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ENTREVISTA O VAQUEIRO E

Luiz Biajoni fala sobre seu novo O JORNALISTA


romance: Quatro velhos Romance histórico
de José Huguenin
PROSA&VERSO presta homenagem a
Euclides da Cunha e Os
Conto de Patrícia Porto Sertões
Poema de Fiori Esaú Ferrari

RESENHAS VITRINE
Krishnamurti Góes dos Anjos Romances, contos,
comenta o romance A crônicas e poesias.
grande morte do conselheiro Conheça os últimos
estérházy, de Alberto Lins lançamentos da
Caldas Penalux.

Alexandra Vieira de Almeida FOTOGÊNICOS


revela os vários tons no Leitores da Penalux
romance A noite em que o compartilham fotos
amor morreu, de Taís Morais dos livros da editora

1 revista penalux março 2019


REVISTA PENALUX MARÇO 2019

expediente

EDIÇÃO
Wilson Gorj | Tonho França

CONTEÚDO VISUAL, CONCEPÇÃO E


ORGANIZAÇÃO
Equipe Penalux: Yanara de Oliveira |
Rayane Paz | Dáblio Jotta |
Carlos Saldanha Mancur

REVISÃO
Daniel Zanella

PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO


Rafael Voigt

CAPA
Modelo: Yanara Karoline de Oliveira Tenório |
Foto: Rayane Paz Pereira

COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Rua Marechal Floriano, 39 - Centro


Guaratinguetá, SP | CEP: 125000-260
Krishnamurti Góes dos Anjos
penalux@editorapenalux.com.br
Alexandra Vieira de Almeida www.editorapenalux.com.br

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editorial

PROPAGANDO NOSSA CHAMA


Pelo menos uma vez na semana realizamos uma reunião
na sede da editora a fim de pautar ações e definir estratégias
para melhorar nossa atuação como editores e gestores da
Penalux. Nessas ocasiões, a divulgação, ou seja, a promoção
de conteúdo relacionado aos nossos livros, encontra sempre
atenção especial. Como resposta a essa demanda, temos
ampliado nossas parcerias e participação nas redes sociais.
Tanto que nossa página no Facebook atualmente já se
aproxima das 350 mil curtidas, e nosso Instagram, por sua
vez, também tem crescido em número de seguidores.
Mas, como todos sabem, o conteúdo postado nas
redes sociais padece com a dinâmica desses espaços,
cujo mecanismo de atualização tende a jogar para trás
– e, portanto, para um ponto de possível esquecimento –
postagens de relevância para leitores e autores.
Pensando nisso, nos ocorreu a ideia de criar um espaço
que ofereça uma permanência maior de consulta e releituras.
Dessa preocupação nasceu a Revista Penalux, que
agora se concretiza em seu primeiro número.
Digital e gratuita, a nossa revista, ao menos por enquanto,
terá uma periodicidade bimestral, podendo muito em breve
ser publicada uma vez por mês.
Essa é uma das muitas iniciativas articuladas por
nossa equipe, com o intuito de oferecer ao nosso público
possibilidades mais amplas de encontros e trocas de
experiências.
A Penalux é uma editora nova (temos apenas sete anos
de atividades) e, mesmo pequena, vem cativando o apreço
e a admiração de um número cada vez maior de leitores,
autores e parceiros. Acreditamos que a nossa força esteja
justamente neste ponto: o investimento nessa rede crescente,
colaborativa.
Que a luz emanente dos livros continue nos mantendo
conectados e fortalecidos neste propósito de espalhar mais
literatura, cultura, conhecimento, reflexão, beleza.
Nosso slogan não nos deixa esquecer que livros iluminam.
Sejamos, então, iluminados por nossas leituras. Lux para
todos.
Os editores

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entrevista

luiz biajoni
Conta detalhes de Quatro velhos, seu mais novo romance


Eu vinha lendo narrativas reais,
jornalismo literário, Fama e
Anonimato, do Gay Talese, e,
especialmente os livros da Janet
Malcolm. Foi o que orientou
minha narrativa nesse livro.

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De onde surgiu a ideia para a narrativa de Qua- dentro do romance desconstrói certos estigmas
tro velhos? O motivo exposto no prólogo, que criados em torno da velhice?
aparentemente deu origem ao romance, é do Todas as fases são cheias de estigmas. Mas acho
narrador ou do autor do livro? que a velhice pode ser um momento de certa li-
Acho que há uma graça nessa confusão de não sa- bertação de paradigmas. Tentei menos descons-
ber se o autor é, de fato, o narrador. Sobre isso, truir qualquer coisa e mais contar uma bela histó-
posso dizer que a motivação foi muito vagamente ria do melhor jeito, honrando esses personagens.
o boato sobre o velho italiano ser filho bastardo
de Mussolini. Mesmo porque, isso não é absoluta- Sua narrativa tem uma clareza e uma aparen-
mente importante no romance. te simplicidade que favorece o fluxo da narra-
ção. Torna a leitura prazerosa e
Embora o chamariz da narra- demonstra uma habilidade sua
tiva seja o suposto filho bas- de construir enredos comple-
tardo de Mussolini, o perso- xos por trás dessa simplicidade.
nagem Orlando, a história se Como desenvolveu esse traço em
centra mais em dois casais de sua obra? Há outros autores que
idosos, que passam a conviver você admira com essa mesma ca-
no final de suas vidas: Lando racterística?
(Orlando)-Ciça e Ronnie-Ne- Sempre persegui a clareza. Acredi-
ver. É nessa relação que está a to que todo escritor, quando pensa
força do romance, não? em ser escritor, quer revolucionar a
Sim. Muitas vezes por trás de literatura, a estrutura narrativa... eu
uma história aparentemente também pensava assim, meus he-
banal existem grandes perso- róis eram Joyce e Beckett, os poetas
nagens. Lembro da história concretistas, etc, queria escrever
de Emmanuel Carrère, que uma grande história com uma for-
conhece um poeta meio ma- ma inovadora, mas aí, felizmente,
luco em Paris, nos anos 1980, a gente envelhece e aprende que a
e depois levanta a assombrosa história pede a forma; o maior de-
vida dele e escreve Limonov. safio do escritor, no meu entender,
Recentemente, o jornalista é atender e alcançar a forma que a
Chico Felitti levantou a histó- história pede. Cada um de meus li-
ria do folclórico Fofão da Au- vros pediu uma forma, embora, é
gusta e escreveu uma grande reportagem, que claro, eu veja uma unidade e um estilo meu ali – e é
agora virou livro, Ricardo e Vânia. Quando parei um estilo que busca a clareza, mas com ritmo, cor-
para pensar naqueles quatro velhos que se conhe- tes, mudança de vozes e até algumas experimenta-
ceram e desenvolveram uma amizade intensa nos ções, dependendo do que pede a história.
poucos últimos meses e anos da vida, vi que tinha
uma história com ótimos personagens. Eu vinha Como você posiciona Quatro velhos dentro de
lendo narrativas reais, jornalismo literário, Fama sua produção literária?
e Anonimato, do Gay Talese, e, especialmente os Como a continuidade do que pretendo. Depois
livros da Janet Malcolm. Foi o que orientou mi- de três novelas policiais sacanas, reunidas em A
nha narrativa nesse livro. Comédia Mundana, quis escrever três livros que
tratem sobre a amizade e a passagem do tempo,
A velhice se apresenta em Quatro velhos não com alguns elementos de jazz: o primeiro foi A
como algo limitador, mas às vezes até como Viagem de James Amaro, o segundo é esse Quatro
uma fase de transgressão. Como essa discussão Velhos e já comecei o terceiro, Algum Amor.

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vitrine
Marcos Gontijo. Vagamundos e Girassóis
gênero: poesia | formato: 14x21 | ano: 2018 | 104 p. | pólen soft 90 gr

No contorno de cada imagem gerada, na luz de cada revelação conseguida pela


interpretação do atento leitor e na singeleza de uma poesia que mais parece um
manifesto ao mundo de tantas turbulências e de todos os possíveis desmandos, desandos
e desavisos, um livro, que tem o Marcos D. Gontijo como autor, não é obra para figurar
em prateleira e acumular poeira até amarelar, mas uma relíquia a trazer no peito e ser
aberta a cada momento para um deleite permanente. Por Roque Aloisio Weschenfelder

www.editorapenalux.com.br/loja/vagamundos-e-girassois

Alex Sens. Corações ruidosos em queda livre


gênero: contos | formato: 14x21 | ano: 2018 | 132 p. | pólen bold 90 gr

Corações ruidosos. Em queda. Livre. Três contos costurados por uma linha
cortante, unindo de maneira decisiva as histórias narradas aqui. A primeira, uma
viagem de ônibus em que as vozes de doze personagens se confundem e se chocam.
A segunda, uma galeria de arte cuja principal exibição não é propriamente a arte.
E a terceira, uma série de cartas ácidas e sombrias escritas por uma escritora
amargurada. Três contos que se encontram e se completam. Três contos caindo
ruidosos onde as coisas fazem silêncio.

www.editorapenalux.com.br/loja/coracoes-ruidosos-em-queda-livre

Marcos Torres. Cores de Indochina


gênero: romance | formato: 14x21 | ano: 2018 | 226 p. | pólen soft 90 gr

A literatura tem asas, mas não tem fronteiras. [....] A uma cultura tão pouco familiar
ao Ocidente, nós leitores conseguimos nos transportar ao universo do protagonista
Thoth Zehuti, um filósofo e professor deslocado no mundo, um andarilho errante
dotado de certa misantropia, que vagueia como um moribundo, na esperança de
encontrar uma melhor disposição para enxergar a vida, ou um lugar para chamar de
pátria e sobreviver com o mínimo necessário.... Assim, ele se dirige para o Vietnã,
Camboja e Tailândia, atraído pelos contrastes dessa cultura milenar: uma natureza
tão exuberante, com seu povo historicamente reprimido e sofrido. [...] A narrativa
entrelaçada com micro-histórias e micronarrativas, em meio a um enredo costurado
com dores e perdas, memória e esperança, nos descortina o cenário de uma cultura
ímpar, além de nos causar inquietação e nos fazer refletir sobre o destino da
humanidade em vários aspectos: político, religioso, ideológico, cultural.
Uma leitura envolvente, que, com sua narrativa não linear, nos faz perceber que “a
vida nem sempre é uma sequência cronológica de eventos e acontecimentos, tal
como queremos”, como sinaliza Thoth. Boa viagem!

www.editorapenalux.com.br/loja/cores-de-indochina

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prosa&verso

Ícaro
morreu aos sete
meses dentro da
minha barriga.
Fiquei anos me
odiando pela escolha desastrosa do nome. Achava
que havia lançado através dele uma profecia
trágica. A culpa, óbvia, minha. Culpa de mãe de
viagens malsucedidas pelo mundo. Meu marido
consolava. Era um nome bonito, dizia. Um nome
de sonhador, de alguém que persistia até o fim.
Eu só escutava a palavra “fim”. Comecei então a ler
Freud. Péssima ideia. Tudo parecia ter sido escrito
sobre minhas maldades. Sim, foi o meu desejo. Eu
desejei ter um filho que voasse até o sol e que de lá
caísse para a morte. Ícaro com suas asas de cera, o
menino que não iria crescer, que não enfrentaria
o mundo dos homens ruins. A culpa só poderia
ser realmente minha. Eu trabalhava muito. Eu Conto do livro A memória é um peixe fora
estudava muito. Eu lia muito. Eu era muito e tão d’água, de Patrícia Porto (Penalux, 2018)
pouco. Lembro que a primeira sensação que tive
da presença de sua vida foi um bater delicado de
asas. Eu tão inquieta, pessimista, tão cansada de
tudo e de todos antes dos trinta... Sentir as asinhas
daquele pássaro me encheu de uma sensação
muito nova, comendo a fruta no pé, me banhando
no rio num caldo grosso, submersa, protegida.
Ícaro veio espontaneamente na cabeça. Asas.
Liberdade. Amplidão. Risco. Vontade. Desejo!
Vida! Horizontes. Mas por que não pensei na
morte? Por que não fui adiante na história? Só o
clarão chegou às minhas vistas. Uma luz absoluta
tão confortável e tão intensa que era impossível
abandoná-la. Eu a amei imediatamente e fui
consumida por ela.
Mas um dia houve que nada se moveu. Nem
dores. Nem flexões do corpo. Nem asas. A descida
foi imensa e brusca. Das mais doídas. Lá caímos
juntos. Pois era eu a mãe. Hoje a queda completou
vinte e quatro anos.

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a liberdade
Quando o avô morreu era uma tempestade.
A cruz no alto da igreja
tinha desaparecido,
a igreja toda
desaparecida,
manto tanto de água,
véu da torre,
o sino só como
o coração do avô.

Quando o pai morreu era uma chuva fina.


Pequenas estrelas
esqueciam de acabar,
no vão das nuvens
espiavam
e faziam a madrugada
durar pra sempre.
A renda branca
caía sobre o túmulo
e a igreja do Rosário
enchia dos negros
Poema do livro Variações do Exílio, de que a construíram.
Fiori Esaú Ferrari (Penalux, 2018)

Quando o filho morreu já não tinha chuva.

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vitrine

Rosana Vinguembah. Sopa de pedras


gênero: romance | formato: 14x21 | ano: 2018 | 144 p. | pólen soft 90 gr

Sopa de Pedras narra o cotidiano da família do Sr. Leôncio, dono de uma pequena
propriedade rural às margens do Rio Triunfo, em Minas Gerais, onde a atividade
garimpeira em decadência ainda é a principal fonte de sustento dos moradores da
região. Em um cenário em que as vidas são traçadas pelo trabalho árduo e pelas
dificuldades enfrentadas na rotina diária, vários personagens contracenam com
a realidade do cotidiano rural do interior do Brasil. Dentre os personagens que
compõem o enredo, estão Valentin, filho mais novo do Sr. Leôncio que, na sua
infância, já se depara com a necessidade de ajudar a família no trabalho diário. D.
Candinha é a matriarca dessa história que demonstra a sua força e dignidade, seja
no provimento da família ou no cuidado com os garimpeiros que trabalham nas
terras de seu marido. O Sr. Manolo Roriz, um argentino que possui um pequeno
comércio no acampamento dos garimpeiros e abastece as famílias que residem na
localidade. Tito, um andarilho querido e conhecido por todos que, a cada período,
é acolhido por uma família da região. Esses são alguns dos sujeitos que tecem a
vida do garimpo no Rio Triunfo e nas suas imediações, onde a realidade palpável se
mistura com a ficção para ilustrar a existência de milhares de personagens reais que
estão embrenhados pelo interior do país.

www.editorapenalux.com.br/loja/sopa-de-pedras

Rodrigo Ornellas. Janelário


gênero: contos (selo lampejos) | formato: 14x21 | ano: 2018 | 132 p. | pólen soft 90 gr

Rodrigo Ornelas, por meio de uma linguagem saborosa, fluída, apresenta o seu
cotidiano, o qual não é um lugar “comum”, pelo contrário, é um ambiente cheio
de movimento do qual se capta sons, gritos vindos das ruas, das casas, dos becos
e, isto aliado a experimentos ora estéticos, ora temáticos, se une para formar um
cotidiano não meramente mecânico, mas pensado e imaginado; criado. Para a
professora Cássia Lopes, os contos de Ornelas são catedrais de emoções, instantes
fugazes diante do espanto da paisagem, das veredas sociais e da face agônica de
um transeunte, o que é, em partes, propiciado e facilitado pelo impulso de uma
narrativa tão fluída, capaz de construir uma fusão entre percepções, entre situações,
banais ou não; entre emoções.
O autor diz que o que se abre em seu Janelário são imagens rápidas que, na ânsia
do imediatismo, captam toda uma avalanche de possibilidades, o que é construído
também com o auxílio da linguagem e sua criatividade, empenhadas em construir
contos inovadores do ponto de vista, estético, autobiográfico e principalmente
temático. O cotidiano é satirizado com uma leve pitada para o imaginário, como
na árvore e na amizade expostos no conto “Um presente para Nani”, o vegetal,
representado na árvore, se une ao simbólico, metaforizado na emotividade do
envolvimento afetivo entre os personagens, um verdadeiro experimentar, mas muito
bem-sucedido.

www.editorapenalux.com.br/loja/janelario

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livros são fotogênicos
cliques de leitores

livro: Versos no camarin, poesia, Regina Celi livro: Para que serve a poesia?, Clarice Sabino
(2019). (2018)
foto: Rayane Paz foto: Anna Clemente Prats

livro: O berro do bode, contos, Verena Cavalcante


(2018)
foto: Raimundo Neto

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romance

O VAQUEIRO E O JORNALISTA:
UMA RELEITURA DA GUERRA DE CANUDOS

Romance histórico se antecipa à FLIP e homenageia


Os Sertões, de Euclides da Cunha

400 jagunços prisioneiros, fotografia de Flávio Barros (Acervo Museu da República).

11 revista penalux março 2019


O
que leva uma família a seguir as ideias de
Antônio Conselheiro? Que tipo de esperança
buscam? O que leva um republicano
convicto a questionar a República? Que verdade os
olhos revelam ao se depararem com um movimento
alarmado como monarquista e antirrepublicano?
Como seria o encontro destas duas visões de mundo?
Com questionamentos como esses, o professor
universitário José Huguenin cria neste seu primeiro
romance uma história que tem por eixo o encontro
dramático de um certo vaqueiro com um jornalista no
árido sertão durante a Guerra de Canudos.
O vaqueiro vai para Canudos com a família
guiado pelas profecias de Antônio Conselheiro, e
também como fuga às injustiças do coronelato. Já o
outro personagem-chave desta trama, o jornalista
republicano, vai para Canudos para observar a
guerra em curso, acreditando se tratar de um levante
monarquista. A narrativa tem como ambiente um
dos momentos históricos mais dramáticos do país.
O positivismo republicano na figura do jornalista Euclides da Cunha, mas se inspirou na obra-prima do
depara-se com a força e sabedoria desassombrada do conterrâneo para fazer, com isso, uma homenagem
sertanejo, na figura do vaqueiro. O jornalista encarna ao grande autor do livro vingador. O vaqueiro e o
as vivências de Euclides da Cunha durante a guerra, jornalista dói e emociona: o desfecho não pode ser
personificando-as, através de referências indiretas e diferente, mas torcemos o tempo todo por outro fim,
diretas às constatações de Os sertões. talvez aquele em que todos ganhassem...”.
“Minha história revisita o tema de Canudos e,
em certa medida, dialoga com o clássico de Euclides SOBRE O AUTOR
da Cunha”, diz Huguenim em referência ao livro Os Natural de Santa Rita da Floresta, Cantagalo (RJ),
Sertões. “Vale lembrar que em 2019 completam 110 José Huguenin é doutor em Física e professor
anos da morte de Euclides. O autor será o homenageado universitário em Volta Redonda (RJ), onde mora.
da próxima edição da FLIP”, destaca o escritor. Euclidianista de nascença, participou como estudante
Neste romance histórico, que sai pela Editora de várias edições da Semana Euclidiana, em São José
Penalux, o autor dramatiza eventos narrados em Os do Rio Pardo (SP), berço de estudos sobre vida e obra
Sertões, buscando dar vida e identidade ao sofrimento e de Euclides da Cunha. Laureado em vários prêmios
abandono denunciado na obra euclidiana. A narrativa literários, tem publicado livros de poesias (Vintém
lança mais luz sobre o outro lado do confronto, tendo e Experimentos poéticos), crônicas (De manga a jiló
em vista que, na obra de Euclides da Cunha, o ponto de provei...) e contos (A parede & outros contos). Este
vista é mais externo a Canudos, dando mais detalhes é seu primeiro romance. É membro da Academia
aos preparativos do exército. Pelo enredo criado por Volta-redondense de Letras.
Huguenin, o leitor acompanha a saga de uma família
sertaneja na Guerra de Canudos ao passo em que SERVIÇO
se depara com os embates do jornalista destinado título: O Vaqueiro e o Jornalista (romance)
à cobertura do evento, em constante crise com sua autor: José Huguenim
própria consciência ante à guerra apresentada. publicação: 2018
Nas palavras da escritora Paola Mariz, que assina tamanho: 14x21
a orelha, o autor José Huguenin “faz das forças que páginas: 172 p (pólen soft 80 gr.)
duelam em Canudos o tema de seu primeiro romance. preço: R$ 38
Corajoso, não se intimidou com Os Sertões, de disponível em: www.editorapenalux.com.br/loja

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vitrine
Edmilson Borret. Entre cão e lobo
gênero: poesia | formato: 14x21 | ano: 2018 | 100 p. | pólen soft 90 gr

Nós, leitores, queremos é boa poesia e isso é o que não falta em Entre cão e lobo,
livro de estreia de Edmilson Borret. Sem negar influências dos nossos grandes
poetas (especialmente Drummond e João Cabral de Melo Neto), o autor resolve-se
nessa gramática própria, que serve ao lirismo, jamais à pieguice. O autor extrai sua
poesia, quase suja, sem sentimentalismos, como quem espreme um limão verde
a fim de colher esmeraldas prontas para serem lapidadas pelo verbo e, depois,
nos espetarem o olhar, e o cenho, e a boca, e o queixo. Permita que a poesia de
Edmilson Borret liberte a poesia que você tem dentro de si e que, muitas vezes, só
não diz “presente” porque não foi convocada.

www.editorapenalux.com.br/loja/entre-cao-e-lobo

Samuel Marinho. Poemas in outdoors


gênero: poesia | formato: 14x21 | ano: 2018 | 80 p. | pólen soft 90 gr

A modernidade é pauta do novo livro de Samuel Marinho, Poemas In Outdoors.


Como lidar com os dilemas eternos – amor, morte, tristeza – em tempos em que
não há mais tempo para dilemas? E como ser poético e maldito e ainda viver
no século 21? Samuel Marinho tenta encontrar as respostas, mergulhando em
poesia os objetos triviais da contemporaneidade e trazendo aquilo que é poesia
para palavras robóticas cibernéticas. Os poemas também seguem o fluxo de seus
contemporâneos: curtos, rápidos, desafiando a forma da maneira mais drástica
possível. Entretanto, Marinho ainda faz questão de trazer narrativas antigas –
sobretudo românticas – para suas liras atuais. O autor, não obstante, relembra que
a modernidade, além de não se esquecer de dilemas passados – apesar de tentar
colocá-los para dentro do tapete –, criou novos questionamentos existenciais. Desta
forma, versos também se perguntam sobre o capitalismo, a solidão dos tempos
líquidos, dentre outros milhares de problemas. Assim, com a junção de todas
questões, imagens e técnicas literárias, a linha do tempo é quebrada em Poemas In
Outdoors, e tudo é fruto da grande interação de todas as épocas da humanidade.

www.editorapenalux.com.br/loja/poemas-in-out-doors

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resenha
Servidão humana ou o enfrentamento do horror (?)
Por Krishnamurti Góes dos Anjos (*)

D
iscours de la servitude volontaire ou célebre frase (bem mais recente), de George Orwell
Discurso da servidão voluntária é texto (1903-1950): “A massa mantém a marca, a marca
provavelmente datado de 1547 e publicado mantém a mídia e a mídia controla a massa.” Mas o
em 1563, ano da morte de seu autor, o buraco continuou a afundar-se mais ainda nos estreitos
humanista e filósofo francês Étienne de La Boétie limites de nossa situação pós-moderna. Outro que
(1530-1563). La Boétie perguntava-se como um anda pensando nessas ‘sensaborias’ é o filósofo alemão
único tirano poderia manter sob o seu jugo milhares de origem sul-coreana Byung-Chul Han. No opúsculo
de homens e dezenas de cidades. Dentre as inúmeras de Sociedade do Cansaço, ele discute a ascensão de um
conclusões a que chegou há uma fundamental: “É o novo paradigma social, em que a sociedade disciplinar
próprio povo que se escraviza e se suicida quando, de Foucault (mais um que entrou no samba do crioulo
podendo escolher entre ser submisso ou ser livre, doido) é substituída pela sociedade do desempenho.
renuncia à liberdade e aceita o jugo; quando consente Esse novo modelo social é movido por um imperativo
com seu sofrimento, ou melhor, o procura.” À de maximizar a produção do Sistema. “Nós, sujeitos
época isso se dava, segundo observação do próprio de desempenho, somos constante e sistematicamente
autor, porque um pequeno número de súditos pressionados a aperfeiçoar nossa 'performance' e
obtém a confiança do tirano e dele se aproxima, aumentar a produção”.
compartilhando de seus desmandos e recebendo seus E por isso produzimos. Produzimos até a exaustão.
favores. Esse pequeno número de homens dispõe de E, mesmo cansados, continuamos produzindo. Uma
seus próprios súditos, que também compartilham de meta é sempre substituída por outra. A tarefa nunca
seus desmandos e recebem seus favores. Mantêm uma acaba. É frustrante e esgotante. E, ao lado disso,
série de subordinados, os quais possuem também seus como nunca na história da humanidade, cristalizou-
próprios subordinados. Formam-se, dessa forma, se positivamente a Normose, que é um conceito de
relações de favorecimento e obediência em múltiplos filosofia para se referir a normas, crenças e valores
níveis ou instâncias. Todas essas instâncias controlam sociais que causam angústia e podem ser fatais. Em
a malta ignorante pela força e, principalmente, outras palavras, "comportamentos ditos normais de
pela enganação das políticas de “pão e circo” e dos uma sociedade que causam sofrimento e morte". Dessa
discursos religiosos e supersticiosos que envolvem o forma, os indivíduos que estão em perfeito acordo
tirano em um manto de devoção. Tece-se assim uma com a normalidade e fazem aquilo que é socialmente
rede de favores e concessões, em que um homem deve esperado, "o que todo mundo faz", acabam sofrendo,
obediência a outro, em uma teia cuja ponta leva, em ficando doentes ou morrendo por conta das normoses.
última instância, ao tirano. De qualquer forma, o que O resultado é uma sociedade que gera fracassados e
levava a isto era o fato de que os homens, por hábito, depressivos, a quem só resta recorrer a medicamentos
ignorância e fraqueza moral, voluntariamente se para continuar produzindo mais eficientemente.
submetem à tirania. Exaustos e correndo é a condição humana de
Depois de Étienne de La Boétie, certamente muitos nossa época. O corpo humano não aguenta, lógico,
fizeram questionamentos semelhantes, e por certo e o tal do corpo virou um empecilho, um apêndice
chegaram a conclusões de acordo com as mudanças incômodo, um não-dá-conta que adoece, fica ansioso,
operadas nos regimes, nas sociedades e todas e tantas se deprime, entra em pânico. E assim dopamos esse
mutações que os tempos impuseram. Hoje já não há corpo falho que se contorce ao ser submetido a
sentido falarmos em tiranias absolutistas encarnadas uma velocidade não humana. Viramos exaustos-e-
em um único homem. O buraco se aprofundou. E correndo-e-dopados. Está devidamente instaurada a
como! Tudo isso nos faz lembrar também de uma violência psíquica que tem outros ingredientes, como

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a propagação do medo em todas as latitudes e nos
mínimos detalhes. Viramos os tiranos de nós mesmos
quando instalamos nas cabecinhas vazias da maioria
esmagadora dois conceitos fundamentais: o de que o
indivíduo deve se explorar livremente em benefício
do sistema e, ainda por cima, é capaz de jurar “de pé
junto” que isto o realiza. O paradoxo se sofisticou.
A coerção foi plantada de dentro para fora. Nada de
parar a correria, nada de contemplações, nada de
pensar ou criar.
Muito bem: todo esse prelúdio tem o propósito
de apresentar a obra A grande morte do conselheiro
esterházy, que é o título do romance de Alberto Lins
Caldas, recentemente publicado pela Editora Penalux.
Antes de seguirmos adiante, vale a pena um parêntesis
sobre o autor e sua obra. Alberto Lins Caldas vem se
notabilizando por construir uma literatura que não faz
concessão à facilidade e à mesmice. Seus temas, quer
na prosa, quer na poesia, são densos, inquietantes,
focando os conflitos e dilemas do ser perante a vida aqui
e agora. Sempre a surpreender em construções formais
inovadoras, a provocar incômodo com o propósito
A grande morte do conselheiro esterházy, romance de
de sair do lugar comum. E o faz com veemência,
Alberto Lins Caldas. Penalux: Guaratinguetá/SP, 2018, 206 p.
ardor, revolta, empenho e notável capacidade de tecer
enredos e situações com uma imensa variedade de
informações e situações que ele entrelaça de forma a Pronto. É aí, e de cara, que o leitor, se questiona
construir uma literatura instigante que envolve o leitor se não houve revisão gramatical, ou o autor está
inapelavelmente, fazendo-o refletir profundamente. a contrapelo de normas e convenções? De fato, a
Um guerrilheiro da literatura que não hesita. Em um supressão intencional da pontuação e palavras, ao
de seus textos, escreve ele: “meus livros sempre foram lado de uma linguagem coloquial e ainda bastante
o que denomino enfrentamento do horror.” Aí temos simplificada, faz parte de uma estratégia que busca,
o criador febril. por certo, a fidelidade ao fluxo do pensamento
Voltemos ao livro, ou romance, que nesse caso é que corre sem peias. Avancemos um pouco
um enquadramento genérico a bem dizer. O que mais no enredo fornecendo ao leitor, para maior
à primeira vista parece um monólogo interior, esclarecimento da trama, algumas informações: a
configura-se, à medida que a narrativa avança, em um começar pela identidade do tal conselheiro. Esterházy
solilóquio. Ou seja, um longo discurso pronunciado é (ou foi) uma família nobre húngara com origens na
de maneira bem mais estruturada e articulada que Idade Média. Desde o século 17, eles estavam entre os
o monólogo interior. A obra se inaugura com um grandes magnatas latifundiários do Reino da Hungria
depoimento aberto, franco: “só falta falar. mesmo durante o tempo em que fazia parte do Império
sabendo q as palavras não são nada só falta falar. é isso dos Habsburgos e depois da Áustria-Hungria (esta
q minha pessoa tem pensado a vida inteira. mas minha informação não está no livro). Muito bem; a voz que
pessoa nunca fez isso nem consigo mesma. se deixar nos fala é a do novo mordomo do tal conselheiro que
levar pelo dizer. mergulhar no q sempre foi tudo e é refere-se a si mesmo apenas como “a minha pessoa”.
sempre a última palavra. retornar pro essencial. não Essa pessoa assiste a morte do tal conselheiro que
de quaisquer vidas mas da vida de minha pessoa com demorou exatos duzentos e setenta e dois dias para se
o conselheiro esterházy a vida de minha pessoa depois consumar, ou seja, o tempo de uma gravidez humana.
do conselheiro esterházy a vida de minha pessoa Portanto, a narrativa já se inaugura no ritmo forte
durante a longa dolorosa estranha morte de duzentos da metáfora. O cenário em que tudo acontece é o
e setenta e dois dias do conselheiro esterházy”. interior de um castelo, mais precisamente no quarto

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do conselheiro, espécie de catacumba escura com pergunta: ele é mesmo assim por natureza ou fruto da
“seu inescapável fedor sulfúrico e velho de charutos condição em que nasceu e é obrigado a viver?
negros e mortos.” O mordomo ali vive em companhia Por outro lado, é sujeito de apurado senso
do conselheiro “desde q o papai e a mamãe de minha ético que identificamos no terceiro capítulo, boa parte
pessoa entregaram minha pessoa pro conselheiro dele a analisar a banalização do mal entre os homens, e
esterházy”. Para servir o conselheiro, claro. A narrativa isto nos leva a pensar se não é exatamente assim, nessa
gira em torno das angústias temores e descobertas que levada (para usar um termo mais ameno), que vamos
a convivência provoca no jovem mordomo, sobretudo incutindo nas gerações seguintes o conceito do mal:
quando houve do conselheiro: estou morrendo. Esse “minha pessoa não pode recusar o mal não aprendeu
é o conflito básico. Estará mesmo o conselheiro à a recusar o mal. a única escolha q foi possível foi o mal
beira da morte? Como isso se dará? Que relações e no malestar o malviver o malsonhar jamais escolher
serão estabelecidas entre servo e senhor? O que o bem o bem-viver nem mesmo o bemmorrer. o mal
afinal é ter uma grande morte ou uma “minúscula e e malestar. nem mesmo o grande mal ou o grande
esquecível morte”? Temos por certo como metáfora malestar do conselheiro esterházy. tão somente o
gigantesca e inaugural o embate entre a juventude e a pequeno mal engolido pelo grande mal sentindo
decrepitude. O novo desejando frutificar e o decadente na carne por dentro da carne esgotada somente o
a se perpetuar? Tantas e tantas ramificações filosóficas pequeno malestar sem saber porquê. porq o mal não
podem advir de uma situação assim, e de fato é o que se separa das cousas não se separa dos sonhos da
sucede. A começar pela imensa inércia do mordomo carne do desejo da memória do riso. porisso ele não é
que, mesmo naquela condição de completa estupidez traiçoeiro não é covarde não é mesquinho. ta sempre
existencial, busca o reconhecimento do senhor, dos aqui. quem não vê quem não toca quem não percebe
desejos do senhor, e por isso trabalha, por isso é vive no mal e o mal vive nele. porq não é violento não
capaz de quase tudo. É um personagem que chafurda é força não é espalhafato nem convencimento. é cousa
na lama da servidão de nosso tempo de extrema mansa cousa pacífica cousa q cochila cousa q roça q
complexidade. Uma complexidade que positivamente atravessa cousa que ri cousa q chora cousa tenra q
nem George Orwell com sua profunda consciência nasce cousa que vive cousa que morre cousa q fala
das injustiças sociais daria conta de imaginar, menos cousa q se cala cousa no espelho cousa no olho cousa
ainda Étienne de La Boétie. Viram como o buraco na língua cousa de esquecimento”.
a que nos referimos anteriormente se aprofundou? Vejamos uma das conclusões que esse espectro
Muito mesmo. Mas do que estamos, afinal, a falar? humano chega, e já quase ao final de sua saga de
Por dentro do livro, o autor vai tecendo sua história “duzentos e setenta e dois dias” acompanhando
com o que vai se passando (e transformando) no o desencarne – desencarne não, que é palavra
interior do mordomo, dentro de uma condição em exagerada para o contexto, o expirar do conselheiro
que seus atributos humanas vão aos poucos descendo (expirar verbo intransitivo: deixar de existir; morrer):
degraus que praticamente inviabilizam a existência. “nada substitui a vida enquanto viver substitui
Uma condição de quase objeto. Não entremos em violentamente segundo a segundo o próprio viver.
detalhes que tirariam do leitor o prazer da própria a vida é constantemente substituída por outra vida.
descoberta. Frisemos, todavia, um e outro ponto. todas as vidas anteriores mergulham no mais atroz
Vale observar no segundo capítulo o painel incisivo esquecimento porq é do esquecimento q essa vida essa
da condição humana quanto à solidão essencial forma de vida servil [grifo nosso] se alimenta. nem a
que nos caracteriza: “...e toda terra é somente força nem o poder nem a loucura nem a palavra nem
solidão nos distinguimos um do outro somente pela a arte nem o nascer dos filhotes consegue diminuir
consciência dessa solidão pois tamo sozinhos em o impacto desse esquecimento. é deformando tudo
todas as circunstâncias.” Outro ponto de destaque: ao seu redor deformando antes deformando durante
a perspectiva do jovem mordomo é francamente de deformando depois q a vida continua a vida gera mais
um niilismo existencial no qual a existência não tem vida mesmo naqueles iguais a mim q nada geraram
qualquer sentido ou finalidade e, por isso, o homem e porisso torraram a vida. quaisquer esperanças de
não procura um sentido e um propósito para a sua sobrevivência é somente o tempo onde todas as cousas
existência. Para ele, a existência se resume “tão se deformam pra serem esquecidas.”
somente à ilusão dolorosa do horror de viver”. Fica a Parafraseando o mordomo narrador: “só falta

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falar. mesmo sabendo q as palavras não são nada só ainda suposição. O fato inconteste é que há também,
falta falar” e perguntar: quem ao fim e ao cabo estará como sempre houve, aqueles(s) de nós que o miram
morto em toda essa trama? Quem viverá? “A grande de volta e o enxergam em toda a sua profundidade, ou
morte do conselheiro esterházy” é um mergulho melhor, que percebem que o mal nada mais é do que
fundo num mundo onde as certezas sobre o que o rebento de nossa própria ignorância. Esse o horror a
somos e como vemos as coisas são apenas borrões. enfrentar. Compreender tal realidade é a única forma
Um mundo em que, paralelamente aos valores que de eliminá-lo definitivamente.
desaparecem, nada resta a não ser um tremendo vazio
existencial, que, via de regra, deságua na violência sem
limites, num limiar entre a animalidade e o aquém
da animalidade, uma zona que sequer conseguimos
nomear. Entretanto, não há nada definido, mesmo
que no percurso de se encontrar no mundo sejamos (*) Krishnamurti Góes dos Anjos é escritor,
jogados no mais puro abismo onde o mal olha-nos pesquisador e crítico literário. É colaborador de vários
ameaçadoramente nos olhos. Não é consolo, menos sites, revistas e suplementos literários.

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livros são fotogênicos
cliques de leitores

livro: Internamente eternamente, poesia,


Gustavo da Cruz (2017)
foto: Brenno dos Anjos

livro: Não temos Wi-fi, coletânea de pequenas


ensaios, reflexões e crônicas dos autores Cyelle
Carmem, Lau Siqueira, Letícia Palmeira e Linaldo
Guedes
foto: @aventura_entrelinhas

livro: Traço-oco, poesia, Paulo Nunes (2018)


foto: Rui Martins Jr.

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resenha

Os vários tons no romance A noite em que o amor morreu


Por Alexandra Vieira de Almeida (*)

O
romance A noite em que o amor livro, que se compõe deste prólogo na prisão, onde a
morreu (Penalux, 2018), de Taís Morais narrativa quebra a linearidade do tempo cronológico,
(escritora que já foi premiada em 2006 depois segue uma linha com início, meio e fim, nos 21
com o prêmio Jabuti de melhor livro- capítulos seguintes.
reportagem), é extenso, dando ensejo para uma O livro tem um tom de mistério desde o início,
trama bem construída, com todas as peças encaixadas onde somos conduzidos pela autora a um romance
perfeitamente. Como num quebra-cabeças, somos envolvente e que prende nossa atenção, numa leitura
conduzidos a encarar um livro realmente revelador, ágil e plural, apesar das 344 páginas. No meio da
em que o tom funesto e sombrio do prólogo abre o violência e da agressão dos militares, temos o espaço
caminho para que o sol da escrita ilumine os espaços para a compreensão e amizade que se forma entre as
coerentes de uma narrativa longa que engloba capítulos duas. O narrador onisciente é uma estratégia narrativa
que se estruturam com grande beleza e novidade a para este tema político, pois a impessoalidade
cada nova página. O romance, entre o documental funciona como um tom de verdade e isenção frente a
e o ficcional, mostra com realismo e exatidão os um olhar reduzido a particularidade de uma pessoa.
diferentes tons das cores sombrias e claras. O tema da O narrador heterodiegético vai explicando os vazios,
obra é a ditadura militar e seu sistema de opressão e preenchendo o que não foi explicado antes. Com
desumanização, contrastando com a liquidez humana uma incógnita inicial, o narrador ilumina a narrativa.
de personagens complexos, feitos de várias camadas e Utilizando a linguagem própria da época, temos o
tons inesperados. vocabulário específico da ditadura, com relação às
O romance, escrito em terceira pessoa, com torturas, como a “cadeira do dragão”. Entre as duas se
um narrador onisciente, dá voz aos militantes de forma uma parceria nos dias difíceis, apresentando
esquerda que a partir da pluralidade de vozes nos a compaixão uma pela outra. E o que nos define
mostra as camadas profundas dos seres, numa tomada é a nossa humanidade, de sermos feitos de pele e
psicológica do livro. Angelina, a personagem principal, ossos, mas também de ideais, como a tentativa da
que se filia ao PCdoB, aparece logo no prólogo presa politização das massas e a busca pela liberdade de
juntamente com uma militante das matas do famoso opiniões e pela democracia. No meio deste caos
Araguaia, Maria, que foi palco da luta armada contra cruel da ditadura, eis que surge uma espécie de anjo
a ditadura incoerente e cruel. Mostrando as torturas misterioso que dá comida às duas e leva o recado de
iniciais destas duas personagens, Angelina e Maria, Angelina para fora da prisão no intuito de conseguir
somos levados a cenas impactantes e fortes, revelando a liberdade e se comunicar com os pais. Na verdade, o
a grande maestria da escritora Taís Morais, que nos livro excepcional de Taís tem todo um tom misterioso
apresenta um quadro real do que acontecia na época. e enigmático que vai sendo clareado pelo narrador,
Conhecedora da história deste tempo sombrio, o livro que dá pistas ao longo do livro sobre como será o
começa pela metáfora do obscuro, do desfigurado, já desfecho da obra, num tom surpreendente no último
que os militares apresentam os rostos nublados pela capítulo do romance, que se chama “Revelações”. No
penumbra do local. Sofrendo torturas, as personagens romance por ora aqui apresentado temos a violência
nítidas e claras, como o clarão do amanhecer, revelam descomunal frente à fragilidade do ser humano.
a fragilidade do humano frente à lei do mais forte. Os Nos capítulos seguintes somos levados ao tom
militares tratam as duas personagens com palavras cotidiano e corriqueiro da vida familiar, onde somos
chulas e vulgares, utilizando-se para isto da zombaria, apresentados aos seus pais Paulo e Marisa. Paulo,
do deboche e do cinismo com relação a elas. O advogado, trabalhava no Tribunal de Justiça do Rio de

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A noite em que o amor morreu, romance de Taís Morais. Penalux: Guaratinguetá/SP, 2018, 344 p.

Janeiro. Depois se muda com a família para Brasília, acompanhá-lo e entra para o jornalismo, com a
obtendo um novo emprego. No primeiro capítulo, mesma visão utópica de um mundo melhor de um
temos um quadro fotográfico de Angelina e seus pais, curso para outro. No início, ela percebe a igualdade
com a descrição minuciosa das características físicas e entre homens e mulheres no movimento socialista:
psicológicas deles. São verdadeiros retratos familiares “No vestuário, a calça jeans tornava-se um símbolo.
que se utilizam da precisão linguística. O retrato Mulheres e homens podiam vestir a mesma peça de
iluminador do primeiro capítulo contrasta com o tom roupa.” Angelina passa a ficar cada vez mais engajada
sombrio e violento do prólogo, revelando grande força no movimento revolucionário, tendo um afastamento
e impacto narrativo da escritora Taís Morais. O tom da vida familiar e, futuramente, ao longo do romance,
aqui é amenizador, mostrando o entrelugar entre a este é todo o conflito pelo qual a personagem
tensão e o prazer na vida de Angelina. Temos aqui um passa – viver no seio da família ou da luta armada
tom ameno na narrativa, quebrando a expectativa do revolucionária. No meio desta revolução, Angelina
dramático e impactante. Angelina se torna estudante perde amigos para a tortura e para mortes no choque
da UnB, após se mudar para Brasília e, por lá, a partir do entre militantes e militares, sendo ela mesma presa
movimento estudantil, passa a assistir às reuniões dos duas vezes pelos opressores ao longo do livro.
militantes de esquerda. No primeiro capítulo, temos Na narrativa, temos outro tom que desconcerta
o tom de celebração da vida, enquanto o prólogo é o a força bruta da ditadura, a beleza do amor entre
quadro aterrador da morte e da crueldade. As origens duas amigas desde a infância, Angelina e Lílian, que
de Angelina na luta contra a opressão estavam desde é diagnosticada com câncer. Quanto sentimento
o início na faculdade de Pedagogia, com sonhos de fraterno entre as duas e quanta dor no coração de
educar os alunos para a liberdade de expressão. Angelina pela amiga. Angelina gostaria de estar no
Nas reuniões, Angelina conhece Renato, um lindo seu lugar. Por isto, apesar da mãe de Angelina, Marisa,
militante por quem fica interessada e logo tem um acreditar em Deus, a personagem principal revela
relacionamento com ele, que é quebrado pela procura sua descrença. Lílian não participava do movimento
dele por “amor livre”. Angelina queria compromisso. estudantil. Temos um ponto alto no livro em que nós
Ele não. Ela logo muda de área na faculdade para somos apresentados aos tons contrastantes entre as

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duas amigas no aspecto da psicologia, apresentando- narrativa bem datada e detalhada, como se o narrador
nos a densidade psicológica das duas. Os pais de onisciente quisesse dar veracidade a uma história
Angelina são contrários à posição da filha, assim como que mistura personagens ficcionais com a descrição
Lílian. A doença em meio à luta mostra o quanto de de figuras reais. Os militares utilizam xingamentos
força há no seu livro, nos mostrando os diferentes e violência contra Angelina para descobrirem
matizes de sua narrativa, beirando entre o sofrimento, informações valiosas para o sistema de opressão:
a fragilidade, a violência e o tom erótico quando “Os repressores gostavam de fazer os esquerdistas
Angelina conhece Arthur, seu grande amor, após a sentirem dor”. O extremo sadismo do opressor quer
decepção com Renato. Entre a tensão e o tesão, somos calar as minorias. Temos até a linguagem figurada na
conduzidos a vários níveis na sua narrativa, que é feita carta de Isaura para Angelina, mostrando como eles
de muitas camadas a encorparem a força expressiva se comunicavam em códigos nesta época de terror.
de um romance rico e multifacetado. Apesar do tom Como os militares desarticularam a luta urbana, os
também documental, temos a movência do ficcional de militantes se embrenham nas selvas de nosso país,
sua narrativa. Paulo, pai de Angelina, pede ao coronel como na guerrilha de Araguaia.
para soltar os amigos comunistas de Angelina que se Portanto, neste belo e envolvente livro de Taís
envolveram num assalto. Ele inventa, mente sobre a Morais, temos os vários tons da narrativa que faz de
história verídica, fazendo uma torção no real. Além seu romance algo múltiplo e dinâmico, onde assuntos
disso, Angelina tem sonhos em meio à luta armada e político-sociais são mesclados às cenas familiares
à prisão, ou seja, o espaço da delicadeza adentra e fere de uma história muito bem contada. Temos as
o espaço da violência. A leveza e o peso convivem, de brincadeiras e troças entre as personagens com seus
forma plural e impactante, na sua narrativa plena de risos ecoando no meio da escuridão da luta armada
significados e expressões. e nos dias de chumbo da ditadura. Temos também a
Além da fragilidade da doença, temos os tons força de condensação de sua narrativa num mesmo
corriqueiros, com os divertimentos, festas e cenas capítulo que apresenta assuntos variados. Apesar
picantes de sexo entre Angelina e o misterioso das 344 páginas do livro, somos conduzidos por
namorado e futuro marido Arthur, que ela conhece uma narrativa ágil e plural que não nos enfada. Ao
no bar. A sensualidade predomina toda vez que os contrário, sua narrativa nos envolve nos vários tons
dois se encontram, eufemizando as cenas de tortura que ela percorre. Temos os espaços contrastantes
e violência, que percorrem o livro. Chateada com as da prisão e do lar. A luta entre o amor e o ódio. O
constantes viagens e sumiços de Arthur, Angelina sofrimento e o gozo erótico, fazendo de seu livro um
continua atuante no movimento de esquerda, algo que rico mosaico em que várias camadas contrastantes
Arthur não aprova, achando que é uma sandice dela. são reveladas e animadas pelo dom de sua admirável
Temos, assim, os amores em meio às guerras, as doses escrita.
de humor e erotismo em meio à frieza das situações.
Além disso, temos os tons amenos das conversas (*) Alexandra Vieira de Almeida é escritora e
triviais entre as personagens. Também temos os fios da doutora em Literatura Comparada (UERJ)

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vitrine
Eumara Maciel. O sem fim da infância
gênero: crônicas | formato: 14x21 | ano: 2018 | 78 p. | pólen soft 90 gr

Essas são crônicas das cartografias de uma infância repleta de fatos memoráveis do
cotidiano de uma comunidade no interior da Bahia, que têm dimensões humanas
e ultrapassam qualquer geografia ou particularidades, quando tratam de temas
universais, tais como: o nascimento, a infância, a velhice, a morte, a chuva, o ato
de comer, as enfermidades, a escola, entre outras abordagens que, de maneira
leve, local e global ao mesmo tempo, traçam mapas das gentes, das imagens e das
emoções como um modo particular de voltar até aquele lugar. De rever as pessoas.
De reviver, através desta escrita, o que não é mais tangível.

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Sabrina Dalbelo. Lente de aumento para coisas grandes


gênero: poesia (selo castiçal) | formato: 14x21 | ano: 2018 | 118 p. | pólen soft 90 gr

Lente de aumento para coisas grandes coloca uma lupa sobre o leitor e seu mundo.
Nosso mundo. Quem somos nós dentro de um contexto ou outro? Quem? Somos
desertos, multidões, solidariedade, solidão. Somos aquilo que pensamos ser ou o
que achamos que o mundo espera de nós? A autora certamente não responderá a
estas questões, ninguém jamais irá, mas nos convidará à reflexão a partir de um
olhar de íntima proximidade. Um olhar de estranhamento, de admiração diante do
cotidiano, do familiar. Visto assim, de pertinho, tudo pode ser diferente, tudo pode
se (re)significar. E Sabrina Dalbelo nos desafia: “experimente / olhar sinceramente /
sem rotular / liberta / faz gente” “experimente / principalmente / para um indigente
/ para um menos gente”. Por Paula Giannini

www.editorapenalux.com.br/loja/lente-de-aumento-para-coisas-grandes

Gilvair Messias. A fábrica de desfeituras


gênero: poesia | formato: 14x21 | ano: 2018 | 150 p. | pólen soft 90 gr

Rico em referências, o poeta Gilvair Messias mostra que bebeu de muitas fontes
para construir seu próprio estilo, que é rico daqueles elementos próprios ao texto
poético, como a polissemia, as aliterações, o ritmo. Mas, além da forma, há um ser
perplexo diante do mundo, quando se pergunta “O que direi do que não senti? Não
sou dado ao raciocínio exato” (Ignorância); e totalmente absorvido pela recriação
desse mesmo mundo incompreensível, através da arte poética que, na minha
apreciação, tem seu ponto alto nos versos “Havia um grão de menino no meio
da praia/ E dentro do menino havia a praia/ E na praia, o vazio do mundo/ E, no
mundo, a miudeza de um menino" (em O mundo num grão de areia). [...] Gilvair
Messias é teólogo e o sagrado se lhe revela em tudo a volta. [...] Livro de estreia,
sim, mas que nasce maduro. Ou seria melhor dizer, que nasce pronto a se desfazer,
a ser refeito por outros olhares poéticos. Por Marco Túlio Costa

www.editorapenalux.com.br/loja/_

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