as escavações realizadas no resto da Palestina, foi despertado
também o interesse por Sodoma e Gomorra. Os exploradores dedicaram-se à procura das cidades
desaparecidas que nos tempos bíblicos estariam situadas no vale de Sidim.
A busca por Sodoma e Gomorra tem geralmente concentrando-se na região do mar Morto, apesar de
alguns eruditos terem argumentado que por causa da suposta atividade vulcânica (o fogo e o enxofre) o sítio
devia ser procurado na Arábia ou Iraque. Todavia, o texto bíblico especifica “o vale de Sidim (que é o mar
Salgado)” (Gn 14.3), um conhecido nome para o mar Morto.
A Bíblia coloca em pares quatro das cidades — “Sodoma e Gomorra,” “Admá e Zeboim”. Uma vez
que Zoar era uma cidade vizinha para a qual Ló pediu para fugir de Sodoma, Zoar tem que ser próxima à
Sodoma e Gomorra. A Bíblia sugere que Sodoma e Gomorra eram as mais proeminentes das duplas de cidades.
Elas foram escolhidas para representar a pentápolis no derramamento do juízo de Deus (Gn 18.20,21). Destas
duas cidades, Sodoma foi a única que Ló escolheu em seu desejo de ter o melhor (Gn 13.11,12). Além disso,
foi a cidade visitada pelos inquisidores para determinar a culpa do restante (Gn 18.22). Assim, Sodoma deve
ter encabeçado todas as outras cidades da planície.
Em 1924, o renomado arqueólogo W.F. Albright e o reverendo M. Kyle conduziram uma expedição
para investigar a extremidade ao sul do mar Morto. Ambos não localizaram nenhum traço de estruturas antigas
nas águas do Mar Morto que pudessem ser resquícios das cidades de Sodoma e Gomorra. Como resultado,
muitos eruditos que sustentavam a existência de Sodoma e Gomorra concluíram que ou a destruição fora tão
completa que nenhum traço sobrevivera, ou que os resquícios estavam além de toda esperança de recuperação.
Em sua busca, Albright também descobriu estruturas sobre a terra no litoral leste da Transjordânia
atravessando a península de Lisan. Em um sítio conhecido em árabe como Bab edh-Dhra, ele encontrou
resquícios de uma comunidade estabelecida e muitíssimo fortificada com construções muradas, um ambiente
extenso ao ar livre, casas, numerosos cemitérios e artefatos espalhados — todos sinais de que uma grande
população morou um dia ali. Do lado de fora das ruínas, para o leste, estava um grupo de grandes blocos de
pedra caídos (colunas) medindo 4 metros de comprimento. Albright interpretou isto como parte de uma
instalação para ritos religiosos. Ele datou a cidade como sendo do terceiro milênio a.C. (Idade do Bronze
Antigo, 3150-2200 a.C.), e acreditou que o sítio também havia deixado de ser ocupado dentro daquele período.
Ele sentiu que havia uma conexão entre este sítio e as cidades da planície, mas porque fracassou em achar uma
extensa camada de escombros, teorizou que ele só havia servido como um centro de peregrinação sagrada que
era visitado anualmente.
Em 1965 e 1967, escavações no sítio de Bab edh-Dhra foram conduzidas por Paul Lapp. Estas foram
mais tarde continuadas por Walter Rast e Thomas Schaub, começando em 1973. As escavações revelaram que
o muro de fortificação que circundava a cidade tinha mais de 7 metros de largura! Ele era todo segmentado e
o último segmento tinha um portão ladeado por duas torres idênticas. Dentro desta área murada estava uma
cidade inferior de casas de tijolos ao longo do lado noroeste do templo cananita, com um altar em semicírculo

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e numerosos objetos cúlticos. Fora da cidade eles encontraram um enorme cemitério com milhares de pessoas
sepultadas. Era óbvio que a cidade tinha sido uma comunidade proeminente na Era do Bronze Antigo.
“Pode-se estimar a data aproximada desta catástrofe a partir das evidências fornecidas pela cerâmica
escavada em Bab edh-Dhra‘. Este local, aparentemente, era usado no final do terceiro milênio a.C., pelas
pessoas que viviam nas “cidades do vale”, como um centro de celebrações, sendo ocupado com este objetivo
entre aproximadamente 2300 e 1900 a.C. Como as visitas de peregrinos e outras pessoas a este lugar
cessaram aproximadamente em 1900 a.C., pode ser que o término do interesse pelo lugar com propósitos
religiosos e outros tenha coincidido com a destruição de Sodoma e as demais “cidades do vale”. Se esta data
para a destruição de Sodoma e Gomorra estiver correta, indicaria que Abraão estava vivo no fina) do século
XX a.C,, e estava na Palestina por volta de 1900 a.C.” (HARRISON, 2010, p. 80).
A área da cidade estava coberta por uma camada de cinzas com muitos metros de espessura. O
cemitério também revelou depósitos de cinzas, colunas e vigas queimadas, e tijolos que haviam se tornado
vermelhos por causa do intenso calor. O que teria causado este incêndio? Poderia haver muitas razões por que
uma cidade antiga foi destruída por fogo, mas no sítio de Bab edh-Dhra, o mais extremo norte dos sítios, temos
algumas evidências muito interessantes que prontamente se encaixam com o relato bíblico de Sodoma e
Gomorra.
O que eles descobriram foi que o fogo não começou dentro do prédio, mas sobre o telhado do prédio,
e depois de queimado o telhado, caiu sobre o interior da casa e então o fogo se espalhou por dentro da
construção.
“Você poderia explicar o incêndio com algum acidente que tivesse acontecido e o fogo teria se
espalhado para a cidade. Ou com um terremoto chegando e fazendo o fogo se espalhar. Ou ainda, com um
conquistador chegando e tomando à cidade e queimando-a. Mas como você explica o incêndio destas casas
mortuárias num cemitério localizado a alguma distância da cidade? Os arqueólogos realmente não têm
explicações para isso, mas a Bíblia nos dá a resposta.” (PRICE, 2006, p. 91).
O geólogo Frederick Clapp, que pesquisou a extremidade rasa ao sul do mar Morto (conhecido com
Ghor) na década de 1920 e meados da década de 1930, observou seus abundantes depósitos de asfalto, petróleo
e gás natural. (The Site of Sodom and Gomorrah, American Journal of Archaeology, volume 40; 1936, p. 323-
344). Isso nos lembra da declaração de Gênesis 14.10 de que o vale de Sidim estava cheio de poços de betume
(piche). Além disso, existem formações incomuns de sal e cheiro de enxofre, que também nos lembra das
referências em Gênesis 19.24-26 sobre um “pilar de sal” e enxofre. Clapp arrazoou que se estes materiais
combustíveis tivessem sido expulsos da terra por pressão subterrânea causada por um terremoto (terremotos
são comuns nestas áreas), eles podiam ter sido acesos pela luminosidade ou algum outro meio enquanto eram
lançados da terra. Isso concorda com a descrição bíblica do desastre enquanto “fogo e enxofre... caíam do céu”
com fumaça subindo “como a fumaça de uma fornalha” (Gn 19.24,28). Porque todos estes fatores favoreceram
a localização sul do mar Morto, outras pesquisas desta região foram empreendidas com a esperança de
encontrar apoio adicional para a conexão com as cidades bíblicas de Sodoma e Gomorra.

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A Bíblia menciona cinco cidades — identificadas como Sodoma, Gomorra, Admá, Zoar e Zeboim —
dominavam a região e eram conhecidas como “as cidades da planície.” Sodoma e Gomorra eram as duas mais
proeminentes cidades da pentápolis. Se aceitarmos a possibilidade de que Bab edh-Dhra tenha sido realmente
Sodoma, então seria de se esperar que pudéssemos achar traços de outras cidades naquela mesma área geral.
Ao longo do litoral sul de Bab edh-Dhra está a cidade de es-Safi, identificada desde os tempos
bizantinos com Zoar. As investigações revelaram três outros sítios, um entre Bab edh-Dhra e es-Safi
conhecidos como Numeira, e dois ao sul de es-Safi conhecidos como Feifa e Khanazir. Depois que pesquisas
e escavações foram feitas nestes sítios, foi determinado que todos os sítios haviam sido destruídos e
abandonados quase ao mesmo tempo (no final do período do Bronze Antigo III, cerca de 2450-2350 a.C.). E
mais, os mesmos depósitos de cinza que foram achados em Bab edh-Dhra foram também achados nestes sítios.
De fato, em Numeira, uma cidade muitíssimo fortificada, uma camada tinha mais de 2 metros de espessura de
cinzas.
Das cinco cidades modernas, o lado norte de Bab edh-Dhra é claramente o maior e mais proeminente
e, portanto, melhor identificado com Sodoma. Isso significaria que Numeira, bem ao sul de Bab edh-Dhra,
deveria ser identificada com Gomorra.
Linguisticamente, Numeira pode ser conectada com Gomorra, pois a designação do árabe moderno
preserva o nome hebraico original. Em hebraico bíblico (escrito só com consoantes), a palavra Gomorra é
escrita assim: ‘mr (a marca ‘ representando a consoante hebraica conhecida por áyin). As consoantes árabes
são nmr. No processo de passar do hebraico para o árabe, a consoante laríngea áyin foi nasalada em “n”. Este
é um fenômeno comum observado para iniciais laríngeas no desenvolvimento de uma palavra ou quando é
trazida para outro idioma ou dialeto. Portanto, é possível que a palavra hebraica 'mr tornou-se a palavra árabe
nmr.
Quando empregamos as informações disponíveis das escavações e o emparelhamento geográfico
destas cidades, podemos identificar Bab edh-Dhra como Sodoma, Numeria como Gomorra, es-Safi como
Zoar, Feifa como Admá e Khanazir como Zeboim. (PRICE, 2006, p. 97).
O diretor da Associates for Biblical Research (Associados para a Pesquisa Bíblica), Bryan Wood,
acredita que a evidência é imperiosa e por isso conclui:
Estas cidades da Era do Bronze Antigo, descobertas no país da Jordânia logo ao sudeste do mar Morto,
formam uma linha norte-sul ao longo da bacia sul do mar Morto. Elas todas datam do tempo de Abraão e
parece que são verdadeiramente as “cinco cidades da planície” mencionadas no Antigo Testamento.

4. O Êxodo

4.1 O Êxodo e a arqueologia

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Muitos estudiosos do Antigo Testamento questionam a historicidade do êxodo e de seus eventos
subsequentes. Atribuem aos relatos do êxodo como sendo uma “ficção” que está mais ligado a mitologia do
que a relatos de fatos históricos. Outros, atribuem os relatos do êxodo como sendo algo criado pelos sacerdotes-
escribas, que usaram uma série de velhas lendas e lembranças distorcidas, que não tem qualquer relação com
a história.
A cronologia do Êxodo apresenta problemas que sem dúvida estão entre os mais complicados em toda
a história do Antigo Testamento. Ela foi assunto de acalorado debate por décadas, e as dificuldades, de maneira
nenhuma, estão solucionadas no presente. As duas principais interpretações quanto a data do êxodo
conflitantes têm uma diferença de mais de um século e meio, e ambas encontram sustentação, até certo ponto,
pelas narrativas bíblicas. A data mais antiga coloca o Êxodo no reinado de Amenhotep II da XVIII, ao passo
que a data mais recente considera o êxodo como tendo ocorrido na XIX, quando Ramsés II governava o Egito.
Existem também alguns documentos egípcios que podem nos remeter à época do êxodo. Ainda que
nenhum destes documentos possa ser considerado como prova definitiva da existência dos personagens ou da
ocorrência dos fatos narrados, esses nos fornecem dados importantes, como nomes de lugares e narrativas de
acontecimentos bastante similares ao relato da Bíblia.
Alguns eruditos judeus e cristãos acreditem que o êxodo nunca aconteceu. Por exemplo, o Rabi
Sherwin Wine, fundador do judaísmo humanista, tem discutido que o êxodo tenha sido “criado por sacerdotes
escribas em Jerusalém” que usaram “uma série de velhas lendas e distorceram lembranças que não tinham
nenhuma relação com história.” Os eruditos em Antigo Testamento N.P. Lemche e G.W. Ahlstrõm
consideram o êxodo uma “ficção” e “preocupado com mitologia ao invés do relato de fatos históricos.”
Estabelecer a historicidade do êxodo é um dos maiores problemas que permanecem para os eruditos
bíblicos. Apesar de não ter-se chegado ainda a consenso algum, a busca contínua por evidência arqueológica
dos registros do êxodo reafirma a importância do evento para os estudantes da Bíblia.
O êxodo é o mais significativo acontecimento de todo o Antigo Testamento. O êxodo amarra os dois
Testamentos juntos de tal maneira que negar que ele jamais tenha acontecido desmantelaria a estrutura
teológica tanto do judaísmo como do cristianismo.
Deveríamos esperar encontrar qualquer evidência arqueológica para o êxodo? Como os patriarcas antes
deles, os israelitas viveram um estilo de vida nômade durante o êxodo. As exigências da vida no deserto do
Sinai requeriam que nada fosse descartado, que todo item fosse usado até sua capacidade máxima — e então
reciclado. Até os ossos de uma refeição seriam completamente reutilizados em várias aplicações industriais.
Os acampamentos temporários em tendas dos israelitas não teriam deixado quaisquer vestígios, especialmente
nas sempre móveis areias do deserto. Pode haver traços de grafito em rochas do Sinai que sugiram a presença
dos israelitas nesta região, mas em sua maior parte, por causa das condições do deserto, os israelitas teriam
que ser “arqueologicamente invisíveis”. (PRICE, 2006, p. 104).
E quanto a possibilidade de registros egípcios que confirmem a ocorrência das pragas do êxodo e a
destruição do exército egípcio no mar Vermelho? E possível que alguma evidência ainda apareça, mas não

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devemos esperar que os egípcios, orgulhosamente religiosos, tenham abertamente documentado desastres que
difamassem seus deuses e imortalizassem a der rota de seu exército nas mãos de escravos andarilhos.
Os povos do antigo Oriente Próximo mantiveram registros históricos para impressionar seus deuses e
também inimigos em potencial, e por isso raramente, talvez nunca, mencionaram derrotas ou catástrofes.
Registros de desastres não fortaleceria a reputação dos egípcios aos olhos de seus deuses, nem tornaria seus
inimigos mais temerosos de seu poder militar. (Charles F. Aling, Egypt and Bible History from Earliest Times
to 1000 B. C. Grand Rapids: Baker Book House, 1981, p. 103).
Um modo de podermos defender a ocorrência do êxodo é através do que se pode chamar
“plausibilidade contextual.” Isto é, mesmo que não possamos ter evidência histórica direta para qualquer dos
personagens ou eventos conectados com o êxodo, ou nem possamos concordar com datas específicas, o esboço
geral conforme apresentado no relato bíblico é fiel aos tempos. Portanto, é muito mais provável que o êxodo
tenha ocorrido do que o contrário.
Por exemplo, podemos demonstrar que os detalhes da vida na corte egípcia e certas peculiaridades na
língua hebraica usados para descrever tais atividades indicam que o escritor tinha conhecimento em primeira
mão daquele ambiente específico no Egito. Nós temos evidência de que estrangeiros de Canaã entraram no
Egito, viveram lá, foram considerados algumas vezes criadores de problemas, e que o Egito oprimiu e
escravizou uma vasta força estrangeira durante várias dinastias. Também temos registro de que escravos
escaparam, e que o Egito sofreu sob condições semelhantes a pragas. Podemos fornecer um modelo por
computador de um mecanismo científico para a divisão das águas durante a travessia israelita do mar
Vermelho.
Podemos provar a presença de pessoas como os israelitas na península do Sinai, em Cades-Barnéia, e
em outros lugares mencionados nos livros da Bíblia que registram esta história. Podemos demonstrar através
de uma comparação com o código de leis do antigo Oriente Próximo que datam de antes da concessão da Lei
no Sinai que sua forma e estrutura se encaixam no então estabelecido padrão para tais textos. Finalmente,
podemos fornecer informações arqueológicas para sustentar várias datas para a Conquista e os períodos de
colonização, que se seguiram ao êxodo. Estas informações vêm de sítios tais como Jericó, Megido e Hazor.
Reconhecidamente, evidência arqueológica direta para o êxodo ainda é procurada. No entanto, esta
falta de informações históricas não significa que o êxodo não aconteceu. Prova conclusiva ainda pode aparecer
numa escavação futura, mas não precisamos esperar por isso para aceitar a historicidade do êxodo. Nosso
argumento pode ser produzido pela comparação do contexto bíblico com o que já é conhecido da história e
arqueologia — um argumento que oferece substância suficiente para resolver dúvidas sobre a realidade do
evento e torna provável maiores confirmações arqueológicas no futuro.

4.2 O caminho da terra dos filisteus

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Quando os israelitas deixaram o Egito, a rota mais direta e sensata seria viajar para o norte ao longo da
atual Faixa de Gaza numa direção que os levaria à Canaã. Todavia, o relato bíblico nos diz que Deus não
permitiu esta rota ao longo da planície costeira do Mediterrâneo (Êx 13.17). Assim, os israelitas acabaram
tomando uma rota muito mais longa ao sul, que se aprofundava no Sinai. Até a última década ninguém sabia
porque Deus os mantivera longe da rota mais fácil ao norte. A obscura referência à “guerra” em Êxodo 13.17
era discutível porque ninguém sabia que povo estaria em conflito com os israelitas. A resposta foi descoberta
pela arqueóloga israelita Trude Dothan, que se especializou no período antigo da ocupação filistéia de Canaã.
No sítio de Deir el-Balah ao longo da antiga rota chamada de “Caminhos de Horus,” ela descobriu a evidência
que finalmente resolveu este quebra-cabeça do êxodo.
Agora sabemos à luz das escavações de Deir el-Balah que “o Caminho dos filisteus” mencionado na
Bíblia é também “o Caminho de Horus”, mencionado nos relevos do templo egípcio em Carnaque. Este relevo
também descrevia algumas das fortalezas egípcias ao longo desta rota, incluindo a que Trude Dothan
descobriu. Então, desta notável correlação entre a Bíblia e dois sítios arqueológicos, podemos concluir que os
israelitas foram avisados para evitar esta rota, porque eles entrariam nesta linha de forças de defesa comandada
pelos soldados egípcios. Os soldados alocados ali estavam preparados para lutar, recapturar e enviar de volta
ao Egito tais escravos fugitivos. Uma vez que os recém-libertos israelitas estavam despreparados para a
batalha, o deserto era a opção mais segura.

4.3 A rota do êxodo e as imagens de satélites

“De acordo com o analista de imagens de satélite George Stephen, a rota do êxodo ainda pode ser
vista hoje através do uso de tecnologia infra-vermelha. Os satélites que empregam esta tecnologia para
propósitos como levantamentos para inteligência e exploração mineral, podem também isolar trilhas nas
areias do deserto mesmo que elas tenham milhares de anos. Eles fazem isso captando padrões de calor
deixados na terra. Tais satélites têm capacitado os arqueólogos a recuperarem informações sobre rotas de
caravanas antigas, descobrir vestígios de leitos fluviais secos ou soterrados há muito tempo, e encontrar
cidades perdidas debaixo das areias. Stephens estudou as imagens captadas pelo satélite francês SPOT do
Egito, do Golfo de Suez, do Golfo de Ácaba, e porções da Arábia Saudita a uma altura de 161 metros. Ele
alega que pôde ver evidência de trilhas antigas feitas por “um grande número de pessoas” saindo do Delta
do Nilo e seguindo direto ao sul ao longo da costa do Golfo do Suez e ao redor da extremidade da península
do Sinai. Além disso, ele diz que observou vestígios de “acampamentos muito grandes” ao longo da trilha.”
(PRICE, 2006, p. 108).
Claro que não é possível determinar se estas trilhas foram feitas pelos israelitas mesmo ou por outros
peregrinos através dos milênios. Mas isso demonstra que grande número de pessoas podia se sustentar na
mesma região e na mesma rota tomada pelos israelitas do êxodo.

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4.4 O coração endurecido do Faraó

O que descobrimos é que Faraó era considerado como a encarnação do deus sol Rá e Horus-Osíris, os
deuses mais importantes do Egito. Assim, ele era visto como o principal deus do mundo.
Descobertas egípcias nos proporcionam uma fascinante explicação sobre como Deus pode ter decidido
“endurecer” o coração de Faraó. Na teologia do antigo culto egípcio à morte, conforme descrito no egípcio
“Livro dos Mortos,” depois da morte, o falecido embalsamado e colocado na tumba tinha que enfrentar um
julgamento na Sala do Julgamento para determinar sua culpa ou inocência.
Se julgado culpado seu destino era a destruição; se inocente, então a vida eterna com suas recompensas.
Para passar por este julgamento, o morto tinha que negar uma longa lista de pecados que era lida contra ele e
com êxito declarar que era puro. Este ato era chamado de “Confissão Negativa,” e enquanto estava sendo
conduzido, o coração do falecido estava sendo pesado em escalas de julgamento contra o padrão da verdade.
Este julgamento é vividamente representado num mural pintado conhecido como “a pesagem do coração.”
Uma vez que todos os homens pecam e que a inclinação do coração é confessar este pecado, os engenhosos
egípcios desenvolveram um meio de evitar que o coração contradissesse a Confissão Negativa. Eles fizeram
isso escrevendo encantamentos sobre uma imagem de pedra de seus escaravelhos sagrados que eram
entalhados na forma de um coração. Este coração em forma de escaravelho de pedra era então colocado dentro
ou em cima da cavidade do peito durante a mumificação (um fato revelado por raios-X de múmias egípcias).
Vários encantamentos que ordenavam ao coração: “não se rebele contra mim” ou “não testemunhe contra
mim” transferiam o caráter do coração de pedra para o coração de carne no pós-túmulo, tornando-o “duro” e
incapaz de falar. Este ritual de “endurecimento do coração” revertia a função natural do coração flexível e
resultava na salvação, desde que o falecido fosse agora declarado sem pecado através do silêncio.
Quando Deus “endureceu” o coração de Faraó, que como um deus em si mesmo representava a
salvação do Egito, Ele reverteu a esperança teológica de todos os egípcios. Este endurecimento resultou na
incapacidade de Faraó naturalmente responder às assustadoras pragas, rendendo-se à solicitação de Moisés.
Portanto, ao invés de o “endurecimento do coração” trazer salvação, ele trouxe destruição. Assim, a
arqueologia proveu nova perspectiva de um conceito teológico difícil dando-nos o cenário apropriado e o
esquema das crenças egípcias que, através de Moisés, Deus queria confrontar. Além disso, ao revelar a
precisão dos detalhes no relato bíblico, ela indica sua historicidade.

4.5 Teria Israel atravessado o “Mar Vermelho”?

Tendo em vista a quantidade de judeus que saíram do Egito, que gira em torno de dois milhões
conforme Números 1.45-46, alguns críticos alegam que não seria possível essa quantidade de pessoas
passarem pelo mar vermelho (yam suph - mar de juncos) em tão pouco tempo.

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Observando o texto, temos a impressão que o povo de Israel atravessou o mar vermelho pela manhã,
pois o “forte vento oriental” (Êx 14.21) soprou durante a noite toda, e no versículo 24 Deus diz que viu o
acampamento dos egípcios na “vigília da manhã”. No versículo 26, não informa depois de quanto tempo que
as águas abriram, voltaram “contra os egípcios”, ou fechou o Mar Vermelho.
Alguns críticos negam a veracidade deste acontecimento simplesmente por não constar em nenhum
documento egípcio. Ocorre, porém, que era comum os faraós não registrassem suas derrotas, ainda mais se
tratando de uma derrota para escravos fugitivos. Os poderosos egípcios jamais deixariam um povo escravo
humilhá-los e abandonar suas terras, deixando o reino desprovido de mão-de-obra útil. Os faraós nunca
divulgam suas derrotas, ou a perda de um esquadrão de elite de bigas nas paredes dos templos para que todos
possam ver, já que os deuses egípcios somente proporcionaram vitórias aos reis e derrotas indicam
desaprovação. Não é possível procurar registros administrativos que teriam dado aos hebreus “desembaraço
alfandegário” para que pudessem sair do Egito. A total ausência de evidências egípcias diretas desses eventos
não serve como prova de que estes não ocorreram.
Não seria difícil admitir que os israelitas atravessassem o mar vermelho em um período curto de 24
horas, se levarmos em consideração que possivelmente o acampamento se estendeu por uma grande quantidade
nas margens do mar. Assim, no instante que foram atravessar o mar, se dirigiram como uma grande onda
humana.
“Mar Vermelho” é uma tradução baseada na versão grega do Antigo Testamento, a Septuaginta (LXX).
O texto hebraico de Êxodo simplesmente traz “mar de juncos” (heb. yam suph), região também conhecida em
textos egípcios do Reino Novo como pa tufy, como sugerido pelo arqueólogo austríaco Manfed Bietak. Se
reunirmos as coordenadas geográficas e os nomes dos lugares (topografia) mencionados em Êxodo 12.37 e
14.1-9 e compararmos com a documentação egípcia obtida nas inscrições de Seti I, pai de Ramsés II, no
Templo de Karnak, em Luxor, podemos localizar com segurança o “mar vermelho”. Tradicionalmente pensa-
se que este seria o Golfo de Suez, entre o Egito e a Península do Sinai. Na verdade, trata-se dos lagos el-Ballah,
que não existem mais desde que o canal de Suez foi feito no século XIX. Estudos naquela região em 1995
revelaram um porto no qual barcos ficavam estacionados. Ele tinha aproximadamente 15 km de extensão e
uma profundidade de três metros. Seria perfeitamente possível comparar tamanha quantidade de água com um
muro à esquerda e à direita dos israelitas (Êx 14.22).
Quanto à largura do mar vermelho, sua maior extensão atualmente chega a 65 quilômetros de largura.
Teria sido necessário caminhar a uma velocidade inferior a 3 quilômetros por hora para cruzar aquela extensão
de 65 quilômetros em 24 horas. O que seria absolutamente possível.
Alguns pesquisadores identificam o tipo de vento capaz de secar um mar como:
“O siroco, vento quente do deserto árabe, podia deslocar grandes quantidades de água e secar
rapidamente a terra. A formação do muro de água em ambos os lados, entretanto, foi obra da mão de Deus e
não apenas da força do vento, visto que Israel teria de marchar em meio à ventania (v. 22).” (Bíblia de Estudo
Vida, 1999, p. 105).

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Buscando uma explicação científica para a abertura do mar, temos a “hipótese da descida do vento”,
que teria se dado nos moldes naturais como segue:
“O físico Colin Humphreys acredita que o fenômeno conhecido como “descida do vento” satisfaz a
narrativa bíblica. Isso ocorre quando um vento forte e constante sopra sobre um corpo de água relativamente
longo, em comparação com a sua largura. O nível da água cai de maneira significativa na parte em que sopra
o vento, enquanto a água é empurrada para os lados. Se o vento sopra constantemente ao longo do mar,
forma-se um vazio no meio, abrindo-se a ponto de expor o leito. Esse fenômeno é observado até hoje em vários
corpos de água ao redor do mundo, quando as condições do vento e a formação de águas contribuem.” (Bíblia
de Estudo Arqueológica, NVI, 2013, p. 112).
O ato sobrenatural se dá no momento em que Moisés estende sua mão: “Então, Moisés estendeu a mão
sobre o mar, e o SENHOR, por um forte vento oriental que soprou toda aquela noite, fez retirar-se o mar, que
se tornou terra seca, e as águas foram divididas” (Êx 14.21). No livro de Salmos 77.16-20, vemos uma clara
alusão ao evento do mar vermelho, e as expressões “as águas te viram e temeram” e “os abismos se abalaram”
podem ser expressões de eventos naturais aos quais Deus utilizou-se de maneira sobrenatural para livrar seu
povo.
Ficam implícitas que as razões pelas quais os críticos questionam a veracidade das histórias bíblicas
são suas pressuposições anti-sobrenaturais, pois acreditar nestas histórias bíblicas implica em aceitar a
intervenção sobrenatural de Deus, pois não se tratava de um vento qualquer, mas de um vento soprado pelo
poder de Deus. Não se pode descartar a hipótese de que Deus utilizou-se de eventos naturais para conduzir seu
povo ao outro lado do mar vermelho. Mas mesmo admitindo esta hipótese, ela não deixa de ser “sobrenatural”
pois admite-se que foi Deus o agente da travessia. Deus se revela em fenômenos naturais, mas não é
identificado com nenhum deles. Os fenômenos são consequência de sua manifestação.
Algumas explicações naturais têm sido propostas por alguns críticos e teólogos liberais, e alegam que
pelo fato de o êxodo ser cercado por eventos miraculosos acreditam ter sido os milagres inserções posteriores
para “enfeitar” a passagem para que tivesse maior credibilidade. Esse tipo de raciocínio apenas demonstra a
repulsa por milagres. Sempre houve períodos na história onde se manifestaram milagres com mais frequência,
conforme o contexto e necessidade; e o momento que o povo de Israel passava era um momento de crise em
sua história, tendo a necessidade de uma maior intervenção divina.
Após uma análise dos possíveis lugares para a travessia do mar pelo povo hebreu R. K. Harrison,
declara: “A descrição de Êxodo 14.21 mostra um milagre e não um fenômeno natural que pode ocorrer
periodicamente em diferentes partes do mundo. Assim podemos entender que a travessia realmente se deu no
mar Vermelho.” (2010, p. 120).
Se não existiu um milagre real nas proporções descritas no texto bíblico, todas as demais referências
ao êxodo como arquétipo do poder soberano e salvífico da graça de Deus tornam-se vazias e sem significação
real. Se compartilhamos de uma visão de mundo onde Deus é real e Ele é o Criador, eventos miraculosos não
são um problema, afinal é Ele quem governa toda a Sua criação.

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5. As principais cidades de Canaã e a Arqueologia

A localização dos lugares bíblicos é um dos temas mais enfadonhos da arqueologia bíblica. Os
arqueólogos precisam levar em conta tantas minúcias que deixariam qualquer leigo desnorteado com as
referências aos locais pouco conhecidos da Terra Santa, todos com modernos nomes árabes. Identificar com
precisão a localização as principais cidades de Canaã permanece um desafio.
A terra de Canaã, que o Senhor havia prometido a Abraão (Gn 17.8), é reconhecida como unidade
geográfica nos textos de Nuzi (séc. XV a.C.), NAS Cartas de Amarna do Egito (séc. XIV a.C.) e em outras
antigas fontes do Oriente Médio. A cultura e a religião cananeias estão refletidas na literatura de Ugarite
(Biblos), na Síria, datada da Idade do Bronze Tardio (séc. XVI-XII a.C.)

5.1 A cidade de Ai

Ai foi a segunda cidade conquistada na entrada da Terra Prometida. A localização de Ai ainda está em
debate e, enquanto não for definida, a data de sua destruição continuará sendo um ponto questionável. “David
Livingston e outros estudiosos, faz opção pela cidade atual de el-Bireh como o sítio de Betel e localiza a
cidade de Ai num pequeno tel localizado nas imediações.” (MERRILL, 2002, p. 110). Por causa de um
influente artigo escrito por W.F. Albright (o “pai” da arqueologia bíblica), em 1924, quase todos os estudiosos
localizam Ai com um local conhecido por et-Tel (monte de pedras), a menos de quatro quilômetros a leste de
Betel (Beitin), mas, esta visão não mais desfruta de consenso. Essa identificação, porém, apresenta um
problema, já que et-Tell não era ocupada no tempo de Josué. No entanto, ela foi habitada na Idade do Bronze
Antigo (o início do período patriarcal), e essa localização provavelmente é, o local original de Ai (Gn 12.8).
A Bíblia declara que a cidade capturada por Josué era pequena (Js 7.3; 10.2), por isso é possível que tenha
havido uma fortaleza próxima da moderna et-Tell chamada Ai no tempo de Josué.
Harrisson, descreve os pormenores da localização de Ai nas proximidades de Betel, vejamos:
“O local onde fica Ai, situado há aproximadamente dois quilômetros e meio a oeste de Betel, foi
escavado em 1933 por Madame Marquet-Krause, quando foram descobertas as ruínas de uma cidade da
época do início da Idade do Bronze. As ruínas dos templos, palácios e dos muros da cidade indicavam que a
cidade havia sido completamente destruída por volta de 2200 a.C. e que não havia sido ocupada novamente
por mais mil e cem anos, quando uma cidade muito menor se estabeleceu ali. Dessa forma, a descrição do
ataque e da conquista de uma cidade cuja população chegava a doze mil pessoas (Js 8.25) se refere,
provavelmente, à destruição da cidade de Ai (Js 8.19,20).” (HARRISON, 2010, p. 169-170).
Em 1838, o erudito inglês Edward Robinson foi informado de uma tradição da Terra Santa que situava
Ai na moderna Khirbet el-Maqatir, informação que também chegou, em 1899, ao estudioso alemão Sellin.
Desde 1995, Bryant Wood tem conduzido escavações em Khirbet el-Maqatir, concluindo que, de fato, havia

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uma pequena fortaleza datada do século XV a.C. naquele local e que ela preenche todos os requisitos da Ai de
Josué.
“É possível que a cidade de Ai fosse um fortificado posto avançado nas cercanias de Betel. Segundo
Kaiser, Ai pode ser identificada com “um pequeno sítio a leste de Bireh, Khirbet, atualmente é proposto como
sendo o antigo local de Ai... há uma probabilidade muito forte de que Bireh seja a antiga Betel e que Khirbet
seja Ai.” (KAISER, 2007, p. 106).
“Em conclusão, o sítio de et-Tell, identificado como Ai por Albright, é a mais provável localização da
Ai do início do período patriarcal. Por volta da época de Josué, porém, a fortaleza havia migrado para oeste
– para Khirbet el-Maqatir. O que isso significa? A tomada de Ai por Josué e seu exército é um fato histórico.”
(Bíblia de Estudo Arqueológica NVI, 2013, p. 316).

5.2 A cidade de Hazor

Hazor, provavelmente, foi a maior das cidades do norte e de toda Canaã e dominava as regiões altas da
Galileia. Era tradicionalmente reconhecida por sua liderança na região (Js 11.10).
Depois que os exércitos da coalizão norte-cananéia foram derrotados Josué capturou Hazor e a queimou
(Js 11). Foram descobertas, em muitos lugares do sítio, evidências da destruição pelo fogo na época da
conquista (final do século XV a.C.). Três templos do mesmo período foram escavados. Todos os três templos
foram destruídos violentamente, em cumprimento a ordem de Deus (Êx 34.13).
Logo após sua destruição, porém, a cidade como um todo foi restaurada. O governador de Hazor foi o
único líder a quem as cartas de Amarna (a correspondência dos governantes cananeus ao faraó do Egito em
meados do século XIV a.C.) se referem como rei. Esse reconhecimento especial demonstra a importância de
Hazor, em comparação com outras cidades-Estado cananéias e comprova a veracidade da frase bíblica “a
capital de todos esses reinos” (Js 11.10). A Hazor cananéia encontrou seu fim quando Débora e Baraque
destruíram a cidade, no final do século XIII a.C.
Em 1954, uma expedição da Universidade Hebraica de Jerusalém, dirigida pelo Doutor Yadin,
começou a fazer escavações nesse local.
“Quanto a Hazor, Ygael Yadin, escavador e principal autoridade no local, sugeriu a princípio que ela
sofrera um terrível incêndio por volta de 1400 – uma calamidade por ele associada à conquista -; porém,
mais tarde, ele modificou a data para o século XIII. Sem considerar o que o levou a reavaliar sua teoria,
muitos estudiosos ainda estão convencidos de que sua data original deve ser aceita.” (MERRILL, 2002, p.
67).
John Bimson, em uma meticulosa análise dos dados arqueológicos oriundos de Hazor e das redondezas,
concluiu que o ajuste feito por Yadin não apenas foi desnecessário como também completamente injustificado.
A data inicialmente proposta por Yadin (1400) está de fato correta. Logo, o único local que pode ser utilizado
nesta discussão – Hazor – apoia inegavelmente uma data mais antiga para a conquista.

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Harrison, mantem a data da destruição de Hazor no século XIII, vejamos: “Em relação a tudo que se
conhece atualmente, essa destruição pode ser atribuída ao décimo terceiro século a.C. e também pode muito
bem estar associada à campanha galileia (Js 10.36 e versículos seguintes). (HARRISON, 2010, p. 172).
A Bíblia notifica que Josué “destruiu completamente” todas as cidades dos reis do norte de Israel, mas
destaca Hazor como a única cidade que ele queimou (Js 11.11-13).
Amnon Ben-Tor está interpretando a história de Israel essencialmente sobre a base da evidência
arqueológica, ele afirma a exatidão da descrição em Josué a respeito da destruição de Hazor:
“Existe evidência de uma enorme destruição. Eu chamei-a uma vez de mãe de toda destruição. Em
Hazor, onde quer que você vá até o fim da camada cananita, você encontra destruição. É uma destruição
inacreditável... deixou para trás grandes depósitos de cinzas. Houve um terrível incêndio no palácio
[cananita]. Tanto assim, que os tijolos vitrificaram e algumas das vasilhas de barro derreteram [e] algumas
pedras explodiram por causa do fogo... Se você voltar ao livro de Josué, pode lembrar-se que a história da
destruição de Hazor diz que depois de matar todas as pessoas, os israelitas atearam fogo em Hazor e foi só
Hazor que foi destruída por fogo... E no caso desta cidade, eles estavam interessados em dizer quão intensa
foi a destruição de Hazor... porque Hazor foi uma vez a cabeça de todos os reinos; a mais importante das
cidades-estado de Canaa (Js 11.10).” (apud PRICE, 2006, p. 120).

5.3 A cidade de Jericó

Porque Jericó é o mais famoso dos sítios da conquista, ela tem sido o assunto mais freqüente na
investigação arqueológica. A cidade de Jericó tem sofrido tanto a degeneração causada pelo tempo e as
escavações feitas sem a direção científica apropriada, que os especialistas estão completamente divididos em
relação à cronologia, um fato que levam muitos a desconsiderarem o local como importante para a pesquisa
em geral.
A Jericó do Antigo Testamento sofreu quatro escavações: por Charles Warren (1867-1868); Ernst
Sellin e Carl Watzinger (1907-1909); John Garstang (1930-1936; Kathleen Kenyon (1952-1958).
Infelizmente, as primeiras três usaram métodos que os arqueólogos modernos consideram primitivos e falíveis,
e o sítio sofreu erosão.
“A conquista israelita de Canaã pode ter começado com a destruição de Jericó cerca de 1405 (depois
dos quarenta anos no deserto). Esta data tem sido confirmada pelas escavações de John Garstang no sítio de
Jericó, Tell es-Sultan, entre 1930 e 1936. Por razões arqueológicas, datou a cidade do nível da Idade de
Bronze (“Cidade D”) em cerca de 1400. (ARCHER, 2003, p. 139-140). Sendo assim, Garstand sustentou a
data de aproximadamente 1400 a.C., para a conquista, e uma mais antiga correspondente para o êxodo.
“Contudo, mais recentemente Kathleen Kenyon, respeitada arqueóloga britânica concluiu, que Garstand
havia interpretado as evidências erroneamente, e que os escaravelhos de Amenotepe pertenciam a um
depósito posterior. Seu nível D, então, tinha de ser remarcado próximo a 1300.” (MERRILL, 2002, p. 109).

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Kenyon morreu em 1978, mas seu relatório final sobre Jericó só foi publicado em 1982 e 1983. Diante disso,
o melhor que se pode dizer, é que a evidência de Jericó é inconclusiva e que, neste ponto, é improdutiva para
estabelecer um esboço histórico ou cronológico.
A mais recente escavação do tel foi realizada pela arqueóloga Kathleen Kenyon na década de 1950.
Ela concluiu que o sítio antigo tinha sido destruído e abandonado 150 anos antes do tempo que a Bíblia diz
que ocorreu a conquista. A evidência dela tem sido desafiada por Bryant Wood.
Kenyon baseou sua datação no que ela não encontrou — ou seja, cerâmica cipriota importada. Wood,
por outro lado, analisou a cerâmica cananita local escavada por várias expedições a Jericó. Sua análise indica
que Jericó foi destruída por volta de 1400 a. C. (o fim do período da Idade do Bronze Antigo I), ao invés de
1550 a.C. como declarado por Kenyon. E mais, Wood tem demonstrado que uma vez que a destruição esteja
corretamente datada, a evidência arqueológica se harmoniza perfeitamente com o registro bíblico.
Bryant Wood, da Universidade de Toronto, “fez referência a uma amostra de carvão datada pelo
método de carbono-14 que forneceu a idade de 1410 a.C., com aproximação de mais ou menos 40 anos,” para
a destruição de Jericó. (KAISER, 2007, p. 102). A análise de Wood acrescenta novo apoio arqueológico de
que a Cidade IV em Jericó devia ser datada em 1400 a.C. com Garstang e a cronologia bíblica.
“J. Gaistang, Joshua Judges (1931), p. 146. “Garstang desenterrou partes dos salões do palácio, e
também inúmeras casas datadas do fim do período Médio do Bronze, sendo que todos mostravam evidências
indiscutíveis de terem sido destruídos pelo fogo… O entulho examinado por Garstand continha fragmentos
de tijolo enegrecido, cinzas, cerâmica esfumaçada, madeira chamuscada e outras provas de destruição pelo
fogo, um evento que segundo ele datava do século XIV a.C.” (HARRISON, 2010, p. 167-168).
Em círculos acadêmicos modernos, a questão de uma conquista histórica (“As muralhas de Jericó
realmente caíram?”) não é mais uma questão de modo algum. Israel Finkelstein, que serve como diretor do
Instituto de Arqueologia da Universidade de Tel Aviv e que tem escavado alguns dos sítios da conquista, diz:
“Esta não é uma possibilidade, assunto encerrado!” Finkelstein chega a esta conclusão através de uma análise
dos padrões de assentamento nas regiões montanhosas de Israel. Estes, diz ele, indicam que o “Israel
verdadeiro”, não o Israel das histórias bíblicas, emergiu no cenário histórico no oitavo ou nono século a.C.
(300-400 anos depois que a Bíblia estabelece estes eventos). Tais conclusões modernas nos alertam para o fato
de que muitos problemas ainda perma¬necem para aqueles cuja missão é confirmar a conquista.
O debate sobre a interpretação dos achados está entre aqueles que aceitam o relato bíblico e aqueles
que confiam num modelo estritamente arqueológico.
Questões de data à parte, muitos dados arqueológicos encontram correspondência com o relato bíblico.
A proeminência de Jericó (Js 5 e 6) e sua riqueza (7.21) indicam que era uma grande cidade. As escavações
tem mostrado que Jericó possuía sólidas defesas. Seu tel (um morro composto de restos de sucessivos
assentamentos) estava rodeado por um aterro estabilizado por um muro de pedra de 4,6 metros. Sobre o muro
de retenção havia outro muro, feito de tijolos de barro, medindo cerca de 1,8 metros de espessura e três ou
quatro vezes mais alto.

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Os muros de tijolos de barro de Jericó empilharam-se na base do muro de retenção (6.20). Os
arqueólogos sugerem que aconteceu um terremoto e que os tijolos empilhados formaram uma rampa pela qual
os israelitas puderam subir para ultrapassar o que restou dos muros. Uma camada de cinza de 9 metros de
altura atesta um ataque massivo (6.24).
Josué 3.15 declara que Israel passou pelo Jordão na época da colheita. Entre as evidências que apoiam
este fato estão a secagem do linho no terraço da casa de Raabe (2.6) e a celebração da Páscoa por Israel (uma
festa da primavera, anterior à colheita) imediatamente antes da batalha (5.10)
Jarros cheios de grãos recentemente colhidos confirmam a brevidade do cerco (6.15). É extraordinário
que os grãos de Jericó tenham sido deixados na cidade para secar, sugerindo que os invasores tinham uma
razão incomum para deixar a cidade intacta (6.17-19).
Desta forma, os detalhes em torno da destruição de Jericó encontram paralelos muito próximos com o
que lemos na Bíblia.

5.4 A Cidade de Siquém

No coração da Samaria, há um vale extenso e plano, acima do qual se erguem os altos cumes do
Gerizim e do Ebal. Siquém está situada na região montanhosa de Efraim.
Sabe-se que a mais antiga ocupação de Siquém ocorreu durante o Período Calcolítico (cerca de 4000-
3500 a.C.). Alguns níveis de não ocupação, datando do III milênio a.C. são visíveis no sítio, embora uma
cidade considerável tenha sido erguida ali durante a Idade do Bronze Médio (cerca de 1900-1550 a.C.). Essa
cidade sofreu uma aniquilação desastrosa no final desse período, e grande parte do entulho provocado por essa
destruição foi encontrado. Siquém foi reconstruída durante a Idade do Bronze Tardio (cerca de 1550-1200
a.C.)
Foi obra do arqueólogo alemão Professor Ernst Sellin. Em escavações que duraram dois anos, 1913 e
1914, vieram à luz do dia camadas da mais alta antiguidade.
Sellin encontrou restos de muros do séc. XIX a.C. Pouco a pouco foi tomando forma um gigantesco
muro circundante com sólidos alicerces, tudo toscamente talhado em blocos de rocha. Alguns desses blocos
mediam até dois metros de espessura. Os arqueólogos designam esse tipo de construção com o nome de “muros
ciclópicos”. O muro era reforçado por um talude (rampa). Os construtores de Siquém não só tinham guarnecido
a muralha de dois metros de largura com pequenas torres, mas haviam-lhe sobreposta ainda uma muralha de
terra.
Foram também surgindo dos escombros as ruínas de um palácio. O acanhado pátio quadrangular,
rodeado por uns poucos compartimentos de grossas paredes, mal poderia merecer o nome de palácio. Como
Siquém, eram todas as cidades de Canaã cujos nomes temos ouvido tantas vezes e diante das quais os israelitas
sentiram tanto medo no princípio. Salvo poucas exceções, conhecemos todas as construções notáveis daquele
tempo. A maioria só foi revelada pelas escavações nas últimas décadas. Durante milênios, ficaram enterradas

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e agora se apresentam completas aos nossos olhos, e entre elas as muitas cidades cujos muros os patriarcas
devem ter visto: Betel e Mispá, Gerar e Laquis, Gezer e Gate, Asquelom e Jericó. Se alguém quisesse escrever
a história da construção de cidades e fortalezas de Canaã, não teria grande dificuldade em fazê-lo, dada a
abundância de material existente até o terceiro milênio antes de Cristo.
A arqueologia mostra que Siquém, Betel, Gerar, Dotã, Jerusalém (Salém) e Berseba existiam nos dias
de Abraão, bem como as pentápolis do Jordão: Sodoma, Gomorra, Admá, Zeboim e Zoar. A Palestina ainda
era pouco habitada, com cidades cananeias localizadas na planície costeira e Esdrelom, e no vale do Jordão e
no mar Morto.
“Em 1900 Siquém desenvolveu-se num centro urbano, quase duzentos anos após a chegada de Abrão
em Canaã (aprox. 2100). Na narrativa não existe sequer uma pista que nos indique que ali existiu uma cidade
nos dias de Abraão. Pelo contrário, parece que ele construiu um altar no local desocupado, o qual mais tarde
se tornou a cidade de Siquém.” (MERRILL, 2002, p. 20).
É duvidoso que esta cidade tenha ganho este nome ainda nos dias de Jacó. Sem dúvida, o seu nome foi
dado em homenagem ao filho de Hamor (Gn 33.19), o maioral do clã que vivia naquela região, mas esse nome,
com certeza, não poderia ter sido dado enquanto Siquém vivia. Siquém foi eclipsada por Siló na época dos
juízes, e por Betel depois do cisma. Na época dos juízes, Siquém foi tomada por elementos anti-Javistas, que
se apegaram aos seus velhos deuses estabelecendo um centro de culto a Baal.
“A cronologia e a história da cidade de Siquém da Idade do Bronze Tardio estão longe de ser um
assunto resolvido. A ideia de que os la-bayus dominavam a região montanhosa de Siquém é especulativa.
Também há incerteza acerca de quando a primeira cidade, na Idade do Bronze Tardio, foi realmente
construída. Isso pode ter acontecido após a conquista. Pode-se concluir pelo silêncio de Josué 8 e 24 que não
havia nenhuma cidade cananeia importante naquela época. Josué 24 menciona um lugar com esse nome, mas
não faz alusão a um encontro com os cananeus que habitavam a cidade. É difícil harmonizar as evidências
bíblicos e arqueológicas de Siquém com uma história coerente, e esse dilema é agravado por outras questões
que cercam a data da conquista. Como sempre, os pesquisadores têm sido sensatos ao evitar conclusões
precipitadas.” (Bíblia de Estudo Arqueológica NVI, 2013, p. 340).

5.5 O que estas descobertas podem provar?

As evidências arqueológicas sobre a conquista de Canaã e as cidades de Canaã ainda são muito
limitadas e controversas. O que elas demonstram é que dos 17 sítios listados no relato da conquista no livro
de Josué, 12 tiveram algum tipo de colonização na Idade do Bronze Recente. Destes, somente dois tiveram
evidência de uma destruição durante o Bronze Recente I e cinco durante o Bronze Recente II - Ferro I. Mesmo
que a identidade de muitos destes sítios ainda seja disputada, aceitando-os para fins de estatística, eles revelam
que a arqueologia não provê muita informação sobre estas cidades da conquista. Mesmo o livro de Josué provê
muito pouca informação. Além das declarações que nos dizem que estas cidades foram “tomadas”, o texto dá

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detalhes apenas sobre as três que foram queimadas (Jericó, Ai, Hazor). Infelizmente, alguns eruditos supõem
que esta falta de evidência de alguma forma desacreditou o relato bíblico. O arqueólogo David Merling
explica:
Enquanto a arqueologia não encontrou nada que subtraia qualquer aspecto de qualquer história
encontrada no livro de Josué, é a não-evidência que tem produzido uma fachada de desacordo entre a
arqueologia e a Bíblia. Por não encontrar algo, os arqueólogos consideram que provaram alguma coisa. A não-
evidência não é o mesmo que evidência. (David Merling, The Book of Joshua: Its Theme and Use in
Discussions of the Israelite Conquest and Settlement and the Relationship of Archaeology and the Bible 1996,
p. 270).
Outra razão para esta dificuldade de evidências arqueológicas tem estado implícita em nossa discussão
sobre a natureza da conquista em si mesma. Os fatos, como a Bíblia os apresenta, indicam que não há
relativamente nenhuma evidência da conquista a encontrar. Maciça destruição física de toda Canaã não foi
nem o alvo nem o resultado da conquista. A “proscrição” (sentença de destruição) sob a qual Canaã foi
colocada por Deus aplicava-se às populações cananitas dentro de suas cidades, não às cidades em si mesmas
(Js 6.17,21), exceto por Jericó, Ai e Hazor. Na avaliação de David Merling, a conquista, conforme descrita na
Bíblia, não devia deixar evidência suficiente de si mesma. À luz deste entendimento, se nós realmente
encontrássemos evidência de uma maciça destruição ao longo da rota da conquista na época em que a Bíblia
a coloca (1400 a.C.), isso causaria na verdade maior problema para a Bíblia.
Deveríamos, então, procurar tal evidência de algum modo? Eugene Merrill, professor de Antigo
Testamento no Dallas Theological Seminary, é de opinião de que tais esforços são inúteis:
A verificabilidade arqueológica da conquista revela-se um exercício em irrelevância. Tudo que alguém
poderia esperar é alguma indicação de que ocupantes da terra dizimados foram substituídos por colonizadores
étnica e culturalmente diferentes, uma busca que é notoriamente infrutífera. (Eugene Merrill, The Late
Bronze/Early Iron Age Transition and the Emergence of Israel, Bibliotheca Sacra, volume 152, n.° 806
(Abril/Junho de 1995), p. 153).
Uma razão para que tal busca fosse uma vez julgada infrutífera é que enquanto tentam achar evidência
da substituição ocupacional, os israelitas em seu período de colonização poderiam ter simplesmente adotado
a cultura material dos cananitas (Dt 6.10,11). Não tendo ainda desenvolvido sua cultura material distintiva, os
israelitas pareciam com os cananitas no registro arqueológico.
Evidência da conquista pode ser encontrada? Apesar de a evidência ser inadequada e certamente
controversa, a resposta a isso é afirmativa. Todavia, temos que olhar nos lugares certos. Não devemos procurar
por uma camada de conquista exceto nas três cidades queimadas, e mesmo lá, com destruições subsequentes
por outros invasores, nossas expectativas têm que ser moderadas. Mesmo quando toda a evidência
arqueológica é posta de lado ainda temos o testemunho do mais significativo documento histórico e
arqueológico já descoberto pelo homem — a Bíblia.
Bruce K. Waltke nos diz:

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“De todos os modos estudados pelos quais a tradição textual com respeito à conquista e ao
povoamento pode ser testada pela arqueologia, as duas linhas de evidência coincidem. Além disso, toda
evidência arte factual creditada aos palestinos sustenta o relato literal de que a conquista ocorreu no tempo
especificamente datado pelos historiadores bíblicos. Portanto, a partir destas informações ninguém tem razão
para questionar a confiabilidade da Bíblia”. (Brace K. Waltke, Palestinian Artifactual Evidence Supporting
the Early Date for the Exodus, Bibliotheca Sacra, volume 129,1972), p. 47).

6. A monarquia e a Arqueologia

6.1 Saul, Davi e Salomão

Com tanta ênfase em Saul, Davi e Salomão nas Escrituras, para muitos causa surpresa saber que até há
pouco tempo todos os livros que lidam com a história Bíblica tinham de admitir que nenhum rastro de Davi
jamais aparecera nos registros arqueológicos.
Esta falta de evidência leva muitos estudiosos críticos a duvidarem que um Davi histórico alguma vez
tenha existido. Revisionistas históricos (ou minimalistas) argumentaram que o “mito Davi” tinha sido invenção
literária tirada de várias tradições heroicas para explicar a formação da monarquia de Israel. Em certo
desenvolvimento deste mito, de acordo com os críticos, uma escola sacerdotal circunjacente ao Templo tinha
procurado base teológica para o próprio conceito de governo divino. Tratava-se do conceito de um rei ideal
(Davi) comparado com um rei imperfeito (Saul). De acordo com os críticos, Saul, é claro, não existiu, mas
serviu junto com Davi como modelos teológicos contrastantes da escolha do homem (Saul) versus a escolha
de Deus (Davi).
Uma importante razão para a falta de evidência pode ser que muito pouco tenha sido escavado nas
áreas relacionadas aos reinados desses monarcas. Israel é um tel gigantesco, e em lugares como Hebrom e
Jerusalém, onde se esperaria que fosse encontrada a maioria das evidências deste período, antagônicas
reivindicações religiosas e desassossego político tornam virtualmente impossível para os arqueólogos o acesso
a alguns dos sítios mais promissores.
Em termos de arquitetura, construções mais recentes encobriram estruturas mais antigas e pouco
deixaram do original para ser achado. Por exemplo, no nível mais baixo das escavações no muro meridional
do monte do Templo, os arqueólogos só descobriram uma pequena seção de uma construção cuja data remonta
aos tempos de Salomão. Em geral, milhares de anos de ocupações mais recentes encobrem quase todos os
sítios.
Entretanto, os críticos foram forçados a reconsiderar suas opiniões com base em novas evidências
descobertas em 1993. O desafio para estes revisionistas surgiu através da inscrição num monumento (estela)
de quase 3.000 anos, escrito em basalto preto por um dos inimigos estrangeiros de Israel. Descoberto no sítio
de Tel Dã, norte de Israel, esta inscrição surpreendente traz as palavras “Casa de Davi”. O arqueólogo que fez

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esta descoberta é o professor Avraham Biran, diretor da Faculdade de Arqueologia Bíblica Nélson Glueck, da
Hebrew Union College. A esteia da Casa de Davi coroou 27 anos de descobertas arqueológicas em Tel Dã, o
sítio no norte de Israel onde a esteia foi encontrada.
Segundo as próprias palavras de Avraham Biran:
“Num muro construído em algum lugar mais ou menos entre o fim do século IX e o começo do século
VIII a.C., achamos um fragmento inscrito em aramaico. Suas linhas falam de guerras entre os israelitas e os
arameus, as quais pela Bíblia sabemos que [durante esse período] eram constantes entre Israel e Damasco.
Neste fragmento, um rei de Damasco, Ben-Hadade, é manifestamente vitorioso. Ele matou alguém e levou
prisioneiros e cavaleiros. [...] Mas o que foi realmente tremendo foi descobrir que ele derrotou um “rei de
Israel da Casa de Davi!” Então aqui temos a menção da “Casa de Davi” numa inscrição araméia datada
[...] aproximadamente 150 anos depois dos dias do rei Davi. O ano seguinte, em outro cenário da escavação,
encontramos mais duas peças e estas ligam-se à primeira e nos dão os nomes destes reis. O rei de Israel, a
quem se faz referência, é “Jorão”, [...] que é filho de Acabe. O rei da Casa de Davi [Judá] é “Acaziau”
[Acazias], que também é mencionado na Bíblia. [...] A coisa excitante aqui é que temos uma esteia histórica
que se refere a eventos históricos dos quais a Bíblia fala extensamente (2 Rs 8.7-15; 9.6-10).” (apud PRICE,
2006, p 135).
Com mais precisão, o professor Biran datou a inscrição no tempo do usurpador Hazael, arameu, que,
segundo opinião do professor, foi o autor da inscrição. Informado pelo profeta Eliseu de que seria rei, Hazael
assassinou o rei da Síria, e reinou entre 842 e 800 a.C. Depois de ter ascendido ao trono, imediatamente entrou
em guerra contra Israel, Judá e a Filístia. O registro bíblico indica que ele dizimou o exército israelita e o
transformou, junto com a Filístia, em estados vassalos (2 Rs 10.32,33; 12.17). O professor Biran julga que a
esteia da Casa de Davi foi erguida como monumento comemorativo a estas ações, e é provável que tenha sido
escrita na parte final do reinado de Hazael. A linha que contém a referência à Casa de Davi (linha 9) está no
contexto de matar os reis israelitas e judaicos. Nestas linhas (7b-9), depois de reconstrução, lê-se: “Eu matei
Jorão, filho de Acabe, rei de Israel, e matei Acaziau, filho de Jeorão, rei da Casa de Davi”.
O termo Casa de Davi é um título dinástico que implica que, se havia uma “Casa de Davi”, deveria ter
havido um Davi. Como era de se esperar, os minimalistas bíblicos opõem-se a este raciocínio, afirmando que
a descoberta do epíteto Beth-David (“Casa de Davi”) significa nada mais que um nome que foi tirado das
tradições da história israelita e usado com frequência como título divino para lugares, como Beth-el (“casa de
Deus”).
Porém, vários epigrafistas defendem a referência a um Davi histórico, inclusive Anson Rainey, de
Israel, e Alan Millard, da Inglaterra, ambos peritos em inscrições aramaicas antigas. Além disso, o arqueólogo
e professor da Wheaton College, James Hoffmeier, mostrou que ler ‘bytdvd como nome de lugar não tem
nenhuma atestação na Bíblia ou em qualquer literatura cognata do antigo Oriente Próximo. Por outro lado, a
leitura “Casa de Davi” como título dependente do fundador histórico da linhagem.

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Recentemente, o estudioso francês André LeMaire forneceu novo apoio a uma identificação da
inscrição de Tel Dã com o histórico rei Davi. Ele identificou a leitura do nome Davi numa linha antigamente
ilegível, “Casa de D...”, na estela do rei Mesa (ou Pedra Moabita). Se depois do escrutínio de outros estudiosos,
tal caso for comprovado, servirá como segundo exemplo da frase “Casa de Davi”.11 Entretanto, mesmo que
o nome de “Davi” não esteja nesta inscrição comemorativa dos moabitas, pertencente ao século IX a.C.,
também contém, como na estela de Tel Dã, outros nomes bíblicos — por exemplo: Onri (1 Rs 16.28).
Sob esta consideração, a estela aramaica “Casa de Davi” implica que durante esse período os reinos de
Israel e Judá eram, como a Bíblia descreve, tremenda ameaça tanto política quanto militar para as nações
circunvizinhas. Os revisionistas, porém, consideram que Israel e Judá eram cidades-estado insignificantes.
Mas um poder estrangeiro dominante como a Síria teria erigido um monumento comemorativo da derrota de
inimigos sem importância?
Luxúria, preguiça, infidelidade, assassinato, orgulho, medo, fracasso matrimonial — tudo faz parte da
história deste rei. Tais elementos desprovidos de idealismo normalmente não são pintados nos retratos de mitos
e lendas, e com certeza não naqueles intencionalmente projetados para ser ideais nacionais e progenitores
messiânicos. Portanto, o achado de um reconhecimento histórico da “Casa de Davi” — relatado por um
inimigo de Israel sem respeito à tradição israelita —, dá apoio material a uma narrativa literária que
historicamente já se mostra acreditável.

6.2 A cidade de Ecrom

Ecrom era a mais antiga das cidades filistéias, construída no tempo dos juizes e totalmente destruída—
muito provavelmente durante as guerras de Davi — ao redor de 1000 a.C. Isto fez de Ecrom um importante
sítio arqueológico para aumentar nosso conhecimento dos filisteus. Entre 1983 e 1997, a arqueóloga israelita,
Trude Dothan, e o arqueólogo americano, Seymour Gittin, trabalharam para pôr a descoberto a história
enterrada de Tel Miqne, a qual eles estavam certos de que se tratava da Ecrom dos tempos bíblicos.
O que os pesquisadores acharam foi uma inscrição de pedra que finalmente confirmou que eles estavam
cavando na cidade bíblica de Ecrom. Extraordinariamente, a pedra não apenas identificou o nome da cidade,
mas também os nomes de dois dos seus reis. Nunca antes em Israel havia sido achado uma inscrição dessa
qualidade num contexto historicamente identificável.
O teor da inscrição, que está completa, é composto de 5 linhas com 71 letras. Esta pedra marcou a
dedicação de um santuário num enorme complexo do templo. O rei na época, provavelmente por volta de 690
a.C., era Aquis, filho de Padi, como nos informa a inscrição. Ele era o rei de Ecrom e construiu este santuário
para a sua deusa.

6.3 As cartas de Laquis

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Um registro arqueológico que presta tremendo testemunho ao próprio cerco e conquista da cidade de
Jerusalém são alguns óstracos conhecidos como as Cartas de Laquis (586 a.C.). Estes óstracos, recuperados
de um quarto perto da porta da cidade de Laquis (Tel ed-Duveir), uma cidade de Judá distante somente 40
quilômetros de Jerusalém, proporcionam algo do drama vivenciado naquelas horas finais.
Um óstraco descreve o clamor por socorro feito de última hora pelo comandante do exército de Laquis,
quando viram-se acabar as esperanças no vizinho posto avançado de Azeca em virtude do temível exército
babilônico. Embora escrito na linguagem habitual da formalidade culta, ainda podemos sentir o seu desespero
quando escreve: “Que Jeová faça meu senhor ouvir novas de paz, agora mesmo, agora mesmo!” Contudo,
novas de paz não vieram, e os babilônios marcharam direito de Laquis para Jerusalém, colocando fogo na
cidade quando a capturaram (2 Rs 25.8-10; Jr 39.8).

6.4 Selo de barro com impressão digital

O nome técnico de tais selos é “bulas”. Recentemente foi revelado que existe outra bula com o nome
de Baruque numa coleção particular em Londres. Este selo, porém, tem uma diferença incrível. Preservado no
barro endurecido está a impressão de um dedo. Considerando que esta bula pertencia a Baruque, ele é a pessoa
que a teria tocado por último quando selou o rolo de papiro. Por isso é provável que esta seja a impressão
digital real do próprio Baruque! Quem sabe o que estaria escrito no rolo selado por esta bula? Poderia ter sido
uma cópia do auto de compra selado mencionado em Jeremias 32.14, ou talvez até uma cópia das profecias de
Jere-mias? O que quer que fosse, com esta impressão digital hoje temos uma imagem da própria mão que
ajudou a escrever um livro da Bíblia!

7. Os Manuscritos do Mar Morto

7.1 O que são os manuscritos?

O termo “Manuscritos do Mar Morto” é usado atualmente em dois sentidos, um genérico e outro
específico. No sentido genérico, “Manuscritos do Mar Morto” refere-se a textos, encontrados não no Mar
Morto, mas descobertos em grutas ao longo da margem noroeste desse mar entre os anos de 1947 e 1956.
Esses “manuscritos” às vezes são completos, mas a grande maioria deles é fragmentos de textos ou de
documentos de diversos tipos que datam mais ou menos do final do séc. III a.C. aos séculos VII-VIII d.C.
Nem todos são relacionados entre si, mas foram encontrados em grutas ou cavidades em sete diferentes locais
na margem noroeste do Mar Morto. Nesse sentido genérico, o termo inclui até mesmo alguns textos
descobertos no final do século passado num genizah (esconderijo usado para abrigar pergaminhos e livros
judaicos velhos ou gastos) da Sinagoga de Esdras na parte antiga do Cairo. Os sítios ao longo do Mar Morto

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compreendem Qumran, Masada, Wadi Murabba’at, Nahal Hever, Nahal Se’elim, Nahal Mishmar e Khirbet
Mird. Algumas pessoas às vezes incluem nesse sentido genérico também os textos encontrados em Wadi ed-
Daliyeh, um sítio na Transjordânia a nordeste do Mar Morto. É questionável, porém, se devam ser incluídos
sob a designação “Manuscritos do Mar Morto”, mesmo no sentido mais amplo, porque não tem nenhuma
relação com aqueles e provêm de uma área diferente e de um período histórico muito mais recente.
No sentido específico, usa-se “Manuscritos do Mar Morto” para designar os rolos e fragmentos
encontrados em 11 grutas na área de Qumran. Usa-se MMM, portanto, para se falar dos manuscritos de
Qumran por causa do grande número de textos provenientes dessas grutas e da natureza e importância dos
documentos que ali se acharam. Embora 273 cavidades e grutas nas escarpas ao longo do Mar Morto – de
Hajar el-Asbah (em hebraico “Eben habbohen” ou “a Pedra de Boã”, Js 15.6) a Ras Feshkha, uma faixa de
cerca de 8km – tenham sido exploradas por arqueólogos, só foram encontrados artefatos que revelam habitação
das grutas em 39 delas; destas, 25 tinham artefatos e cerâmicas semelhantes aos encontrados na gruta 1 e no
centro comunitário; mas só 11 grutas nas proximidades de Qumran continham material escrito, e hoje estas
são as grutas numeradas de 1 a 11. Dessas 11 grutas provêm os MMM, que são considerados “a maior
descoberta de manuscritos dos tempos modernos” (W. F. Albright).

7.2 Qumran e sua relação com eles

Qumran é o nome árabe moderno usado para o Khirbet Qumran e o Wadi Qumran. O árabe khirbet
significa “ruína de pedras” e wadi, também árabe, “leito de rio seco”; o último é equivalente do hebraico nahal.
Perto do Wadi Qumran e mais para o Norte, no topo de um platô calcário na base de penhascos que se situam
a pouco mais de 1km da margem do Mar Morto, fica o Khirbet Qumran. O platô é limitado ao sul pelo Wadi
e a Oeste e Norte por desfiladeiros. O Khirbet Qumran era um sítio conhecido dos exploradores e considerado,
desde o final do séc. XIX, como as ruínas de uma fortaleza romana. Nunca havia sido escavado.
Quando a Gruta 1 foi descoberta em 1947 numa fenda acima dos penhascos, pouco mais de 1km ao
Norte do Khirbet Qumran, acabou-se suspeitando que o Khirbet Qumran, que fica ao sul, devia ter relações
com ela. Assim, ele foi escavado sob o comando de Roland de Vaux, OP, diretor da École Biblique et
Archéologique Française, de Jerusalém, entre 1951 e 1956. As escavações do Khirbet Qumran revelaram três
coisas importantes: a) vestígios de um aqueduto, que trazia água do Wadi Qumran para o centro comunitário;
b) um centro comunitário na parte ocidental do platô, um complexo com uma torre e vários cômodos usados
para fins comunitários e como oficinas; e c) um cemitério, que ocupava a metade oriental do platô e era
separado do centro comunitário por uma longa muralha. Relacionadas com o Khirbet Qumran estavam as 25
grutas, que parecem ter sido onde os membros da comunidade viviam. Também relacionadas a ele havia duas
áreas agrícolas, uma a cerca de 1,25km ao sul do Khirbet Qumran, perto de ‘Ain Feshkha (uma fonte de água
salobra), e outra acima dos penhascos em Buqei’a. Das grutas numeradas, nas quais se encontrou material

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escrito, as de números 4 a 10 se situavam perto ou ao longo da orla sul do platô, ao passo que as de números
1 a 3 e 11 eram mais distantes, mais de 1km ao Norte do centro comunitário.

7.3 Como chegaram até as grutas

Não se sabe com certeza como os manuscritos chegaram às grutas de Qumran. Na Gruta 1 os
manuscritos estavam enrolados em tecido e guardados em jarros. Não havia provas de que a gruta fosse
habitada. Daí se conclui que servia como local de armazenamento; o mesmo parecer vale para a Gruta 3. Nas
Grutas 2 e 5 a 11, no entanto, foram encontrados artefatos, indício de habitação. Por isso os manuscritos
descobertos nessas grutas podem ter sido os remanescentes da biblioteca particular das pessoas que viveram
ali. Quanto à Gruta 4, na extremidade sul do platô, da qual não veio nenhum manuscrito completo, “pelo
menos 15.000 fragmentos” foram coletados dos escombros que se acumularam ali em mais de um metro de
altura durante os séculos. Nesse caso, os manuscritos não tinham sido envolvidos em tecido nem guardados
em jarros, e tinha-se a impressão de um lugar onde os membros da seita simplesmente descarregaram os
manuscritos de sua biblioteca comunitária na época (68 d.C.), em que o centro estava preste a ser destruído
pelos romanos a caminho do assédio a Jerusalém. Parece que foram jogados ali às pressas, talvez na esperança
de que mais cedo ou mais tarde fossem encontrados intactos por membros que algum dia retornassem. Ali
ficaram até 1952.

7.3.1 A descoberta

Diz-se que os manuscritos da hoje chamada Gruta 1 foram descobertos por um menino, pastor beduíno,
que conduzia seu rebanho de ovelhas e cabras para dar-lhes de beber na fonte ‘Ain Feshkha. Os pormenores
da descoberta ficam no campo dos boatos, mas parece que quando um dos animais se perdeu, o menino saiu à
sua procura e, vendo uma abertura no penhasco a pouco mais de 1km ao Norte do Khirbet Qumran, lançou
uma pedra contra ela. Ouvindo-a produzir um som estranho, decidiu investigar. No dia seguinte, voltou com
um companheiro, escalou a parede e entrou na gruta, onde descobriu grandes jarros de terracota com tampa,
nos quais estavam armazenados rolos de manuscritos envoltos em tecido. Posteriormente, se revelou que 7
grandes manuscritos foram encontrados nessa gruta. Em seguida, arqueólogos visitaram a gruta e encontraram
cerca de 70 textos fragmentados, alguns dos quais relacionados com os 7 manuscritos maiores; asseguraram
dessa forma que os 7 rolos vieram de fato daquela gruta.
Os beduínos Ta’amireh estavam agora alertas para a possibilidade de descobrir outros documentos em
grutas. Membros dessa tribo beduína descobriram a Gruta 2 em 1952. Arqueólogos do Museu Arqueológico
da Palestina, da Escola Bíblica e da Escola Americana de Pesquisa Oriental, que exploraram os penhascos,
descobriram a Gruta 3. Os beduínos, novamente, descobriram a Gruta 4, tendo sido levados a ela em virtude
da história contada por um ancião beduíno, que vira uma perdiz ferida voar para dentro de uma fenda na

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extremidade Sul do platô calcário em que se situava o Khirbet Qumran. Abriram a fenda, descobriram a gruta
e começaram a limpá-la até serem detidos pelo Departamento de Antigüidades da Jordânia. Foi finalmente
escavada por uma equipe conjunta do Departamento, da Escola Bíblica e do Museu Arqueológico da Palestina.
Esses arqueólogos também descobriram a Gruta 5, próxima dali, e em particular J. T. Milik recuperou os
fragmentos, que publicou em seguida. A pequena Gruta 6 foi encontrada por beduínos, tal como a Gruta 11.
No caso desta, os beduínos viram um morcego voar para dentro de uma fenda nos penhascos mais para o Sul
da Gruta 3, que eles então abriram, procedendo à sua completa limpeza, apoderando-se de vários textos
valiosos da gruta repleta de guano. Os arqueólogos, todavia, conseguiram mais tarde recuperar alguns
fragmentos da Gruta 11, que de novo serviram para certificar que os textos posteriormente comprados dos
beduínos provinham de fato daquela gruta. As Grutas 7 a 10 foram descobertas pelos arqueólogos durante a
escavação do Khirbet Qumran.
A esse respeito é importante observar que fragmentos de fato foram encontrados pelos arqueólogos, já
que isso às vezes tem sido negado ou ao menos posto em dúvida. Assim, E. R. Lacheman escreveu em 1954:
“Permanece ainda o fato de que nem um único documento foi encontrado por um arqueólogo”. Isso foi dito
numa época em que as declarações dos descobridores beduínos não haviam merecido confiança. A respeito
dos textos da Gruta 1, S. Zeitlin escreveu certa vez: “Foram de fato descobertos por beduínos, ou foram
depositados na gruta para ser descoberto mais tarde, e assim a descoberta toda é um embuste?”

7.3.2 Data das descobertas

Os sete grandes manuscritos da Gruta 1 foram descobertos no início de 1947, antes da guerra árabe-
israelense de 1948/9. Só depois da guerra, em 1949, a gruta foi identificada pelo capitão Philippe Lippens –
membro belga da ONU para supervisão do armistício – e por um oficial britânico da Legião Árabe Jordaniana,
sendo visitada e escavada em seguida por arqueólogos do Departamento de Antiguidades da Jordânia, da
Escola Bíblica e do Museu Arqueológico da Palestina. Durante essa escavação, 72 fragmentos foram
recuperados. A Gruta 2 foi descoberta por beduínos em fevereiro de 1952. Durante a exploração dos penhascos
pela equipe dos arqueólogos, em março de 1952, a Gruta 3 foi descoberta. As Grutas 4 e 6 foram descobertas
pelos beduínos em setembro de 1952. As Grutas 5 e 7-10 foram encontradas pelos escavadores do Khirbet
Qumran em fevereiro e março de 1955. A Gruta 11, que passou despercebida da equipe de exploração em
1952, foi encontrada pelos beduínos em 1956.

7.3.3 País em que foram achados

Os manuscritos da Gruta 1 de Qumran, descoberta em 1947, foram encontrados no território do


Mandato Britânico da Palestina, que incluía toda a área desde a margem ocidental do Mar Morto até o
Mediterrâneo. Nessa época, o Estado de Israel não existia. Passou a existir em 14 de maio de 1948, quando

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Israel declarou sua independência. A primeira guerra árabe-israelense irrompeu imediatamente depois (15 de
maio) e durou até 7 de janeiro de 1949. A área em que o restante das Grutas 2-11 seria posteriormente
descoberta tornou-se parte da assim chamada Cisjordânia, que depois do armistício foi ocupada pela Jordânia,
e em 1950 o Reino Hashemita da Jordânia declarou sua soberania sobre a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, o
que durou até a Guerra dos Seis Dias, em 1967, quando Israel ocupou aquele território. Os direitos da Jordânia
sobre a Cisjordânia só foram oficialmente reconhecidos pela Grã-Bretanha e pelo Paquistão.
Os textos recuperados das grutas do Wadi Murabba’at e do Khirbet Mird em 1952 também foram
encontrados no território da Cisjordânia controlado pela Jordânia. No entanto, os textos que os beduínos
encontraram em outros sítios (Nahal Hever, Nahal Mishmar e Nahal Se’elim) de fato vieram do outro lado da
fronteira, da parte do deserto da Judéia que veio a pertencer ao Estado de Israel.

7.3.4 Onde se encontram

Os sete grandes manuscritos da Gruta 1 estão guardados hoje no Santuário do Livro, parte do Museu
de Israel, em Jerusalém. A Placa de Cobre da Gruta 3 e alguns fragmentos da Gruta 1, estão no Museu do
Departamento de Antiguidades, Amã, Jordânia. Alguns dos textos fragmentários da Gruta 1 estão no Museu
Arqueológico da Palestina de Jerusalém oriental, agora chamado Museu Rockefeller, e os que ficaram em
posse da Escola Bíblica foram adquiridos pela Biblioteca Nacional de Paris. Os milhares de fragmentos da
Gruta 4 ainda estão no scrollery, nome dado ao acervo de documentos do Museu Arqueológico da Palestina,
onde também se encontram os textos da Gruta 11.

7.3.5 Os atuais donos

Os sete grandes manuscritos da Gruta 1 são propriedade do Estado de Israel. Excluídos esses
manuscritos, é difícil dizer a quem pertence o restante. De acordo com uma “lista de distribuição”, alguns dos
72 fragmentos da Gruta 1 foram enviados para o Departamento de Antiguidades da Jordânia, em Amã, alguns
para o Museu Arqueológico da Palestina, em Jerusalém oriental, e alguns para a Escola Bíblica. Uma nota de
rodapé diz que todos os fragmentos desta última instituição foram posteriormente adquiridos pela Biblioteca
Nacional de Paris.
Dado que o material das Grutas 2-11 foi encontrado na Cisjordânia entre 1952-1956, a Jordânia
reivindicou-o para si. Em maio de 1961, o governo nacionalizou os fragmentos de Jerusalém oriental e proibiu
sua exibição em qualquer outro país, exceto na Jordânia.
O assunto, porém, é complicado. Quando os milhares de fragmentos da Gruta 4 foram trazidos para o
acervo do Museu Arqueológico da Palestina, muitos deles tiveram de ser comprados dos beduínos, que
primeiramente haviam descoberto a gruta e começado a limpá-la. Foi feito assim um esforço por parte do
Departamento de Antiguidades da Jordânia para comprar todos os fragmentos dos beduínos porque se

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constatou que só assim seria possível trabalhar no gigantesco quebra-cabeça que tais fragmentos criaram. Por
essa razão, os fragmentos tiveram de ser mantidos em Jerusalém. Do contrário, os beduínos poderiam tê-los
vendido a forasteiros como tesouros arqueológicos, e os fragmentos teriam se dispersado, sem nenhuma
esperança de um dia reuni-los para reconstituir os textos. No entanto, nem o Museu, nem o Departamento de
Antiguidades tinham fundos suficientes para tal aquisição. O diretor britânico do Departamento, G. Lankester
Harding, com a aprovação do governo jordaniano, apelou ao auxílio de instituições estrangeiras. Mais tarde,
quando a Jordânia resolveu nacionalizá-los, eles se tornaram propriedades desse país, cujo governo devia
reembolsar as instituições estrangeiras. Não se sabe se tal reembolso foi efetuado.
Na época da Guerra dos Seis Dias (1967), o Museu Arqueológico da Palestina, que fora nacionalizado
pela Jordânia em 1966, passou à jurisdição de Israel, que ocupou Jerusalém oriental e a Cisjordânia. Mas era
“jurisdição” por ocupação, uma autoridade contestada, e por isso a resposta à pergunta está envolvida na
situação política do Oriente Médio. Assim, é difícil dizer a quem realmente pertencem os fragmentos que
estavam no Museu em 1967.

7.4 Israel Adquire os Principais Manuscritos da Gruta

Quando descobriu a Gruta 1 em 1947, Muhammad edh-Dhib levou os sete manuscritos a um sapateiro
sírio de Belém, Khalil Iskander Shahin, que também vendia antiguidades. Em companhia de outro cristão sírio,
George Isaiah, Muhammad levou quatro dos manuscritos a seu Metropolita (arcebispo), Mar Athanasius
Yeshue Samuel, abade do Mosteiro de São Marcos em Jerusalém e chefe dos cristãos jacobitas sírios locais.
O Metropolita comprou os quatro pergaminhos (ao que parece, por 24 libras). Assim, o manuscrito Isaías A,
o Manual de Disciplina, o Pesher sobre Habacuque e o Apócrifo de Gênesis passaram a pertencer ao
Metropolita. Os outros três manuscritos, Isaías B, o Manuscrito da Guerra e os Salmos de Ação de Graças,
foram vendidos ao Professor Eleazar Lipa Sukenik, da Universidade Hebraica de Jerusalém Ocidental. Pouco
antes da primeira guerra árabe-israelense, em fevereiro de 1948, o Metropolita levou seus quatro manuscritos
para o que então se chamava Escola Americana de Pesquisa Oriental (hoje o Instituto W. F. Albright de
Pesquisa Arqueológica) em Jerusalém oriental, onde três deles foram fotografados por John C. Trevor. O
quarto, o Apócrifo de Gênesis, não pode ser aberto por estar muito grudado. Quando irrompeu a guerra, o
Metropolita levou os quatro manuscritos para Homs, na Síria, e em seguida para Beirute. Em janeiro de 1949,
levou-os para os Estados Unidos, onde ficaram depositados na caixa-forte de um banco de Nova York por
vários anos. O Apócrifo de Gênesis ainda não havia sido aberto.
Em primeiro de junho de 1954, publicou-se um anúncio no Wall Street Journal: “Os quatro Manuscritos
Bíblicos do Mar Morto, que remontam pelo menos a 200 AC, estão à venda. Seria uma doação ideal para um
indivíduo ou grupo fazer a uma instituição educacional ou religiosa. Box F 206”. Yigael Yadin, filho do
Professor Sukenik, ex-oficial do exército israelense durante a guerra árabe-israelense e posteriormente vice-
primeiro-ministro de Israel, estava nos Estados Unidos naquele momento e tomou conhecimento do anúncio.

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Usando um banqueiro nova-iorquino como intermediário, ele comprou os quatro manuscritos do Metropolita
por U$ 250,000,00 em primeiro de julho de 1954. Em 2 de julho, os manuscritos foram levados ao consulado
de Israel em Nova York e finalmente enviados, um a um, para Jerusalém. Assim os quatro manuscritos se
tornaram propriedade do Estado de Israel e se juntaram aos três que Sukenik adquirira anteriormente de
Muhammad. Todos os sete estão hoje no Santuário do Livro, parte do Museu de Israel em Jerusalém. O
Apócrifo de Gênesis foi então aberto, e parte dele foi publicada por estudiosos israelenses em 1956.

7.4.1 Os Manuscritos que foram publicados

Todos os sete grandes manuscritos da Gruta 1 foram publicados por estudiosos norte-americanos ou
israelenses. Os 72 textos fragmentários também foram publicados por eruditos franceses ou poloneses. Um
texto da Gruta 1, o Apócrifo de Gênesis, foi recentemente submetido a novas técnicas fotográficas, e algumas
colunas mal preservadas do texto tiveram agora melhor leitura; essas colunas ainda não foram publicadas. O
número total de textos da Gruta 1 é 79.
Todos os textos das Grutas 2-3, 5-10 foram publicados. Da Gruta 2, há 33 textos fragmentários, e da
Gruta 3, 15 textos. Da Gruta 5, 25 textos fragmentários foram publicados; da Gruta 6, 31 textos; da Gruta 9, 1
fragmento de papiro; e da Gruta 10, um óstraco com duas letras hebraicas nele. No total, foram publicados
130 textos fragmentários dessas grutas menores.
A maioria dos textos da Gruta 11 foi publicado por eruditos norte-americanos, holandeses ou
israelenses em publicações independentes. Ao todo, eles aparentemente perfazem cerca de 25 textos; uns
poucos fragmentos menores ainda aguardam publicação.
O problema tem sido o atraso escandaloso na publicação de tantos textos fragmentários da Gruta 4.
Apenas 98 textos foram publicados, e em acréscimos a eles, cerca de 20 outros textos (bíblicos e não-bíblicos),
foram publicados em forma preliminar por estudantes de pós-graduação da Universidade de Harvard. Alguns
dos editores, a quem os textos foram confiados, publicaram vez por outra parte de outros textos diferentes.
Esses textos fragmentários variam em tamanho, de um fragmento a diversos fragmentos reunidos, ou a vários
identificados como pertencendo ao mesmo texto.
Segundo o último relatório (1991), o trabalho sobre o quebra-cabeça já produziu 584 textos
fragmentários da Gruta 4. Isso significa que cerca de 80% dos textos fragmentários da Gruta 4 ainda aguardam
publicação.
De todas as 11 grutas, dos 818 textos de Qumran conhecidos, cerca de 350 deles foram definitivamente
publicados, ou seja, cerca de 40%.

7.4.2 Os Idiomas em que Foram Escritos

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A grande maioria dos textos de Qumran está escrita em hebraico, mas um número importante deles foi
preservado em aramaico, uma língua da família do hebraico. Era a língua usada pela maioria dos judeus da
Palestina nos dois últimos séculos a.C. e nos primeiros séculos d.C. Há também alguns textos em grego, isto
é, textos do Antigo Testamento grego, encontrados nas Grutas 4 e 7.
Os textos hebraicos não são apenas bíblicos, ou seja, manuscritos e fragmentos da Escritura hebraica,
mas também vários escritos não-bíblicos: textos de literatura parabíblica conhecidos anteriormente apenas em
traduções gregas, etíopes ou latinas, e textos dos escritos sectários* que vieram à luz pela primeira vez.
De igual modo, há textos bíblicos em aramaico, Daniel e Tobit, e também três targumim fragmentários
(traduções aramaicas de passagens do Levítico e de Jó). Além disso, muitos escritos aramaicos até então
desconhecidos, entre os quais os mais importantes são o Apócrifo de Gênesis da Gruta 1 e os fragmentos de
Enoc da Gruta 4.

7.4.3 As Datas

Embora tenham sido usados dados arqueológicos como cerâmica e moedas encontradas às vezes nas
grutas junto com os fragmentos, a datação se faz principalmente por paleografia, isto é, pelo estudo
comparativo de formas antigas de escrita.
Especialistas como W. F. Albright, N. Avigad, S. A. Bimbaum, F. M. Cross, R. S. Hanson e J. T. Milik,
fizeram a maior parte desse trabalho paleográfico. Inicialmente, os textos, à medida que vinham à luz, eram
comparados com outros textos antigos conhecidos, como o papiro Nash do último período macabeu e antigas
inscrições do período romano. Logo esses estudiosos conseguiram classificar a escrita dos MMM em quatro
categorias paleográficas principais (embora a terminologia possa diferir de um autor para outro):
• Arcaica: de cerca de 250 a.C. a 150 d.C.;
• Hasmoneana: 150-30 a.C.;
• Herodiana: 30 a.C. a 70 d.C.;
• Pós-herodiana ou ornamental: 70 a 135 d.C.

Dentro dessas categorias, os estudiosos às vezes distinguem ainda a escrita formal da cursiva. Após
vários anos de estudo, esse método paleográfico foi considerado muito acurado, com uma margem de erro de
50 anos.
Além da paleográfica, usou-se também a datação radiocarbônica. O carbono 14, um isótopo radioativo
do carbono, divide-se num ritmo mensurável com exatidão, independentemente de seu meio ambiente. Raios
cósmicos do espaço sideral, bombardeando a terra com aparente constância, transformam o nitrogênio na
atmosfera em carbono 14. Quando reage com o oxigênio no ar, cria dióxido de carbono. As plantas retiram a
maior parte de seu carbono do dióxido de carbono no ar e na água. Os animais alimentam-se de plantas, e
assim todas as criaturas vivas acabam com carbono 14 em seu organismo. Quando um ser vivo destes morre,

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morre com certa quantidade de carbono e carbono 14. Este continua a irradiar, mas nenhum carbono 14
adicional é absorvido. De fato, o carbono 14 residual começa a se dividir e a voltar a ser nitrogênio. A divisão
se dá num ritmo constante, e sua “meia-vida” é mensurável, ou seja, o tempo durante o qual metade da energia
radiante se degenerará. Essa meia-vida a princípio foi calculada em 5.568 anos. A fim de testar material
orgânico antigo, é necessário queimar um pouco dele. No início, os estudiosos ficaram relutantes quanto a
submeter documentos tão valiosos àquele teste. Além disso, devido à margem de erro (± 200 anos, ou até ±
80 anos), os paleógrafos acharam que podiam conseguir datações melhores do que esses resultados.
Em 1951, W. F. Libby, cientista do Instituto de Estudos Nucleares da Universidade de Chicago, testou
alguns invólucros de tecido usados para proteger os manuscritos nos jarros encontrados na Gruta 1. A datação
radiocarbônica resultante foi de 1917 ± 200 anos, ou 33 d.C. ± 200 anos, ou seja, entre 168 a.C. e 233 d.C. Em
1956, um pouco de madeira de palmeira do Khibet Qumran foi igualmente testado no laboratório da Instituição
Real de Londres, descobrindo-se que tinha 1940 ± 80 anos, chegando-se assim, a uma data de 16 d.C. ± 80
anos.
Em 1961, foi anunciado no National Bureau of Standards, Washington, DC, que a técnica de datação
do radiocarbono tinha sido aprimorada, tornando necessário usar apenas uma porção mínima do material e
corrigir a meia-vida de 5.568 para 5.730 ± 40 anos. Isso resultou numa correção de data do tecido para 20 d.C.
Recentemente, vários fragmentos e manuscritos foram novamente testados pela datação
radiocarbônica, dessa vez com um método aprimorado, chamado acelerador de massa espectroscópico. Esse
teste foi feito em Zurique, Suíça, e 14 amostras foram usadas. Destas, uma vinha do Wadi el-Daliyeh, oito de
Qumran, duas de Massada e uma do Wadi Se’elim, Wadi Murabba’at e Khirbet Mird. As de Daliyeh, Se’elim,
Murabba’at e Mird geraram datas internas absolutas. Nem essas datas absolutas nem a datação paleográfica
das outras dez tinham sido reveladas aos cientistas de Zurique, de modo que eles trabalharam
independentemente. Em geral, as datações de carbono 14 confirmam as paleográficas. Para os documentos
com datas internas, a datação do carbono 14 coincidiu em três dos quatro casos, e no quarto houve uma
diferença de apenas 10 anos. Em oito das outras dez datadas paleograficamente, a datação radiocarbônica
confirmou as datas paleográficas; em um caso houve uma diferença de 50 anos (o limite da margem de erro
estabelecido pelos paleógrafos), e em outro a datação radiocarbônica foi registrada com cerca de 200 anos a
mais do que a data hasmoneana dada pelos paleógrafos (300 a.C. em vez de 100 a.C.).
Alguns dos fragmentos de Qumran foram datados conforme a medição da temperatura de contração
das fibras da pele ou do couro. As peles dos animais contêm um componente fibroso chamado colágeno que
se degenera. As mudanças degenerativas refletem-se na redução da temperatura de contração da pele.
Fragmentos de pergaminho, submetidos a calor progressivo, começam a se contrair, e quanto mais velho o
pergaminho, mais baixa a temperatura em que isso ocorre. Esse método de medição foi desenvolvido no
Departamento de Couro da Universidade de Leeds, Inglaterra. Um grupo de fragmentos, alguns de Qumran, e
outros com datas conhecidas, foram medidos por esse método e apresentaram uma cronologia relativa. Os
cientistas aplicaram o método a:

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a) Pergaminhos ingleses de 1193 a 1955 d.C.;
b) Peles de Murabba’at de 135-132 d.C.;
c) Fragmentos da Gruta 4 de Qumran;
d) Fragmentos de cartas egípcias em aramaico escritas sobre pele (século V a.C.);
e) Um cabo de machado de couro cru do Egito (1300 a.C.).

O resultado do teste foi que os fragmentos da Gruta 4 de Qumran estavam mais intimamente
relacionados aos de (b), (d) e (e) do que a (a), sendo ligeiramente mais velhos que os de (b). Em outras palavras,
os fragmentos de Qumran não eram tão velhos quanto as cartas egípcias em aramaico, mas mais velhos que as
peles de Murabba’at.
Finalmente, há algumas indicações em certos manuscritos que podem ser usadas como data interna.
Por exemplo, faz-se referência a um personagem histórico, que é com quase certeza Demétrio III Eucero, um
dos governadores selêucidas no século II a.C. Há também um fragmento calendárico, ainda não publicado,
que menciona Selãmsiyôn, nome hebraico da Rainha Alexandra, sucessora de Alexandre Janeu Hircano, e os
massacres de ‘Emilyôs, Emílio Escauro, o primeiro governador romano da Síria (63 a.C.). Essas referências
internas ajudam a localizar de modo geral a existência da comunidade de Qumran e sua literatura nos dois
últimos séculos antes de Cristo. Em seguida, ajudam a excluir a identificação da comunidade de Qumran com
um movimento cristão e a fixar suas raízes no judaísmo dos últimos séculos antes de Cristo.

7.4.4 Duas Cópias de Isaías Descobertas na Gruta

Os sete grandes manuscritos da Gruta 1 são os seguintes: a) cópia “a” do Livro de Isaías: este texto,
datado paleograficamente em 125-100 a.C. e agora pelo radiocarbono em 202-107 a.C., contém todos os 66
capítulos do Livro de Isaías, exceto por algumas palavras cortadas na base de algumas colunas. Está escrito
em 54 colunas de largura variada, sobre 17 peças de pele de carneiro costuradas para formar um rolo, medindo
aproximadamente 7,5m de comprimento e 0,30m de altura. Esse manuscrito dá um testemunho singular da
fidelidade com que o Livro de Isaías foi copiado ao longo dos séculos pelos escribas judeus, já que o mais
antigo texto hebraico de Isaías que se conhecia antes da descobertas dos manuscritos era o códice do Cairo
dos Profetas maiores e menores datado em 895 d.C. (em seu colofão). Embora haja diferenças de soletração,
que eram de esperar, o que há de notável sobre o texto é que apenas 13 leituras variantes que ele continha
foram consideradas suficientemente importantes para serem usadas na publicação de 1952 da Revised
Standard Version (versão padronizada e revisada da Bíblia). Além disso, esse manuscrito não apresenta
nenhuma consciência da distinção de Primeiro, Segundo e Terceiro Isaías, de vez que os capítulos 39-40 são
copiados na mesma peça de pele, e o mesmo vale para os capítulos 55-56. Excetuando-se essas 13 leituras
variantes, o texto da cópia “a” de Isaías é textualmente insignificante. Juntamente com a cópia “b” de Isaías e
com pelo menos 15 outros textos fragmentários de Isaías provenientes de Qumran, ele revela que o texto de

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Isaías estava relativamente estabilizado já no séc. II a.C. b) cópia “b” do Livro de Isaías: Este texto de Isaías,
datado paleograficamente no final do séc. I a.C. ou na primeira parte do séc. I d.C., é fragmentário. Contém
partes dos capítulos 7-8, 10, 12, 13, 15, 16, 19, 20, 22, 23, 24, 25, 29, 30, 35, 37-41, 43-51, estando bastante
preservado do capítulo 41 em diante. É considerado normalmente mais próximo da tradição masorética do que
a cópia “a” de Isaías, i.e., mais próximo da tradição textual hebraica medieval do Antigo Testamento. Suas
diferenças de soletração são menos notáveis que as da cópia “a” de Isaías.
Este trabalho não esgota o assunto, mesmo porque, muitas outras novidades no campo arqueológico já
foram descobertas, mas não notificadas pela ciência.

Conclusão

O que foi dito acima é apenas parte do retrato que pode ser reconstruído com base nas evidências
arqueológicas. Isso pode testar teorias exageradas e negativas, derivadas tanto de fatos reconhecidos como de
formas literárias e de interpretação. Visto que se acumulam novos dados constantemente, “precisamos lembrar
que as evidências que a arqueologia e os textos fornecem sempre serão incompletas precisamos admitir
também que só a ausência de evidências arqueológicas não seria suficiente para lançar dúvidas sobre as
afirmações dos testemunhos escritas. A arqueologia também levanta problemas que ainda aguardam uma
solução definitiva, como, por exemplo, a falta de evidências, apesar de amplas escavações, da ocupação de Ai
e Jericó na época da entrada dos hebreus na terra, embora diferentes soluções possam ser genuinamente
propostas. Ela tem resolvido uma série de problemas levantados pelos críticos, como a existência e o uso de
camelos na Palestina no período antigo dos patriarcas (Gn 12.16 etc.) ou o reinado de Tiraca já em 701 a.C.
(2Rs 19.9). A arqueologia deve ser recebida como um acréscimo bem-vindo ao nosso conhecimento, mas
nunca como o substituto da própria Escritura. O expositor e comentarista bíblico precisa estar sempre em dia
com os achados arqueológicos, mas nunca ser servo deles.

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