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COLETÂNEA

LITERÁRIA
(Crônicas, contos e minicontos)

Coletânea de crônicas, contos & minicontos - 0


CRÔNICAS
1. Sondagem
Carlos Drummond de Andrade.......................................................................................02
2. A invenção da laranja
Fernando Sabino..............................................................................................................................03
3. A incrível arte de cozinhar muito mal
Ruth Manus......................................................................................................................................04
4. Uma esperança
Clarice Lispector...............................................................................................................................05
5. A Raça Superior
Walcyr Carrasco...............................................................................................................................06

CONTOS
6. A carta
Luis Fernando Veríssimo..................................................................................................................08
7. A Carteira
Machado de Assis............................................................................................................................08
8. O Poeta
Hermann Hesse................................................................................................................................10
9. O homem cuja orelha cresceu
Ignácio de Loyola..............................................................................................................................13
10. A noite em que os hotéis estavam cheios
Moacyr Scliar...................................................................................................................................14

MINICONTOS
11. Acontecimento
Francisco Alvim................................................................................................................................16
12. Insônia
Cláudia de Villar...............................................................................................................................16
13. Enfim, um indivíduo de ideias abertas
Marina Colasanti..............................................................................................................................16
14. Lygia Fagundes Telles.........................................................................................................16
15. Sebastian Junger.................................................................................................................16

Coletânea de crônicas, contos & minicontos - 1


Sondagem
Carlos Drummond de Andrade

Setembro/2013
O carteiro, conversador amável, não gosta de livros. Tornam pesada a carga matinal, que
na sua opinião, e dado o seu nome burocrático, devia constituir-se apenas de cartas. No máximo
algum jornalzinho leve, mas esses pacotes e mais pacotes que o senhor recebe, ler tudo isso deve
ser de morte!
Explico-lhe que não é preciso ler tudo isso, e ele muito se admira:
- Então o senhor guarda sem ler? E como é que sabe o que tem no miolo?
- Em primeiro lugar, Teodorico, nem sempre eu guardo. às vezes dou aos amigos, quando
há alguma coisa que possa interessar a eles.
- Mas como sabe que pode interessar, se não leu?
Esclareço a Teodorico que não leio de ponta a ponta, mas sempre abro ao acaso, leio
uma página ou umas linhas, passo os olhos no índice, e concluo.
Meu crédito diminui sensivelmente a seus olhos. Não lhe passaria pela cabeça receber
qualquer coisa do correio sem ler inteirinha.
- Mas, Teodorico, quando você compra um jornal se sente obrigado a ler tudo que está
nele?
- Aí é diferente. Eu compro o jornal para ver os crimes, o resultado do seu-talão-vale-um-
milhão etc. Leio aquilo que me interessa.
- Eu também leio aquilo que me interessa.
- Com o devido respeito, mas quem lhe mandou o livro desejava que o senhor lesse
tudinho.
- Bem, faz-se o possível, mas...
- Eu sei, eu sei. O senhor não tem tempo.
- É.
- Mas quem escreveu, coitado! Esse perdeu o seu latim, como se diz.
- Será que perdeu? Teve satisfação em escrever, esvaziou a alma, está acabado.
A ideia de que escrever é esvaziar a alma perturbou meu carteiro, tanto quanto percebo
em seu rosto magro e sulcado.
- Não leva a mal?
- Não levo a mal o quê?
- Eu lhe dizer que nesse caso carece prestar mais atenção ainda nos livros, muito mais!
Se um cidadão vem à sua casa e pede licença para contar um desgosto de família, uma dor forte,
dor-de-cotovelo, vamos dizer assim, será que o senhor não escutava o lacrimal dele com todo o
acatamento?
- Teodorico, você está esticando demais o meu pensamento. Nem todo livro representa
uma confissão do autor, ainda ontem você me trouxe uma publicação do Itamaraty sobre o
desenvolvimento da OPA, * que drama de sentimento há nisso?
- Bem, nessas condições...
- E depois, no caso de ter uma dor moral, escrevendo o livro o camarada desabafa,
entende? Pouco importa que seja lido ou não, isso é outra coisa.
Ficou pensativo; à procura de argumento? Enquanto isso, eu meditava a curiosidade de
um carteiro que se queixa de carregar muitos livros e ao mesmo tempo reprova que outros não
os leiam integralmente.
- Tem razão. Não adianta mesmo escrever.
- Como não adianta? Lava o espírito.
- No meu fraco raciocínio, tudo é encadeado neste mundo. Ou devia ser. Uma coisa nunca
acontece sozinha nem acaba sozinha. Se a pessoa, vamos dizer, eu, só para armar um exemplo,
se eu escrevo um livro, deve existir um outro - o senhor, numa hipótese - para receber e ler esse

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livro. Mas se o senhor não liga a mínima, foi besteira eu fazer esse esforço, e isso é o que acontece
com a maioria, estou vendo.
- Teodorico! você... escreveu um livro?
Virou o rosto.
- De poesia, mas agora não adianta eu lhe oferecer um exemplar. Até segunda, bom
domingo para o senhor.
- Escute aqui, Teodorico...
- Bem, já que o senhor insiste, aqui está o seu volume, não repare os defeitos, ouviu?
Esvaziei bastante a alma, tudo não era possível!
(1959)
* Operação Pan-americana, criada no governo Juscelino Kubitschek (1956-61), com a ambição - malograda - de congregar os países
das três Américas.
Disponível em: https://ofaj.com.br/textos_conteudo.php?cod=471. Acesso em 01 de junho de 2020. Finalidade didática.

A invenção da laranja
Fernando Sabino

A laranja foi um dia inventada por um grande industrial americano, cujo nome prefiro
calar, mas em circunstâncias que merecem ser contadas. Fruta cítrica, suculenta e saborosa, ela
começou sendo chupada às dúzias por este senhor, então um simples molecote de fazenda no
interior da Califórnia.
Com o correr dos anos o molecote virou moleque e o moleque virou homem, passando
por todas as fases lírico-vegetativas a que se sujeita uma juventude transcorrida à sombra dos
laranjais: apaixonou-se pela filha do dono da fazenda, meteu-se em peripécias amorosas que já
inspiraram dois filmes em Hollywood e que culminaram nas indefectíveis flores de laranjeiras, até
que um dia, para encurtar, se viu ele próprio casado, com uma filha que outros moleques
cobiçavam e dono absoluto da plantação.
Passou a vender laranjas. Como, porém, invencível fosse a concorrência de outras
fazendas mais prósperas e a sua assim não prosperasse, resolveu um dia dar o grande passo que
foi o segredo do sucesso do inventor de Coca-Cola, resumida num sábio conselho que lhe deram:
engarrafe-a. Impressionado com essa história, resolveu engarrafar as suas laranjas. Pior foi a
emenda que o soneto, no caso a garrafa que a própria casca: depois de empatar todo o seu
dinheiro numa moderna e gigantesca maquinaria de espremer laranjas, que dava conta não só
das suas, mas da produção de todos os outros plantadores da região, que passou a comprar,
verificou que a garrafa não era o recipiente ideal para o caldo assim obtido, não só porque o
preço dela não compensasse, mas também e principalmente porque o vidro não preservava
devidamente as qualidade naturais do produto em estoque, que, com o correr do tempo, acabava
se azedando.
Tinha mania de perfeição, o nosso homem, e possibilitada pelas virtudes alimentícias da
própria fruta, levaram-no à prosperidade que ele, hoje, sem trocadilho, desfruta. Tendo, pois,
implicado com a garrafa, e disposto a fazer chegar ao consumidor o suco de laranja com todo o
cítrico frescor que a fruta diretamente chupada proporciona, houve por bem que enlatá-lo seria
a solução. Lamentável engano! Cedo percebeu que o produto assim acondicionado apresentava,
entre outras desvantagens, a de não dar lucro nenhum. Mas, o que era pior, para que o suco em
conserva não adquirisse, com o correr do tempo, aquele sabor característico dos alimentos
enlatados, tornava-se necessário adicionar-lhe alguns ingredientes químicos - o que,
evidentemente, ia de encontro à mais específica das virtudes do seu produto, que era a de ser
natural.
Experimentou então as caixinhas de papelão parafinado, sem tampa, mas tão-somente
com um pequeno orifício obturado, pelo qual o consumidor introduziria um canudinho, podendo
assim beneficiar-se do produto sem que este se expusesse aos efeitos nocivos a que o sujeitam

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as mudanças de recipiente. Logo verificou, porém, que esta embalagem também apresentava
sérias desvantagens, como a de sua fragilidade, quando submetida aos rigores dos transportes
de cidade para cidade em grande quantidade. Depois de tentar sem resultado todas as espécies
de recipientes existentes, desde a madeira até a matéria plástica, começava a desanimar, quando
lhe chamou a atenção a quantidade de casca de laranja que diariamente sua fábrica confiava à
eficiência expedita dos lixeiros.
Talvez a ideia tenha nascido apenas da necessidade de aliviar o trabalho deles,
diminuindo o lixo e aumentando o lucro - o certo é que se pôs a cismar numa maneira de
aproveitar tamanha quantidade de cascas (sabia, por experiência, que ao consumidor
desagradavam as laranjas espremidas com casca) quando tal cisma se ligou à outra, antiga,
relativa ao recipiente - e a ideia nasceu. Então imaginou, encomendou e mandou instalar uma
aparelhagem completamente nova, destinada apenas a extrair o miolo da laranja através de um
orifício, sem inutilizar lhe a casca. Em pouco apareciam no mercado as primeiras laranjas
contendo no seu interior o suco já espremido.
A ideia não foi avante. Para que a casca, assim transformada em recipiente, não
murchasse em poucos dias, tornava-se necessário um beneficiamento artificial extremamente
dispendioso, que garantisse o permanente frescor do caldo como só a película natural dos gomos
até então fora capaz. Eis que o nosso grande industrial descobre repentinamente que o suco,
para se manter fresco e natural, deverá ser conservado no interior dos próprios gomos da laranja
e os gomos no interior da própria casca, inventando assim o melhor acondicionamento de seu
produto que jamais tivera a ventura de imaginar. Com a grande vantagem, entre tantas outras,
de poder ir diretamente das árvores ao consumidor, o que assegurava um mínimo de trabalho e
um máximo de rendimento.
Deslumbrado com sua invenção, correu à repartição pública mais próxima e encaminhou
um pedido de patente. Tempos mais tarde, vendeu-a justamente com sua aparelhagem e seus
laranjais a um próspero fazendeiro da vizinhança, mudou-se para Nova Iorque e com o dinheiro
comprou um rico apartamento em Park Avenue, onde, dizem, vive muito feliz, chupando laranja
o dia todo.
Disponível em: https://canal.cecierj.edu.br/012016/78a9a7ceb8461641f0bf78108cd63020.pdf. Acesso em 01 de junho de 2020.
Finalidade didática.

A incrível arte de cozinhar muito mal


Ruth Manus

Mesmo quando você tenta acertar


Falam muito sobre cozinhar bem. Há milhares livros, programas de televisão, canais de
youtube, sites, aplicativos. Ao redor do mundo, cozinheiros e chefs são observados, imitados e
idolatrados por sua capacidade ou dom de cozinhar bem. Acho ótimo- e minha barriga também
agradece aos seus talentos. Mas ninguém fala sobre a incrível arte de cozinhar mal.
Acho que no mundo existem quatro tipos de pessoas: as que gostam de cozinhar e
cozinham bem, as que não gostam de cozinhar e simplesmente não cozinham, as que não gostam
de cozinhar, mas precisam, e cozinham qualquer gororoba só pra sobreviver e, por fim, as que
gostam de cozinhar e cozinham verdadeiramente mal, não se sabe bem o porquê.
É curioso. Juntar ingredientes deliciosos como cebola refogada, vinho branco, arroz
carnarolli, queijo parmesão e presunto de parma e ficar uma delícia é fácil. Difícil é juntar cebola
refogada, vinho branco, arroz carnaroli, queijo parmesão e presunto de parma e conseguir que
fique uma merda. Ou seja, a arte de cozinhar mal às vezes pode ser muito mais complexa do que
a arte de cozinhar bem- e sobre isso ninguém fala. É preciso ser quase um mago para conseguir
alcançar certas proezas.
Morango, leite condensado, manteiga, chocolate em pó: conseguimos estragar?
Conseguimos. Maionese, atum em lata e cebolinha: conseguimos errar? Conseguimos. Spaghetti,

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manjericão, azeite e sal. Também. Bolo de caneca. Também. Cuscuz marroquino. Também. Salada
com tomate cereja e mozzarella. Também. É um talento raro, uma vocação ímpar, muito mais
improvável do que a capacidade de preparar maravilhas com serenidade.
Fingimos que está tudo bem. Fingimos não criar expectativas de dar certo. Mas a
realidade é que a gente sempre tenta acertar: segue receita, compra bons ingredientes, prepara
com cuidado. Impossível dar errado. Mas dá. Não sabemos explicar, deve ser alguma influência
do cosmo ou a posição de Júpiter no momento do nosso nascimento. Não há outra explicação
para o fenômeno.
Não dá para negar uma certa tristezinha que nos invade a cada vez que a certeza se
confirma: ficou uma porcaria. A gente já sabia que seria assim. Sempre sabemos. Mas “vai que”.
Vai que é dessa vez. Vai que é hoje. Vai que dá certo. Mas não, voltamos para nossa posição e
fama tradicionais: damos risada, dizemos que não sabemos o que houve, avisamos o pessoal que
não é preciso comer. Os amigos tentam ser simpáticos, dizem que não está assim tão mau. Está.
Aguardamos o dia em que lancem o Master Chef Erro Atrás de Erro. No qual pessoas
como nós poderão mostrar ao mundo como é possível pegar chocolate ao leite de boa qualidade,
tentar derreter e transformá-lo em pequenos pedregulhos de açúcar marrom com cheiro de
fumaça. Como seguir uma receita de bolo à risca e, ao abrir o forno, encontrar uma gigantesca
sola de havaiana. Como grudar omelete em frigideira de tefal com meio litro de azeite. Como
errar no chá. Acho bizarro que os canais de televisão nunca tenham pensado em investir nesse
mistério. É arte, é dom, é um talento nato para transformar deliciosas iguarias em terríveis
pesadelos.
Disponível em: https://emais.estadao.com.br/blogs/ruth-manus/a-incrivel-arte-de-cozinhar-muito-mal/. Acesso em 01 de junho de
2020. Finalidade didática.

Uma esperança
Clarice Lispector

SÁBADO, JULHO 05, 2008


Aqui em casa pousou uma esperança. Não a clássica, que tantas vezes verifica-se ser
ilusória, embora mesmo assim nos sustente sempre. Mas a outra, bem concreta e verde: o inseto.
Houve um grito abafado de um de meus filhos:
- Uma esperança! e na parede, bem em cima de sua cadeira! Emoção dele também que
unia em uma só as duas esperanças, já tem idade para isso. Antes surpresa minha: esperança é
coisa secreta e costuma pousar diretamente em mim, sem ninguém saber, e não acima de minha
cabeça numa parede. Pequeno rebuliço: mas era indubitável, lá estava ela, e mais magra e verde
não poderia ser.
- Ela quase não tem corpo, queixei-me.
- Ela só tem alma, explicou meu filho e, como filhos são uma surpresa para nós, descobri
com surpresa que ele falava das duas esperanças.
Ela caminhava devagar sobre os fiapos das longas pernas, por entre os quadros da
parede. Três vezes tentou renitente uma saída entre dois quadros, três vezes teve que retroceder
caminho. Custava a aprender.
- Ela é burrinha, comentou o menino.
- Sei disso, respondi um pouco trágica.
- Está agora procurando outro caminho, olhe, coitada, como ela hesita.
- Sei, é assim mesmo.
- Parece que esperança não tem olhos, mamãe, é guiada pelas antenas.
- Sei, continuei mais infeliz ainda.
Ali ficamos, não sei quanto tempo olhando. Vigiando-a como se vigiava na Grécia ou em
Roma o começo de fogo do lar para que não se apagasse.

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- Ela se esqueceu de que pode voar, mamãe, e pensa que só pode andar devagar assim.
Andava mesmo devagar - estaria por acaso ferida? Ah não, senão de um modo ou de outro
escorreria sangue, tem sido sempre assim comigo.
Foi então que farejando o mundo que é comível, saiu de trás de um quadro uma aranha.
Não uma aranha, mas me parecia "a" aranha. Andando pela sua teia invisível, parecia transladar-
se maciamente no ar. Ela queria a esperança. Mas nós também queríamos e, oh! Deus, queríamos
menos que comê-la. Meu filho foi buscar a vassoura. Eu disse fracamente, confusa, sem saber se
chegara infelizmente a hora certa de perder a esperança:
- É que não se mata aranha, me disseram que traz sorte...
- Mas ela vai esmigalhar a esperança! respondeu o menino com ferocidade.
- Preciso falar com a empregada para limpar atrás dos quadros - falei sentindo a frase
deslocada e ouvindo o certo cansaço que havia na minha voz. Depois devaneei um pouco de como
eu seria sucinta e misteriosa com a empregada: eu lhe diria apenas: você faz o favor de facilitar o
caminho da esperança.
O menino, morta a aranha, fez um trocadilho, com o inseto e a nossa esperança. Meu
outro filho, que estava vendo televisão, ouviu e riu de prazer. Não havia dúvida: a esperança
pousara em casa, alma e corpo.
Mas como é bonito o inseto: mais pousa que vive, é um esqueletinho verde, e tem uma
forma tão delicada que isso explica por que eu, que gosto de pegar nas coisas, nunca tentei pegá-
la.
Uma vez, aliás, agora é que me lembro, uma esperança bem menor que esta, pousara no
meu braço. Não senti nada, de tão leve que era, foi só visualmente que tomei consciência de sua
presença. Encabulei com a delicadeza. Eu não mexia o braço e pensei: "e essa agora? que devo
fazer?" Em verdade nada fiz. Fiquei extremamente quieta como se uma flor tivesse nascido em
mim. Depois não me lembro mais o que aconteceu. E, acho que não aconteceu nada.
Disponível em: https://claricelispector.blogspot.com/2008/07/uma-esperana.html. Acesso em 01 de junho de 2020. Finalidade
didática.

A Raça Superior
Walcyr Carrasco

A ESPÉCIE HUMANA ACREDITA ser a única inteligente. Puro engano. Há tempos


imemoriais nós, os humanos, fomos derrotados por uma raça superior, muito mais esperta. Mais
que derrotados, fomos domesticados. Pelos cachorros. De fato, sob qualquer índice de avaliação,
a raça canina se mostra superior. Quem convive com um cão gosta de dizer que é “dono”. Como
acreditar, se tudo prova que o cachorro é dono do homem? Na questão da alimentação, por
exemplo. Qualquer pessoa gasta dinheiro e tempo para comprar ração. Analisa os vários tipos e
até experimenta uns pedacinhos para avaliar o sabor. Corre atrás de ossos para proporcionar
tardes de degustação ao cachorro. Compra imitações de borracha. Indústrias pesquisam novas
rações nutritivas. Gastam uma fábula em propaganda. Ou seja: sem levantar uma pata, o cachorro
faz com que os seres humanos trabalhem torrando neurônios, tempo e dinheiro simplesmente
para alimentá-los!
Certa vez tive uma cachorrinha que só podia comer arroz com cenoura e carne moída.
Estava sem empregada. Durante um mês levantava uma hora antes, preparava a comida e saía
para trabalhar. Ao voltar, servia uma nova refeição e lavava o prato. Em troca, ela me lambia os
dedos. Eu me sentia no cúmulo da felicidade só de receber essas lambidinhas! Seja dita a verdade:
quem era dono de quem?
E na questão amorosa? Quando gosta, de alguém, o cão abana o rabo.
Pode ser um desconhecido. Gostou, abanou. Quando está a fim, deita-se de patas para cima e
lança um olhar bem pidoncho. Até o coração mais duro não resiste a dar carinho, coçar as orelhas,
fazer uns afagos. Eu, não. Nunca me deitei de barriga para ficar me oferecendo. Vontade não

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faltou, mas e a coragem? Nós, seres humanos, usamos artifícios. Gastamos dinheiro em
perfumes, em cabeleireiros, em dermatologistas. Vamos a happy hours, jantares, festas,
barzinhos da moda, entramos em chats da internet, só para achar quem nos coce as orelhas. Se
alguém faz festa para todo mundo que conhece, rebolando como um cãozinho, vem o veredicto:
— Ih! Está com carência afetiva.
Toca a procurar terapeuta. Horas e horas dedicadas a analisar a pura
vontade de buscar amor! Revistas dedicam quilômetros de papel a práticas de sedução. Como
olhar de lado, como sorrir, como se oferecer sem dar na vista. Mais: como ter coragem de
expressar os sentimentos. Cachorro, não. Abana o rabo e pronto. Muitas vezes, com ciúme, já
tive vontade de morder alguém. Ao contrário, sorri simpaticamente enquanto o sangue fervia.
Cães não possuem esse tipo de constrangimento. Atiram-se em cima do rival. Mordem a mão de
quem acaricia. Até conseguirem seu quinhão de afeto. Mas também não guardam raiva. Depois
de rosnarem um para o outro, dois cães saem pulando e brincando juntos. Que espécie sabe lidar
melhor com as próprias emoções?
A questão da pele também é importante. Criamos indústrias do vestuário
porque não estamos satisfeitos com a própria pele, e inventamos estratagemas para cobri-la. Boa
parte da humanidade se dedica a fabricar tecidos, a inventar e a vender roupas. Qualquer pessoa
ambiciona se vestir bem. Fortunas são despendidas em novos guarda-roupas. A moda vira, e toca
a gastar tudo outra vez. Cachorro, não. Nasce vestido. Imagine-se quanto delírio, quanta mão-de-
obra seria evitada se o ser humano tivesse a mesma tranquilidade a respeito da própria aparência.
Chegamos ao X da questão. Criamos filosofias, escrevemos livros. Há
quem faça ioga, meditação. Tudo para aprender a aceitar o fardo da existência. O cão já nasce
aceitando. “A vida é e não é”, deve pensar o cão, com a sabedoria de um mestre zen. É o que
constato todo dia ao chegar em casa exausto do trabalho, de mau humor com o chefe, com a
fatura do cartão de crédito prestes a me degolar, o cheque especial batendo as folhas em torno
de minhas orelhas como uma ave de rapina. Sento na varanda e meu cachorro se aproxima. Sem
nenhuma preocupação na vida. Deita-se aos meus pés e prepara-se para receber sua dose
cotidiana de carinho. Eu me submeto. Raça superior é isso aí.
Disponível em: https://www.refletirpararefletir.com.br/4-cronicas-do-walcyr-carrasco. Acesso em 01 de junho de 2020. Finalidade
didática.

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A carta
Luis Fernando Veríssimo

Esta outra história é de dois namorados, ele chamado Haroldo e ela, por coincidência,
Marta. Os dois brigaram feio, e Marta escreveu uma carta para Haroldo, rompendo
definitivamente o namoro e ainda dizendo uma verdade que ele precisava ouvir. Ou, no caso, ler.
Mas se arrependeu do que tinha escrito e no dia seguinte fez plantão na calçada em frente do
edifício de Haroldo, esperando o carteiro. Precisava interceptar a carta de qualquer jeito. Quando
o carteiro apareceu, Marta fingiu que estava chegando ao edifício e perguntou:
– Alguma coisa para o 702? Eu levo.
Mas não tinha nada para o 702. No dia seguinte tinha, mas não a carta de Marta. No
terceiro dia, o carteiro desconfiou, hesitou em entregar a correspondência a Marta, que foi
obrigada a fazer uma encenação dramática. Não era do 702. Era a autora de uma carta para o
702. E queria a carta de volta. Precisava daquela carta. Era importantíssimo ter aquela carta. Não
podia dizer por quê. Afinal, a carta era dela mesma, devia ter o direito de recuperá-la quando
quisesse! O carteiro disse que o que ela estava querendo fazer era crime federal, mesmo assim
olhou os envelopes do 702 para ver se entre eles estava a carta. Não estava. No dia seguinte –
quando Marta ficou sabendo que o carteiro se chamava Jessé e, apesar de tão jovem, já era viúvo,
além de colorado* – também não. No outro dia também não, e o carteiro convidou Marta para
quem sabe, um chope. Na manhã depois do chope, a carta ainda não tinha chegado e Marta e
Jessé combinaram ir ver Titanic juntos. No dia seguinte – nem sinal da carta – Jessé perguntou se
Marta não queria conhecer sua casa. Era uma casa pobre, morava com a mãe, mas, se ela não se
importasse… Marta disse que ia pensar.
No dia seguinte chegou a carta. Jessé deu a carta a Marta. Ela ficou olhando o envelope
por um longo minuto. Depois a devolveu ao carteiro e disse:
– Entrega.
E, diante do espanto de Jessé, explicou que só queria ver se tinha posto o endereço certo.
*Colorado: torcedor do Internacional, time de futebol de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.
Disponível em: https://supertextos.wordpress.com/2011/07/29/a-carta/. Acesso em 01 de junho de 2020. Finalidade didática.

A carteira
Machado de Assis

...De repente, Honório olhou para o chão e viu uma carteira. Abaixar-se, apanhá-la e
guardá-la foi obra de alguns instantes. Ninguém o viu, salvo um homem que estava à porta de
uma loja, e que, sem o conhecer, lhe disse rindo:
- Olhe, se não dá por ela; perdia-a de uma vez.
- É verdade, concordou Honório envergonhado.
Para avaliar a oportunidade desta carteira, é preciso saber que Honório tem de pagar
amanhã uma dívida, quatrocentos e tantos mil-réis, e a carteira trazia o bojo recheado. A dívida
não parece grande para um homem da posição de Honório, que advoga; mas todas as quantias
são grandes ou pequenas, segundo as circunstâncias, e as dele não podiam ser piores. Gastos de
família excessivos, a princípio por servir a parentes, e depois por agradar à mulher, que vivia
aborrecida da solidão; baile daqui, jantar dali, chapéus, leques, tanta cousa mais, que não havia
remédio senão ir descontando o futuro. Endividou-se. Começou pelas contas de lojas e armazéns;
passou aos empréstimos, duzentos a um, trezentos a outro, quinhentos a outro, e tudo a crescer,
e os bailes a darem-se, e os jantares a comerem-se, um turbilhão perpétuo, uma voragem.
- Tu agora vais bem, não? dizia-lhe ultimamente o Gustavo C..., advogado e familiar da
casa.
- Agora vou, mentiu o Honório.

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A verdade é que ia mal. Poucas causas, de pequena monta, e constituintes remissos; por
desgraça perdera ultimamente um processo, em que fundara grandes esperanças. Não só
recebeu pouco, mas até parece que ele lhe tirou alguma cousa à reputação jurídica; em todo
caso, andavam mofinas nos jornais.
D. Amélia não sabia nada; ele não contava nada à mulher, bons ou maus negócios. Não
contava nada a ninguém. Fingia-se tão alegre como se nadasse em um mar de prosperidades.
Quando o Gustavo, que ia todas as noites à casa dele, dizia uma ou duas pilhérias, ele respondia
com três e quatro; e depois ia ouvir os trechos de música alemã, que D. Amélia tocava muito bem
ao piano, e que o Gustavo escutava com indizível prazer, ou jogavam cartas, ou simplesmente
falavam de política.
Um dia, a mulher foi achá-lo dando muitos beijos à filha, criança de quatro anos, e viu-
lhe os olhos molhados; ficou espantada, e perguntou-lhe o que era.
- Nada, nada.
Compreende-se que era o medo do futuro e o horror da miséria. Mas as esperanças
voltavam com facilidade. A ideia de que os dias melhores tinham de vir dava-lhe conforto para a
luta. Estava com trinta e quatro anos; era o princípio da carreira: todos os princípios são difíceis.
E toca a trabalhar, a esperar, a gastar, pedir fiado ou: emprestado, para pagar mal, e a más horas.
A dívida urgente de hoje são uns malditos quatrocentos e tantos mil-réis de carros. Nunca
demorou tanto a conta, nem ela cresceu tanto, como agora; e, a rigor, o credor não lhe punha a
faca aos peitos; mas disse-lhe hoje uma palavra azeda, com um gesto mau, e Honório quer pagar-
lhe hoje mesmo. Eram cinco horas da tarde. Tinha-se lembrado de ir a um agiota, mas voltou sem
ousar pedir nada. Ao enfiar pela Rua da Assembleia é que viu a carteira no chão, apanhou-a,
meteu no bolso, e foi andando.
Durante os primeiros minutos, Honório não pensou nada; foi andando, andando,
andando, até o Largo da Carioca. No Largo parou alguns instantes, - enfiou depois pela Rua da
Carioca, mas voltou logo, e entrou na Rua Uruguaiana. Sem saber como, achou-se daí a pouco no
Largo de S. Francisco de Paula; e ainda, sem saber como, entrou em um Café. Pediu alguma cousa
e encostou-se à parede, olhando para fora. Tinha medo de abrir a carteira; podia não achar nada,
apenas papéis e sem valor para ele. Ao mesmo tempo, e esta era a causa principal das reflexões,
a consciência perguntava-lhe se podia utilizar-se do dinheiro que achasse.
Não lhe perguntava com o ar de quem não sabe, mas antes com uma expressão irônica
e de censura. Podia lançar mão do dinheiro, e ir pagar com ele a dívida? Eis o ponto. A consciência
acabou por lhe dizer que não podia, que devia levar a carteira à polícia, ou anunciá-la; mas tão
depressa acabava de lhe dizer isto, vinham os apuros da ocasião, e puxavam por ele, e
convidavam-no a ir pagar a cocheira. Chegavam mesmo a dizer-lhe que, se fosse ele que a tivesse
perdido, ninguém iria entregar-lhe; insinuação que lhe deu ânimo.
Tudo isso antes de abrir a carteira. Tirou-a do bolso, finalmente, mas com medo, quase
às escondidas; abriu-a, e ficou trêmulo. Tinha dinheiro, muito dinheiro; não contou, mas viu duas
notas de duzentos mil-réis, algumas de cinquenta e vinte; calculou uns setecentos mil-réis ou
mais; quando menos, seiscentos. Era a dívida paga; eram menos algumas despesas urgentes.
Honório teve tentações de fechar os olhos, correr à cocheira, pagar, e, depois de pagar a dívida,
adeus; reconciliar-se-ia consigo. Fechou a carteira, e com medo de a perder, tornou a guardá-la.
Mas daí a pouco tirou-a outra vez, e abriu-a, com vontade de contar o dinheiro. Contar
para quê? era dele? Afinal venceu-se e contou: eram setecentos e trinta mil-réis. Honório teve
um calafrio. Ninguém viu, ninguém soube; podia ser um lance da fortuna, a sua boa sorte, um
anjo... Honório teve pena de não crer nos anjos... Mas por que não havia de crer neles? E voltava
ao dinheiro, olhava, passava-o pelas mãos; depois, resolvia o contrário, não usar do achado,
restituí-lo. Restituí-lo a quem? Tratou de ver se havia na carteira algum sinal.
"Se houver um nome, uma indicação qualquer, não posso utilizar-me do dinheiro,"
pensou ele.
Esquadrinhou os bolsos da carteira. Achou cartas, que não abriu, bilhetinhos dobrados,
que não leu, e por fim um cartão de visita; leu o nome; era do Gustavo. Mas então, a carteira?...

Coletânea de crônicas, contos & minicontos - 9


Examinou-a por fora, e pareceu-lhe efetivamente do amigo. Voltou ao interior; achou mais dois
cartões, mais três, mais cinco. Não havia duvidar; era dele.
A descoberta entristeceu-o. Não podia ficar com o dinheiro, sem praticar um ato ilícito,
e, naquele caso, doloroso ao seu coração porque era em dano de um amigo. Todo o castelo
levantado esboroou-se como se fosse de cartas. Bebeu a última gota de café, sem reparar que
estava frio. Saiu, e só então reparou que era quase noite. Caminhou para casa. Parece que a
necessidade ainda lhe deu uns empurrões, mas ele resistiu.
"Paciência, disse ele consigo; verei amanhã o que posso fazer."
Chegando a casa, já ali achou o Gustavo, um pouco preocupado, e a própria D. Amélia o
parecia também. Entrou rindo, e perguntou ao amigo se lhe faltava alguma cousa.
- Nada.
- Nada?
- Por quê?
- Mete a mão no bolso; não te falta nada?
- Falta-me a carteira, disse o Gustavo sem meter a mão no bolso. Sabes se alguém a
achou?
- Achei-a eu, disse Honório entregando-lhe.
Gustavo pegou dela precipitadamente, e olhou desconfiado para o amigo. Esse olhar foi
para Honório como um golpe de estilete; depois de tanta luta com a necessidade, era um triste
prêmio. Sorriu amargamente; e, como o outro lhe perguntasse onde a achara, deu-lhe as
explicações precisas.
- Mas conheceste-a?
- Não; achei os teus bilhetes de visita.
Honório deu duas voltas, e foi mudar de toilette para o jantar. Então Gustavo sacou
novamente a carteira, abriu-a, foi a um dos bolsos, tirou um dos bilhetinhos, que o outro não quis
abrir nem ler, e estendeu-o a D. Amélia, que, ansiosa e trêmula, rasgou-o em trinta mil pedaços:
era um bilhetinho de amor.
Disponível em: http://www.biblio.com.br/defaultz.asp?link=http://www.biblio.com.br/conteudo/MachadodeAssis/carteira.htm.
Acesso em 01 de junho de 2020. Finalidade didática.

O Poeta
Hermann Hesse

Conta-se que o poeta chinês Han Fook, em sua juventude, era animado por um
maravilhoso desejo de tudo aprender e de se aperfeiçoar em tudo que dissesse respeito à arte
da poesia. Naquele tempo, quando ainda habitava a sua terra no Rio Amarelo, por vontade
própria, e com a ajuda de seus pais, que o amavam ternamente, apaixonara-se por uma moça de
boa família, e o casamento deveria ser marcado brevemente para um dia de bom augúrio. Han
Fook tinha, então, mais ou menos vinte anos e era um belo jovenzinho, modesto e de maneiras
agradáveis, instruído nas ciências e, apesar de sua juventude, conhecido entre os literatos de sua
terra graças a algumas primorosas poesias. Sem ser exatamente rico, deveria receber urna
fortuna razoável, que ainda seria aumentada com o dote de sua noiva; e, como essa noiva além
de tudo era muito bonita e virtuosa, nada mais parecia faltar à felicidade dos jovens. Entretanto
ele não era completamente feliz, pois seu coração estava cheio de desejo de tornar-se um poeta
perfeito.
Numa tarde em que se celebrava no rio, uma festa de lâmpadas, Han Fook ia caminhando
pela margem oposta. Encostou-se ao tronco de uma árvore que se inclinava sobre a água, e viu
no espelho do rio mil luzes correndo e brilhando, e nos botes e jangadas homens, mulheres e
mocinhas que se cumprimentavam e resplandeciam como lindas flores, em roupagens de festa,
ouviu o suave murmúrio da água iluminada, o canto das cantoras, a vibração das cítaras e os sons
doces dos flautistas, e acima de tudo viu pairar a noite azulada como a abóbada de um templo.

Coletânea de crônicas, contos & minicontos - 10


O coração do jovenzinho apertou-se ao contemplar como espectador solitário, conforme seu
temperamento, toda aquela beleza. Desejava tanto ir para lá e estar ali no meio, gozar a festa
junto de sua noiva e de seus amigos; entretanto, preferiu mais ainda assistir àquilo tudo como
um espectador sensível e tornar a mostrá-lo numa poesia perfeita: o azulado da noite e o jogo de
luzes na água, assim como a alegria dos convidados e a melancolia do espectador silencioso, que
se apoia ao tronco da árvore sobre a margem. Sentiu que em meio a todas as festas e alegrias
desta Terra, nunca seu coração poderia ficar tranquilo e sereno, que ele mesmo estaria sempre
no meio da vida como um solitário e de certo modo como um espectador e um estranho, e sentiu
que, entre tantas outras, apenas sua alma fora feita de tal maneira que precisava sentir ao mesmo
tempo a beleza da Terra e a secreta nostalgia do desconhecido. Com isso ficou triste e ansiou por
essas coisas, e terminou pensando que, para ele, uma verdadeira felicidade e uma profunda
satisfação só poderiam existir, se algum dia lhe acontecesse refletir o mundo tão perfeitamente
na poesia, que, nessa imagem, ele possuísse o próprio mundo, purificado e eternizado.
Han Fook mal sabia se ainda estava acordado ou se adormecera, quando percebeu um
leve ruído e, junto ao tronco da árvore; viu parado um desconhecido, um velho num hábito roxo
e com ar venerável. Endireitou-se e cumprimentou-o com a saudação que se deve aos velhos e
aos nobres, o desconhecido porém sorriu e disse-lhe alguns versos, os quais continham tudo que
o rapaz há pouco sentira, tão perfeitos e belos e expressos segundo as regras dos grandes poetas
que o coração do jovenzinho parou de espanto.
- Oh, quem és tu - exclamou, inclinando-se profundamente - que podes ver em minha
alma e dizes versos mais belos do que jamais ouvi de todos os meus mestres?
O desconhecido sorriu novamente, com o sorriso dos Perfeitos e disse: - Se quiseres
tornar-te um poeta, então vem até mim. Encontrarás minha cabana perto da nascente do grande
rio, nas montanhas do noroeste. Meu nome é Mestre da Palavra Perfeita.
Dito isto o velho penetrou nas estreitas sombras da árvore e desapareceu em seguida, e
Han Fook que debalde o procurou sem achar vestígio sequer acreditou então firmemente que
tudo fora um sonho, de cansaço. Apressou-se na direção dos botes e presenciou a festa; mas,
entre conversas e sons de flauta, ouvia continuamente a voz misteriosa do desconhecido, e sua
alma parecia ter partido com ele, pois sentou-se distante e com olhos sonhadores entre a gente
feliz, que zombava dele, supondo-o apaixonado.
Poucos dias depois, o pai de Han Fook quis encarregar os amigos e parentes de marcarem
o dia do enlace. A isso opôs-se o noivo dizendo: - Desculpa-me se pareço ir contra as regras da
obediência que o filho deve ao pai. Mas sabes quão grande é meu desejo de distinguir-me na arte
dos poetas, e se alguns de meus amigos elogiam minhas poesias, apesar disso também sei que
ainda sou um iniciante e ainda estou nos primeiros degraus do caminho. Por isso eu te peço,
deixa-me mais algum tempo ficar na solidão e entregar-me aos meus estudos, pois parece-me
que se tiver no momento uma mulher e uma casa para dirigir, essas coisas me impedirão àquelas.
Agora, porém, ainda sou jovem e sem outros deveres e gostaria de viver algum tempo apenas
para a minha arte, da qual espero alegria e glória. A conversa espantou o pai, que disse: - Essa
arte deve ser para ti o mais importante de tudo, já que por causa dela queres adiar até mesmo
teu casamento. Ou se alguma coisa aconteceu entre ti e tua noiva, então dize-me, para que eu
possa ajudar a reconciliá-la, ou conseguir uma outra para ti.
O filho, porém, jurou que não amava sua noiva menos que ontem e sempre, e que a
sombra de nenhuma disputa caíra entre eles. E em seguida contou a seu pai que num sonho no
dia da Festa das Lâmpadas um mestre se anunciara, e ele desejava tornar-se seu discípulo, mais
ardentemente que a toda felicidade do mundo.
- Bem - falou o pai - então dou-te um ano. Nesse tempo podes seguir teu sonho; que
talvez te tenha sido enviado por um Deus.
- Talvez também sejam precisos dois anos - disse Han Fook hesitante - quem pode saber?
Assim o pai deixou-o ir e ficou triste; o rapazinho escreveu uma carta para a noiva, despediu-se e
partiu.

Coletânea de crônicas, contos & minicontos - 11


Depois de ter andado muito tempo, alcançou a nascente do rio e encontrou, dentro de
grande solidão, uma cabana de bambu, e defronte à cabana, sentado sobre uma esteira trançada,
o velho que vira no rio, perto do tronco da árvore. Estava sentado e tocava um alaúde, e quando
viu o hóspede se aproximar temerosamente, não se levantou, nem o saudou; sorriu apenas e
deixou os dedos macios correrem sobre as cordas, e uma música encantadora derramou-se como
uma nuvem de prata pelo vale, fazendo o rapazinho parar maravilhado e num doce espanto
esquecer-se de tudo, até que o Mestre da Palavra Perfeita pôs de lado seu pequeno alaúde e
entrou na cabana. Ali o seguiu Han Fook com temor e deixou-se ficar a seu lado como seu servidor
e discípulo.
Com o passar de um mês ele aprendeu a desdenhar todas as canções que compusera e
apagou-as de sua memória. E novamente depois de meses apagou também da memória as
canções que aprendera em casa com os professores. O mestre quase não lhe falava, ensinou-lhe
silenciosamente a arte do alaúde, até que o espírito do aluno estivesse todo penetrado de música.
Uma vez Han Fook compôs uma pequena poesia, onde descreveu o voo de dois pássaros no céu
primaveril, e ela lhe agradou bastante. Não ousou mostrá-la ao mestre, mas uma tarde cantou-a,
afastado da cabana, e o mestre ouviu-a bem. Entretanto não disse uma palavra. Apenas tocou
baixinho o seu alaúde, e imediatamente o ar tornou-se mais fresco e o crepúsculo acelerou-se,
um vento forte se ergueu, apesar de ser pleno verão, e no céu já escuro duas garças voaram, num
poderoso desejo de emigração; tudo isso era tão mais belo e perfeito que os versos do aluno, que
este se entristeceu e calou- se, sentindo-se incapacitado. E assim procedeu o velho todas as
vezes, e quando um ano havia passado, Han Fook aprendera a tocar o alaúde quase
perfeitamente, mas a arte da poesia parecia-lhe cada vez mais difícil e inatingível.
Quando dois anos se passaram, o jovenzinho sentiu uma forte saudade dos seus, da sua
terra e da sua noiva, e pediu ao mestre para deixá-lo viajar. O mestre sorriu e balançou a cabeça.
- És livre - disse - e podes ir aonde quiseres. Podes voltar, podes ficar longe, como preferires.
Com isso o aluno partiu de viagem e andou sem descanso, até que uma manhã, na
alvorada, parou na margem do rio de sua terra, e olhou, sobre a ponte enevoada, para a sua
cidade natal. Penetrou furtivamente no jardim de seu pai e ouviu pela janela do quarto a
respiração do pai, que ainda dormia, e insinuou-se no pomar da casa de sua noiva, e viu, de cima
de uma pereira, onde trepou, sua noiva em pé no quarto, penteando os cabelos. E enquanto
comparava tudo isso, tal como o via naquele momento, ao retrato que compusera na sua
saudade, tornou-se lhe claro que seria mesmo um poeta, e viu que nos sonhos dos poetas mora
uma beleza e um encanto, que debalde se procura nas coisas da realidade. E desceu da árvore e
fugiu do jardim, e pela ponte foi para longe de sua cidade natal, retornando ao alto vale, na
montanha. Ali estava sentado, como da primeira vez, o velho mestre, diante da porta da cabana,
sobre a esteira modesta, a tocava levemente o alaúde, e em lugar de saudação disse dois versos
sobre as alegrias da arte, com tanta profundidade e euforia que os olhos do jovem se encheram
de lágrimas.
Han Fook tornou a ficar com o Mestre da Palavra Perfeita, que, agora que ele já dominava
o alaúde, passou a ensinar-lhe a citara, fazendo os meses desaparecerem como neve no vento
oeste. Duas vezes ainda aconteceu de a saudade vencê-lo. Numa das vezes, à noite, fugiu dali as
escondidas mas ainda nem tinha alcançado a última curva do vale, quando o vento noturno
soprou sobre as cordas da citara, pendurada na porta da cabana, e os sons seguiram atrás dele,
e chamaram-no de volta, de maneira que não pôde resistir. Da outra vez, porém, ele sonhou que
plantava uma jovem árvore em seu jardim, e sua mulher estava ao seu lado, e seus filhos regavam
a árvore com vinho e leite. Quando acordou, a lua brilhava no quarto, e ele ergueu-se perturbado
e viu junto, o mestre ressonar e sua barba grisalha estremecer de leve; então apossou-se dele
um ódio amargo contra esse homem que, conforme lhe parecia, perturbou sua vida e atrapalhou
seu futuro. Quis atirar- se sobre ele e assassiná-lo, aí o ancião levantou os olhos e começou a rir
com uma brandura fina, delicada que desarmou o aluno.

Coletânea de crônicas, contos & minicontos - 12


- Lembra-te, Han Pook - disse o velho, baixinho - tu és livre de fazer o que preferires.
Podes ir para tua terra e plantar árvores, podes-me odiar e me assassinar, isso tem pouca
importância.
- Ah, como poderia eu te odiar - exclamou o poeta numa profunda agitação. - É como se
quisesse odiar o próprio céu.
E ficou e aprendeu a tocar citara e depois a flauta, e mais tarde, sob instrução do mestre,
começou a fazer poesia, e aprendeu lentamente aquela arte secreta, que aparentemente só fala
de coisas simples e despretensiosas, mas com o fim de revolver a alma dos que a escutam como
o vento no espelho da água. Descreveu a chegada do sol, como ele hesita na orla da montanha,
e o silencioso deslizar dos peixes, quando fogem como sombras sob a água, ou o balanço de um
salgueiro novo no vento da primavera, e quando a gente ouve aquilo, já não era apenas o sol e o
jogo dos peixes e o murmúrio do salgueiro, mas parecia que por um instante, o céu e o mundo
de cada vez, combinavam-se numa música perfeita, e cada um ao escutar pensava ao mesmo
tempo, com alegria ou dor, naquilo que amava ou odiava: o garoto, na brincadeira; o jovem, na
amada; o velho, na morte.
Han Fook não sabia mais quanto tempo passara com o mestre, na nascente do grande
rio; com frequência parecia-lhe ter chegado ontem à tarde naquele vale e ter sido recebido pela
música do velho; com frequência parecia-lhe também terem caído atrás de si todas as gerações
humanas e todos os tempos se terem tornado ilusórios.
Certa manhã acordou sozinho na cabana, e por onde procurou e chamou, o mestre
desaparecera. No meio da noite o outono de repente pareceu ter chegado, um vento áspero
sacudia a velha cabana, e sobre a crista da montanha voavam grandes bandos de aves de
arribação, embora ainda não fosse seu tempo.
Assim Han Fook levou consigo o pequeno alaúde e partiu para a sua terra natal, e por
onde encontrava pessoas, elas saudavam-no com o cumprimento que se deve aos velhos e aos
nobres, e quando chegou a sua cidade, seu pai e sua noiva e seus parentes estavam mortos, e
outras pessoas moravam nas casas deles. A tarde porém a Festa das Lâmpadas foi comemorada
no rio e o poeta Han Fook parou do outro lado, na margem escura, apoiado sobre o tronco de
uma velha árvore, e quando começou a tocar seu pequeno alaúde, as mulheres suspiraram e
encantadas e angustiadas espiaram a noite, e os jovens rapazes chamaram pelo tocador de
alaúde, que não puderam encontrar em nenhuma parte, e gritaram alto que nunca nenhum deles
ouvira tais sons de um alaúde. Han Fook porém sorria. Mirou a água, onde nadava a imagem das
mil lâmpadas; e como já não sabia mais distinguir a imagem da realidade, não encontrou em sua
alma nenhuma diferença entre essa festa e aquela primeira, quando ainda jovem ele ali parou e
escutou a palavra do mestre desconhecido.
*O Poeta, Hermann Hesse, extraído de Contos, 4ª Edição, Civilização Brasileira, Coleção Biblioteca do Leitor Moderno, Tradução de
Angelina Peralva.
Disponível em: https://rogeriosouzavicente.wordpress.com/2012/05/10/hermann-hesse/. Acesso em 01 de junho de 2020.
Finalidade didática.

O homem cuja orelha cresceu


Ignácio de Loyola

Estava escrevendo, sentiu a orelha pesada. Pensou que fosse cansaço, eram 11 da noite,
estava fazendo hora-extra. Escriturário de uma firma de tecidos, solteiro, 35 anos, ganhava
pouco, reforçava com extras. Mas o peso foi aumentando e ele percebeu que as orelhas cresciam.
Apavorado, passou a mão. Deviam ter uns dez centímetros. Eram moles, como de cachorro.
Correu ao banheiro. As orelhas estavam na altura do ombro e continuavam crescendo. Ficou só
olhando. Elas cresciam, chegavam à cintura. Finas, compridas, como fitas de carne, enrugadas.
Procurou uma tesoura, ia cortar a orelha, não importava que doesse. Mas não encontrou, as
gavetas das moças estavam fechadas. O armário de material também. O melhor era correr para
a pensão, se fechar, antes que não pudesse mais andar na rua. Se tivesse um amigo, ou namorada,

Coletânea de crônicas, contos & minicontos - 13


iria mostrar o que estava acontecendo. Mas o escriturário não conhecia ninguém a não ser os
colegas de escritório. Colegas, não amigos. Ele abriu a camisa, enfiou as orelhas para dentro.
Enrolou uma toalha na cabeça, como se estivesse machucado.
Quando chegou na pensão, a orelha saia pela perna da calça. O escriturário tirou a roupa.
Deitou-se, louco para dormir e esquecer. E se fosse ao médico? Um otorrinolaringologista. A esta
hora da noite? Olhava o forro branco. Incapaz de pensar, dormiu de desespero.
Ao acordar, viu aos pés da cama o monte de uns trinta centímetros de altura. A orelha
crescera e se enrolara como cobra. Tentou se levantar. Difícil. Precisava segurar as orelhas
enroladas. Pesavam. Ficou na cama. E sentia a orelha crescendo, com uma cosquinha. O sangue
correndo para lá, os nervos, músculos, a pele se formando, rápido. Às quatro da tarde, toda a
cama tinha sido tomada pela orelha. O escriturário sentia fome, sede. Às dez da noite, sua barriga
roncava. A orelha tinha caído para fora da cama. Dormiu.
Acordou no meio da noite com o barulhinho da orelha crescendo. Dormiu de novo e
quando acordou na manhã seguinte, o quarto se enchera com a orelha. Ela estava em cima do
guarda-roupa, embaixo da cama, na pia. E forçava a porta. Ao meio-dia, a orelha derrubou a
porta, saiu pelo corredor. Duas horas mais tarde, encheu o corredor. Inundou a casa. Os hospedes
fugiram para a rua. Chamaram a polícia, o corpo de bombeiros. A orelha saiu para o quintal. Para
a rua.
Vieram os açougueiros com facas, machados, serrotes. Os açougueiros trabalharam o dia
inteiro cortando e amontoando. O prefeito mandou dar a carne aos pobres. Vieram os favelados,
as organizações de assistência social, irmandades religiosas, donos de restaurantes, vendedores
de churrasquinho na porta do estádio, donas-de-casa. Vinham com cestas, carrinhos, carroças,
camionetas. Toda a população apanhou carne de orelha. Apareceu um administrador, trouxe
sacos de plástico, higiênicos, organizou filas, fez uma distribuição racional.
E quando todos tinham levado carne para aquele dia e para os outros, começaram a
estocar. Encheram silos, frigoríficos, geladeiras. Quando não havia mais onde estocar a carne de
orelha, chamaram outras cidades. Vieram novos açougueiros. E a orelha crescia, era cortada e
crescia, e os açougueiros trabalhavam. E vinham outros açougueiros. E os outros se cansavam. E
a cidade não suportava mais carne de orelha. O povo pediu uma providência ao prefeito. E o
prefeito ao governador. E o governador ao presidente.
E quando não havia solução, um menino, diante da rua cheia de carne de orelha, disse a
um policial: “Por que o senhor não mata o dono da orelha?”
Disponível em: https://contobrasileiro.com.br/o-homem-cuja-orelha-cresceu-conto-de-ignacio-de-loyola-brandao/. Acesso em 01
de junho de 2020. Finalidade didática.

A noite em que os hotéis estavam cheios


Moacyr Scliar

O casal chegou à cidade tarde da noite. Estavam cansados da viagem; ela, grávida, não se
sentia bem. Foram procurar um lugar onde passar a noite. Hotel, hospedaria, qualquer coisa
serviria, desde que não fosse muito caro.
Não seria fácil, como eles logo descobriram. No primeiro hotel o gerente, homem de
maus modos, foi logo dizendo que não havia lugar. No segundo, o encarregado da portaria olhou
com desconfiança o casal e resolveu pedir documentos. O homem disse que não tinha, na pressa
da viagem esquecera os documentos.
— E como pretende o senhor conseguir um lugar num hotel, se não tem documentos?
— disse o encarregado. — Eu nem sei se o senhor vai pagar a conta ou não!
O viajante não disse nada. Tomou a esposa pelo braço e seguiu adiante. No terceiro hotel
também não havia vaga. No quarto — que era mais uma modesta hospedaria — havia, mas o
dono desconfiou do casal e resolveu dizer que o estabelecimento estava lotado. Contudo, para
não ficar mal, resolveu dar uma desculpa:

Coletânea de crônicas, contos & minicontos - 14


— O senhor vê, se o governo nos desse incentivos, como dão para os grandes hotéis, eu
já teria feito uma reforma aqui. Poderia até receber delegações estrangeiras. Mas até hoje não
consegui nada. Se eu conhecesse alguém influente… O senhor não conhece ninguém nas altas
esferas?
O viajante hesitou, depois disse que sim, que talvez conhecesse alguém nas altas esferas.
— Pois então — disse o dono da hospedaria — fale para esse seu conhecido da minha
hospedaria. Assim, da próxima vez que o senhor vier, talvez já possa lhe dar um quarto de
primeira classe, com banho e tudo.
O viajante agradeceu, lamentando apenas que seu problema fosse mais urgente:
precisava de um quarto para aquela noite. Foi adiante.
No hotel seguinte, quase tiveram êxito. O gerente estava esperando um casal de
conhecidos artistas, que viajavam incógnitos. Quando os viajantes apareceram, pensou que
fossem os hóspedes que aguardava e disse que sim, que o quarto já estava pronto. Ainda fez um
elogio.
— O disfarce está muito bom. Que disfarce? Perguntou o viajante. Essas roupas velhas
que vocês estão usando, disse o gerente. Isso não é disfarce, disse o homem, são as roupas que
nós temos. O gerente aí percebeu o engano:
— Sinto muito — desculpou-se. — Eu pensei que tinha um quarto vago, mas parece que
já foi ocupado.
O casal foi adiante. No hotel seguinte, também não havia vaga, e o gerente era metido a
engraçado. Ali perto havia uma manjedoura, disse, por que não se hospedavam lá? Não seria
muito confortável, mas em compensação não pagariam diária. Para surpresa dele, o viajante
achou a ideia boa, e até agradeceu. Saíram.
Não demorou muito, apareceram os três Reis Magos, perguntando por um casal de
forasteiros. E foi aí que o gerente começou a achar que talvez tivesse perdido os hóspedes mais
importantes já chegados a Belém de Nazaré.
Disponível em: https://contobrasileiro.com.br/a-noite-em-que-os-hoteis-estavam-cheios-conto-de-moacyr-scliar/. Acesso em 01 de
junho de 2020. Finalidade didática.

Coletânea de crônicas, contos & minicontos - 15


Acontecimento
Francisco Alvim

Ao Roberto
Quando estou distraído no semáforo
e me pedem esmola
me acontece agradecer
Disponível em: http://antoniocicero.blogspot.com/2011/09/francisco-alvim-acontecimento.html. Acesso em 01 de junho de 2020.
Finalidade didática.

Insônia
Cláudia de Villar
Uma noite inteira só para ela.
Mas a insônia lhe fez companhia.
Disponível em: http://www.minicontos.com.br/. Acesso em 01 de junho de 2020. Finalidade didática.

Enfim, um indivíduo de ideias abertas


Marina Colasanti

A coceira no ouvido atormentava. Pegou o molho de chaves, enfiou a mais fininha na


cavidade. Coçou de leve o pavilhão, depois afundou no orifício encerado. E rodou, virou a
pontinha da chave em beatitude, à procura daquele ponto exato em que cessaria a coceira. Até
que, traque, ouviu o leve estalo e, a chave enfim no seu encaixe, percebeu que a cabeça
lentamente se abria.
Disponível em: https://analauranahas.com/2010/03/22/enfim-um-individuo-de-ideias-abertas/. Acesso em 01 de junho de 2020.
Finalidade didática.

“Fui me confessar ao mar. O que ele disse? Nada.”


Lygia Fagundes Telles
Disponível em: https://www.revistabula.com/1787-30-contos-de-ate-100-caracteres/. Acesso em 01 de junho de 2020. Finalidade
didática.

“Eu perguntei. Eles responderam. Eu escrevi.”


Sebastian Junger
Disponível em: https://www.revistabula.com/1787-30-contos-de-ate-100-caracteres/. Acesso em 01 de junho de 2020. Finalidade
didática.

Coletânea de crônicas, contos & minicontos - 16

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