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Aula 01 1
1.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.2 Definições . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.2.1 Interpretação geométrica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
1.3 Modelos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
Aula 02 14
2.1 Problemas de valor inicial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
2.2 EDOs de primeira ordem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
2.2.1 Existência e unicidade de soluções para EDOs de primeira ordem . . . . . . . 17
2.2.2 EDOs lineares de primeira ordem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
Aula 03 26
3.1 EDOs separáveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
Aula 04 31
4.0.1 EDOs redutíveis a separáveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
4.0.2 EDOs redutíveis a homogêneas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
Aula 01
1.1 Introdução
O estudo das Equações Diferenciais Ordinárias tem início com os próprios criadores do Cál-
culo, Newton e Leibniz, no final do século XVII, motivados principalmente por problemas rela-
cionados à mecânica celeste. O objetivo dos matemáticos desde aquela época até meados do
século XIX era a obtenção explícita das soluções das equações diferenciais. Ao tentar expressar
as soluções em termos de funções elementares, um dos métodos mais utilizados procurava redu-
zir o problema de obtenção de soluções ao cálculo de primitivas. Obviamente, o desejo de obter
explicitamente as soluções de uma equação diferencial é completamente natural, contudo, logo
se verificou que o números de equações cujas soluções podem ser expressas por meio de funções
elementares era muito pequeno. Essa constatação impulsionou a busca de novas abordagens,
como, por exemplo, o uso das séries de funções no século XIX. Por volta dessa época também
surgiram os teoremas de existência e unicidade de soluções, cuja importância reside em que,
sabendo-se a priori da existência de solução, sua busca se torna justificável. Os teoremas de
existência e unicidade marcaram o início da fase moderna da área, sendo Poincaré no final do
século XIX um dos seus maiores representantes. Sabendo-se a priori da existência de soluções,
passou-se a ter grande interesse no comportamento qualitativo e nas propriedades dessas solu-
ções sem a preocupação de escrevê-las explicitamente.
De acordo com o parágrafo anterior, podemos observar duas direções interconectadas im-
portantes no estudo de equações diferenciais: a teoria quantitativa e a qualitativa. Enquanto o
objetivo da primeira é encontrar soluções, sejam elas explícitas (quando for possível) ou apro-
ximadas por algum método de Análise Numérica, o objetivo da segunda é a descrição do com-
portamento qualitativo das soluções sem a necessidade de escrevê-las explicitamente. No caso
de soluções aproximadas, o que se procura são funções que estão “próximas” da solução do pro-
blema. Vale ressaltar que, nas aplicações à Física e às Engenharias, essa solução aproximada é tão
boa quanto a solução propriamente dita, desde que o problema goze de uma certa estabilidade
com relação a perturbações dos dados, o que, via de regra, ocorre nessas aplicações.
1.2 Definições
Inicialmente, recorde que
Definicão 1.1
Uma equação diferencial ordinária (EDO) é uma equação envolvendo uma variável inde-
pendente x ∈ R, uma variável dependente y e algumas de suas derivadas y 0 , y 00 , y (3) , . . . , y (n) ,
n ∈ N.
Por exemplo,
d2y dy 2
+ sen(x ) = 0, cos(x )y + 3y = 6x ,
0 3
− 3x y = 0 e x 5 y (3) − x y 0 = ln(y )
d x2 dx
são equações diferenciais ordinárias (EDOs). Em geral, uma EDO pode ser escrita na forma im-
plícita
F (x , y , y 0 , y 00 , . . . , y (n ) ) = 0, n ∈ N, (1.1)
em que F é uma função real definida em algum conjunto aberto de Rn+2 . Por exemplo, a EDO
cos(x )y 0 + 3y = 6x 3 pode se escrita na forma
F (x , y , y 0 ) = 0,
em que F (x , y , z ) = cos(x )z + 3y − 6x 3 .
Numa equação diferencial ordinária, a incógnita é a variável dependente, isto é, a incógnita
é uma função que depende da variável independente x ∈ R. Ao longo do curso vamos estudar
técnicas que nos permitam determinar tais funções para um conjunto particular de equações
diferenciais.
Definicão 1.2
A ordem de uma EDO é o máximo das ordens das derivadas presente na equação.
Exemplo 1.1
Determine a ordem das EDOs nos itens a seguir:
1. y 000 + e x y 00 − y 0 y = y 2. x (y 0 )3 − x y 5 = 1
Solução.
2
1.2 Definições
Nessas notas, vamos supor que toda EDO de ordem n ∈ N pode ser escrita na forma explí-
cita
y (n) = f (x , y , y 0 , y 00 , . . . , y (n−1) ), (1.2)
em que f é uma função real definida em algum conjunto aberto de Rn +1 . Isso evitará que a
EDO (1.1) represente mais de uma equação da forma (1.2). Por exemplo, a EDO (y 0 )2 = 4y
p
representa duas EDOs, y 0 = ±2 y .
Definicão 1.3
Seja J um intervalo aberto. Uma função y = φ(x ), diferenciável pelo menos até a ordem n
em J , é uma solução da EDO (1.2) em J se, para todo x ∈ J , φ(x ) satisfaz a identidade (1.2),
isto é,
φ (n) (x ) = f (x , φ(x ), φ 0 (x ), φ 00 (x ), . . . , φ (n−1) (x )) ∀ x ∈ J .
Quando uma solução y = φ(x ) da EDO (1.2) em J é dada implicitamente por uma equação
envolvendo as variáveis x e y , a solução y = φ(x ) é dita ser uma solução implícita da EDO
(1.2) em J .
Observação. Quando nos referirmos a uma solução de uma EDO sem mencionarmos um inter-
valo aberto, deve ficar subentendido que se trata de uma solução de tal EDO em algum intervalo
aberto.
Exemplo 1.2
A função φ(x ) = e 2x é uma solução da EDO y 0 = 2y em R, pois, para todo x ∈ R, tem-se
φ 0 (x ) = 2φ(x ).
π π
A função φ(x ) = x tg(x + 3) é uma solução da EDO x y 0 = x 2 + y 2 + y em − − 3, − 3 . De
2 2
π π
fato, para todo − −3< x < − 3, tem-se
2 2
φ 0 (x ) = tg(x + 3) + x sec2 (x + 3).
φ 0 (x ) = tg(x + 3) + x tg2 (x + 3) + x ,
3
1.2 Definições
como queríamos.
Qualquer função y = φ(x ), definida num intervalo aberto J , dada implicitamente pela
equação x 2 + y 2 = 1, é uma solução implícita da EDO y y 0 = −x em J . De fato, ao derivar
implicitamente, vê-se que 2x + 2φ(x )φ 0 (x ) = 0 para todo x ∈ J , isto é, φ(x )φ 0 (x ) = −x para
todo x ∈ J . Nesse caso, é simples determinar as funções y = φ(x ) dadas implicitamente
p p
pela equação x 2 + y 2 = 1, φ1 (x ) = 1 − x 2 e φ2 (x ) = − 1 − x 2 , mas essa simplicidade não
se percebe em geral.
Exemplo 1.3
No estudo do pêndulo simples, para pequenas oscilações, a equação que descreve o movimento
do pêndulo é
d2y g
+ y = 0. (1.3)
dt2 `
r r
g g
Mostre que φ1 (t ) = sen t e φ2 (t ) = cos t são soluções da EDO (1.3) em R.
` `
e
g
φ200 (t ) + φ2 (t ) = 0 ∀t ∈ R.
`
Definicão 1.4
Uma função y = φc1 ,...,cn (x ), dependendo de n constantes arbitrárias ci independentes, é
dita ser uma solução geral da EDO de ordem n (1.2) se, para cada (c1 , . . . , cn ) ∈ Rn em que
y = φc1 ,...,cn (x ) faça sentido, existe um intervalo aberto I tal que y = φc1 ,...,cn (x ) é uma solução
da EDO (1.2) em I . No caso em que for possível tomar os intervalos abertos I iguais a um
intervalo aberto J fixado, y = φc1 ,...,cn (x ) é dita ser uma solução geral da EDO de ordem n
(1.2) em J .
4
1.2 Definições
Na definição anterior, o termo independentes significa que a solução geral da EDO de ordem
n (1.2) não pode ser reduzida a uma expressão contendo menos que n constantes arbitrárias ou
nenhuma.
Em geral, para evitarmos uma notação carregada, escreveremos apenas y = φ(x ) ao invés
de y = φc1 ,...,cn (x ). Por exemplo, a função
φ(x ) = c1 φ1 (x ) + c2 φ2 (x ),
Exemplo 1.4
A função φ(x ) = x 2 +c e x é a solução geral da EDO y 0 = y −x 2 +2x em R, pois, para qualquer
c ∈ R, φ 0 (x ) = φ(x ) − x 2 + 2x para todo x ∈ R.
A função
2x 2
φ(x ) = − ln(1 + c1 x ) + c2
c1 c12
5
1.2 Definições
2x 2 φ 00 (x ) − (φ 0 (x ))2 = 0 ∀x ∈ I .
O intervalo aberto I é escolhido de modo que 1 + c1 x > 0 para todo x ∈ I . Assim como
2x 2
antes, não existe um intervalo aberto J tal que φ(x ) = − ln(1 + c1 x ) + c2 seja uma
c1 c12
solução geral da EDO 2x 2 y 00 − (y 0 )2 = 0 em J .
Observação. Nesse curso, nós vamos estudar EDOs cujas soluções gerais são únicas no sentido
de que representam a mesma família de soluções num determinado intervalo aberto. Por conta
disso, vamos trocar o artigo indefinido uma pelo artigo definido a e passaremos a chamar a so-
lução geral da EDO (1.2) em J .
Exemplo 1.5
Seja f : [a , b ] → R uma função contínua. Use o Teorema Fundamental do Cálculo Parte 1 (TFC1)
para determinar a solução geral da EDO y 0 = f (x ) em (a , b ). A solução geral engloba todas a
soluções de y 0 = f (x ) em (a , b )?
Z x
Solução. Segundo o TFC1, a função g (x ) = f (t )d t é contínua em [a , b ], diferenciável em
a
(a , b ) e g 0 (x ) = f (x ) para todo x ∈ (a , b ). Isso significa que
Z x
φ(x ) = f (t )d t + c
a
é a solução geral da EDO y 0 = f (x ). Para concluir, vamos mostrar que a solução geral engloba
todas as soluções. De fato, seja ψ(x ) uma outra solução da EDO y 0 = f (x ) em (a , b ). Seja G (x ) =
Z x
ψ(x ) − f (t )d t . Como
a
G 0 (x ) = 0 ∀ x ∈ (a , b ),
o Teorema do Valor Médio implica que G é uma função constante em (a , b ). Logo, existe k ∈ R
tal que Z x
ψ(x ) = f (t )d t + k ∀ x ∈ (a , b ),
a
como queríamos.
As soluções da EDO (1.2) que podem ser deduzidas da solução geral atribuindo-se às cons-
tantes arbitrárias valores reais são chamadas soluções particulares da EDO (1.2). Por exemplo,
vimos que
φ(x ) = c1 x + c2 x 3
6
1.2 Definições
φ(x ) = x 3
também é uma solução dessa EDO em R, mas, obviamente, ela não pode ser deduzida da solução
geral. Esse tipo de solução é chamada solução singular da EDO (1.2).
Observação. A discussão no parágrafo anterior mostra que o termo solução geral não é usado
no sentido de englobar todas as soluções. Mas não se desespere, a boa notícia é que, para a
grande maioria das EDOs que estudaremos nesse curso, a solução geral, de fato, englobará todas
as soluções.
Definicão 1.5
Seja y = φ(x ) uma solução de uma EDO em um intervalo aberto J . A curva α : J → R2
definida por α(x ) = (x , φ(x )) é chamada curva integral.
O gráfico de φ, na definição anterior, não é necessariamente uma curva integral, pois a fun-
7
1.2 Definições
ção y = φ(x ) pode estar definida em conjunto mais amplo, contendo J , que não é necessaria-
mente um intervalo aberto. Por exemplo, a função
1
φ(x ) = x 3 +
x3
é uma solução da EDO x y 0 + 3y = 6x 3 em cada um dos intervalos abertos (−∞, 0) e (0, +∞),
1
separadamente. Contudo, o gráfico de φ não é uma curva integral, pois φ(x ) = x 3 + não é
x3
uma solução da EDO x y 0 + 3y = 6x 3 em (−∞, 0) ∪ (0, +∞), uma vez que (−∞, 0) ∪ (0, +∞) não
é um intervalo aberto.
De acordo com (1.2), a forma geral explícita de uma EDO de primeira ordem é
y 0 = f (x , y ), (1.4)
em que f é uma função real definida num conjunto aberto Ω ⊂ R2 . Uma função y = φ(x ) é uma
solução da EDO (1.4) num intervalo aberto J se
φ 0 (x ) = f (x , φ(x )) ∀ x ∈ J .
Em muitos problemas de aplicação não se faz necessário saber a expressão algébrica das solu-
ções da EDO (1.4). Basta saber propriedades dessas soluções, como, por exemplo, seu compor-
tamento quando x tende para algum valor pré-estabelecido. Para melhor compreender esses
problemas, é importante ver o significado geométrico da EDO (1.4).
A equação y 0 = f (x , y ) diz que qualquer solução que passar por (x0 , y0 ) ∈ Ω deve ter inclina-
ção igual a
tg(θ ) = f (x0 , y0 ),
em que θ é o ângulo da reta tangente ao gráfico da solução no ponto (x0 , y0 ) com o eixo O x . Essa
interpretação pode se tornar ainda mais geométrica se imaginarmos o seguinte: em cada ponto
(x , y ) ∈ Ω, considere o vetor
v~(x , y ) = (1, f (x , y ))
que determina a reta tangente ao gráfico de qualquer solução da EDO (1.4) que por ventura passe
por (x , y ). Dessa forma, temos um campo, chamado campo de direções da EDO (1.4), definido
em Ω.
8
1.3 Modelos
Exemplo 1.6
Para a EDO y 0 = y − x 2 + 2x , a função f (x , y ) = y − x 2 + 2x .
Exemplo 1.7
6x 3 − 3y 6x 3 − 3y
Para a EDO y 0 = , a função f (x , y ) = .
x x
6x 3 − 3y
Fig. Campo de direções de y 0 = e algumas curvas integrais.
x
9
1.3 Modelos
1.3 Modelos
Grande parte das leis que regem o comportamento de processos físicos são relações envol-
vendo a taxa segundo a qual esses processos evoluem ao longo do tempo. Expressas em lingua-
gem matemática, as relações são equações e as taxas são derivadas, o que significa, que mate-
maticamente, tais relações são EDOs. Uma EDO que descreve algum processo físico é chamada
de modelo matemático do processo.
dN
Fig. Campo de direções de = −k N e algumas curvas integrais.
dt
O sinal de menos significa que o número de átomos está diminuindo ao longo do tempo. Nós ve-
remos mais adiante como solucionar a EDO (1.5), mas por ora, podemos verificar por derivação
que
N (t ) = N0 e −k (t −t 0 ) , (1.6)
10
1.3 Modelos
tempo que se leva para metade do isótopo decair. Por exemplo, suponha que a meia-vida de
N0 N0
um isótopo radioativo seja m ∈ R, m > 0. Então N (t 0 + m ) = , ou seja, N0 e −k m = . Logo,
2 2
ln(2)
m= .
k
A mortalha continha 92% da quantidade de C14 inicial, isto é, de quando as fibras foram colhidas.
Usando (1.7), vê-se que
ln(0, 92)
t 0 = 1988 + ≈ 1302,
0, 0001216
o que coloca a origem do Santo Sudário no século XIV.
11
1.3 Modelos
I (t ) + S (t ) = N .
Vamos supor também que a taxa de variação de I em relação ao tempo depende do número de in-
divíduos infectados e do número de indivíduos suscetíveis a infecção e que os indivíduos desses
dois grupos se movem livremente entre si de modo que a interação entre eles seja proporcional
ao produto I (t ) · S (t ). Matematicamente, isso se expressa por meio da EDO
dI
= βI ·S
dt
em que β é uma constante de proporcionalidade (positiva). Substituindo S (t ) = N − I (t ), tem-se
dI I
=kI · 1− . (1.8)
dt N
A constante k = N β é conhecida como taxa de transmissão e é inferida pelo Ministério da Saúde
a partir da testagem da população.
dI I
Fig. Campo de direções de =kI · 1− e algumas curvas integrais.
dt N
12
1.3 Modelos
A função
N
I (t ) = ,
1 + (N − 1)e −k t
com I (0) = 1, é uma solução da EDO (1.8) em R. Se o modelo adotado for suficientemente rea-
lista, o governo pode inferir com precisão, em regiões curingas, o número de infectados t dias
a após o início da pandemia, o que coloca os médicos sanitaristas um passo à frente do SARS-
COV-2 na luta contra a COVID-19.
13
Aula 02
Definicão 2.6
Um sistema forma pela EDO de ordem n (1.2) e pelas n condições complementares
em que x0 e y0 , y1 , . . . , yn−1 são constantes reais dadas, é chamado problema de valor inicial
(PVI) ou problema de Cauchy. As condições complementares (2.1) são chamadas condições
iniciais.
Em geral, um problema de valor inicial para a EDO de ordem n (1.2) se escreve na forma
y (n) = f (x , y , y 0 , y 00 , . . . , y (n−1) )
y (x0 ) = y0
y 0 (x ) = y
0 1
(2.2)
y (x0 ) = y2
00
..
.
y (n−1) (x ) = y ,
0 n −1
Observação. Quando nos referirmos a uma solução do PVI (2.2) sem mencionarmos um inter-
valo aberto, deve ficar subentendido que se trata de uma solução de tal PVI em algum intervalo
2.1 Problemas de valor inicial
aberto J , com x0 ∈ J .
mg
y (t )
em R.
mg
A solução geral da EDO (2.3) em R nos mostra que lim v (t ) = − . O valor absoluto dessa
t →+∞ k
mg
velocidade final é chamado de velocidade limite e é designado por v∞ = . Isso quer dizer que,
k
15
2.1 Problemas de valor inicial
sob as condições do exemplo anterior, um corpo caindo verticalmente com velocidade inicial v0
terá sua velocidade sempre inferior a v∞ .
Exemplo 2.12
Considere o PVI
y 0 = 3y − 3
x
y (−1) = p2.
3y − 3
A função φ(x ) = 1 + c x 3 , com c ∈ R, é a solução geral da EDO y 0 = em (−∞, 0). Impondo
p p xp
a condição inicial, temos φ(−1) = 2. Logo, 1 − c = 2 e então c = 1 − 2. Dessa forma,
p
φ(x ) = 1 + (1 − 2)x 3
Exemplo 2.13
Considere o PVI
x 2 y 00 + 3y = 3x y 0
y (1) = 2021
y (1) = 2022.
0
Naturalmente, nem todo PVI possui solução. Para encontrar um exemplo, não precisamos
ir longe. Por exemplo, considere a EDO x y 0 − 3y + 3 = 0 do Exemplo 2.12, cuja solução geral é a
função φ(x ) = 1 + c x 3 , com c ∈ R. É desconcertante saber que o PVI
y 0 = y − x 2 + 2x
y (0) = 0
16
2.2 EDOs de primeira ordem
muito pequena e, além disso, atualmente não é incomum se deparar com certas aplicações cujas
EDOs são tão complicadas que elas não podem ser resolvidas. Dessa forma, no estudo de EDOs,
o primeiro problema básico é fornecer condições suficientes para que um dado PVI tenha pelo
menos uma solução.
em J . Além disso, se y = ψ(x ) for uma outra solução do PVI (2.4) em J , então φ(x ) = ψ(x )
para todo x ∈ J .
Demonstração. Vamos dar uma ideia da demonstração omitindo passagens e termos técnicos
que fogem ao escopo do curso.
Inicialmente, y = φ(x ) é uma solução do PVI (2.4) em J se, e somente se, for uma solução
da equação Z x
y (x ) = y0 + f (s , y (s ))d s ∀ x ∈ J. (2.5)
x0
De fato, se y = φ(x ) é uma solução do PVI (2.4) em J , então, pelo Teorema Fundamental do
Z x Z x
Cálculo Parte 2, f (s , φ(s ))d s = φ(x )−φ(x0 ), isto é, φ(x ) = y0 + f (s , φ(s ))d s . Por outro lado,
x0 x0
se y = φ(x ) é uma função contínua em J que é solução da equação (2.5), então, φ(x0 ) = y0 e, pelo
Teorema Fundamental do Cálculo Parte 1, φ 0 (x ) = f (x , φ(x )) para todo x ∈ J , isto é, y = φ(x ) é
uma solução do PVI (2.4) em J , como queríamos.
Nos concentremos então na resolução da equação (2.5). Dado (x0 , y0 ) ∈ Ω, sejam a e b nú-
meros reais estritamente positivos tais que o retângulo
R = [x0 − a , x0 + a ] × [y0 − b , y0 + b ]
17
2.2 EDOs de primeira ordem
| f (x , y )| ≤ M ∀ (x , y ) ∈ R .
Sejam
b
§ ª
0 < ā ≤ min a , e J¯ = [x0 − ā , x0 + ā ].
M
Seja C o conjunto de todas as funções contínuas g : J¯ → R tai que g (x0 ) = y0 e |g (x ) − y0 | ≤ b .
Graficamente, queremos em C as funções contínuas cujos gráficos passem pelo ponto (x0 , y0 ) e
que estejam contidos no retângulo R .
y
y0 + b
y0
y0 − b R
x0 − a x0 x0 + a x
Fig. A curva preta representa o gráfico de uma função contínua passando pelo ponto (x0 , y0 ).
Z x
Dada g ∈ C , afirmamos que a função G : J¯ → R definida por G (x ) = y0 + f (s , g (s ))d s
x0
pertence ao conjunto C . De fato, observe que G (x0 ) = y0 , que (segundo o Teorema Fundamental
do Cálculo Parte 1) a função G é contínua e que
Z Z
x x
|G (x ) − y0 | = f (s , g (s ))d s ≤ f (s , g (s )) d s ≤ M |x − x0 | ≤ M ā ≤ b .
x x
0 0
Z x
Isso nos permite considerar uma função Θ : C → C pondo Θ(g )(x ) = y0 + f (s , g (s ))d s para
x0
todo x ∈ J¯. Um dos passos cruciais na demonstração do teorema é que y = y (x ) é uma solução
da equação (2.5) se, e somente se, Θ(y ) = y .
Considere em C a distância d (g 1 , g 2 ) = max |g 1 (x ) − g 2 (x )| : x ∈ J¯ . Um resultado, conhe-
cido como Teorema do Ponto Fixo de Banach, afirma que, se existir uma constante 0 ≤ K < 1 tal
que
d (Θ(g 1 ), Θ(g 2 )) ≤ K d (g 1 , g 2 ) ∀ g 1 , g 2 ∈ C ,
18
2.2 EDOs de primeira ordem
dados (x , y1 ), (x , y2 ) ∈ R , seja S ⊂ R o segmento de reta que liga estes dois pontos. Segundo o
Teorema do Valor Médio,
| f (x , y1 ) − f (x , y2 )| = | f y (z )| · |y1 − y2 |
para algum z ∈ S . Uma vez que a função f y : Ω → R é contínua e R é um conjunto fechado e limi-
tado, o Teorema de Weierstrass nos diz que f y é limitada em R , isto é, que existe uma constante
M 1 > 0 tal que
| f y (x , y )| ≤ M 1 ∀ (x , y ) ∈ R .
Logo,
| f (x , y1 ) − f (x , y2 )| ≤ M 1 |y1 − y2 |.
≤ M 1 |x − x0 |d (g 1 , g 2 ) ≤ M 1 ā d (g 1 , g 2 ),
1
donde segue que d (Θ(g 1 ), Θ(g 2 )) ≤ M 1 ā d (g 1 , g 2 ). Assim, para ā < , considere K = M 1 ā e o
M1
teorema fica demonstrado para o intervalo aberto J = (x0 − ā , x0 + ā ). 2
Exemplo 2.14
Considere o PVI
y 0 = p|y |
(2.6)
y (0) = 0.
y
Note que f (x , y ) = |y | é contínua em todo o plano R2 , mas a função f y (x , y ) =
p
p não
2|y | |y |
está definida em (x , 0), com x ∈ R. A função nula φ(x ) = 0 é uma solução do PVI (2.6) em R.
Entretanto, a função
1x2 se x ≥ 0
ψ(x ) = 4
1
− x2 se x < 0
4
é outra solução do PVI (2.6) em R, com ψ(x ) 6= φ(x ) para todo x 6= 0.
19
2.2 EDOs de primeira ordem
Exemplo 2.15
Decida se o PVI
x y 0 + y = x 2 + 2x
(2.7)
y (−1) = 0
possui solução.
Solução. Devemos verificar se o PVI (2.7) possui solução em algum intervalo aberto contendo o
y
ponto x0 = −1. Inicialmente, note que toda solução da EDO y 0 = − + x +2 num intervalo aberto
x
J também é uma solução da EDO x y 0 + y = x 2 + 2x em J (O contrário não é necessariamente
verdade!). A funções
y 1
f (x , y ) = − + x +2 e f y (x , y ) = −
x x
são contínuas no conjunto aberto Ω = (−∞, 0) × R. Assim, como (−1, 0) ∈ Ω, o Teorema de Picard
afirma que o PVI
y 0 = − y + x 2 + 2x
x
y (−1) = 0
tem uma solução em algum intervalo aberto J , com −1 ∈ J . Consequentemente, o PVI (2.7)
possui solução em J .
Definicão 2.7
Uma EDO que pode ser escrita na forma
y 0 + p (x )y = q (x ), (2.8)
Por exemplo,
1
y 0 + (x 2 + 1)y = 2x + 3, y 0 = sen(x )y − e x −1 , y 0 = −3x y e y0+xy =
x
são EDOs lineares de primeira ordem.
Observação. Em alguns casos é possível fazer uma mudança de variável e transformar uma EDO
de primeira ordem em uma EDO linear de primeira ordem (Ver Exemplo 2.20).
Soluções
20
2.2 EDOs de primeira ordem
De fato, suponha que y = φ(x ) seja uma solução da EDO (2.8) em J . Ao multiplicar a equação
φ 0 (x ) + p (x )φ(x ) = q (x ) por µ(x ), obtemos
µ(x ) φ 0 (x ) + p (x )φ(x ) = µ(x )q (x ).
A ideia é que µ(x ) seja de tal modo que o primeiro membro da equação anterior seja a derivada
do produto de µ por φ, isto é,
d
µ(x ) φ 0 (x ) + p (x )φ(x ) = (µ · φ)(x ) = µ0 (x )φ(x ) + µ(x )φ 0 (x ).
dx
Logo, ao simplificar a equação anterior, vê-se que
Observação. Cuidado, as fórmulas nessa seção foram feitas para EDOs lineares de primeira or-
dem na forma y 0 + p (x )y = q (x ). Por exemplo, para resolver a EDO y 0 − p1 (x )y + q1 (x ) = 0, antes
devemos colocá-la na forma y 0 + (−p1 (x ))y = −q1 (x ). Feito isso, vê-se que p (x ) = −p1 (x ) e que
q (x ) = −q1 (x ).
1
Uma função G é uma primitiva de uma função g num intervalo aberto J se G 0 (x ) = g (x ) para todo x ∈ J .
21
2.2 EDOs de primeira ordem
Exemplo 2.16
Encontre a solução geral da EDO y 0 −tg(x )y = cos(x ) e determine um intervalo em que ela existe.
1
o que significa que µ(x ) = e ln(cos(x )) = cos(x ). Logo, como = sec(x ) e
µ(x )
Z Z
1
µ(x )q (x )d x = cos2 (x )d x = (x + sen(x ) cos(x )) + c ,
2
de (2.10) segue que
1
φ(x ) = sec(x ) (x + sen(x ) cos(x )) + c , c ∈ R,
2
π π
é a solução geral da EDO y 0 − tg(x )y = cos(x ) em − , .
2 2
Exemplo 2.17
Determine a solução geral da EDO y 0 − 2x y = x em R.
2 1 2
então µ(x ) = e −x . Logo, como =ex e
µ(x )
Z Z
2 1 2
µ(x )q (x )d x = e −x x d x = − e −x + c ,
2
de (2.10) segue que
1 2
φ(x ) = − + c e x , c ∈ R,
2
é a solução geral da EDO y 0 − 2x y = x em R.
22
2.2 EDOs de primeira ordem
Exemplo 2.18
Determine a solução geral da EDO y 0 = λy em R, em que λ é uma constante real.
em J . Contudo, com o mesmo raciocínio de antes, podemos obter uma forma explícita para tal
solução. De fato, suponha que y = φ(x ) seja uma solução do PVI (2.12) em ZJ . Como, segundo o
Z x x
p (t )d t
TFC1, p (t )d t é uma primitiva de p em J , podemos considerar µ(x ) = e x0
. Ao integrar
x0
ambos os lados da igualdade
d
(µ · φ)(x ) = µ(x )q (x ),
dx
Z x
obtemos µ(x )φ(x ) − y0 = µ(s )q (s )d s . Portanto,
x0
Z x
1
φ(x ) = µ(s )q (s )d s + y0 ∀ x ∈ J.
µ(x ) x
0
Exemplo 2.19
Dadas constantes reais x0 e y0 , determine a solução do PVI
y 0 = λy
y (x0 ) = y0
em R.
23
2.2 EDOs de primeira ordem
Z x Z x
p (t )d t = −λd t = −λ(x − x0 ),
x0 x0
Z x
−λ(x −x0 ) 1 λ(x −x0 )
o que significa que µ(x ) = e . Logo, como =e e µ(s )q (s )d s = 0, de (2.13)
µ(x ) x0
segue que
φ(x ) = y0 e λ(x −x0 )
é a solução do PVI
y 0 = λy
y (x0 ) = y0
em R.
Exemplo 2.20
Resolva o PVI
cos(y )y 0 + 2x sen(y ) = −2x
(2.14)
y (−1) = 0.
Solução. A EDO cos(y )y 0 + 2x sen(y ) = −2x não é linear, mas é possível transformá-la em uma
EDO linear. Considere a mudança de variável z = sen(y ). Como
temos o PVI
z 0 + 2x z = −2x
(2.15)
z (−1) = 0.
24
2.2 EDOs de primeira ordem
do PVI (2.14) em (−∞, − 1 − ln(2)). De fato, temos que −1 ∈ (−∞, − 1 − ln(2)), que φ(−1) = 0 e
p p
que, por conta da definição de φ, sen(φ(x )) = ψ(x ). Em particular, temos que cos(φ(x ))φ 0 (x ) =
ψ0 (x ). Logo,
p
cos(φ(x ))φ 0 (x ) + 2x sen(φ(x )) = ψ0 (x ) + 2x ψ(x ) = −2x ∀ x ∈ (−∞, − 1 − ln(2)),
25
Aula 03
Definicão 3.8
Uma EDO de primeira ordem que pode ser escrita na forma
y 0 = h (x )g (y ), (3.1)
Por exemplo,
x2 ex
y0= , 9y y 0 + 7x = 0, y 0 = sen(x ) cos(y ) e y0=
y y2+1
são EDOs separáveis.
Soluções
Para abordar a EDO (3.1), vamos assumir que h e g são contínuas nos intervalos abertos Ih
e Ig , respectivamente. Suponha que y = φ(x ) é uma solução da EDO (3.1) num intervalo aberto
J ⊂ Ih , ou seja, y = φ(x ) é uma função diferenciável em J tal que
Se g (k ) = 0 para algum k ∈ Ig , então a função constante φ(x ) = k é uma solução da EDO (3.1) em
Ih . Uma vez que estamos interessados em soluções não constantes, vamos supor que g (y ) 6= 0
para todo y ∈ Ig . Assim, podemos escrever
φ 0 (x )
= h (x ).
g (φ(x ))
1
Se G for uma primitiva da função em Ig , então, pela regra da cadeia, obtemos
g
d
G (φ(x )) = h (x )
dx
e daí
G (φ(x )) = H (x ) + c ∀x ∈ J , (3.2)
φ 0 (x )
em que H é uma primitiva de h em Ih . Alternativamente, ao integrar ambos os lados de =
g (φ(x ))
h (x ), a regra da substituição fornece
Z Z
1
dy = h (x )d x (3.3)
g (y )
3.1 EDOs separáveis
e Z φ(x ) Z x
1
ds = f (s )d s , (3.4)
φ(x0 )
g (s ) x0
em que x0 ∈ J .
O que nos fizemos foi, supondo conhecida uma solução de (3.1), mostrar que ela satisfaz a
relação (3.2). O interessante, porém, é usar a essa relação para obter soluções. Isso é possível,
mas é necessário um certo cuidado.
Dispositivo prático:
1
1. Escreva a EDO (3.1) na forma y 0 = h (x )
g (y )
1
Z Z
2. Integra ambos os lados da equação anterior para obter dy = h (x )d x
g (y )
Exemplo 3.21
y
Encontre a solução geral da EDO y 0 = − e determine os maiores intervalos em que ela existe.
x
1 1
Solução. Temos que y 0 = − . Ao integrar em ambos os lados, obtemos
y x
Z Z
1 1
d y = − d x,
y x
ou seja,
ln |y | = − ln |x | + k .
Sendo a imagem da função logarítmica o conjunto dos números reais, podemos tomar k = ln |c |,
com c ∈ R, o que nos permite escrever
c
ln |y | = ln .
x
c y
Daí segue que φ(x ) = é a solução geral da EDO y 0 = − em cada um dos intervalos (−∞, 0) e
x x
(0, +∞), separadamente.
Exemplo 3.22
(1 + x )y
Resolva a EDO y 0 = − .
(1 − y )x
(1 − y ) 0 1+ x
Solução. Temos que y =− . Ao integrar em ambos os lados, obtemos
y x
1+ x
Z Z
1− y
dy =− d x,
y x
ou seja,
ln |y | − y = − ln |x | − x + c . (3.5)
Portanto, qualquer função y = φ(x ) dada implicitamente pela equação (3.5) é uma solução geral
27
3.1 EDOs separáveis
(1 + x )y
da EDO y 0 = − .
(1 − y )x
Exemplo 3.23
sen(x )
Resolva a EDO y 0 = − .
2y
ou seja,
y 2 = cos(x ) + c .
sen(x )
Logo, φ(x ) = − cos(x ) + c é uma solução geral da EDO y 0 = − . Note que y = φ(x ) define
p
2y
uma função real apenas para c > −1.
Exemplo 3.24
Determine a solução geral da EDO y 0 = 2x y − 1.
p
Solução. Note que a função g (y ) = y − 1 está definida em [1, +∞) e que, como y = 1 é um
p
(x 2 + c )2
Daí segue que φ(x ) = + 1 é a solução geral da EDO y 0 = 2x
p
y − 1. A solução constante
4
φ(x ) = 1 não pode ser deduzida da solução geral, o que significa que φ(x ) = 1 é uma solução
singular.
28
3.1 EDOs separáveis
(x 2 + c )2
Observação. Cuidado, no exemplo anterior, embora φ(x ) = +1 esteja definida para todo
4
x ∈ R, a função y = φ(x ) satisfaz a equação 2 y − 1 = x 2 + c apenas quando x 2 + c ≥ 0. Por
p
separadamente.
Exemplo 3.25
Resolva o PVI
y0= x
y
y (3) = 2
ou seja,
y 2 x2
= +c.
2 2
9 5
Para x = 3 e y = 2, vê-se que 2 = + c , isto é, c = − . Logo,
2 2
y 2 = x2 −5
p p p
e, portanto, como 3 ∈ ( 5, +∞), a função φ(x ) = x 2 − 5 é a solução do PVI em J = ( 5, +∞).
Para resolver o PVI do exemplo anterior, poderíamos ter aplicado diretamente (3.4).
Exemplo 3.26
Resolva o PVI
y 0 = 3x + 4x + 2
2
2(y − 1)
y (0) = −1
29
3.1 EDOs separáveis
ou seja,
y 2 − 2y − 3 = x 3 + 2x 2 + 2x ou, equivalentemente, y 2 − 2y = x 3 + 2x 2 + 2x + 3.
Para obter a solução explícita, precisamos isolar y na equação anterior. Já que se trata de uma
equação do segundo grau na variável y , temos que
p
y = 1 ± x 3 + 2x 2 + 2x + 4.
Portanto, a função
p
φ(x ) = 1 − x 3 + 2x 2 + 2x + 4
é a solução do PVI no intervalo aberto J , com 0 ∈ J , tal que x 3 + 2x 2 + 2x + 4 > 0 para todo x ∈ J .
Finalmente, para determinar esse intervalo, basta observar que x = −2 é a única raiz real do
polinômio x 3 + 2x 2 + 2x + 3. Logo, x 3 + 2x 2 + 2x + 3 > 0 para todo x > −2 e, consequentemente,
J = (−2, +∞).
30
Aula 04
Definicão 4.9
Seja n ∈ Z. Uma função f : A → R, com A ⊂ R2 , é dita ser homogênea de grau n se
∀ t ∈ R, f (t x , t y ) = t n f (x , y ) ∀ (x , y ) ∈ A.
f (t x , t y ) = (t x )4 + (t x )3 (t y ) = t 4 (x 4 + x 3 y ) = t 4 f (x , y ) ∀ (x , y ) ∈ R2
Definicão 4.10
Uma EDO y 0 = f (x , y ), com
N (x , y )
f (x , y ) = F ,
M (x , y )
em que M e N são funções homogêneas de grau n, é chamada de EDO homogênea.
Por exemplo,
x+y
p
x4 − x3y 3
x3 − y 3 2x y
y = 0
, y =
0
, y 0 = cos e y0=−
x4 x+y x−y x2 − y 2
são EDOs homogêneas.
Observação. Cuidado, não confunda EDO linear homogênea com EDO homogênea.
De fato:
N (x , y )
1. Como y 0 = f (x , y ) é homogênea, então f (x , y ) = F , em que N e M são funções
M (x , y )
homogêneas de grau n ∈ Z. Assim, temos que
y ! y !
n
N (x , y )
x N 1, N 1, y
f (x , y ) = F =F xy = F xy = f 1,
N (x , y ) x n M 1, M 1, x
x x
para todo (x , y ) ∈ Dom(f ), com x 6= 0.
3.1 EDOs separáveis
y y
2. Do item anterior, vemos que y 0 = f 1, . Considere a mudança de variável z = ou,
x x
equivalentemente, x z = y . Como z + x z = y , então z + x z = f (1, z ), donde segue que
0 0 0
f (1, z ) − z
z0 = ,
x
como queríamos.
y
Em uma EDO homogênea a expressão f (x , y ) depende, de fato, apenas de . Isso significa
x
que as curvas integrais têm mesma inclinação em todos os pontos pertencentes a uma mesma
reta contendo a origem, embora essa inclinação varie de uma reta para outra. Portanto, como se
vê no próximo exemplo, o campo de direções de uma EDO homogênea e suas curvas integrais
são simétricos em relação à origem.
Exemplo 4.27
Determine uma solução geral da EDO x 2 − y 2 − 2x y y 0 = 0.
x2 − y 2
Solução. Ao reescrever a EDO, obtém-se y 0 = . Note que N (x , y ) = x 2 − y 2 e M (x , y ) = 2x y
2x y
são funções homogêneas de grau 2. Daí
y 2
y 1−
x
f (x , y ) = f 1, = y .
x 2
x
y
Ao fazer a mudança de variável z = , como z + x z 0 = y 0 , obtemos a EDO separável
x
1−z2
f (1, z ) − z −z 1 − 3z 2
2z
z0 = = = .
x x 2z x
Ao escrever
2z 1
z0 = ,
1 − 3z 2 x
obtemos (pelo dispositivo prático)
Z Z
2z 1
dz = d x,
1 − 3z 2 x
ou seja,
1 1
− ln |1 − 3z 2 | = ln |x | + k ou, equivalentemente, (1 − 3z 2 )x 3 = .
3 e 3k
1
Como e 3k ∈ (0, +∞) e |♥| = e 3k se, e somente se, ♥ = ±e 3k , podemos considerar (1 − 3z 2 )x 3 = ,
c
1
em que c 6= 0. Voltando às variáveis originais, temos que x 3 − 3x y 2 = . Logo,
c
v
tx2 1
φ(x ) = − , c 6= 0,
3 3c x
é uma solução geral da EDO x 2 − y 2 − 2x y y 0 = 0 (Qual é a outra solução geral?).
32
3.1 EDOs separáveis
s
x2 1
Observação. No exemplo anterior, não existe um intervalo aberto J tal que φ(x ) = −
3 3c x
seja uma solução geral da EDO x 2 − y 2 − 2x y y 0 = 0 em J . Para cada c 6= 0, temos um intervalo
diferente!
Exemplo 4.28
y y
r
Resolva a EDO y 0 = 2 + .
x x
y y
r
Solução. Inicialmente, note que y 0 = 2 + é uma EDO homogênea. Ao fazer a mudança de
x x
y
variável z = , como z + x z = y , obtemos
0 0
x
p
z + xz0 = 2 z +z,
p
2 z
ou seja, z 0 = . Ao escrever
x
1 1
p z0 = ,
2 z x
temos Z Z
1 1
p dz = d x,
2 z x
p
ou seja, z = ln |x | + c . Voltando às variáveis originais, temos
s
y
= ln |x | + c .
x
y y
r
Logo, φ(x ) = x (ln(x ) + c ) é uma solução geral da EDO y = 2
2 0
+ .
x x
33
3.1 EDOs separáveis
a 1 x + b1 y + c 1
Seja y 0 = F . Se a 1 b2 −b1 a 2 = 0, com a 1 6= 0 e b1 6= 0, então, ao fazer a mudança
a 2 x + b2 y + c 2
de variável z = a 1 x + b1 y , obtém-se a EDO separável
z + c1
z = a 1 + b1 F
0
,
m z + c2
a2 b2
em que m = = .
a1 b1
Exemplo 4.29
2x − y + 1
Resolva a EDO y 0 = .
6x − 3y − 1
Solução. Inicialmente, note que a 1 = 2, b1 = −1, a 2 = 6 e b2 = −3. Além disso, note que
a 1 b2 − b1 a 2 = 2 · (−3) − (−1)6 = 0.
34
3.1 EDOs separáveis
a 1 x + b1 y + c 1
Seja y 0 = F . Se a 1 b2 − b1 a 2 6= 0, então, ao fazer as mudanças de variáveis
a 2 x + b2 y + c 2
x = z + α e y = w + β , em que (α, β ) é a solução do sistema
a x +b y +c =0
1 1 1
(4.1)
a 2 x + b2 y + c2 = 0,
dx dw
De fato, inicialmente, de x = z + α e y = w + β , segue que =1e = 1. Logo, pela regra da
dz dy
cadeia, temos que
dw dw dy dx dy
= = .
dz dy dx dz dx
Ao considerar as mudanças de variáveis x = z + α e y = w + β , obtemos
dw a 1 (z + α) + b1 (w + β ) + c1 a 1 z + b1 w + a 1 α + b1 β + c 1 a 1 z + b1 w
=F =F =F ,
dz a 2 (z + α) + b2 (w + β ) + c2 a 2 z + b2 w + a 2 α + b2 β + c 2 a 2 z + b2 w
como queríamos.
Exemplo 4.30
2x − 3y − 1
Resolva a EDO y 0 = .
3x + y − 2
a 1 b2 − b1 a 2 = 2 · 1 − (−3) · 3 = 11.
7 1
Com alguns cálculos simples vê-se que , é a solução do sistema
11 11
2x − 3y − 1 = 0
3x + y − 2 = 0.
35
3.1 EDOs separáveis
7 1
Ao fazer as mudanças de variáveis x = z + e y = w + , obtemos
11 11
7 1
d w 2 z + 11 − 3 w + 11 − 1 2z − 3w
= = ,
7 1 +
dz 3 z+ + w+ −2 3z w
11 11
dw
ou seja, = f (z , w ), em que
dz
2z − 3w
f (z , w ) = .
3z + w
w
Logo, por se tratar de um EDO homogênea, ao fazer a mudança de variável u = , obtemos
z
du dw 2 − 3u
u +z = = f (1, u ) = ,
dz dz 3+u
isto é,
d u 2 − 6u − u 2
= .
dz (3 + u )z
3+u du 1
Sendo esta última EDO separável, ao escrever = e integrar em ambos os lados,
2 − 6u − u 2 d z z
obtemos
3+u
Z Z
1
du = dz,
2 − 6u − u 2 z
ou seja,
1
− ln |11 − (3 + u )2 | = ln |z | + k ou, equivalentemente, ln |11 − (3 + u )2 | = − ln |z 2 | − 2k .
2
ln |c |
Ao escrever k = − c 6= 0, temos
, com
2
c c
ln |11 − (3 + u )2 | = ln ou, equivalentemente, 11 − (3 + u )2 = ,
z2 z2
Voltando às variáveis originais, temos
2z 2 − 6z w − w 2 = c
e então
2(11x − 7)z 2 − 6(11x − 7)(11y − 1) − (11y − 1)2 = 11c .
Portanto, qualquer função y = φ(x ) dada implicitamente pela equação anterior é uma solução
2x − 3y − 1
geral da EDO y 0 = .
3x + y − 2
36
Referências Bibliográficas
[1] Boyce, W. E. e DiPrima, R. C., Equações Diferenciais Elementares e Problemas de Valores de Contorno, 10th ed.,
Rio de Janeiro - LTC, 2015.
[2] Figueiredo, D. G. e Neves, A. F., Equações Diferenciais Aplicadas, Coleção Matemática Universitária, Rio de
Janeiro - IMPA, 2012.
[3] Kreyszig, E., Advanced Engineering Mathematics, 3rd ed., New York - Wiley, 1972.