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Paulo e Silas na Prisão

 Daniel Conegero

O relato sobre Paulo e Silas na prisão é um dos textos mais conhecidos do


Novo Testamento, e está registrado no livro de Atos dos Apóstolos capítulo 16.
Certamente o que mais chama a atenção das pessoas nesse texto é a informação
sobre um terremoto que abalou os alicerces do cárcere onde esses dois homens
de Deus estavam.
Esse capítulo também é utilizado frequentemente em sermões, mas infelizmente
muitas vezes é interpretado de forma completamente equivocada. Neste texto nós
meditaremos em alguns pontos principais sobre a prisão de Paulo e Silas.

Conhecendo o contexto histórico da prisão


de Paulo e Silas
O apóstolo Paulo estava em sua segunda viagem missionária. Na primeira viagem
seu principal companheiro havia sido Barnabé, porém devido a algumas
discordâncias com relação ao comportamento de João Marcos, primo de Barnabé,
ambos se dividiram.
Paulo, então, escolheu Silas para acompanhá-lo nesse novo empreendimento
missionário. Paulo e Silas passaram por muitas cidades, porém foi na estadia
deles em Filipos que ocorreu tal prisão.
Paulo e Silas não estavam sozinhos, estavam também com eles Timóteo e Lucas.
Essa equipe de missionários partiu para a cidade de Filipos, uma importante colônia
romana. Essa Filipos é a mesma que em aproximadamente 42 a.C. foi palco da
famosa batalha em que Marco Antônio e Otaviano derrotaram Brutus e Cássius, os
assassinos de Júlio César.
No primeiro século Filipos era uma cidade de destaque na região da Macedônia,
pois possuía uma economia próspera, principalmente devido à mineração de ouro,
e também era referência na educação, com uma conhecida escola de medicina.
Paulo e Silas em Filipos
A equipe de missionários liderada por Paulo ficou em Filipos durante vários
dias. Lucas relata que no primeiro sábado em que estavam ali, eles foram para o
Rio Gangites, e encontraram várias mulheres que se reuniram no local para a
oração sabatina.
O apóstolo, acompanhado de sua equipe, começou a pregar o Evangelho àquelas
mulheres. Entre essas mulheres estava Lídia, uma mulher que o Senhor lhe abriu o
coração para que ela se convertesse ao Evangelho de Jesus.
Lídia e os membros de sua casa foram batizados no Rio Gangites, e após o batismo
ela ofereceu hospedagem à equipe missionária. Com os missionários hospedados
na casa dessa mulher, o Evangelho continuou sendo pregado na cidade e a
Igreja começou a ser ampliada.

O exorcismo de uma jovem antes da prisão


No versículo 16 do mesmo capítulo 16 de Atos, somos informados sobre uma
jovem escrava que tinha um espírito de adivinhações. Sua prática de
adivinhação trazia muitos lucros aos seus donos.
Em grego, Lucas escreve que ela tinha um espírito chamado “Píton”, que em nossas
traduções aparece apenas como “adivinhação”. Na mitologia grega Píton era uma
lendária serpente que guardava o Oráculo Délfio, e que acabou morta por Apolo.
Assim, tal termo era utilizado para se referir ao espírito de adivinhação
característico dos médiuns da época.

Com tudo isso, Lucas está enfatizando que a jovem era usada por
demônios. Por muitos dias a jovem clamou que aqueles homens eram “servos do
Deus Altíssimo”, e que estavam proclamando o caminho da salvação.
Não devemos entender essa declaração como um reconhecimento genuíno
do evangelismo que estava ocorrendo ali. Lembre-se que ela estava sendo usada
por demônios, e tal declaração era uma artimanha de Satanás. Paulo entendeu
dessa forma, e, em nome do Senhor Jesus, expulsou o espírito que atormentava
aquela mulher (At 16:18).

Paulo e Silas são presos


Os donos daquela escrava, quando perceberam que tinham perdido uma fonte de
lucro, ficaram revoltados e violentamente prenderam Paulo e Silas. O texto diz que
eles foram agarrados e arrastados até as autoridades (At 16:19).
Note que apenas Paulo e Silas foram presos. Isso ocorreu porque as denúncias que
aqueles acusadores fizeram foram fundamentadas na nacionalidade dos m
issionários. Perceba que antes de qualquer acusação eles deixam claro que “estes
homens são judeus”.
Com isto, possivelmente eles estavam querendo estabelecer, de alguma forma, uma
ligação entre Paulo e Silas e os judeus que tinham sido expulsos de Roma pelo
imperador Cláudio, acusados de criar perturbação religiosa em aproximadamente
49 d.C. (At 18:2).

Perceba que no versículo 20 Paulo e Silas são acusados justamente de criar


confusão e perturbação na cidade. Como Lucas era gentio, e Timóteo apenas um
meio-judeu, então as acusações caberiam perfeitamente apenas contra Paulo e
Silas.
Também é importante perceber que em nenhum momento a jovem foi
mencionada na acusação. Toda denúncia partiu do confronto entre os interesses
romanos e os interesses judeus.

Na época a religião judaica era permitida dentro do império, porém os judeus não
poderiam tentar converter os cidadãos romanos, e naquele momento ainda não
havia ficado clara para os romanos a distinção entre Cristianismo e Judaísmo.

Com todo o tumulto que se aglomerou na praça da cidade, os magistrados


ignoraram qualquer procedimento legal e deram ordem para que Paulo e Silas
fossem despidos e açoitados. Por serem cidadãos romanos, Paulo e Silas não
poderiam, de forma alguma, ter passado por essa seção de tortura.

Paulo e Silas no cárcere


Paulo e Silas foram lançados na prisão. Ao carcereiro foi ordenado que ele
guardasse os dois prisioneiros com segurança, ou seja, com total rigidez. O
carcereiro então colocou Paulo e Silas no “cárcere interno e prendeu seus pés no
tronco” (At 16:24).
As cadeias da época eram divididas em duas partes: o cárcere externo e o cárcere
interno. Na parte externa os presos desfrutavam de mais liberdade, podendo andar
e receber visitas. Já na parte interna o aprisionamento era bem mais rígido, e
geralmente reservado aos prisioneiros mais perigosos. A prova disto é que o
carcereiro colocou as pernas de Paulo e Silas no tronco, para que se tornasse
impossível qualquer possibilidade de fuga.
Aqui também devemos considerar que após uma seção de açoites os presos
ficavam completamente debilitados, o que provavelmente era, na ocasião, a
condição física de Paulo e Silas.

O próprio uso do tronco nas pernas também era um tipo de tortura, pois o preso
perdia praticamente toda mobilidade, além de que em muitas vezes os buracos de
cada perna eram bem afastados, causando grande incomodo.

Paulo e Silas oram e adoram na prisão


Com seus corpos totalmente doloridos, e submetidos a condições sub-
humanas, Paulo e Silas resolveram orar a Deus e cantar louvores a Ele. Naquele
momento eles estavam com dor, fome e sede, mas seus corações estavam voltados
a Deus.
O texto nos informa que os outros presos também ouvem as orações e os
cânticos de Paulo e Silas. Com toda certeza esse foi um testemunho genuíno de
dois seguidores de Cristo. Se seu Mestre sofreu calado no Calvário, naturalmente
seus discípulos entendiam que não tinham qualquer direito de reclamar.

Um terremoto acontece
A Bíblia diz que de repente houve um violento terremoto, de maneira que os
alicerces da prisão foram sacudidos. Com isso, todas as portas foram abertas e
todas as correntes dos prisioneiros se soltaram.
É verdade que na Macedônia havia incidência de terremotos, porém claramente
esse terremoto específico foi providência de Deus, ou seja, Deus usa até mesmo de
meios naturais para prover milagres inexplicáveis. Aquele terremoto tinha um
papel decisivo nos propósitos de Deus.
Apesar de todos os prisioneiros estarem livres, nenhum deles escapou. É possível
que todos ficaram perplexos ao redor de Paulo e Silas admirando o poder do Deus
sobre o qual os missionários cantavam.
Quando o carcereiro acordou e viu que todas as portas da prisão estavam abertas,
ele planejou se matar. Na verdade ele sabia que se um único prisioneiro escapasse
sua própria vida seria dada em troca pela vida do fugitivo, sendo assim morto (At
12:19; 27:42). Entretanto, antes que ele se suicidasse, Paulo o avisa que ninguém
havia fugido (At 16:28).
O propósito da prisão de Paulo e Silas e do
terremoto no cárcere
Aqui precisamos fazer algumas considerações, pois é justamente nesse ponto onde
várias interpretações erradas são tomadas.

Algumas pessoas utilizam essa passagem para tentar ensinar que a oração da
madrugada é mais poderosa, tão poderosa que até mesmo um terremoto ocorreu
quando Paulo e Silas oraram à meia-noite.

No entanto esse ensino é completamente estranho, não só a esse texto, mas a toda
Escritura. O terremoto aqui não serviu para mostrar a eficácia da oração feita num
determinado horário da noite. Saiba mais sobre o que a Bíblia diz acerca da oração
da madrugada.
Outras pessoas também usam esse relato sobre Paulo e Silas na prisão para
pregar um tipo de “determinismo”, onde Deus faz qualquer coisa para resolver o
seu problema. Logo, é comum ver cristãos reivindicando um tipo de terremoto
figurado para que seus problemas sejam resolvidos.
Em primeiro lugar, não há qualquer evidência no texto de que Paulo e Silas
tenham orado para que fossem libertos da prisão, muito menos que tenham
solicitado o terremoto que ocorreu. O texto claramente parece indicar que os dois
missionários estavam simplesmente rendendo graças ao Senhor.
É claro que Deus tem um zelo especial pelos seus escolhidos. Através da profecia
do profeta Isaías, somos informados que ainda que uma mãe se esqueça do
próprio filho, Deus jamais se esquece do seu povo (Is 49:15,16). No entanto, isso
não significa ausência de problemas e dificuldades.
Devemos nos lembrar de que o próprio Paulo foi preso outras vezes, sendo que de
sua última prisão em Roma ele não conseguiu sair vivo. Também em nenhuma
dessas outras vezes o terremoto se repetiu.

O que houve ali foi a perfeita execução de um plano do Senhor. O terremoto foi
um instrumento usado por Deus para que seus propósitos soberanos fossem
cumpridos.
Obviamente a libertação de Paulo e Silas estava implícita no plano, mas não era o
ponto principal e exclusivo dele. Se Deus quisesse apenas libertá-los, ele poderia
tê-lo feito como fez com o apóstolo Pedro, enviando um anjo e o libertando
silenciosamente (At 12:7), aliás, isso já havia ocorrido outra vez (At 5:19).

O terremoto não apenas quebrou as correntes que prendiam Paulo e Silas e abalou
os alicerces do cárcere, foi muito mais além do que isto, o terremoto quebrou as
correntes da incredulidade e abalou os alicerces do coração do carcereiro e
também de toda sua família.
Aquele terremoto revelou o poder e a majestade do Senhor, bem como a
soberania de seus propósitos eternos. O grande objetivo do terremoto pode ser
notado nas palavras do carcereiro: “Senhores, o que devo fazer para ser salvo?” (At
16:30).
Os missionários lhe responderam: “Creia no Senhor Jesus” (At 16:31). A salvação
havia alcançado não só o carcereiro, mas toda sua casa (incluindo seus
servos). Paulo e Silas ensinaram àquela família a Palavra do Senhor, e
imediatamente todos foram batizados.
Naquele momento o carcereiro já não era mais o mesmo, ele havia nascido de
novo. Sua atitude já demonstra o caráter de alguém regenerado. Se poucas horas
antes ele havia lançado no cárcere dois homens debilitados, sem ao menos se
importar com as necessidades deles, agora ele estava cuidando das feridas dos
missionários (At 16:32). Somente o Espírito Santo pode promover uma
transformação tão radical.
O carcereiro também conduziu os missionários até sua casa, e ali os alimentou. Para
ele, Paulo e Silas não eram mais prisioneiros, mas agora eram irmãos em Cristo.

O texto bíblico nos informa sobre a grande alegria do carcereiro por não só ele,
mas toda sua família, agora crerem em Deus. A expressão grega desse texto revela
uma confiança permanente, ou seja, a fé daqueles irmãos não era nominal, mas
verdadeira.

Depois, Paulo e Silas voltaram voluntariamente para a prisão. Eles não tentaram


se aproveitar da situação para fugir. No outro dia, pela manhã, as autoridades
ordenaram que os dois fossem soltos.
É possível que a notícia do que ocorreu na prisão tenha percorrido a cidade, e
aqueles homens tenham relacionado a presença dos dois missionários com o
terremoto que havia abalado aquele lugar, e isso pode ter deixado os magistrados
estarrecidos. Seja como for, eles queriam que Paulo e Silas fossem embora.

Entretanto, Paulo se recusou a ir, e também expôs a injustiça que tinha sido
cometida com dois cidadãos romanos, e exigiu uma retratação pública. A
revelação de que Paulo e Silas tinham cidadania romana perturbou os
magistrados, que foram até a prisão e pediram desculpas aos missionários,
implorando também que eles deixassem a cidade.
Após saírem a prisão, Paulo e Silas foram para a casa de Lídia, onde se reuniram
com os irmãos e, depois de encorajá-los, partiram de Filipos.
Esse episódio também tem algumas similaridades com o naufrágio que Paulo
sofreu quando estava sendo transportado como prisioneiro para Roma. O
propósito do naufrágio não era para libertá-lo, mas para fazer com que o poder de
Deus fosse revelado na Ilha de Malta (At 28).

Da mesma forma ocorreu no episódio da prisão de Paulo e Silas em Filipos,


com o consequente terremoto que atingiu aquele lugar. Tudo serviu para
contribuir com a pregação do Evangelho ali. O propósito de Deus com aqueles
acontecimentos era estabelecer e fortalecer sua Igreja naquela cidade.
Depois, quando olhamos para a igreja de Filipos na epístola escrita pelo próprio
Paulo àqueles irmãos, podemos entender o quão importante foi aquela
comunidade cristã para o ministério do apóstolo. Na verdade, havia uma profunda
comunhão entre os crentes filipenses e o apóstolo, os quais por várias vezes
socorreram Paulo em suas necessidades (Fp 4:14-18).

Quando Paulo escreveu sua Carta aos Filipenses, ele se referiu também aos bispos e
diáconos (Fp 1:1). Isso significa que a Igreja ali havia prosperado, o Evangelho
estava sendo pregado, e o reino de Deus avançando.
Todavia, tudo isto tinha começado com a conversão de uma mulher chamada Lídia,
com a expulsão de um espírito de adivinhação de uma jovem escrava, com uma
prisão violenta, com um terremoto milagroso, e com a conversão do carcereiro e
sua família.

Essa é a história da fundação da igreja de Filipos. Nessa história podemos ver como
nosso Deus é Soberano e seus planos infalíveis. Ele poupou a vida de Paulo e
Silas na ocasião do tumulto, tortura e prisão, porém não os poupou do
sofrimento. Apesar disso, os dois missionários entendiam que Deus estava no
controle de tudo, e ao invés de questionarem o Senhor, eles O adoraram.
Ao contrário do que algumas pessoas pensam, essa passagem não nos ensina a
reivindicar um terremoto divino para que nossos problemas sejam solucionados,
mas nos ensina a adorar ao Senhor em meios às adversidades.

O episódio da prisão de Paulo e Silas nos fornece uma grande lição sobre qual
deve ser o nosso comportamento diante do sofrimento. Como escreveu
o apóstolo Pedro, quando suportamos o sofrimento por estarmos fazendo a
vontade do Deus, Ele nos aprova (1Pe 2:20; 3:14; 4:13-16).
Paulo e Silas sabiam que os seguidores de Cristo são submetidos constantemente
ao sofrimento, e é por isso que são eles que encorajam os crentes na casa de Lídia
após terem saído da prisão, e não o oposto.

A lição aqui é muito clara: em Cristo somos mais que vencedores, mesmo em
meio ao sofrimento. O cristão verdadeiro diante da tristeza está sempre alegre,
mesmo na pobreza está enriquecendo a muitos, mesmo nada tendo possui
tudo. Ele capaz de enfrentar qualquer coisa, pois seus olhos estão fixos em
Jesus (2Co 6:4-10).

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