Capítulo 1 – Da norma jurídica ao ordenamento jurídico
1. Segundo Bobbio, não é possível da uma definição do direito do ponto de vista da
norma jurídica considerada isoladamente, pois uma definição satisfatória do direito só é possível se nos colocarmos do ponto de vista do ordenamento jurídico. 2. “O termo ‘direito’, na mais comum acepção de direito objetivo, indica um tipo de sistema normativo, não um tipo de norma.” (p. 31) 3. “O ordenamento jurídico (como todo sistema normativo) é um conjunto de normas. Essa definição geral de ordenamento pressupõe uma única condição: que não constituição de um ordenamento concorram mais normas (pelos menos duas), e que não haja ordenamento composto de uma norma só.” (p. 31) 4. Em todo ordenamento encontramos dois tipo de normas: as de conduta – que prescrevem como a conduta deve ser – e as normas de estrutura (ou de competência) – que estabelecem as condições e os procedimentos através dos quais emanam normas de conduta válidas. 5. Não é possível um ordenamento formado por uma única regra de conduta. Isso se deve ao fato de ser inconcebível que um ordenamento regule todas as ações possíveis com uma única modalidade normativa. 6. Já um ordenamento com apenas uma norma de estrutura é concebível, como por exemplo na monarquia absoluta. Entretanto, “o fato de existir uma norma de estrutura tem por conseqüência a extrema variabilidade das normas de conduta no tempo, e não a exclusão de sua pluralidade em determinado tempo”. (p.35) 7. “Se um ordenamento jurídico é composto de mais de uma norma, disso advém que os principais problemas conexos com a existência de uma ordenamento são os que nascem das relações das diversas normas entre si.” (p. 34). Daí, tem como problemas:
• Em relação à unidade e de que modo se constituem; problema discutido pela
hierarquia das normas;
• A respeito de se o ordenamento jurídico constitui um sistema; problema das
antinomias jurídicas;
• A questão da completude do ordenamento e suas eventuais lacunas; e
• As inter-relações entre ordenamentos diversos, o reenvio de um ordenamento a
outro. Capítulo 2 – A unidade do ordenamento jurídico 8. “Em cada ordenamento o ponto de referência último de todas as normas é o poder originário, que dizer, poder além do qual não existe outro pelo qual se possa justificar o ordenamento jurídico. Esse é o ponto de referência necessário [..] para fundar o ordenamento jurídico. Chamamos esse poder originário é a fonte das fontes.” (p. 41) 9. Os ordenamentos jurídicos são complexos, isto é, suas normas provêm de mais de uma fonte. A necessidade de regras de conduta humana numa sociedade é tão grande que não existe nenhum poder ou órgão em condições de satisfazê-las sozinho. Há duas razoes fundamentais para essa complexidade: a absorção de um ordenamento pré-existente e a criação de um direito novo. 10. Fontes de direito “são os atos ou fatos dos quais o ordenamento jurídico faz depender a produção de normas jurídicas”. (p. 45) 11. Os ordenamentos complexos operam a partir dos seguintes expedientes: a recepção de normas já feitas, produzidas por ordenamentos diversos e precedentes, e a delegação do poder de produzir normas jurídicas a poderes ou órgãos inferiores. 12. A teoria escalonada do ordenamento jurídico de Kelsen “serve para dar uma explicação da unidade de um ordenamento jurídico complexo. Seu núcleo é que as normas de um ordenamento jurídico não estão todas num mesmo plano. Há normas superiores e normas inferiores. As inferiores dependem das superiores. Subindo das normas inferiores àquelas que se encontram mais acima, chega-se a uma norma suprema, que não depende de nenhuma outra norma superior, e sobre a qual repousa a unidade do ordenamento. [...] é a norma fundamental.[...] É ela que dá unidade ao ordenamento”. (p. 49) Todas as fontes do direito podem ser remontadas essa uma mesma norma. 13. “Devido à presença, [...], de normas superiores e inferiores, ele [ordenamento] tem estrutura hierárquica. As normas de um ordenamento são dispostas em ordem hierárquica.” (p. 49) 14. Ato executivo é qualquer ato no qual um indivíduo executa a obrigação contraída com outrem. O ato executivo é o cumprimento de uma regra de conduta derivada do contrato. A referência última do ato executivo são as normas constitucionais, o que o faz pertencer ao sistema normativo escalonado. São as bases da pirâmide hierárquica das normas, sendo apenas executoras (do contrato), nunca produtoras. 15. Um processo de produção jurídica é aquele que é percebido vendo a pirâmide hierárquica de cima para baixo: o processo pelo qual as normas superiores produzem as inferiores. 16. A produção jurídica “é a expressão de um poder (originário ou derivado), a execução é o cumprimento do dever”. (p. 51) 17. Quando um órgão superior atribui a um órgão inferior um poder normativo, não lhe atribui poder ilimitado, estabelece limites entre os quais pode ser exercido. Os limites são de dois tipos: relativos ao conteúdo (limites materiais) e relativos à forma (limites formais). Os limites materiais referem-se ao conteúdo da norma que o inferior está autorizado a emanar, podendo ser positivo (quando impõe estabelecer normas de determinada matéria) ou negativo (quando proíbe estabelecer normas de determinada matéria). Os limites formais referem-se à forma, ao modo ou ao processo pelo qual a norma inferior deve ser emanada. 18. “Chamam-se ‘juízos de equidade’ aqueles em que o juiz está autorizado a resolver uma controvérsia sem recorrer a uma norma legal preestabelecida. O juízo de equidade pode ser definido como autorização, ao juiz, de produzir direito fora de cada limite material imposto pelas normas superiores.” (p. 56) 19. Para Bobbio, como já visto direito – regra formal da conduta humana – é diferente de norma. Esta é definida por ele como “imposição de obrigações (imperativo, comando, prescrição, etc.)”. (p. 58) 20. O poder constituinte é o poder do qual derivam as normas constitucionais, o poder último, supremo, originário, num ordenamento jurídico. 21. Uma norma jurídica pressupõe um poder jurídico. Todo poder normativo pressupõe, por sua vez, uma norma que o autoriza a produzir normas jurídicas. Dado o poder constituinte como poder último, devemos pressupor uma norma que atribua a ele a faculdade de produzir normas jurídicas. Essa norma é a norma fundamental, que atribui aos órgãos constitucionais poder de fixar normas válidas e impõe a todos aqueles aos quais se referem as normas constitucionais o dever de obedecê-las. É, então, atributiva e imperativa. 22. A norma fundamental não está expressa, é pressuposta para fundar o sistema normativo. Isso não significa que ela não exista: a ela nos referimos como o fundamento subentendido da legitimidade de todo sistema. 23. Podemos responder à questão sobre o modo pelo qual é estabelecida a pertinência de uma norma a um ordenamento jurídico, ou melhor, a sua validade, remontando de grau em grau, de poder em poder, até a norma fundamental. A norma fundamental é, então, o critério supremo que permite estabelecer se uma norma pertence ou não a um ordenamento, sendo o fundamento de validade de todas as normas do sistema. Quando uma norma é válida, isto é, está de acordo com o ordenamento jurídico e foi posta por autoridade competente, com poder legítimo de estabelecer normas (de onde vem esse poder? qual a norma que o autoriza? – subir de grau em grau), é obrigatório se conformar com ela. 24. Postulados são aquelas proposições primitivas das quais se deduzem outras, mas que, por sua vez, não são dedutíveis. A norma fundamental exerce, no ordenamento jurídico, a função de postulado. Os postulados são colocados por convenção ou por evidências destes (o mesmo se pode dizer da norma fundamental). 25. A norma fundamental não tem fundamento, porque,se tivesse, não seria mais norma fundamental. A fundamentação da norma fundamental na é questão do direito, especulando sobre ela estaríamos saindo da teoria do direito positivo e entrando na secular discussão em torno do fundamento, ou melhor, da justificação do poder (para Bobbio,a força). A força é a verdadeira fonte última de todo poder. 26. O poder originário é a verdadeira fonte última de todo o poder: é o conjunto de forças políticas que num determinado momento histórico tomaram o domínio e instauraram um novo ordenamento jurídico. 27. Quando a norma fundamental diz que se deve obedecer ao poder originário, não deve absolutamente ser interpretada no sentido de que devemos nos submeter à violência, mas no sentido de que devemos nos submeter àqueles que tem poder coercitivo. 28. A força é um instrumento necessário para exercer o poder, mas não para justificá-lo. 29. Além disso, a força é necessária para a realização do direito, pois coloca o poder como fundamento último de uma ordem jurídica positiva. 30. No entanto, isso não reduz o direito à força; só demonstra que ela é um instrumento para a realização do direito. 31. A norma fundamental está na base do direito como ele é (direito positivo), e não como deve ser (direito justo). O direito como ele é, é expressão dos mais fortes. Tanto melhor, então, que os mais fortes sejam os mais justos. 32. Bobbio defende que a força é um instrumento para a realização do Direito. Kelsen, ao contrário, sustenta que a força é o objeto de regulamentação jurídica, isto é, que por Direito deve-se entender não um conjunto de normas se tornam válidas através da força, mas um conjunto de normas que regulam o exercício da força numa determinada sociedade. Quando Kelsen diz que o Direito é um ordenamento coercitivo, quer dizer que é composto por normas que regulam a coação. Kelsen assim reduziria, segundo crítica de Bobbio, o direito às normas secundárias, que podem ser definidas como aquelas que regulam o modo e a medida em que devem ser aplicadas as sanções. Essa definição se restringe ao conteúdo das normas, limitativa (para Bobbio, a juridicidade de uma norma não depende de seu conteúdo, mas simplesmente por fazer parte de ordenamento jurídico vigente, podendo ser remontada até a norma fundamental. Para Bobbio, as regras para o exercício da força são apenas aquelas ligadas à sanção, e não todas as normas.O objetivo de todo legislador, para ele, não é organizar a força, mas organizar a sociedade mediante a força.