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Discurso, texto, corpus
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SE, NAS OBRAS de introdução, a noção de discurso é discutida, mesmo
que seja para desenredar sua polissemia embaraçadora, o mesmo não
ocorre com a noção de texto. No entanto, embora os analistas do
discurso se concentrem naturalmente no termo "discurso", constata-se
que empregam sem cessar o termo "texto", que interfere com "discur-
so" de uma forma nem sempre controlada. Alguns não consideram ne-
f•. cessário estabelecer uma diferença entre eles: "Neste manual, os dois
li
I• termos, discurso e texto, podem em geral ser considerados sinônimos"
1
[~

(Dooley, Levinsohn, 2001: 3). Outros o empregam p ara designar os


dados a partir dos quais eles trabalham: "O material com o qual tra-
balham os analistas do discurso é constituído de dados efetivos de
l\ discurso, que são às vezes designados como textos" (Johnstone, 2008:
1 20). Mas, por mais cômodas que sejam essas soluções, elas não estão
à altura da complexidade das relações entre os dois termos.
\ l
3.1 • Um discurso para cada texto?
A relação entre texto e discurso é muito diferente se associamos
:l um só discurso a um conjunto de textos (1), ou um discurso a cada
texto (2).
i\ (1) No primeiro caso, os discursos existem para além dos textos
:t particulares dos quais são compostos. Isto é mais nítido para
'!
'i
35
08 pesqu isado res que se situam em uma persp ectiva próxi ma 3.2 • Três eixos principais
da de M. Foucault; o "discu rso da psiqu iatria", por exem
plo, Os usos de "texto " pode m ser agrup ados em torno
recobre um conjunto mais ou meno s vasto de te.xto s de, efetiva-
de gê- mente , três eixos princ ipais, que intere ssam à análi se
neros muito diferentes (obras teóricas, regul do discu rso por
amen tos de hos-
pitais , manu ais ...). Neste tipo de emprego, · "discurso" razõe s diferentes:
pode • Enca rado como texto -estru tura, o texto é objet
corre spond er a entid ades de natur eza muito diversa: o da lingu ística
textu al, discip lina que estud a as regul arida des além
• uma disciplina ("o discurso da geografia'', "da da frase .
astron omia" ...); O texto é então apree ndido como uma rede de relaç ões
• um posic ionam ento em um camp o ("o discu rso comu frase a
nis- frase (com a ajuda , por exem plo, das retom adas
ta", "o discu rso surrealista"...); prono minais)
ou de agrup amen tos de frase s (a narração ou a descr
• uma temát ica ("o discu rso sobre a segurança", "o discu ição , p or
rso exem plo, incid em sobre sequê ncias textu ais que p o
sobre a África"... ); dem ser
mais ou meno s longas). J.-M. Adam (2011 : 103-1 60)
• a produ ção assoc iada a uma área deter mina da da socie agrup a
da- em "cinc o grand es tipos " as opera ções que assegu
de ("o discu rso jornalístico", "o discu rso ram essa
admi nistra tivo" ...); coesã o: "Cru zame ntos do signi ficad o" (an áfora s, corre
• produ ções verbais específicas de uma categ oria de locut ferên -
o- cia, isotop ias), "cruz amen tos do signi fican te" (alite
res ("o discu rso das enfermeiras", "o discu rso das mães raçõe s, pa-
de raleli smos gram aticai s), "imp licaç ões" (elips es , press
família" .. .). upos tos,
suben tendi dos), "cone xões" (cone ctore s, organ izado
(2) O segun do caso é aquele em que a um texto res esp a-
corre spond ume ciais e temp orais , marc adore s enunc iativo s), "sequ
discu rso. Nesta passa gem, por exemplo, o discu rso é apres ência s de
en- atos de discu rso" (narr ação, argum entaç ão ..
tado como o que "subjaz" a um texto: .).
• Enca rado como texto -produto, o texto é apree ndido
corno o
traço de urna ativid ade discu rsiva - oral, escrit a,
As pessoas produzem textos para fazer passar uma mensa
visu al -
gem, para exprim ir relac ionad o a dispo sitivo s de comu nicaç ão,
ideias e crenças, para explicar algo, para levar outras a gêner os de d is-
pessoas a fazer cert as curso : desde os mais elem entar es (urna etiqu eta numa
m erca-
coisas ou a pensar de certa maneira, e assim por diante
conjunto complexo de objetivos comunicacionais como
. Pode-se designar este J
'l doria ) às mais comp lexas (um roma nce).
o discurso que sus- Um jorna l diário , por exem plo, é const ituíd o de uma
tenta o texto e é o motivo principal de sua produção.
Mas, finalmente, são os
multi dão
de artigo s que são outro s tanto s texto s-estr utura s, mas
leitores ou os ouvintes que devem construir o sentid
o a partir do texto, para pode-
mos consi derá- lo como um só texto -prod uto, o jorna
fazer dele uma unidade comunicacional. Em outros
termos, eles devem inter- 1 de de comu nicaç ão resul tante de um gêner o de discu
l, unida-
pretar o texto como um discurso que faça sentido para
si (Widdowson, 2007: 6). rso. Reci-
proca ment e, pode ocorr er que um texto -prod uto, con
stituído
Encontra-se aqui uma forma corre nte de gerir a relaçã de uma só frase, não seja um texto -estru tura: por
o entre os exem plo,
dois termos, condensada na fórmula: Discu rso = Texto placa s de trâns ito nos quais se enco ntram frase s como
+ Conte xto. "Diri gir
Mas, para T.-M. Adam , que, em um prime iro mom ento, ou bebe r, é preci so escol her" ou "Hom ens traba lhand
contr ibuiu o".
ampl amen te para difundi-la, esta fórmu la é engan osa: \ • Com o texto-arquivo, o texto não está assoc iado
a um a ativi-
l dade de discu rso, mas é consi derad o como algo perm
l anent e,
Ela dá a entend er uma oposição e uma compl ement ·\ pela fixaç ão em um supo rte mate rial ou na mem ória:
aridad e dos conce itos pode ser
de texto e de discurso, quando, na verdade, seria precis
i trans mitid o, modi ficad o, come ntado , reem prega do
... Dest e
conce itos se sobrepõem e se recobrem em função
o dizer que esses dois
! ponto de vista , se os enun ciado s são "raro s", como o
subli nha
escolhida (2011: 38).
da perspectiva de análise ! Fouc ault (1969 : 155) , não é some nte porq ue, a parti
l
l mátic a e do léxic o de que dispo mos em uma époc a
r da gra-
dada , há,
36 Par t e 1 - Es tudo s de d isc u rso e a n á li se d o
d i sc u rs o
3 - Di sru rc.n tpvtn ,..,.. ,n .. r ~ 7
no total, poucas coisas qu
e são ditas, mas também
poucas coisas entre as coi porque texto que corresponde aos
sas ditas são conservadas milhares de edições de A bel
elas poucas pe rdu ram1 . e entre ou de Cinderela, surgidas no a adormecida
A no ção planeta desde o século XV
de tex to- arq uiv o recobre de fato dois fenôm sabe que esta contagem não II, quando se
diferentes: enos muito cessa de ser modificada'?
:f Há casos piores: a própri
1 a noção de "texto" é his tor
• os tex tos ma ter iai s, ins
•.) :t,
t, icamente
critos em um suporte. Trata- variável:
dades históricas cuja mater se de reali- ~"..
nológicos disponíveis na épo
ialidade depende dos rec urs
ca considerada: tabuletas de
os tec- ~·
~
~{ O conceito de texto, ligado ao
argi- particípio passado do verbo tex
la, pergaminho, escâner, gra que é tecido, tran ere (textus: o
vador, base de dados digitai çado), possui uma conotação de fixidez e de
• os textos considerados s ... ; estrutural que não correspond fechamento
independentemente de um e nem à realidade da escrita
po rte físico ou outro su- medieval nem à
par tic ula r. Qu an do se diz "este texto de Ste das obras do Renascimento (Ad
pode-se estar designando ndhal", am e Viprey, 2009 : 11-12).
com isso um objeto partic
ter mi na do livro, mas também ula r, de- Corno veremos (infra, parte
um a obra, apreendida sem II, capítulo 14), o pressupo
em co nta sua existência ma levar o texto constitui um a unida sto de que
terial ("é um texto de grand de fechada e estável é atu
fundidade", "um texto que e pro- em qu est almente posto
se comenta há um século"... ão pel o fun cio nam ento da Web, po r razões com
As rel açõ es ent re ess ). pletamente
es do is tip os de texto-arquivo estão lon diferentes.
ser sim ple s, com o o sub lin ge de O des
ham Adam e Viprey, tomand env olv im ento de téc nicas de registro da image
plo o conto de Perrault, A o corno exem- m e do som
bela adormecida, pa ra o qu a partir do final do século
desde o começo, de divers al dispomos, XIX levou essas dificuldades
os modos de existência edi mo. A materialidade do tex ao paroxis-
torial: to se tornou plural. Hoje,
me nto po líti co um pronuncia-
po de se ma nifestar ao mesmo tempo
Trata-se de substituir o concei
to de texto concebido como impressa, por um enunciado po r urna forma
sobre si mesma e acabada por unidade fechada em um site da Web, por um
um conceito de texto em variaçã em áudio vei cul ada a gravação
o, submetido po r um a rád io, por um vídeo em um site de
a diversas edições das quais resu partilhamento, po r um DVD com-
ltam estados sucessivos, identif ... Sem falar das ver
grupáv eis em icáveis e rea- sões em número inde-
cor pus . Par a A bela adormecida, ser publicado terminado que foram realiz
no Mercure ga- adas por câmeras ou gravad
lant de fevereiro de 169 6
(T2) é aparecer em um co( daquele espectador ou ouvin ores desse ou
(D2) muito diferente de A bel n)texto sociod iscursivo te.
o adormecida (Tl), primeiro
do manuscrito dos Contes de conto do sofistica·-
la mere Loye de 1695, env
rei da França; contexto (D1) iado à sobrinha do 3.3 • Texto e corpus
ele próprio muito diferente daq
ado rme cida uele de A bela
(T3), prim eiro con to das Histoires ou Contes du Destacamos três grandes
temps passé, áreas de emprego de "texto
publicado por Barbin em 169
7 (D3) (Adam e Viprey, 200 raz ões dif ere nte s, " que, por
9: 20). int ere ssa m, todas três, à análise do
não pode estudar textos, a discurso. Esta
nã o ser que sejam convertid
Além disso, neste caso, a Um cor pus po de os em corpus.
variação é limitada; ela po ser con sti tuído po r um conjunto ma
ferida à ini cia tiv a de ser re- to de textos ou de trechos is ou menos vas-
do pró pri o aut or, no caso, Charles Perra de textos, até mesmo por um
qu an do se tra ta de tex ult. Mas único texto.
tos rec opiados, reeditados, adapta A diferença entre texto e cor
te longos períodos e que dos ... duran- pus é essencial. Ela marca a
circulam po r áreas muito entre, de um lado, as prátic fronteira
gên ero vastas mediante as de comentário tradicion
s mu ito div ers os, as coisas se tor na m muito com interp ret ar tex ais que tentam
plexas: qual é o tos leg ado s po r um a tradição e, de outro
gens em termos de discurso, , as aborda-
que se pretendem resultado
1
Retomaremos esta questão humana s e soc iais. das ciências
na terceira parte, no capítul
o 15. Os ana lis tas do discurso não estudam obr
constituem corpora, eles reú as ; eles
nem os materiais que julgam
38 Part e 1 - Es tudo s de disc necess ári os
urso e anál ise do disc urso
para responder a esse ou àquele questionamento explícito, em fun-
ção das restrições impostas pelos métodos aos quais recorrem. Desse de pesquisa, levanta problemas quanto à escolha dos textos selecio-
nados, ao processamento a que os submetemos para armazená-los e
modo, analistas do discurso se afastam do modelo da leitura empá-
classificá-los, à maneira pela qual são disponibilizados. Nesse nível,
tica, do "contato vivo" com um texto concreto, que seria rico de um
sentido inesgotável. intervêm inevitavelmente questões políticas, como o mostram, por
exemplo, os debates provocados pelo arquivamento sistemático dos
Aqui, se impõe uma distinção entre os corpora que agrupam tex- impressos ao qual o Google se dedica em escala planetária.
tos previamente existentes e os corpora que resultam de uma trans- A dupla formada por discurso e texto remete a uma polaridade
crição. Uma carta, um jornal impresso, um livro .. . são textos pré- constitutiva de todo estudo da comunicação verbal: a fala se apresen-
vios; por outro lado, uma conversa, um debate na TV só existem como ta ao mesmo tempo como uma atividade e como uma configuração
textos em um corpus porque foram recortados e transcritos segundo de signos a analisar. Bastam transformações ideológicas ou inova-
certas convenções. É o que sublinha B. Johnstone: ções tecnológicas (as duas estão, em geral, associadas) para modificar
profundamente as condições da textualidade e, consequentemente, a
Capturando textos escritos instáveis em um momento particular ou gra- relação entre texto e discurso. Ela deve ser levada em conta em cada
vando e transcrevendo discurso não escrito, nós lhes damos características tipo ou gênero de discurso que se estuda, em função das questões que
de livros ou de outros textos prototípicos: fazemos deles objetos físicos; o pesquisador se põe e de suas escolhas metodológicas.
fixamos sua estrutura; nós os convertemos em escritos, quando se trata de
discurso oral; damos-lhes fronteiras. Textos desse tipo não existem indepen-
dentemente da escolha dos analistas do discurso em relação à forma de os
"textualizar" (2008: 20).
Em função de seus objetivos e dos meios de que o pesquisador
dispõe, a mesma atividade verbal pode, assim, dar lugar a um nú-
mero ilimitado de "textos" diferentes, isto é, a transcrições distintas,
destinadas a entrar em um corpus. Essas próprias transcrições podem
se tornar textos-arquivo, objetos de estudo, por exemplo, no quadro
de uma pesquisa que incidiria sobre as práticas desses ou daqueles
analistas do discurso.
Com a utilização crescente da informática, distanciamo-nos cada
vez mais de uma concepção dos textos como totalidades dadas que
poderiam ser apreendidas por uma leitura atenta e justapostas nas
bibliotecas. O crescimento incessante da potência dos computadores
e da capacidade de armazenamento possibilita a integração de quan-
tidades gigantescas de textos em enormes bases de dados, material a
partir do qual muitos corpora podem ser elaborados pelos pesquisa-
dores. Cada vez mais , estes são levados a trabalhar com dados selecio-
nados e tratados para se tornarem corpus. O estatuto de intermediá-
rio incontornável assim conferido às bases de dados, situadas entre os
ii
;',
textos produzidos no interior de atividades discursivas e os corpora '';,
40 Par t e 1 - Es t ud os d e di scur so e análi se do discurso

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