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LITERÁRIA
(Crônicas, contos e minicontos)
CONTOS
6. A carta
Luis Fernando Veríssimo..................................................................................................................08
7. A Carteira
Machado de Assis............................................................................................................................08
8. O Poeta
Hermann Hesse................................................................................................................................10
9. O homem cuja orelha cresceu
Ignácio de Loyola..............................................................................................................................13
10. A noite em que os hotéis estavam cheios
Moacyr Scliar...................................................................................................................................14
MINICONTOS
11. Acontecimento
Francisco Alvim................................................................................................................................16
12. Insônia
Cláudia de Villar...............................................................................................................................16
13. Enfim, um indivíduo de ideias abertas
Marina Colasanti..............................................................................................................................16
14. Lygia Fagundes Telles.........................................................................................................16
15. Sebastian Junger.................................................................................................................16
Setembro/2013
O carteiro, conversador amável, não gosta de livros. Tornam pesada a carga matinal, que
na sua opinião, e dado o seu nome burocrático, devia constituir-se apenas de cartas. No máximo
algum jornalzinho leve, mas esses pacotes e mais pacotes que o senhor recebe, ler tudo isso deve
ser de morte!
Explico-lhe que não é preciso ler tudo isso, e ele muito se admira:
- Então o senhor guarda sem ler? E como é que sabe o que tem no miolo?
- Em primeiro lugar, Teodorico, nem sempre eu guardo. às vezes dou aos amigos, quando
há alguma coisa que possa interessar a eles.
- Mas como sabe que pode interessar, se não leu?
Esclareço a Teodorico que não leio de ponta a ponta, mas sempre abro ao acaso, leio
uma página ou umas linhas, passo os olhos no índice, e concluo.
Meu crédito diminui sensivelmente a seus olhos. Não lhe passaria pela cabeça receber
qualquer coisa do correio sem ler inteirinha.
- Mas, Teodorico, quando você compra um jornal se sente obrigado a ler tudo que está
nele?
- Aí é diferente. Eu compro o jornal para ver os crimes, o resultado do seu-talão-vale-um-
milhão etc. Leio aquilo que me interessa.
- Eu também leio aquilo que me interessa.
- Com o devido respeito, mas quem lhe mandou o livro desejava que o senhor lesse
tudinho.
- Bem, faz-se o possível, mas...
- Eu sei, eu sei. O senhor não tem tempo.
- É.
- Mas quem escreveu, coitado! Esse perdeu o seu latim, como se diz.
- Será que perdeu? Teve satisfação em escrever, esvaziou a alma, está acabado.
A ideia de que escrever é esvaziar a alma perturbou meu carteiro, tanto quanto percebo
em seu rosto magro e sulcado.
- Não leva a mal?
- Não levo a mal o quê?
- Eu lhe dizer que nesse caso carece prestar mais atenção ainda nos livros, muito mais!
Se um cidadão vem à sua casa e pede licença para contar um desgosto de família, uma dor forte,
dor-de-cotovelo, vamos dizer assim, será que o senhor não escutava o lacrimal dele com todo o
acatamento?
- Teodorico, você está esticando demais o meu pensamento. Nem todo livro representa
uma confissão do autor, ainda ontem você me trouxe uma publicação do Itamaraty sobre o
desenvolvimento da OPA, * que drama de sentimento há nisso?
- Bem, nessas condições...
- E depois, no caso de ter uma dor moral, escrevendo o livro o camarada desabafa,
entende? Pouco importa que seja lido ou não, isso é outra coisa.
Ficou pensativo; à procura de argumento? Enquanto isso, eu meditava a curiosidade de
um carteiro que se queixa de carregar muitos livros e ao mesmo tempo reprova que outros não
os leiam integralmente.
- Tem razão. Não adianta mesmo escrever.
- Como não adianta? Lava o espírito.
- No meu fraco raciocínio, tudo é encadeado neste mundo. Ou devia ser. Uma coisa nunca
acontece sozinha nem acaba sozinha. Se a pessoa, vamos dizer, eu, só para armar um exemplo,
se eu escrevo um livro, deve existir um outro - o senhor, numa hipótese - para receber e ler esse
A invenção da laranja
Fernando Sabino
A laranja foi um dia inventada por um grande industrial americano, cujo nome prefiro
calar, mas em circunstâncias que merecem ser contadas. Fruta cítrica, suculenta e saborosa, ela
começou sendo chupada às dúzias por este senhor, então um simples molecote de fazenda no
interior da Califórnia.
Com o correr dos anos o molecote virou moleque e o moleque virou homem, passando
por todas as fases lírico-vegetativas a que se sujeita uma juventude transcorrida à sombra dos
laranjais: apaixonou-se pela filha do dono da fazenda, meteu-se em peripécias amorosas que já
inspiraram dois filmes em Hollywood e que culminaram nas indefectíveis flores de laranjeiras, até
que um dia, para encurtar, se viu ele próprio casado, com uma filha que outros moleques
cobiçavam e dono absoluto da plantação.
Passou a vender laranjas. Como, porém, invencível fosse a concorrência de outras
fazendas mais prósperas e a sua assim não prosperasse, resolveu um dia dar o grande passo que
foi o segredo do sucesso do inventor de Coca-Cola, resumida num sábio conselho que lhe deram:
engarrafe-a. Impressionado com essa história, resolveu engarrafar as suas laranjas. Pior foi a
emenda que o soneto, no caso a garrafa que a própria casca: depois de empatar todo o seu
dinheiro numa moderna e gigantesca maquinaria de espremer laranjas, que dava conta não só
das suas, mas da produção de todos os outros plantadores da região, que passou a comprar,
verificou que a garrafa não era o recipiente ideal para o caldo assim obtido, não só porque o
preço dela não compensasse, mas também e principalmente porque o vidro não preservava
devidamente as qualidade naturais do produto em estoque, que, com o correr do tempo, acabava
se azedando.
Tinha mania de perfeição, o nosso homem, e possibilitada pelas virtudes alimentícias da
própria fruta, levaram-no à prosperidade que ele, hoje, sem trocadilho, desfruta. Tendo, pois,
implicado com a garrafa, e disposto a fazer chegar ao consumidor o suco de laranja com todo o
cítrico frescor que a fruta diretamente chupada proporciona, houve por bem que enlatá-lo seria
a solução. Lamentável engano! Cedo percebeu que o produto assim acondicionado apresentava,
entre outras desvantagens, a de não dar lucro nenhum. Mas, o que era pior, para que o suco em
conserva não adquirisse, com o correr do tempo, aquele sabor característico dos alimentos
enlatados, tornava-se necessário adicionar-lhe alguns ingredientes químicos - o que,
evidentemente, ia de encontro à mais específica das virtudes do seu produto, que era a de ser
natural.
Experimentou então as caixinhas de papelão parafinado, sem tampa, mas tão-somente
com um pequeno orifício obturado, pelo qual o consumidor introduziria um canudinho, podendo
assim beneficiar-se do produto sem que este se expusesse aos efeitos nocivos a que o sujeitam
Uma esperança
Clarice Lispector
A Raça Superior
Walcyr Carrasco
Esta outra história é de dois namorados, ele chamado Haroldo e ela, por coincidência,
Marta. Os dois brigaram feio, e Marta escreveu uma carta para Haroldo, rompendo
definitivamente o namoro e ainda dizendo uma verdade que ele precisava ouvir. Ou, no caso, ler.
Mas se arrependeu do que tinha escrito e no dia seguinte fez plantão na calçada em frente do
edifício de Haroldo, esperando o carteiro. Precisava interceptar a carta de qualquer jeito. Quando
o carteiro apareceu, Marta fingiu que estava chegando ao edifício e perguntou:
– Alguma coisa para o 702? Eu levo.
Mas não tinha nada para o 702. No dia seguinte tinha, mas não a carta de Marta. No
terceiro dia, o carteiro desconfiou, hesitou em entregar a correspondência a Marta, que foi
obrigada a fazer uma encenação dramática. Não era do 702. Era a autora de uma carta para o
702. E queria a carta de volta. Precisava daquela carta. Era importantíssimo ter aquela carta. Não
podia dizer por quê. Afinal, a carta era dela mesma, devia ter o direito de recuperá-la quando
quisesse! O carteiro disse que o que ela estava querendo fazer era crime federal, mesmo assim
olhou os envelopes do 702 para ver se entre eles estava a carta. Não estava. No dia seguinte –
quando Marta ficou sabendo que o carteiro se chamava Jessé e, apesar de tão jovem, já era viúvo,
além de colorado* – também não. No outro dia também não, e o carteiro convidou Marta para
quem sabe, um chope. Na manhã depois do chope, a carta ainda não tinha chegado e Marta e
Jessé combinaram ir ver Titanic juntos. No dia seguinte – nem sinal da carta – Jessé perguntou se
Marta não queria conhecer sua casa. Era uma casa pobre, morava com a mãe, mas, se ela não se
importasse… Marta disse que ia pensar.
No dia seguinte chegou a carta. Jessé deu a carta a Marta. Ela ficou olhando o envelope
por um longo minuto. Depois a devolveu ao carteiro e disse:
– Entrega.
E, diante do espanto de Jessé, explicou que só queria ver se tinha posto o endereço certo.
*Colorado: torcedor do Internacional, time de futebol de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.
Disponível em: https://supertextos.wordpress.com/2011/07/29/a-carta/. Acesso em 01 de junho de 2020. Finalidade didática.
A carteira
Machado de Assis
...De repente, Honório olhou para o chão e viu uma carteira. Abaixar-se, apanhá-la e
guardá-la foi obra de alguns instantes. Ninguém o viu, salvo um homem que estava à porta de
uma loja, e que, sem o conhecer, lhe disse rindo:
- Olhe, se não dá por ela; perdia-a de uma vez.
- É verdade, concordou Honório envergonhado.
Para avaliar a oportunidade desta carteira, é preciso saber que Honório tem de pagar
amanhã uma dívida, quatrocentos e tantos mil-réis, e a carteira trazia o bojo recheado. A dívida
não parece grande para um homem da posição de Honório, que advoga; mas todas as quantias
são grandes ou pequenas, segundo as circunstâncias, e as dele não podiam ser piores. Gastos de
família excessivos, a princípio por servir a parentes, e depois por agradar à mulher, que vivia
aborrecida da solidão; baile daqui, jantar dali, chapéus, leques, tanta cousa mais, que não havia
remédio senão ir descontando o futuro. Endividou-se. Começou pelas contas de lojas e armazéns;
passou aos empréstimos, duzentos a um, trezentos a outro, quinhentos a outro, e tudo a crescer,
e os bailes a darem-se, e os jantares a comerem-se, um turbilhão perpétuo, uma voragem.
- Tu agora vais bem, não? dizia-lhe ultimamente o Gustavo C..., advogado e familiar da
casa.
- Agora vou, mentiu o Honório.
O Poeta
Hermann Hesse
Conta-se que o poeta chinês Han Fook, em sua juventude, era animado por um
maravilhoso desejo de tudo aprender e de se aperfeiçoar em tudo que dissesse respeito à arte
da poesia. Naquele tempo, quando ainda habitava a sua terra no Rio Amarelo, por vontade
própria, e com a ajuda de seus pais, que o amavam ternamente, apaixonara-se por uma moça de
boa família, e o casamento deveria ser marcado brevemente para um dia de bom augúrio. Han
Fook tinha, então, mais ou menos vinte anos e era um belo jovenzinho, modesto e de maneiras
agradáveis, instruído nas ciências e, apesar de sua juventude, conhecido entre os literatos de sua
terra graças a algumas primorosas poesias. Sem ser exatamente rico, deveria receber urna
fortuna razoável, que ainda seria aumentada com o dote de sua noiva; e, como essa noiva além
de tudo era muito bonita e virtuosa, nada mais parecia faltar à felicidade dos jovens. Entretanto
ele não era completamente feliz, pois seu coração estava cheio de desejo de tornar-se um poeta
perfeito.
Numa tarde em que se celebrava no rio, uma festa de lâmpadas, Han Fook ia caminhando
pela margem oposta. Encostou-se ao tronco de uma árvore que se inclinava sobre a água, e viu
no espelho do rio mil luzes correndo e brilhando, e nos botes e jangadas homens, mulheres e
mocinhas que se cumprimentavam e resplandeciam como lindas flores, em roupagens de festa,
ouviu o suave murmúrio da água iluminada, o canto das cantoras, a vibração das cítaras e os sons
doces dos flautistas, e acima de tudo viu pairar a noite azulada como a abóbada de um templo.
Estava escrevendo, sentiu a orelha pesada. Pensou que fosse cansaço, eram 11 da noite,
estava fazendo hora-extra. Escriturário de uma firma de tecidos, solteiro, 35 anos, ganhava
pouco, reforçava com extras. Mas o peso foi aumentando e ele percebeu que as orelhas cresciam.
Apavorado, passou a mão. Deviam ter uns dez centímetros. Eram moles, como de cachorro.
Correu ao banheiro. As orelhas estavam na altura do ombro e continuavam crescendo. Ficou só
olhando. Elas cresciam, chegavam à cintura. Finas, compridas, como fitas de carne, enrugadas.
Procurou uma tesoura, ia cortar a orelha, não importava que doesse. Mas não encontrou, as
gavetas das moças estavam fechadas. O armário de material também. O melhor era correr para
a pensão, se fechar, antes que não pudesse mais andar na rua. Se tivesse um amigo, ou namorada,
O casal chegou à cidade tarde da noite. Estavam cansados da viagem; ela, grávida, não se
sentia bem. Foram procurar um lugar onde passar a noite. Hotel, hospedaria, qualquer coisa
serviria, desde que não fosse muito caro.
Não seria fácil, como eles logo descobriram. No primeiro hotel o gerente, homem de
maus modos, foi logo dizendo que não havia lugar. No segundo, o encarregado da portaria olhou
com desconfiança o casal e resolveu pedir documentos. O homem disse que não tinha, na pressa
da viagem esquecera os documentos.
— E como pretende o senhor conseguir um lugar num hotel, se não tem documentos?
— disse o encarregado. — Eu nem sei se o senhor vai pagar a conta ou não!
O viajante não disse nada. Tomou a esposa pelo braço e seguiu adiante. No terceiro hotel
também não havia vaga. No quarto — que era mais uma modesta hospedaria — havia, mas o
dono desconfiou do casal e resolveu dizer que o estabelecimento estava lotado. Contudo, para
não ficar mal, resolveu dar uma desculpa:
Ao Roberto
Quando estou distraído no semáforo
e me pedem esmola
me acontece agradecer
Disponível em: http://antoniocicero.blogspot.com/2011/09/francisco-alvim-acontecimento.html. Acesso em 01 de junho de 2020.
Finalidade didática.
Insônia
Cláudia de Villar
Uma noite inteira só para ela.
Mas a insônia lhe fez companhia.
Disponível em: http://www.minicontos.com.br/. Acesso em 01 de junho de 2020. Finalidade didática.