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Critério para a excelência da escrita: texto TARDES DE DOMINGO

que desperta discussões nos lugares


inapropriados para especulação. Caso a obra Ivan Diniz
instigue tanto que, incapazes de
autocontrole, a discutamos em qualquer lugar
– esta é da boa.
Logo cedo já se sabe o fim deste dia morno
Ivan e Marcos sempre me deixaram
desconfortavelmente inapropriado, seja Em que o sofá é um inimigo acolhedor e manso,
sozinho ou acompanhado.
Armado com promessas de merecido descanso
Envergonhado, deslocado, alienado, perdido.
Destes seis confrontos, desta semana entre tiros.
Por isso os admiro.
Domingo não é o sétimo dia, mas o primeiro,
Sei que para você, leitor, existem coisas
mais importantes do que beleza, amor, Alternando, insistente, o trabalho, celular e cinzeiro.
amizade, eternidade. E buscamos sempre
respeitar seu espaço, você sabe, evitando o
Logo cedo caminho lento neste dia morno.
incomodar com essas futilidades. Nunca
tocamos nesses assuntos, os evitamos ao
máximo. Luta que se batalha sozinho.
Só aqui, neste zine, pedimos a palavra. Aos murros encaro monstros que têm meu rosto.
Obrigado.
Preguiça, preguiça e sono estão na face deste bicho.

Lutar contra ele é lutar comigo.


Pedro Morais.
Luta, luta que se batalha sozinho.
Amarro então ao pulso minha flecha

Tenho medo destas horas inúteis que não param E a atiro ao topo branco da montanha,

Trazendo, quando as sombras crescem, por detrás dos Para que possam ver de lá, com calma, o que o sol
móveis, alcança

Um fazer, que não sei como, de coisas impossíveis. E ser um súdito fiel da luz do dia.

O olhar frio e feroz do passado me reprova Guerra, guerra contra o tédio da tarde vazia.

E a vista esperançosa da velhice me implora

Que não me esqueça de que a vida voa e as horas


passam.

E então a memória viva daqueles que se foram

E de suas mãos de pedra, construtoras de pontes,

E dos pés que desafiam e vencem mundos e


horizontes,

Que partem de escuras selvas a cidades eternas,

Trazem vida e cor a este meu rosto assim tão grave.

E são corda para a subida, e rugido suave,

Mantendo unidos mente e dedos, ainda que doam.


Toma cuidado, o pasteleiro
CARNE, QUEIJO E UM CALDO DE CANA Para não queimar as mãos.

E as cicatrizes do seu peito,


Marcos Antônio
Não foram por amar em vão.

O lugar é novo, diferente,

mas o dono conhecido. Na dúvida eu sempre fico,

O meu amigo pasteleiro, Diante das possibilidades.

não demora no pedido. Mas o pastel de vento sei,

Só encontramos na cidade.

Humilde, dedicado,

trabalhador honesto. Tem de carne e de queijo,

Dorme tarde, acorda cedo Bem fritos e temperados.

E só às vezes faz protesto. Junto, para o meu desejo,

Um caldo de cana gelado.

Amassa a massa, estica

E dobra, já com o recheio. Vai Galo, vai doido, vai

No óleo quente, a fritar Trabalhando o dia inteiro.

O coração do pasteleiro. Como vira os pastéis,

A vida nos vira, pasteleiro.


É muito fardo, em minhas pernas, nosso peso.
LIVRE ESCRITA É longo trago, é muito verso, é grito preso.
Ivan Diniz Presença intolerável de mim mesmo.
Escrever é quase tão difícil Tão destrambelhados, eu e tu, sozinhos!
Quanto ser amado quando se ama.
Nem sempre a musa deita nua em nossa cama. Fúria destrua minha casa, eu te permito.
Queria que escrever fosse vício. Somente por algumas horas, eu não minto
Quando busco teu abraço, faminto,
Que a palavra chegasse como míssil. Quando abro meu peito à tua faca.
Que entender e dizer não fossem sacrifício.
Que a letra não esgotasse a doce lágrima. Fere minha terra com esta tua enxada
E faz canal que dê vazão à essa enxurrada.
Queria pôr meus olhos nessa página. Encha de flores as clareiras desta mata
Vaiar, de longe, esta peça trágica. E risca do meu verso a palavra "aflito".
E, me encarando, escancarar a lógica
Dessa bela e furiosa tristeza que sinto.

Sentados nessa sala, face-a-face,


Digerindo ódio, de onde a letra nasce,
Correndo, como loucos, de rimas fáceis,
Tocando um ao outro em lugares proibidos,
CONEXÃO ENTRE NÓS DOIS

Ivan Diniz

Conexão é sua mão assim, tocando a minha


E o roçar de nossas coxas nuas que senti. Te digo, irmão, o toque dos olhares é partilha
É nossa falta na distância que se compartilha. De duas vontades que se enxergam, ao descobrir
Sou eu sentado aqui, tão só, pensando em ti. Que termina lá no cume toda trilha

Em que o destino de estar junto é se cumprir,


Mas como podem as duas pontas desta linha E se cruzam os amores em que a liberdade brilha
Se entrelaçarem, se tecerem, nesse unir E que, com coragem, seguem o coração de si.
De bocas e braços, se cada pé caminha
Passos que se alongam, opostos, longe daqui?
CAMPINAS E ABISMOS

Ivan Diniz Não me ensinaram a caminhar, no entanto caminho.


Não me ensinaram a querer, no entanto quero.
Quero morar um dia neste quarto Não me ensinaram a amar, no entanto amo.
Onde esta criança corre entre os móveis
Procurando a si mesma, pensativa, nas gavetas. A gente cresce e muitas vezes não crê
Quero me deitar e não pensar em mais nada Em toda a nossa força
Que não seja me afundar nestes lençóis. E nos esquecemos do nosso infinito.
Não quero olhar pela janela, nada lá fora me Não olhamos a beleza da encosta florida,
interessa. Seguindo a estrada montanha acima
Quero viver aqui e agora, nos mistérios desta casa Por medo das quedas, do abismo.
bagunçada.
Da união de abismos surgem grandes vales, e rios,
E campina, e flor, e chuva morna que refresca.
A gente cresce e muitas vezes não vê
Basta o abraço que respira junto
E se maltrata, e se entristece, e se perde em escuros
corredores. E o hálito quente de um beijo sorrido.

Sua luz clareia horizonte, só você não vê. Basta a sorte de um novo encontro.

Seja mais criança que confia e conhece o mundo com


os dedos e a boca,
Sem medo.
Me interessa a confusão destas entrelinhas.
Elas no fundo também são minhas.
Mas nossos erros também talvez sejam iguais.
Apenas apostas são as escolhas dos que lutam.
HUMANOS Mas acima de tudo há a luta.
Ivan Diniz Homens nascem, envelhecem e se deitam.
Mulheres nascem, envelhecem e se deitam.
Humano E morrem.
Porque quase nunca pensam em ti? Mas você apenas segue caminhando.
Só poucas vezes penso em ti, em nossa união. E nós, em bando, apenas caminhamos.
Para onde será teu caminho? Juntos, conectados.
Qual a meta do seu coração? Nossa união nos torna vivos,
Somos indivíduos feitos de laços Pois estamos juntos e, no fundo, somos iguais.
Mas não são laços todas as coisas? Então erga-se de pé e levante seu olhar,
Mas acima de tudo estamos nós, os verdadeiros. O E cruze o deserto, e conheça a floresta,
humano. E avance pelo leito do mar,
Todas as mãos são sombras das nossas E só depois escale a montanha,
Nossa é toda boca que fala, Que eu vou caminhando contigo.
E toda língua que prova, Nosso abrigo é a certeza de nunca mais ter medo,
E todo ouvido que escuta. Pois talvez não haja escolhas certas pra nós.
A tua vontade é minha sem que eu saiba, Somos tão pequenos!
E os seus sonhos são meus amores. Mas aqui estou, e posso agir, e tentar,
Que no seu mundo consiga fazer o melhor, se puder, E isso já basta.
e que no fim só haja alegrias.
Humano, não posso evitar te amar.
Vamos nos lembrar sempre que amar e estarmos
juntos é a verdade.
Digo nesta noite fria, em que ainda durmo
E que ainda durará milhares de milênios
Até que amanheça, e a mente e o coração vençam,
Que me leve pelas mãos, pois sou criança.
Ainda sou criança.
Mas ainda viverei eternamente
Pois viver para sempre é o fruto inevitável de nossa
conexão.
Desde que sejamos
Sempre

Humanos.
ELA QUE EU VI NA RUA

Ivan Diniz

Logo cedo, de passagem, cruza à minha frente,


Como quem leva a vida leve, e não se preocupa.
ESTAR SÃO É de propósito essa beleza, dos olhos risonhos dessa
Marcos Antônio mina preta,
E logo me captura.

Quem sabe um dia Andando com tanta pressa,

Nos encontramos em uma estação: Fazendo troça desta vida dura.

De preferência fria; Me convida pra essa sua festa

Que o vagão chegue vazio; De cabelo, sorrisos e curvas.

Que esteja tocando nossa música.


Talvez! Mas só (e) talvez. Te tenho só nos olhos, já me basta.
Ao olhar que quer, toda distância é curta.
Você não me percebe, depois talvez eu te esqueça
Assim que corra, tome seu ônibus e suma.
Mas hoje é só você pela calçada.
Meu passo falha, minha atenção é sua.
Não preciso te querer mais do que quero
Nem saber pra onde vai, ou da sua luta.
Não há por agora mais mundo
Além dos braços e ombros e peitos
Além das palmas das suas mãos na cintura.

Dou satisfeito o que ela me toma


Esses segundos que, sem querer, me furta.
Me apaga, me arrasa e me soma.
Ela só passa e minha manhã muda.
Me toma o mundo, confunde o meu passo,
Me faz enxergar só nós dois nessa rua.
DIALOGOSOH

Organização e diagramação: Ivan Diniz


Textos: Ivan Diniz – Filósofo e poeta @dialogosoh
Marcos Antônio - psicoterapeuta e poeta - @marcosad_j
Texto inicial: Pedro Morais – Filósofo e crítico de arte
Créditos das imagens:
Imagem 01: “A dança” – Henry Matisse

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