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Arquitectura
Júri:
Presidente: Prof. Pedro Filipe Pinheiro de Serpa Brandão
Orientador: Prof. Carlos Moniz de Almada Azenha Pereira da Cruz
Vogal: Prof. Antonio Salvador de Matos Ricardo da Costa
Setembro 2008
Aos meus pais e aos meus avós.
À Márcia.
Ao Daniel.
A todos os que no último ano me cumprimentaram
sempre com um caloroso “então e a tese?”
mas que hoje fazem toda a diferença porque
foram quem realmente se preocupou.
Ao Prof. Carlos Cruz pela paciência, persistência e dedicação.
2
Resumo
3
Abstract
First cities, soon presented shorter links between spaes alternatively to the
main urban plan. If one way these alternative articulations define them selves by their
user’s spontaneity, on the other hand the architect often tryed to understand those
needs in a way to answer them in the urban project conception.
Those circumstances are, on our point of view Urban Short-Cuts.
Chiado is par excellence the place to find, examin and compare case-study
and where we can find several demonstrations of this same phenomenon. There’s
the example of Quarteirão Império with a pre-pombal circulations sistem and Baixa-
Chiado Subway station witch works as a link between two diferent spots in two
diferent altitudes, even this isn’t the main function it was made for.
In a certain way we have a less explored theme that achieves great
importance applyed to Chiado’s territory and to the city of Lisbon, so topograficaly
marked and where the Urban Short-Cut acquires such an important significance.
4
Índice
1 CAPÍTULO UM 8
1.1 Objectivos 9
1.2 Metodologia 9
1.3 Síntese de capítulos 10
1.4 Introdução 11
1.5 Inserção Histórica 15
1.6 O Atalho no contexto do urbanismo 16
1.6.1 Staatsgalerie 20
1.6.2 Carpenter Arts Center – Harvard 23
1.6.3 Galerias de Paris – Walter Benjamin – “Passages” 25
__________________________________________________________________________
2 CAPÍTULO DOIS 28
2.1 Lisboa Pombalina 29
2.2 A terceira Dissertação de Manuel da Maia 32
2.3 Siza no Chiado 39
2.4 Porquê o Chiado 41
__________________________________________________________________________
3 CAPÍTULO TRÊS 43
3.1 Quarteirão Seguros Império 44
3.2 Bloco A – Chiado 50
3.3 Bloco B – Chiado 60
3.4 Armazéns Grandella 66
3.5 Grandes Armazéns do Chiado 72
3.6 Estação Metropolitano Baixa-Chiado 77
3.6.1 Perugia – Rocca Paolina 79
3.7 Conclusões sobre os casos de estudo 86
__________________________________________________________________________
4 CAPÍTULO QUATRO 88
4.1 Considerações finais e Importância do estudo 89
4.2 Possibilidades e panorama de alargamento 90
__________________________________________________________________________
Bibliografia 93
5
Lista de quadros e imagens
_____________________________________________________________________
6
3.14 Pátio do Bloco B – Planta das rampas e escadas 57
3.15 Pátio do Bloco B – alçado das rampas e escadas 60
3.16 Panorâmica de Lisboa – Gravura da primeira metade do sec. XVI 61
3.17 Pormenor – destaque das “Escadinhas da Piedade” 61
3.18 Desenho do interior do quarteirão – Álvaro Siza 64
3.19 Fotografia do acesso à Rua do Carmo 64
3.20 Interior do quarteirão 65
3.21 Interior do quarteirão 65
3.22 Alçado da Rua do Carmo – Armazém Grandella 67
3.23 Desenho – Armazém Grandella – Álvaro Siza 68
3.24 Planta dos Pisos 5 e 7 68
3.25 Limites e configuração da cidade medieval registados em 1761 71
3.26 Pormenor da planta de Lisboa antes de 1755 – José Valentim Freitas 71
3.27 Esquema da configuração do quarteirão no sec. XIX 71
3.28 Grandes Armazéns do Chiado – Rua do Carmo por volta de 1960 73
3.29 Ruinas dos Armazéns do Chiado após o incêndio de Agosto de 1988 76
3.30 Alçado da Rua do Carmo e Rua Nova do Almada 76
3.31 Corte Longitudinal do túnel de acesso ao Metro 76
3.32 Secção transversal do túnel de acesso ao Metro 77
3.33 Plano Geral da situação da estrutura da estação de Metro 78
3.34 Nave da estação 78
3.35 Perúgia em 1851 - reconstituição da estrutura de SanGallo 81
3.36 Oleo sobre tela – Fortaleza Paolina – Giuseppe Rossi, sec. XIX 82
3.37 Oleo sobre tela – Lado ocidental – Giuseppe Rossi, sec. XIX 82
3.38 Corte do percurso pedonal mecanizado 85
3.39 Fotografia do interior do percurso 85
3.40 Fotografia do interior do percurso 85
__________________________________________________________________________________
7
CAPÍTULO UM
Considerações preliminares [enquadramento histórico]
Âmbito do trabalho [validação da tese]
Síntese de capítulos
8
1.1 Objectivos
1.2 Metodologia
9
modernidade e o incêndio de Agosto de 1988, mais à escala do Chiado, com
atenção à operação de requalificação que se seguiu.
10
1.3 Síntese de Capítulos
11
1.4 Introdução
1
Ferreira, António Mega – Roma
12
do traçado principal] por remeter o utilizador abordagem distinta do tecido urbano,
esconder num interior de quarteirão ou passar despercebido no meio do conjunto.
Uma pequena entrada, um edifício que descola para dar passagem, pequenas
escadas escondidas ou uma rampa que acede á rua de cima...
Porém, nenhuma intervenção na cidade pode ser tão genuína porque o
atalho é símbolo de alguma vontade própria do utilizador de facilitar o percurso. No
nosso entender a palavra “espontaneidade” adequa-se ao conceito que estudamos
visto que o atalho surge de uma necessidade que aparece pontualmente no
percurso do transeunte. Porem na maior parte dos exemplos (temos aqui uma
questão que pretendemos com este estudo ver clarificada) assistimos a um
espontaneidade projectada uma vez que esses atalhos são na generalidade o
resultado de uma vontade do arquitecto. O que tentamos compreender com esta
dissertação é se é possível interpretar o comportamento do utente da malha urbana
e assim desenhar uma parte da cidade e, mais concretamente, desenha um atalho
decorrente de uma dificuldade ou necessidade.
13
tempo e dos custos de construção. As praças abrem espaços monumentais dignos
de uma grande capital europeia desenvolvida em torno de dois objectivos bem
definidos: a funcionalidade e a beleza traduzida pela monumentalidade.
14
1.5 Inserção histórica
15
1.6 O Atalho no contexto do Urbanismo
3
poderíamos referir os primeiros aparecimentos de aglomerados organizados na Ásia ou na América
do sul mas preferimos enquadrar o urbanismo desta forma de modo a tornar mais simples a
compreensão.
4
Não da urbe, visto que o termo “urbanismo” apenas é utilizado pela primeira vez por Ildefonso
Cerdá, engenheiro catalão responsável pelo projecto urbano de ampliação da cidade de Barcelona, por
volta de 1850, denominando urbe um termo que de um modo geral designa os diferentes tipos de
assentamento urbano.
16
dividiu a cidade de modo a poder ser habitada por dez mil homens e por crianças e
respectivas mulheres, perfazendo cerca de cinquenta mil. Ligou toda a cidade ao
sistema de administração central e dividiu-a em zonas sagradas, zonas públicas e
zonas privadas.
17
1.3 | Maquete da Acrópole de Atenas no sec. II d.C
1.4 | Propileus – vista do lado ocidental
1.5 | Plano da Acrópole de Atenas em 400 a.C segundo A. W. Lawrence
18
imagens o Propileu acompanha a última escadaria, abrigando-a e funcionando
assim como elo de ligação entre os dois espaços, claramente evidenciado em planta
com a passagem interior.
No caso do Propileus a intenção de criar uma construção ou um edifício para
formalizar o acesso ou articulação entre dois espaços está evidente e é aqui que, no
nosso, se afirma uma das primeiras tentativas de atalho urbano, embora não nos
moldes que definimos anteriormente.
De facto não se trata de um atalho mas de uma entrada, porêm, como refere
Edmund Bacon em Design of cities a própria acrópole funciona como o destino de
um percurso – Caminho Panatinaico - esse sim, que se desdobra através da cidade
de Atenas. Este percurso assume o papel de elemento que atravessa o tecido
urbano e aproxima-se do conceito que tentemos definir.
5
Como refere Sola Moralles no texto “The Cutting of the City” a respeito da forma como esses
mesmos cortes na cidade, as grandes avenidas, atravessam o tecido urbano.
19
1.6.1 Staatsgalerie
Este caso de estudo faz sentido, todo o sentido, quando comparado com o
Bloco B da intervenção do arquitecto Siza no Chiado e quando feito o devido
paralelismo entre a solução proposta para o interior daquele quarteirão. Tambem no
caso do Bloco B o caracter semi-público (ou semi-privado) é proposto na malha
urbana da cidade articulando dois espaços diferentes e este é um ponto essencial
na compreensão deste fenómeno, na medida em que explica muitas vezes a
existência destes acessos dentro dos espaços interiores.
6
JANSON, H.W. – História da Arte, 3ª Edição, New York, 1986, P.P. 767
20
volumes que se erguem em volta do pátio circular permitem a Stirling resolver uma
série de problemas práticos de articulação de espaços e oferece ao visitante uma
sucessão de panoramas.
21
1.8 | Vista da Rampa que atravessa a praça circular da Staatsgalerie
22
1.6.2 Carpenter Arts Center - Harvard
7
Le Corbusier, Urbanismo – Martins Fontes, São Paulo, 2000 (versão traduzida) PP.33
23
1.9 | Carpenter Arts Center
1.10 | Carpenter Arts Center
1.11 | Foto aérea - Carpenter Arts Center – Fonte: GoogleEarth 24
1.6.3 Galerias de Paris – Walter Benjamin – “Passages”
Este novo conceito foi inspiração, aliás, do Edifício Grandella mais tarde em
Lisboa. O edifício Grandela, que mais á frente será devidamente descrito, tinha a
particularidade de, ao contrário dos seus prececutores parisienses Magasins
Printemps, serem implantados numa topografia muito acentuada e virem a
desempenhar, a par da vocação comercial com muitos utilizadores e curiosos na
época, a função de articulador entre a Rua do Ouro e a Rua do Carmo no Chiado.
25
quase “clandestino” entre as grandes avenidas e onde proliferavam mundos muito
diferentes a escalas muito aproximadas como recorda Walter Benjamin. No caso da
Galeria Vero Dodat, assim como em muitas outras, temos uma “passage” que utiliza
o nome pomposo de galeria. foi um dos primeiros, “construida” em 18208, ligando a
Rua Jean Jacques Rouseau e a Rua Croix des Petits Champs. Mais à frente temos
o grande pátio interior do Palais Royal com galeria que já fogem ao conceito de
“passage” por se tratar apenas de arcadas enquanto as galerias que descrevemos
se encontram totalmente fechadas. São inúmeras estas passagens em Paris como
noutras capitais europeias9; desde a Perrot entre o Palais Royal e a Rua Beaujolais,
a Passage des Deux Pavillions, a Passage Vivienne, a Colbert...
Sempre que encontramos referências de um autor a este fenómeno
percebemos muito claramente como estes espaços, que não são arruamentos,
funcionam como uma forma de atalhar ou articular; normalmente são descritos como
“passages” e, como “passages”, levam quem as descreve da Rua St. Agoustine á
Place de la Bource, da Rue des Petits Champs para a Rue Molin ou de uma
qualquer rua a outra, numa série de passagens que assim constituem uma layer, se
quisermos, completamente paralela ao traçado original e geral da cidade. Esta é
provavelmente uma das manifestações mais interessantes e mais genuinas do
conceito de Atalho Urbano.
8
Não se trata de uma construção, objectivamente, mas antes de uma adaptação/reconversão
do uso de um atravessamento de um quarteirão
9
No caso da cidade de Praga, por exemplo, existem muitas construções comerciais que
funcionam no intrior dos volumes edificados levando o transeunde a circular, internamente, de rua em
rua, nomeadamente no trajecto entre a Praça Venceslau e o Museu Nacional.
26
1.13 | Galerias do Palais Royale - Paris – imagem do sec. XVII
1.14 | Fotografia de uma arcada demonstrativa da tipologia
27
CAPÍTULO DOIS
Lisboa de Pombal e o Chiado
Explicação da situação do Chiado no século XX
28
2.1 Lisboa Pombalina
Aproximação ao Chiado
José Augusto França refere num texto, escrito para o número 21 da Revista
Monumentos, intitulado “Uma Experiência Pombalina” que a História da Arte
Portuguesa tende a esquecer-se deste episódio que se revelaria fundamental na
constituição da modernidade em Portugal, uma vez que, como afirma, Lisboa de
Pombal e, não esqueçamos, da Casa do Risco, terá sido a primeira cidade moderna
do Ocidente. Esta ideia é seriamente sustentada, apesar de parecer estranho que
Portugal se coloque à frente em questão de Modernidade num tempo já decadente.
No fundo a sua modernidade deve-se ao rigor e à racionalidade da sua
reconstrução. Estas características fizeram da Baixa de Lisboa um projecto urbano
singular no contexto europeu e precursor de outras intervenções de grande
dimensão, desde a cidade de Barcelona por Ildefonso Cerdá em 1855 até à
reconstrução de Belgrado em 1920.
29
3. Reconstruir a zona da Baixa com algumas rectificações no perfil dos
arruamentos como dizia o ponto 2 mas com tolerância para edifício
de apenas dois pisos.
4. Elaborar um traçado urbano totalmente novo usando o entulho na
regularização do terreno
5. Conceber uma nova cidade, de raiz, na zona de Belém
Sobre esta última recaiu sempre a preferência de Manuel da Maia
10
FRANÇA, José Augusto – Lisboa: Urbanismo e Arquitectura, Lisboa, 1980, P.P. 43
30
2.1 | Planta da cidade de Lisboa – João Nunes Tinoco - 1650
2.2 | Marquês de Pombal e a reconstrução de Lisboa – oleo sobre tela de L. M. van Loo e J. Vernet - 1766
31
2.2 A terceira Dissertação de Manuel da Maia
O modo como Eugénio dos Santos encara o cosimento da malha nova com a
malha antiga, orgânica, que sobreviveu ao terramoto é um dos factores mais
interessantes da intervenção e um dos que mais destacavam esta das outras
propostas. Eugénio dos Santos propõe que a configuração medieval dos
arruamentos na colina do castelo se mantivesse. Desta forma a nova organização
11
Revista Lotus Internacional nº 51 P.P. 11
32
dos edifícios da parte baixa deveria adaptar-se ao que restara e funcionar
independentemente, do ponto de vista do desenho. Isto significa que a malha
orgânica e irregular que negoceia a topografia na colina era mantida até á rua que
hoje chamamos Rua da Madalena, a partir da qual se começaria a erguer a nova
Baixa.
Esta forma de resolver o cosimento das duas malhas de características tao
distintas era muito pragmática e permitia uma certa liberdade na planificação da
retículo e permita, mais ainda, garantir a uniformidade do molde dos quarteirões.
As outras propostas apostavam numa solução mais harmoniosa no sentido
em que a fronteira entre o desenho austero e padronizado dos quarteirões se vai
“desfazendo”, diluindo gradualmente à medida que se aproxima da colina e da
configuração orgânica dos seus arruamentos. Muitas propunham mesmo que os
novos edifícios se misturassem e que a transição fosse quase imperceptível de
forma a tornar-se o menos abrupta possível. Este método consiste sobretudo em
preencher os espaços vazios, deixados pelos edifícios que ruíram, com os
quarteirões da malha global nova. Neste caso essa metodologia é possível na
medida em que nas três primeiras propostas o alinhamento dos arruamentos é mais
livre permitindo a variação das dimensões, da orientação e da forma dos
quarteirões. No caso da proposta de Gualter da Fonseca [quarta proposta] e da
solução final de Eugénio dos Santos a regra na distribuição dos volumes e a
uniformização dos mesmos dificulta a adaptação aos variados espaços vazios, o
que leva à solução mais pragmática na separação das duas malhas urbanas, como
referimos anteriormente.
Aliás, atentando à primeira proposta da terceira Dissertação, de Gualter da
Fonseca e de Pinheiro da Cunha ou á proposta de Sebastião e Domingos Poppe,
encontramos precisamente essa preocupação de juntar e diluir as duas malhas de
forma que se torna mesmo difícil de identificar imediatamente onde termina a
intervenção pombalina e onde “começa” a malha sobrevivente ao terramoto. Nestes
casos até é possível perceber no projecto que os arruamentos adoptam os
alinhamentos das ruas que permaneceram depois da catástrofe.
33
2.3 | Nova Lisboa. Planta nº 5 – Eugénio dos Santos e Carlos Mardel – Junho de 1758
34
2.4 | Planta nº 4 – Gualter da Fonseca – 1758
2.5 | Planta nº 3 – Eugénio dos Santos e Carlos Andrea - 1758
35
2.6 | Planta nº 2 – Sebastião e Domingos Poppe – 1758
2.7 | Planta nº 1 – Gualter da Fonseca e Pinheiro da Cunha - 1758
36
Do outro lado, no Chiado, também identificamos diferenças importantes entre
as diversas propostas. Em quase todas se prestou uma atenção especial à herança
deixada adaptando a malha nova, como no “antípoda” do plano, à malha velha.
No plano de Eugénio dos Santos notamos uma ambição diferente. Se por um
lado na colina do castelo preferiu estabelecer um corte claro e definir a nova cidade
sem entrar na retícula pré-existente, do lado do Chiado o plano austero e ortogonal
invade a colina. Porém, se olharmos para a planta de 1756 encontramos quase um
prolongamento da métrica do quarteirão para a freguesia dos Mártires até às Portas
de Sta. Catarina com a malha a penetrar na totalidade este território apenas
respeitando a colocação dos conventos do Carmo e de São Francisco, bem como
de outros edifícios notáveis sobreviventes. Mas o que sucederia seria uma maior
tolerância à configuração inicial do Chiado e assim uma menor fragmentação dos
quarteirões como verificamos no excerto da planta da cidade de Lisboa de 1780.
De facto, a par da zona central da Baixa afectada pela catástrofe, o Chiado
foi uma das zonas mais alteradas, no sentido em que pouco resta da organização do
território anterior a 1 de Novembro de 1755. Se olharmos para o esquiço que
sobrepõe o plano proposto por Eugénio dos Santos à planta de Tinoco anterior ao
terramoto, apenas conseguimos fazer coincidir a antiga Rua do Chiado, artéria
daquele bairro, a que hoje chamamos Rua Garrett, o limite das Portas de Sta.
Catarina e, como é evidente, os conventos e igrejas e outros palacetes como o caso
dos Armazéns do Chiado, Palácio Barcelinhos à época. A própria configuração dos
arruamentos que se fazia principalmente no sentido montante-jusante passa a ser
atravessado por arruamentos que facilitam a circulação naquele tipo de topografia
estabelecendo "patamares" nascente-poente paralelamente à Rua do Chiado.
37
2.8 | Fachadas da Rua do Carmo e da Rua Nova do Arsenal
38
2.3 Siza no Chiado
ljlkjljlkjO Incêndio de 1988 e a Reconstrução
12
Bernard Colenbrander terá publicado um ensaio intitulado “Álvaro Siza e a estratégia da memória”
no catálogo do Dutch Architectural Institute por ocasião de uma exposição desta instituição dedicada
aos trabalhos de recuperação do Chiado.
39
Contudo, a alma desta intervenção residia nos detalhes que não se
anunciavam aos menos atentos. Como refere em Março de 1990 à revista Domus “a
questão das fachadas não é verdadeiramente importante, poderão ser conservadas
ou não. Sinto instintivamente que o coração da remodelação do Chiado se encontra
por detrás das fachadas, no interior dos blocos.”13
Siza evoca no início dos anos noventa uma ideia curiosa quando confrontado
com a interpretação daquele núcleo da cidade e do projecto que estava nas suas
mãos – o arquitecto compreende o sistema Baixa-Chiado como um grande edifício
com uma coerência global, amputado pelo sinistro, cuja intervenção a ser feita
deveria procurar devolve-lo ao território, cicatrizando as “feridas”. É interessante
perceber nas suas palavras e posteriormente na análise do projecto que a
cicatrização proposta não se debruçou apenas sobre as reminiscências do incêndio
de 1988 mas também sobre as perdas, alterações e apropriações indevidas que
decorreram desde a reconstrução pombalina.
13
Revista Domus, Março 1990 (número desconhecido)
40
2.4 Porquê o Chiado?
14
Ou seja: por um lado a topografia obriga à utilização de meios mecanicamente assistidos e
não só para vencer os desníveis e impede outros meios mais naturais; por outro lado a topografia
acaba por apelar ao engenho e à criatividade para criar soluções que, como vamos concluir mais à
frente, acrescentam muito à funcionalidade do traçado previamente estabelecido.
15
Que posteriormente revelaram ser muito distintos e ditaram um certo afastamento na medida
em que cada caso é um caso e um conceito diferente de Atalho Urbano e levaram a um alargamento
do espectro do tema inicial da dissertação.
41
2.9 | Rua Garret e ao fundo o Largo do Chiado – anos 30
2.10 | Incêndio do Chiado – 25 de Agosto de 1988
2.11 | Foto aérea da zona sinistrada do Chiado após o incêndio
42
CAPÍTULO TRÊS
Casos de estudo
Quarteirão Império
Bloco A
Bloco B
Grandella
Armazéns do Chiado
Estação Metropolitano Baixa-Chiado
43
3.1 Quarteirão Seguros Império
44
acabariam por ditar a adaptação á nova malha, de maiores dimensões.
Este volume confina um espaço vazio que convivia com várias cotas dos
lotes já consolidados desde o século XIX, os quais se tornou complicado de juntar
num projecto global que abrangesse a totalidade do quarteirão e que, como foi
amplamente discutido, comprometeu um maior sucesso do projecto16.
O projecto foi sempre conduzido sob a alçada do proprietário - Seguradora
Império – não contando com a participação de qualquer iniciativa comunitária ou
programa de reabilitação.
16
Esta perspectiva de que o projecto teria muito a ganhar com a inclusão de todo o quarteirão na mesma
intervenção é de certa forma contraposta por quem defende que é precisamente o desafio da implantação e das
articulações dos diferentes espaços e interstícios que valoriza esta obra.
45
automóvel, fornecendo cerca de 10% do estacionamento disponível naquela zona.
Do ponto de vista do sucesso reconhecido, o estacionamento do Quarteirão Império
situa-se nos primeiros patamares da intervenção pós-incêndio. Não se pense que se
trata de uma intervenção desvalorizável porque, formalmente, até o estacionamento
herda as orientações dos eixos pré-pombalinos na medida em que a circulação de
entrada-saída se reje pela fragmentação do quarteirão antes de 1755 (da rua Serpa
Pinto à Calçada do Sacramento) que referimos anteriormente.
Em resumo as intervenções nos oito edifícios e no logradouro que os articula
no conjunto permitem constituir uma unidade num quarteirão e pretende abranger as
seguintes premissas:
46
3.2 | Pormenor do Quarteirão – Planta de Lisboa –
3.3 | Maquete da Intervenção do Arq. Gonçalo Byrne
3.4 | Maquete da Intervenção do Arq. Gonçalo Byrne
47
A entrada da Rua Garret anuncia-se sem aparato mantendo a métrica da fachada,
junto à pastelaria Marques. Não revela imediatamente a ligação assistida
mecanicamente, o que por um lado garante ao conjunto do Chiado algum
afastamento da intervenção moderna. Este detalhe é frisado por Ana Vaz Milheiro
num artigo de 200117 em que refere a intenção de Byrne de devolver a Lisboa “uma
das mais belas fachadas anónimas da cidade”. A expressão “anónima” remete,
precisamente, para a discussão da ausência da manifestação de uma vontade
criadora por parte do arquitecto, amplamente falada já na década de 90, aquando da
apresentação do plano de Siza Vieira.
17
Milheiro, Ana Vaz – “Para entrar no Quarteirão” – Jornal O Público 9/6/2001
48
3.6 | Quarteirão Império – 2008
3.7 | Quarteirão Império – 2008
3.8 | Quarteirão Império - 2008
49
3.2 Bloco A – Chiado
Siza Vieira
18
SIZA Alvaro - A Reconstrução do Chiado – Lisboa 2000, Livraria Figueirinhas – “Chiado –
Crónicas Urbanas”, Dominique Machabert. p.165
50
No seu interior o espaço manifesta a possibilidade de dar vida ao logradouro
que se sente nos quarteirões maiores do Chiado e no edificado pombalino junto do
Terreiro do Paço19 e propõe um interregno no percurso do transeunte e um
momento de descanço na esplanada. A partir deste espaço acede-se ao interior dos
edifícios, dispostos lote a lote mas mantendo a unidade do conjunto.
[...] passear em Lisboa: movimento ritmado por um pulsar contínuo [...] muros
de reboco fissurado, riscado pelo encosto, de cores não intensas, transparentes,
misturadas semicerrando os ossos, cores em deslocamento, conduzindo a outra
cota e a outra dimensão.”20
Um pouco como um saguão mais avultado, o interior deste quarteirão
aparece no meio da malha apertada do Chiado quase de surpresa. Do ponto de
vista do transeunte, um interior de quarteirão significa quase sempre um espaço
diferenciado dos arruamentos por se encontrar confinado pelo edificado de forma a
configurar uma área recatada onde se pode repousar e fugir ao fluxo imposto pelas
ruas e travessas.
E, de facto, os interiores dos blocos A e B do Chiado, quase simétricos em
relação á Rua Garret, aparecem no meio do traçado sugerindo uma rota alternativa.
No caso do bloco B.
19
Neste caso temos claustros interiores e um sistema de outros logradouros que permitem a entrada de luz
e a ventilação do volume edificado de forma a combater uma certa massificação do quarteirão. A escala destes
espaços interiores, sobretudo dos claustros, afasta-se um pouco da configuração dos pátios do Chiado e são
excepções às características dos quarteirões pombalinos que não transportam para a restante malha urbana.
20
SIZA Alvaro – A Reconstrução do Chiado – Lisboa 2000, Livraria Figueirinhas – “Ignorância de
Lisboa” p.106
51
O Projecto
52
está bem patente nos dois. Essa unidade é fundamentalmente assegurada
pelo interior de cada quarteirão e pelo espaço comum a cada lote. Temos
aqui um elemento que funciona como peça essencial na ligação entre as
várias entradas dos edifícios que lhes confere uma relação muito aproximada
e distribui cada um para o exterior a partir da mesma plataforma. O páteo
funciona como articulação interior-exterior dos vários componentes.
• Em terceiro lugar temos a questão da herança histórica que fundamenta
cada projecto e nomeadamente o traçado dos eixos que fragmentam cada
volume. Já foi descrita a proveniência dos dois atravessamentos do
Quarteirão Império como uma reminiscência pré-pombalina mas deve ter-se
em consideração que apesar de o bloco A, do ponto de vista da planta de
Tinoco anterior ao terramoto, ser uma parte integrante do conjunto
consolidado e fechado do convento de S. Francisco, a planta de Eugénio dos
Santos propõe exactamente a sua fragmentação e, pensamos, é com base
nesta pista que Siza propõe estes dois traçados articuladores que constituem
parte do sub-traçado do Plano Pormenor para a Recuperação da Zona
Sinistrada do Chiado.
53
3.10 | Bloco A – Chiado 2008
3.11 | Bloco A – Chiado 2008
3.12 | Bloco A – Chiado 2008
54
De certa forma podemos comparar este caso ao tipo de quarteirão/edifício
que encontramos junto da Rua da Madalena, precisamente no “antípoda” do plano
pombalino. Nestes casos assistimos também a um tipo de edificado que se encosta
numa situação semelhante em contacto com diferentes arruamentos a diferentes
cotas e onde o seu acesso se faz através do sistema de becos e escadinhas
amplamente estudado.
De resto, a transformação da calçada de S. Francisco em “escadaria”, que
liga a Rua Ivens à Nova do Almada na empena deste volume, é um reflexo das
soluções adoptadas ao longo dos anos no outro lado do vale da baixa. Mais uma
vez chamamos à atenção para o carácter pontual e quase “marginal” que estes
apontamentos urbanísticos (autênticos atalhos urbanos) demonstram em
contraponto com o gesto do traçado pombalino.
55
3.3 Bloco B - Chiado
Álvaro Siza Vieira
Do outro lado da rua Garret, ladeado pela rua do Carmo, está o quarteirão
designado no plano de reconstrução do arquitecto Siza por Bloco B [nome que
adoptaremos no decorrer desta dissertação].
Do ponto de vista da localização, este será possivelmente o quarteirão com
maior potencial dinamizador da área do Chiado visto situar-se precisamente entre o
centro por excelência, confinado pelas ruas do Carmo, nova do Almada e Garret, e a
cota mais alta do largo do Carmo e das ruínas do convento.
O bloco B adquire com a intervenção de Siza dois espaços de logradouro
designados por pátios B e C. O primeiro decorre da cedência de espaço por parte
dos edifícios da rua do Carmo [edifícios 13 a 16 no plano] sendo de destacar que os
tardoz dos edifícios 12 e 18, virados para a Calçada do Sacramento, se mantêm
inalterados e lhes é restituída a configuração original, como comprovamos através
da análise de plantas do fim do século XIX e, claro está, da planta de Eugénio dos
Santos. O pátio C, mais recuado22, aparece já junto ao talude da escola Veiga
Beirão.
22
Oficialmente, o plano considera o espaço de logradouro deste quarteirão como dois páteos
distintos, separados por um pórtico. Todavia iremos identificá-lo como o “interior do bloco B”.
56
3.13 | Desenho da Rampa de acesso ao Conveno do Carmo – Álvaro Siza Vieira 1989
3.14 | Pátio do Bloco B – planta das rampas e escadas
57
A década de noventa trouxe ao panorama da arquitectura nacional uma
discussão acerca do papel e da postura do arquitecto em relação aos desafios de
projecto com fortes críticas de arquitectos, como Tomás Taveira e Francisco Silva
Dias, à aparente indiferença de Siza para com uma eventual afirmação modernista
(pós-moderna) na cidade.
Em contraponto temos a visão de Rudy Kousbroek, um presumível porta voz
dos que possuem a sensibilidade de desconfiar de qualquer novidade que afectasse
os espaços antigos e mais simbólicos. O holandês Kousbroek declarara em 1983,
sete anos antes do início das obras de reconstrução da área sinistrada do Chiado,
que
“os responsáveis pelas reformas desenfreadas nas cidades antigas deviam ser
obrigados pelos chicotes de reluzentes núbios a destruir com as suas próprias mãos
toda essa porcaria, para depois devolver à sua traça original os edifícios
desaparecidos”23
23
Retirado de um excerto traduzido do livro de Rudy Kousbroek originalmente escrito em alemão com
a seguinte referência:
KOUSBROEK Rudy, De nooit gebowde toren, NRC Handelsblad, 6 de Maio de 1983
58
Um pouco ao contrário da reflexão sobre a pré-existência do Chiado na
cidade e a estratégia de apenas intervir com operações de limpeza, com a mesma
sensibilidade de António SanGallo na Piazza della Anunciata24, Siza propôs uma
volumetria inteiramente nova no interior deste quarteirão com uma ligação a um topo
de colina que se pretende atingir quase que instintivamente, como um impulso.
24
Raul Cerjeiro escreve em 1990 um artigo no Diário de Lisboa em que compara a intervenção
de Siza no Chiado com a abordagem de António da SanGallo à construção do terceiro lado da Piazza
Della Anunciata em 1516. Neste episódio relata-se que San Gallo fecha esse terceiro lado com o
mesmo desenho que Fillipo Bruneleschi utilizara cem anos antes. Esta repetição revela um respeito
muito curioso pela herança do lugar e constitui um acto de sabedoria comparável ao de Siza que
abdica, no Chiado, de manifestar-se como “o grande arquitecto”, como o defendiam outras correntes.
Esta visão é também abordada no livro Designing Cities de Edmund Bacon referindo precisamente a
opção de San Gallo como um gesto inteligente em prol da unidade do desenho da praça.
59
quarteirão em terrenos que pertencem actualmente á escola Veiga Beirão, cujas
fachadas passariam a acompanhar o percurso ascendente. Siza terá referido a
importância desta ligação no fechamento de um circuito muito importante para esta
parte da cidade que ligaria o nó da Calçada do Sacramento com o Largo do Carmo
a outro nó da Rua Garret com o eixo Rua do Carmo - Nova do Almada, e
posteriormente, de uma forma menos evidente, mas igualmente válida, ao Elevador
de Santa Justa aquando do fim das obras do tão polémico Edifício Leonel,
acrescentando um novo significado e uma nova função à obra de Raoul Mesnier
Ponsard.
Este percurso sobrepõe-se a várias pré-existências e alinhamentos: o palácio
Vila Real do qual se mantém a fachada ainda anterior ao terramoto e o actual
edifício da escola, outrora palácio Valadares.
Os vários níveis do acesso permitem o usufruto de vista do Convento do Carmo, do
Elevador de Santa Justa e das colinas da Graça e do Castelo.
Siza classificou a obra de intervenção no interior deste quarteirão como “uma obra
muito importante, porque permite reabrir o ascensor de Santa Justa e criar um
percurso muito bonito” e permite “desenterrar” o portal sul das ruínas do Convento
do Carmo, como tínhamos adiantado anteriormente. Estas declarações foram
proferidas em Novembro de 2000 ao jornal A Capital, curiosamente, no mesmo
artigo, o director do G.R.C. [Gabinete de Recuperação do Chiado] Pessanha Viegas
garantia que “antes do fim do ano de 2002 a intervenção nesta zona cidade estará
pronta” e acrescentaria ainda:
61
Pena foi que não se tenha cumprido os desígnios do projecto de intervenção de
Siza, porque o incremento arquitectónico no conjunto seria muito importante, face à
situação em que ficariam as coisas, situação essa que ainda hoje persiste. Na
mesma entrevista Pessanha Viegas chega a deixar claro que estas obras iriam
finalmente avançar, visto que o relatório do Laboratório Nacional de Engenharia Civil
permitia a consolidação da colina do Carmo que revelava até então avultada
instabilidade devido às obras efectuadas para a instalação em 1995 da estação
Baixa-Chiado que ampliava as linhas verde e azul do metropolitano de Lisboa.
Apesar de Siza ter feito variadas declarações públicas lamentado a
burocracia de todo este processo que envolvia estado, proprietários e residentes, as
escadinhas continuaram a não constar no conjunto. Pensamos que seria uma
enorme mais-valia a concretização deste ponto do projecto de recuperação da zona
sinistrada, sobretudo quando constatamos que no programa existe o seguinte ponto:
Que curiosamente tem doze alíneas que têm como objectivo traçar a
estratégia de recuperação do conjunto e cujo primeiro ponto é:
25
Publicado no Regulamento do Plano Pormenor da Zona Sinistrada do Chiado - 1988
62
deslocado em relação ao Rossio mas ainda assim elevada na colina do Bairro Alto.
O número vinte e seis refere na legenda inferior o seguinte: Monasteri di Santa
Maria do Carmo. E o mais interessante é reparar naquilo que o artista anónimo inclui
na gravura para que na posteridade, quinhentos anos depois, com uma catástrofe
ocorrida pelo meio e uma reconstrução que esqueceu este pequeno grande
apontamento de urbanismo, um arquitecto pudesse retomar, com a ajuda da velha
gravura, um ponto essencial na malha de acessos entre duas zonas fundamentais
desta parte da cidade – o Chiado e o Bairro Alto. Siza retoma as escadinhas da
Piedade, mas a burocracia acaba por esquece-las outra vez como há duzentos
anos, e perdendo a oportunidade de concretizar um circuito que daria novo sentido a
um conjunto de ruas, pateos, escadinhas e até um elevador herdado do século XIX.
26
Refere José Salgado em “A Baixa de Lisboa e o incêndio do Chiado em 1988”, um texto
incluido numa selecção do Colégio de Arquitectos de Granada sobre as obras de reconstrução deste
território da capital portuguesa.
63
3.18 | Desenho do interior de quarteirão – Arq. Siza Vieira
3.19 | Foto do acesso à Rua do Carmo
64
3.20 | Interior do quarteirão
3.21 | Interior do quarteirão
65
3.4 Armazéns Grandella
Álvaro Siza Vieira
66
acrescenta sem dúvida é a possibilidade de aceder a um ponto sobrelevado através
do cheio construído. Desta forma recriou-se como que uma galeria comercial, um
arruamento interior, protegido, que faz a articulação entre duas partes distintas do
centro histórico da cidade, mais do que dois arruamentos ou duas cotas distintas.
Pensamos que é esta particularidade que torna o Edifício Grandella um caso
singular na malha urbana. É este o “pequeno detalhe”, quase insignificante aos
olhos de quem observa a cidade na globalidade, que faz a diferença para quem
entra no piso 1 do lado da Rua Áurea e depara com a majestosa escadaria
iluminada pela clarabóia e anuncia (discretamente) um percurso que o transporta
para um espaço novo, numa cota mais elevada e que apresenta, ao mesmo tempo,
uma realidade diferente no plano do Chiado. Esta aproximação do bairro com a
Baixa é extremamente importante e o facto de ser um papel desempenhado por um
edifício e não por um arruamento ou acesso urbano dá-lhe ainda mais
protagonismo.
67
3.23 | Desenho – Armazém Grandella
3.24 | Plantas do piso 5 e piso 7
68
Podemos verificar que o talude que separa a Baixa do Chiado apresentava um certo
hermetismo no que diz respeito à acessibilidade. Por um lado a fragmentação no
sentido transversal de que a malha pombalina beneficia não foi transportada para
esta linha de construção, à excepção de raros exemplos em que as pequenas e,
muitas vezes privadas ou escondidas, escadinhas faziam a diferença e evitavam
maiores deslocações ao início das ruas Nova do Almada e Carmo para aceder ao
núcleo duro do Chiado. Por outro lado esta linha edificada reproduz a mesma
situação que acontece do outro lado da Baixa em que a Rua da Madalena se refugia
junto do sopé da colina do Castelo fazendo lembrar o eixo Almada – Carmo e em
que aparecem, nova e pontualmente, pequenos acessos e intervalos na linha
edificada e que permitem articular com a cota a cerca de doze metros de diferença
para a Rua dos Fanqueiros. Curiosamente, tal como o edifício Grandella, o Edifício
Pollux faz a ligação entre as duas cotas tornando possível utilizar um edifício com
um carácter semi-privado como se se tratasse de um circuito público, articulando as
duas ruas.
Analisar este paralelismo é muito importante do ponto de vista da
compreensão do sucesso alcançado por cada um dos casos, mesmo que não tenha
sido intenção de ambos os autores estabelecer a ligação entre os patamares
opostos. Se por um lado a articulação do edifício Pollux se encontra “escondida” e o
percurso não é intuitivo, embora útil, por outro lado compreendemos facilmente
como um acesso desenhado propositadamente para o efeito (ligar duas cotas
distintas através do interior de um edifício), se destaca como uma alternativa muito
apelativa. No caso dos armazéns Grandella essa alternativa encontra-se ainda
acompanhada pelos vazios na massa do volume que fornecem luz em todo o
percurso.
69
deixados pela malha das ruas, neste caso concreto, como noutros que esta
dissertação pretende apontar, vemos um edifício tornar-se numa peça fulcral na
relação entre arruamentos e acessos.
70
3.25 | Limites e configuração da cidade medieval registados em 1761
3.26 | Porm. Planta de Lisboa antes de 1755 – José Valentim Freitas sec. XIX
3.27 | Esquema da configuração do quarteirão no século XVIII
71
3.5 Grandes Armazéns do Chiado
Álvaro Siza Vieira
72
3.28 | Grandes Armazéns do Chiado – Prespectiva da Rua do Carmo por volta de 1960
73
Até aos anos 80 funcionou como um dos maiores armazéns da cidade passando
ainda por um curioso episódio nos anos 70 em que os herdeiros da família Nunes
dos Santos pedem autorização ao Instituto Português do Património autorização
para demolir o imóvel numa tentativa de construir um novo edifício, mais moderno.
Felizmente o processo não avançou, graças ao bom senso do IPP, e assemelha-se
um pouco ao paradoxo criado vinte anos depois em volta das obras de reconstrução
do Chiado.
Por um lado o edifício dos Grandes Armazéns do Chiado pode ser posto no
mesmo plano do edifício Grandella, do ponto de vista da posição física em relação
aos dois territórios que separa, e de certa forma encerra – a Baixa e o Chiado.
Podemos comparar o papel de cada um destes edifícios na função de articulador de
duas cotas separadas por cerca de oito metros visto que ambos permitem, pelo seu
interior, fazer o acesso ao plano do Chiado.
Esta reflexão remete-nos imediatamente para o modelo dos Grands
Magazins em Paris. Este conceito que já havia sido implementado, como vimos, por
Grandella permitia que um edifício pudesse funcionar com percursos no seu interior
e que, através dos diversos acessos aos arruamentos adjacentes, distribuísse os
utentes. Este modelo implantado na topografia difícil do Chiado torna-se ainda mais
útil com a função adicional de articular essas cotas diferentes.
74
altura em que o imóvel funcionava como Convento Espírito Santo com função de
retiro e em que o seu carácter se queria privado. Porem, somos mais relutantes a
compreender como é que, volvidos cem anos, atravessando uma fase em que este
era um edifício comercial, um dos mais notáveis e concorridos da capital, a ligação
pelo interior entre a Baixa e o Chiado – entre a Rua do Ouro e do Carmo – nunca se
consumou.
Acabaria por ser, no final do século XX, Siza Vieira a desvendar a
importância deste volume no panorama das plataformas de acesso entre as duas
zonas, Baixa e Bairro Alto, e o enorme incremento que viria a representar este
percurso através dos Grandes Armazéns do Chiado.
75
3.29 | Ruinas dos Armazéns do Chiado após o incêndio de Agosto de 1988
3.30 | Alçado da Rua do Carmo e Rua Nova do Almada
3.31 | Corte longitudinal do túnel de acesso ao metropolitano – 5 de Maio de 1989
76
3.6 Estação Metropolitano Baixa-Chiado
Álvaro Siza Vieira
77
3.33 | Plano geral da situação da estrutura da estação do metropolitano
3.34 | Fotografia de uma das naves da estação
78
3.6.1 Perúgia - Rocca Paolina
Um paralelismo
Bernardo Secchi escreve em 1982 um texto intitulado Uno Spectro piu Amplo
para a revista Casabella nº onde refere em linhas gerais, a propósito das cidades
italianas e da tentativa de as tornar mais acessíveis, que o território é geralmente
mais rico do que a cidade contemporânea tende a fazê-lo e que quanta mais
pequena a cidade parece para o utente, mais bem articulado se apresenta o
território.
79
Origem
80
3.35 | Planta de Perugia em 1851 com a reconstituição do estrutura de António da SanGallo
81
3.36 | Oleo sobre tela da Fortaleza Paolina – Giuseppe Rossi sec. XIX
3.37 | Oleo sobre tela da face ocidental da Fortaleza Paolina – Giuseppe Rossi sec. XIX
82
A nova intervenção
O Projecto
83
sistema assistido de escadas rolantes para fazer a subida. Este acesso desde a
Piaza dei Partigiani, onde foi localizado um terminal de transporte público e o
estacionamento, até à Piaza de Italia permite o acesso diário de vinte mil pessoas
ao centro histórico.
O percurso, tal como na estação Baixa-Chiado é muito cuidado, do ponto de
vista da dissimulação do seu traçado dentro das infra-estruturas existentes. Desta
forma a estrutura dos arruamentos e a própria configuração da colina mantêm-se
intactos. Este é o ponto fundamental da obra porque se solucionou um problema
através de uma intervenção profunda (embora pontual) no sistema de transportes
sem perturbar o centro histórico. As escadas rolantes articulam pontualmente
diferentes cotas e mais à frente desembocam numa galeria pedonal.
84
3.38 | Corte do percurso pedonal mecanizado
3.39 | Fotografia do interior do percurso
3.40 | Fotografia do interior do percurso
85
3.7 Conclusões sobre os casos de estudo
86
cada uma das ligações. Existe uma clara distância entre a ligação dos Armazéns do
Chiado, de financiamento privado com um objectivo claro de estabelecer um acesso
através de galerias comerciais e, noutro caso, o projecto da rampa no interior do
Bloco B a recriar a ligação histórica das escadinhas da Piedade. Essa distância
prende-se sobretudo com uma questão económica e de retorno financeiro que
fazem toda a diferença na definição das prioridades de cada uma das obras. Se
tivermos em conta que ambas são (ou seriam) um incremento muito importante na
circulação entre o vale da Baixa e o Bairro Alto podemos considerar que os casos
são em tudo semelhantes mas, como vimos, o factor investimento/retorno e o
programa de cada um dos atalhos ditou desfechos diferentes em cada proposta.
É óbvio que ambas as intervenções são muito positivas para a reintegração
deste território na cidade mas temos claramente que distinguir e compreender em
cada uma os objectivos, o programa e a condução de cada uma das operações.
87
CAPÍTULO QUATRO
Conclusão
Considerações finais
Importância deste estudo
Possibilidades e panorama de alargamento
88
4.1 Considerações finais e Importância do estudo
• Em segundo lugar devemos apontar o papel que cada um dos atalhos, todos
no mesmo local, teve na tentativa de alcançar uma solução final – articular a
Baixa com o Bairro Alto. Se considerarmos que cada um dos projectos é
parte de um conjunto de ligações consecutivas conseguimos perceber como
ficou valorizado todo aquele percurso. É importante reflectir na necessidade
de estabelecer este tipo de acesso entre diferentes cotas e como é
fundamental ter especial sensibilidade quando o cenário constitui um centro
histórico.
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4.2 Possibilidades e panorama de alargamento
90
4.1 | Igreja do Sagrado Coração de Jesus – Nuno Teotónio Pereira
4.2 | Instituto Superior de Economia e Gestão – Gonçalo Byrne
91
4.3 | Fotografia do Interior do quarteirão
4.4 | Fotografia da intervenção no alçado norte
4.5 | Foto aérea – Fonte: GoogleEarth
92
BIBLIOGRAFIA
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ALVES, Ilídio – Chiado, uma obra de alta costura, Publicaçao Lisboa Futura, Lisboa
1996
BENJAMIN, Walter – Paris capitale du XIX siecle, le livre des passages, Paris, 1939
93
BRU, Eduard - Coming from south. 1ª edição.Barcelona:Actar,2001
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JANSON, H. W. – História da Arte, 3ª Edição, New York, 1986
LEITE, Ana Cristina – Pátios de Lisboa. Aldeias entre muros, Gradiva, Lisboa, 2001
MILHEIRO, Ana Vaz – Siza, o pombalino de betão, Jornal Público, Lisboa, 1997
MILHEIRO, Ana vaz – Para entrar no quarteirão, Jornal Público, Lisboa, 2001
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OLIVEIRA, Isabel – A palavra aos arquitectos, Semanário Expresso, 2001
SANTOS, Maria Helena Ribeira dos – Um plano para a Baixa, Jornal Pedra e Cal,
Lisboa, 2001
Torres, Carlos – Siza liga o Chiado ao Carmo, Jornal A Capital, Lisboa 2000
96