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Sumário

Aula 01 1
1.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.2 Definições . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.2.1 Interpretação geométrica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
1.3 Modelos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10

Aula 02 14
2.1 Problemas de valor inicial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
2.2 EDOs de primeira ordem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
2.2.1 Existência e unicidade de soluções para EDOs de primeira ordem . . . . . . . 17
2.2.2 EDOs lineares de primeira ordem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

Aula 03 26
3.1 EDOs separáveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26

Aula 04 31
4.0.1 EDOs redutíveis a separáveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
4.0.2 EDOs redutíveis a homogêneas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
Aula 01

1.1 Introdução
O estudo das Equações Diferenciais Ordinárias tem início com os próprios criadores do Cál-
culo, Newton e Leibniz, no final do século XVII, motivados principalmente por problemas rela-
cionados à mecânica celeste. O objetivo dos matemáticos desde aquela época até meados do
século XIX era a obtenção explícita das soluções das equações diferenciais. Ao tentar expressar
as soluções em termos de funções elementares, um dos métodos mais utilizados procurava redu-
zir o problema de obtenção de soluções ao cálculo de primitivas. Obviamente, o desejo de obter
explicitamente as soluções de uma equação diferencial é completamente natural, contudo, logo
se verificou que o números de equações cujas soluções podem ser expressas por meio de funções
elementares era muito pequeno. Essa constatação impulsionou a busca de novas abordagens,
como, por exemplo, o uso das séries de funções no século XIX. Por volta dessa época também
surgiram os teoremas de existência e unicidade de soluções, cuja importância reside em que,
sabendo-se a priori da existência de solução, sua busca se torna justificável. Os teoremas de
existência e unicidade marcaram o início da fase moderna da área, sendo Poincaré no final do
século XIX um dos seus maiores representantes. Sabendo-se a priori da existência de soluções,
passou-se a ter grande interesse no comportamento qualitativo e nas propriedades dessas solu-
ções sem a preocupação de escrevê-las explicitamente.
De acordo com o parágrafo anterior, podemos observar duas direções interconectadas im-
portantes no estudo de equações diferenciais: a teoria quantitativa e a qualitativa. Enquanto o
objetivo da primeira é encontrar soluções, sejam elas explícitas (quando for possível) ou apro-
ximadas por algum método de Análise Numérica, o objetivo da segunda é a descrição do com-
portamento qualitativo das soluções sem a necessidade de escrevê-las explicitamente. No caso
de soluções aproximadas, o que se procura são funções que estão “próximas” da solução do pro-
blema. Vale ressaltar que, nas aplicações à Física e às Engenharias, essa solução aproximada é tão
boa quanto a solução propriamente dita, desde que o problema goze de uma certa estabilidade
com relação a perturbações dos dados, o que, via de regra, ocorre nessas aplicações.

1.2 Definições
Inicialmente, recorde que

(a , b ), (−∞, b ), (a , +∞) e (−∞, +∞),


1.2 Definições

com a , b ∈ R e a < b , são chamados intervalos abertos de R. Dada uma função y : I → R, em


que I ⊂ R é um intervalo aberto, diferenciável pelos menos até a ordem n , recorde que
di y
y (i ) (x ) =
(x ) ∀ i = 0, 1, . . . , n ,
d xi
em que y (0) (x ) = y (x ). Para as derivadas de ordem mais baixa será comum escrevermos
dy d2y d3y
y 0 (x ) = (x ), y 00 (x ) = (x ), y 000 (x ) = (x ), . . . .
dx d x2 d x3
Observação. Cuidado, não confunda y (3) (x ) com y 3 (x ). Como sabemos, y (3) (x ) denota a deri-
vada de ordem 3 da função y . Já y 3 (x ) denota o valor y (x ) elevado ao cubo, isto é, y 3 (x ) = [y (x )]3 .

Definicão 1.1
Uma equação diferencial ordinária (EDO) é uma equação envolvendo uma variável inde-
pendente x ∈ R, uma variável dependente y e algumas de suas derivadas y 0 , y 00 , y (3) , . . . , y (n) ,
n ∈ N.

Por exemplo,
d2y dy 2
 ‹
+ sen(x ) = 0, cos(x )y + 3y = 6x ,
0 3
− 3x y = 0 e x 5 y (3) − x y 0 = ln(y )
d x2 dx
são equações diferenciais ordinárias (EDOs). Em geral, uma EDO pode ser escrita na forma im-
plícita
F (x , y , y 0 , y 00 , . . . , y (n ) ) = 0, n ∈ N, (1.1)

em que F é uma função real definida em algum conjunto aberto de Rn+2 . Por exemplo, a EDO
cos(x )y 0 + 3y = 6x 3 pode se escrita na forma

F (x , y , y 0 ) = 0,

em que F (x , y , z ) = cos(x )z + 3y − 6x 3 .
Numa equação diferencial ordinária, a incógnita é a variável dependente, isto é, a incógnita
é uma função que depende da variável independente x ∈ R. Ao longo do curso vamos estudar
técnicas que nos permitam determinar tais funções para um conjunto particular de equações
diferenciais.
Definicão 1.2
A ordem de uma EDO é o máximo das ordens das derivadas presente na equação.

Exemplo 1.1
Determine a ordem das EDOs nos itens a seguir:

1. y 000 + e x y 00 − y 0 y = y 2. x (y 0 )3 − x y 5 = 1

Solução.

2
1.2 Definições

1. Na EDO y 000 + e x y 00 − y 0 y = y aparecem as derivas y 0 , y 00 e y 000 , sendo 3 o máximo de suas


ordens. Assim, a ordem de y 000 + e x y 00 − y 0 y = y é igual a 3.

2. Na EDO x (y 0 )3 − x y 5 = 1 aparece apenas a derivada y 0 , o que significa que a ordem de


x (y 0 )3 − x y 5 = 1 é igual a 1.

Nessas notas, vamos supor que toda EDO de ordem n ∈ N pode ser escrita na forma explí-
cita
y (n) = f (x , y , y 0 , y 00 , . . . , y (n−1) ), (1.2)

em que f é uma função real definida em algum conjunto aberto de Rn +1 . Isso evitará que a
EDO (1.1) represente mais de uma equação da forma (1.2). Por exemplo, a EDO (y 0 )2 = 4y
p
representa duas EDOs, y 0 = ±2 y .

Definicão 1.3
Seja J um intervalo aberto. Uma função y = φ(x ), diferenciável pelo menos até a ordem n
em J , é uma solução da EDO (1.2) em J se, para todo x ∈ J , φ(x ) satisfaz a identidade (1.2),
isto é,
φ (n) (x ) = f (x , φ(x ), φ 0 (x ), φ 00 (x ), . . . , φ (n−1) (x )) ∀ x ∈ J .

Quando uma solução y = φ(x ) da EDO (1.2) em J é dada implicitamente por uma equação
envolvendo as variáveis x e y , a solução y = φ(x ) é dita ser uma solução implícita da EDO
(1.2) em J .

Observação. Quando nos referirmos a uma solução de uma EDO sem mencionarmos um inter-
valo aberto, deve ficar subentendido que se trata de uma solução de tal EDO em algum intervalo
aberto.

Exemplo 1.2
A função φ(x ) = e 2x é uma solução da EDO y 0 = 2y em R, pois, para todo x ∈ R, tem-se
φ 0 (x ) = 2φ(x ).
€ π π Š
A função φ(x ) = x tg(x + 3) é uma solução da EDO x y 0 = x 2 + y 2 + y em − − 3, − 3 . De
2 2
π π
fato, para todo − −3< x < − 3, tem-se
2 2
φ 0 (x ) = tg(x + 3) + x sec2 (x + 3).

Como tg2 (x + 3) + 1 = sec2 (x + 3), então

φ 0 (x ) = tg(x + 3) + x tg2 (x + 3) + x ,

3
1.2 Definições

donde segue que

x φ 0 (x ) = x 2 + (x tg(x + 3))2 + x tg(x + 3) = x 2 + φ 2 (x ) + φ(x ),

como queríamos.

Qualquer função y = φ(x ), definida num intervalo aberto J , dada implicitamente pela
equação x 2 + y 2 = 1, é uma solução implícita da EDO y y 0 = −x em J . De fato, ao derivar
implicitamente, vê-se que 2x + 2φ(x )φ 0 (x ) = 0 para todo x ∈ J , isto é, φ(x )φ 0 (x ) = −x para
todo x ∈ J . Nesse caso, é simples determinar as funções y = φ(x ) dadas implicitamente
p p
pela equação x 2 + y 2 = 1, φ1 (x ) = 1 − x 2 e φ2 (x ) = − 1 − x 2 , mas essa simplicidade não
se percebe em geral.

Exemplo 1.3
No estudo do pêndulo simples, para pequenas oscilações, a equação que descreve o movimento
do pêndulo é
d2y g
+ y = 0. (1.3)
dt2 `
r ‹ r ‹
g g
Mostre que φ1 (t ) = sen t e φ2 (t ) = cos t são soluções da EDO (1.3) em R.
` `

Solução. Inicialmente, Ao derivar as funções φ1 e φ2 , obtém-se


r ‹ r ‹
g g g g g g
φ1 (t ) = − sen
00
t = − φ1 (t ) e φ2 (t ) = − cos
00
t = − φ2 (t ),
` ` ` ` ` `
donde segue que
g
φ100 (t ) + φ1 (t ) = 0 ∀ t ∈R
`

e
g
φ200 (t ) + φ2 (t ) = 0 ∀t ∈ R.
`

Logo, y = φ1 (t ) e y = φ2 (t ) são ambas soluções da EDO (1.3) em R. Na verdade, para quaisquer


constantes c1 , c2 ∈ R, a função φ(t ) = c1 φ1 (t ) + c2 φ2 (t ) também é uma solução da EDO (1.3) em
R (Verifique!).

Definicão 1.4
Uma função y = φc1 ,...,cn (x ), dependendo de n constantes arbitrárias ci independentes, é
dita ser uma solução geral da EDO de ordem n (1.2) se, para cada (c1 , . . . , cn ) ∈ Rn em que
y = φc1 ,...,cn (x ) faça sentido, existe um intervalo aberto I tal que y = φc1 ,...,cn (x ) é uma solução
da EDO (1.2) em I . No caso em que for possível tomar os intervalos abertos I iguais a um
intervalo aberto J fixado, y = φc1 ,...,cn (x ) é dita ser uma solução geral da EDO de ordem n
(1.2) em J .

4
1.2 Definições

Na definição anterior, o termo independentes significa que a solução geral da EDO de ordem
n (1.2) não pode ser reduzida a uma expressão contendo menos que n constantes arbitrárias ou
nenhuma.
Em geral, para evitarmos uma notação carregada, escreveremos apenas y = φ(x ) ao invés
de y = φc1 ,...,cn (x ). Por exemplo, a função

φ(x ) = c1 φ1 (x ) + c2 φ2 (x ),

definida no exemplo anterior, é uma solução geral da EDO (1.3) em R.

Exemplo 1.4
A função φ(x ) = x 2 +c e x é a solução geral da EDO y 0 = y −x 2 +2x em R, pois, para qualquer
c ∈ R, φ 0 (x ) = φ(x ) − x 2 + 2x para todo x ∈ R.

Fig. O gráfico de φ(x ) = x 2 + c e x para c = −10, −9, . . . , −1, 0, 1, . . . , 10.


c
A função φ(x ) = x 3 + é uma solução geral da EDO x y 0 + 3y = 6x 3 em qualquer intervalo
x3
J em que 0 6∈ J , pois, para qualquer c ∈ R, x φ 0 (x ) + 3φ(x ) = 6x 3 para todo x 6= 0.

A função φ(x ) = c1 x + c2 x 3 é uma solução geral da EDO x 2 y 00 + 3y = 3x y 0 em R, pois, para


cada c ∈ R, x 2 φ 00 (x ) + 3φ(x ) = 3x φ 0 (x ).
1
A função φ(x ) = − é uma solução geral da EDO y 0 = y 2 , pois, para cada c ∈ R, φ 0 (x ) =
x +c
φ 2 (x ) para todo x ∈ I , em que I é um intervalo aberto tal que −c 6∈ I . Note que não existe
1
um intervalo aberto J tal que φ(x ) = − seja uma solução geral da EDO y 0 = y 2 em J .
x +c

A função
2x 2
φ(x ) = − ln(1 + c1 x ) + c2
c1 c12

5
1.2 Definições

é uma solução geral da EDO 2x 2 y 00 − (y 0 )2 = 0, pois, para quaisquer c1 , c2 ∈ R com c1 6= 0,


existe um intervalo aberto I tal que

2x 2 φ 00 (x ) − (φ 0 (x ))2 = 0 ∀x ∈ I .

O intervalo aberto I é escolhido de modo que 1 + c1 x > 0 para todo x ∈ I . Assim como
2x 2
antes, não existe um intervalo aberto J tal que φ(x ) = − ln(1 + c1 x ) + c2 seja uma
c1 c12
solução geral da EDO 2x 2 y 00 − (y 0 )2 = 0 em J .

Observação. Nesse curso, nós vamos estudar EDOs cujas soluções gerais são únicas no sentido
de que representam a mesma família de soluções num determinado intervalo aberto. Por conta
disso, vamos trocar o artigo indefinido uma pelo artigo definido a e passaremos a chamar a so-
lução geral da EDO (1.2) em J .

Exemplo 1.5
Seja f : [a , b ] → R uma função contínua. Use o Teorema Fundamental do Cálculo Parte 1 (TFC1)
para determinar a solução geral da EDO y 0 = f (x ) em (a , b ). A solução geral engloba todas a
soluções de y 0 = f (x ) em (a , b )?
Z x
Solução. Segundo o TFC1, a função g (x ) = f (t )d t é contínua em [a , b ], diferenciável em
a
(a , b ) e g 0 (x ) = f (x ) para todo x ∈ (a , b ). Isso significa que
Z x
φ(x ) = f (t )d t + c
a
é a solução geral da EDO y 0 = f (x ). Para concluir, vamos mostrar que a solução geral engloba
todas as soluções. De fato, seja ψ(x ) uma outra solução da EDO y 0 = f (x ) em (a , b ). Seja G (x ) =
Z x
ψ(x ) − f (t )d t . Como
a
G 0 (x ) = 0 ∀ x ∈ (a , b ),

o Teorema do Valor Médio implica que G é uma função constante em (a , b ). Logo, existe k ∈ R
tal que Z x

ψ(x ) = f (t )d t + k ∀ x ∈ (a , b ),
a

como queríamos.

As soluções da EDO (1.2) que podem ser deduzidas da solução geral atribuindo-se às cons-
tantes arbitrárias valores reais são chamadas soluções particulares da EDO (1.2). Por exemplo,
vimos que
φ(x ) = c1 x + c2 x 3

6
1.2 Definições

é a solução geral da EDO x 2 y 00 + 3y = 3x y 0 em R. Assim, a função

φ(x ) = x 3

é uma solução particular da EDO x 2 y 00 + 3y = 3x y 0 em R, pois pode ser deduzida da solução


geral considerando-se c1 = 0 e c2 = 1.
Infelizmente, nem todas as soluções de certas EDOs podem ser deduzidas da solução geral.
Por exemplo, a função
φ(x ) = c x − c 2 ,

que representa uma família de retas, é a solução geral da EDO (y 0 )2 − x y 0 + y = 0 em R. Contudo,


a função quadrática
x2
ψ(x ) =
4

também é uma solução dessa EDO em R, mas, obviamente, ela não pode ser deduzida da solução
geral. Esse tipo de solução é chamada solução singular da EDO (1.2).

Fig. Soluções particulares e singular da EDO (y 0 )2 − x y 0 + y = 0 em R.

Observação. A discussão no parágrafo anterior mostra que o termo solução geral não é usado
no sentido de englobar todas as soluções. Mas não se desespere, a boa notícia é que, para a
grande maioria das EDOs que estudaremos nesse curso, a solução geral, de fato, englobará todas
as soluções.

Definicão 1.5
Seja y = φ(x ) uma solução de uma EDO em um intervalo aberto J . A curva α : J → R2
definida por α(x ) = (x , φ(x )) é chamada curva integral.

O gráfico de φ, na definição anterior, não é necessariamente uma curva integral, pois a fun-

7
1.2 Definições

ção y = φ(x ) pode estar definida em conjunto mais amplo, contendo J , que não é necessaria-
mente um intervalo aberto. Por exemplo, a função
1
φ(x ) = x 3 +
x3
é uma solução da EDO x y 0 + 3y = 6x 3 em cada um dos intervalos abertos (−∞, 0) e (0, +∞),
1
separadamente. Contudo, o gráfico de φ não é uma curva integral, pois φ(x ) = x 3 + não é
x3
uma solução da EDO x y 0 + 3y = 6x 3 em (−∞, 0) ∪ (0, +∞), uma vez que (−∞, 0) ∪ (0, +∞) não
é um intervalo aberto.

1.2.1 Interpretação geométrica

De acordo com (1.2), a forma geral explícita de uma EDO de primeira ordem é

y 0 = f (x , y ), (1.4)

em que f é uma função real definida num conjunto aberto Ω ⊂ R2 . Uma função y = φ(x ) é uma
solução da EDO (1.4) num intervalo aberto J se

φ 0 (x ) = f (x , φ(x )) ∀ x ∈ J .

Em muitos problemas de aplicação não se faz necessário saber a expressão algébrica das solu-
ções da EDO (1.4). Basta saber propriedades dessas soluções, como, por exemplo, seu compor-
tamento quando x tende para algum valor pré-estabelecido. Para melhor compreender esses
problemas, é importante ver o significado geométrico da EDO (1.4).
A equação y 0 = f (x , y ) diz que qualquer solução que passar por (x0 , y0 ) ∈ Ω deve ter inclina-
ção igual a
tg(θ ) = f (x0 , y0 ),

em que θ é o ângulo da reta tangente ao gráfico da solução no ponto (x0 , y0 ) com o eixo O x . Essa
interpretação pode se tornar ainda mais geométrica se imaginarmos o seguinte: em cada ponto
(x , y ) ∈ Ω, considere o vetor
v~(x , y ) = (1, f (x , y ))

que determina a reta tangente ao gráfico de qualquer solução da EDO (1.4) que por ventura passe
por (x , y ). Dessa forma, temos um campo, chamado campo de direções da EDO (1.4), definido
em Ω.

As soluções da EDO (1.4) em um intervalo aberto J são as curvas definidas em J cujos


vetores tangentes em cada ponto (x , y ) ∈ Ω, com x ∈ J , são v~(x , y ).

8
1.3 Modelos

Exemplo 1.6
Para a EDO y 0 = y − x 2 + 2x , a função f (x , y ) = y − x 2 + 2x .

Fig. Campo de direções de y 0 = y − x 2 + 2x e algumas curvas integrais.

Exemplo 1.7
6x 3 − 3y 6x 3 − 3y
Para a EDO y 0 = , a função f (x , y ) = .
x x

6x 3 − 3y
Fig. Campo de direções de y 0 = e algumas curvas integrais.
x

9
1.3 Modelos

1.3 Modelos
Grande parte das leis que regem o comportamento de processos físicos são relações envol-
vendo a taxa segundo a qual esses processos evoluem ao longo do tempo. Expressas em lingua-
gem matemática, as relações são equações e as taxas são derivadas, o que significa, que mate-
maticamente, tais relações são EDOs. Uma EDO que descreve algum processo físico é chamada
de modelo matemático do processo.

Exemplo 1.8. (Decaimento radioativo)


Por meio de experimentos, que custaram a vida de muitos cientistas no início do século XIV,
foi observado que um material que contém, digamos, N0 átomos de um certo isótopo radioa-
tivo decairá espontaneamente (em átomos de outro elemento ou em outro isótopo) a uma taxa
proporcional a quantidade inicial N0 . Se N (t ) denota a quantidade de átomos de um isótopo
radioativo no instante t , com N (t 0 ) = N0 , matematicamente, isso se expressa por meio da EDO
dN
= −k N , (1.5)
dt
em que k > 0 é uma constante física conhecida que depende do isótopo radioativo em questão.

dN
Fig. Campo de direções de = −k N e algumas curvas integrais.
dt

O sinal de menos significa que o número de átomos está diminuindo ao longo do tempo. Nós ve-
remos mais adiante como solucionar a EDO (1.5), mas por ora, podemos verificar por derivação
que
N (t ) = N0 e −k (t −t 0 ) , (1.6)

com N (t 0 ) = N0 , é uma solução da EDO (1.5) em R. A meia-vida de um isótopo radioativo é o

10
1.3 Modelos

tempo que se leva para metade do isótopo decair. Por exemplo, suponha que a meia-vida de
N0 N0
um isótopo radioativo seja m ∈ R, m > 0. Então N (t 0 + m ) = , ou seja, N0 e −k m = . Logo,
2 2
ln(2)
m= .
k

Exemplo 1.9. (Datação por Carbono 14)


A matéria viva está constantemente absorvendo carbono do ar. Logo, nesse período, a razão
entre o número de isótopos de C14 e isótopos (estáveis) de Carbono 12 (C12) é essencialmente
constante. Quando o espécime morre (por exemplo, quando o algodão é colhido para tecer), os
dN
átomos de C14 começam a decair de acordo com o modelo = −k N . Uma vez que a meia-vida
dt
do C14 é de aproximadamente 5700 anos, então
ln(2)
k= ≈ 0, 0001216.
5700
Ao examinar a razão entre isótopos de C14 e C12 em uma amostra do material que queremos
datar, é possível calcular a porcentagem restante dos átomos de C14 que estavam inicialmente
presentes na amostra. Suponha que uma amostra tenha parado de absorver C14 do ar em t = t 0
e que o número de átomos de C14 presentes era N0 . Se agora, em t = t a , a amostra contém
apenas uma fração p < 1 da quantidade de C14 inicial, então N (t a ) = p N0 . Usando (1.6), tem-se
p N0 = N (t a ) = N0 e −k (t a −t 0 ) , ou seja, p = e −k (t a −t 0 ) . Logo, ln(p ) = −k (t a − t 0 ), donde segue que
ln(p )
t0 = ta + . (1.7)
k
Em 1988, o Santo Sudário foi datado por três grupos independentes de cientistas do Arizona,
Oxford e Zurique.

Fig. O Santo Sudário. Fotografia ©1978 Barrie M. Schwortz.

A mortalha continha 92% da quantidade de C14 inicial, isto é, de quando as fibras foram colhidas.
Usando (1.7), vê-se que
ln(0, 92)
t 0 = 1988 + ≈ 1302,
0, 0001216
o que coloca a origem do Santo Sudário no século XIV.

11
1.3 Modelos

Exemplo 1.10. (Um modelo simples para a transmissão de SARS-COV-2)


Considere uma doença infecciosa, potencialmente mortal, como, por exemplo, COVID-19. Se-
jam I (t ) e S (t ), respectivamente, o número de indivíduos infectados até o dia t e o número de
indivíduos suscetíveis à infecção no dia t . Para construir um modelo para a transmissão da do-
ença, primeiro vamos supor que a população tenha um tamanho constante igual a N durante
o período de pandemia, que ninguém é imune à doença e que todos os indivíduos infectados
se tornam transmissores da doença por um período de tempo. Em termos matemáticos, esse
cenário é representado pela equação

I (t ) + S (t ) = N .

Vamos supor também que a taxa de variação de I em relação ao tempo depende do número de in-
divíduos infectados e do número de indivíduos suscetíveis a infecção e que os indivíduos desses
dois grupos se movem livremente entre si de modo que a interação entre eles seja proporcional
ao produto I (t ) · S (t ). Matematicamente, isso se expressa por meio da EDO
dI
= βI ·S
dt
em que β é uma constante de proporcionalidade (positiva). Substituindo S (t ) = N − I (t ), tem-se

dI I
 ‹
=kI · 1− . (1.8)
dt N
A constante k = N β é conhecida como taxa de transmissão e é inferida pelo Ministério da Saúde
a partir da testagem da população.

dI I
 
Fig. Campo de direções de =kI · 1− e algumas curvas integrais.
dt N

12
1.3 Modelos

A função
N
I (t ) = ,
1 + (N − 1)e −k t
com I (0) = 1, é uma solução da EDO (1.8) em R. Se o modelo adotado for suficientemente rea-
lista, o governo pode inferir com precisão, em regiões curingas, o número de infectados t dias
a após o início da pandemia, o que coloca os médicos sanitaristas um passo à frente do SARS-
COV-2 na luta contra a COVID-19.

13
Aula 02

2.1 Problemas de valor inicial


Em aplicações, matemáticos, físicos e engenheiros geralmente estão interessados em uma
solução da EDO (1.2) que satisfaça algumas condições iniciais complementares.

Definicão 2.6
Um sistema forma pela EDO de ordem n (1.2) e pelas n condições complementares

y (x0 ) = y0 , y 0 (x0 ) = y1 , y 00 (x0 ) = y2 , . . . , y (n−1) (x0 ) = yn −1 , (2.1)

em que x0 e y0 , y1 , . . . , yn−1 são constantes reais dadas, é chamado problema de valor inicial
(PVI) ou problema de Cauchy. As condições complementares (2.1) são chamadas condições
iniciais.

Em geral, um problema de valor inicial para a EDO de ordem n (1.2) se escreve na forma

y (n) = f (x , y , y 0 , y 00 , . . . , y (n−1) )






y (x0 ) = y0






 y 0 (x ) = y

0 1
(2.2)
y (x0 ) = y2
00






 ..


 .


 y (n−1) (x ) = y ,

0 n −1

em que x0 e y0 , y1 , . . . , yn−1 são constantes reais dadas. Por exemplo,



 
 x 2 y 00 + 3y = 3x y 0
 y 0 = −y 

e y (3) = 0
y (0) = 1
 


y (3) = 2021
 0

são problemas de valor inicial.


Uma solução do problema de valor inicial (2.2) em um intervalo aberto J , com x0 ∈ J , é
uma solução y = φ(x ) da EDO de ordem n (1.2) em J que satisfaz as condições complementares
(2.1), isto é,
φ(x0 ) = y0 , φ 0 (x0 ) = y1 , φ 00 (x0 ) = y2 , . . . , φ (n−1) (x0 ) = yn−1 .

Observação. Quando nos referirmos a uma solução do PVI (2.2) sem mencionarmos um inter-
valo aberto, deve ficar subentendido que se trata de uma solução de tal PVI em algum intervalo
2.1 Problemas de valor inicial

aberto J , com x0 ∈ J .

Exemplo 2.11. (Queda de corpos considerando-se a resistência do ar)


Considere o problema de um corpo que cai verticalmente sob a ação da gravidade. Para simpli-
ficar o problema, vamos supor que o corpo seja uma partícula de massa m, que a força resistiva
depende linearmente da velocidade, que o movimento é regido pela segunda lei de Newton e
que a gravidade e a força resistiva são as únicas forças atuantes. Seja y (t ) a altura da partícula
em relação ao solo num instante t .

mg

y (t )

Fig. A altura da partícula em relação ao solo num instante t .

Pela segunda lei de Newton,


d2y dy
m = −mg − k ,
dt 2 dt
dy
em que k > 0 é uma constante. Fazendo v = , escrevemos a EDO anterior como
dt
dv
m = −mg − k v. (2.3)
dt
A função
mg
k
 k
‹
v (t ) = c e −m t
− 1−e −m t
, c ∈ R,
k
é a solução geral da EDO (2.3) em R. Embora o fenômeno descrito pela segunda lei de Newton
não exija o conhecimento da velocidade inicial, em um problema real, ao supor que a partícula
possua uma velocidade inicial v (0) = v0 , estamos escolhendo entre todas  as soluções
‹ da EDO
k mg k
(2.3) em R aquela em que c = v0 . Assim, a função v (t ) = v0 e − m t − 1 − e − m t é a solução do
k
PVI 
 m d v = −mg − k v

dt
 v (0) = v

0

em R.

mg
A solução geral da EDO (2.3) em R nos mostra que lim v (t ) = − . O valor absoluto dessa
t →+∞ k
mg
velocidade final é chamado de velocidade limite e é designado por v∞ = . Isso quer dizer que,
k

15
2.1 Problemas de valor inicial

sob as condições do exemplo anterior, um corpo caindo verticalmente com velocidade inicial v0
terá sua velocidade sempre inferior a v∞ .

Exemplo 2.12
Considere o PVI 
 y 0 = 3y − 3

x
 y (−1) = p2.

3y − 3
A função φ(x ) = 1 + c x 3 , com c ∈ R, é a solução geral da EDO y 0 = em (−∞, 0). Impondo
p p xp
a condição inicial, temos φ(−1) = 2. Logo, 1 − c = 2 e então c = 1 − 2. Dessa forma,
p
φ(x ) = 1 + (1 − 2)x 3

é a solução do PVI em (−∞, 0).

Exemplo 2.13
Considere o PVI 


 x 2 y 00 + 3y = 3x y 0

 y (1) = 2021


y (1) = 2022.
 0

A função φ(x ) = c1 x + c2 x 3 , com c1 , c2 ∈ R, é a solução geral da EDO x 2 y 00 + 3y = 3x y 0 em R.


Impondo as condições iniciais, temos φ(1) = 2021 e φ 0 (1) = 2022. Logo,

c1 + c2 = 2021 e c1 + 3c2 = 2022,


4041 1
donde segue que c1 = e c2 = . Portanto,
2 2
4041x x 3
φ(x ) = +
2 2
é a solução do PVI em R.

Naturalmente, nem todo PVI possui solução. Para encontrar um exemplo, não precisamos
ir longe. Por exemplo, considere a EDO x y 0 − 3y + 3 = 0 do Exemplo 2.12, cuja solução geral é a
função φ(x ) = 1 + c x 3 , com c ∈ R. É desconcertante saber que o PVI

 y 0 = y − x 2 + 2x

y (0) = 0

não tem solução, pois φ(0) = 1 seja qual for a constante c ∈ R.


Essa diversidade de comportamento nos leva a uma questão essencial sobre a existência de
soluções. Se estivermos trabalhando com EDOs clássicas cujas soluções podem ser escritas em
termos de funções elementares, essa questão nem faz sentindo. Contudo, tal classe de EDOs é

16
2.2 EDOs de primeira ordem

muito pequena e, além disso, atualmente não é incomum se deparar com certas aplicações cujas
EDOs são tão complicadas que elas não podem ser resolvidas. Dessa forma, no estudo de EDOs,
o primeiro problema básico é fornecer condições suficientes para que um dado PVI tenha pelo
menos uma solução.

2.2 EDOs de primeira ordem


Nesta seção vamos estudar métodos elementares para obter soluções de três grandes famí-
lias de EDOs de primeira ordem, a saber, lineares, separáveis e exatas.

2.2.1 Existência e unicidade de soluções para EDOs de primeira ordem

Teorema 2.1. (Teorema de Picard)


Sejam f : Ω → R uma função contínua e Ω ⊂ R2 um conjunto aberto. Se a derivada parcial
com relação à segunda variável, f y : Ω → R, for contínua, então, para cada (x0 , y0 ) ∈ Ω,
existem um intervalo aberto J , com x0 ∈ J , e uma função y = φ(x ), com (x , φ(x )) ∈ Ω para
todo x ∈ J , que é solução do PVI

 y 0 = f (x , y )
(2.4)
y (x0 ) = y0

em J . Além disso, se y = ψ(x ) for uma outra solução do PVI (2.4) em J , então φ(x ) = ψ(x )
para todo x ∈ J .

Demonstração. Vamos dar uma ideia da demonstração omitindo passagens e termos técnicos
que fogem ao escopo do curso.
Inicialmente, y = φ(x ) é uma solução do PVI (2.4) em J se, e somente se, for uma solução
da equação Z x

y (x ) = y0 + f (s , y (s ))d s ∀ x ∈ J. (2.5)
x0

De fato, se y = φ(x ) é uma solução do PVI (2.4) em J , então, pelo Teorema Fundamental do
Z x Z x
Cálculo Parte 2, f (s , φ(s ))d s = φ(x )−φ(x0 ), isto é, φ(x ) = y0 + f (s , φ(s ))d s . Por outro lado,
x0 x0
se y = φ(x ) é uma função contínua em J que é solução da equação (2.5), então, φ(x0 ) = y0 e, pelo
Teorema Fundamental do Cálculo Parte 1, φ 0 (x ) = f (x , φ(x )) para todo x ∈ J , isto é, y = φ(x ) é
uma solução do PVI (2.4) em J , como queríamos.
Nos concentremos então na resolução da equação (2.5). Dado (x0 , y0 ) ∈ Ω, sejam a e b nú-
meros reais estritamente positivos tais que o retângulo

R = [x0 − a , x0 + a ] × [y0 − b , y0 + b ]

17
2.2 EDOs de primeira ordem

esteja contido em Ω. Como f é contínua e R é fechado e limitado, o Teorema de Weierstrass nos


diz que f é limitada em R , isto é, que existe uma constante M > 0 tal que

| f (x , y )| ≤ M ∀ (x , y ) ∈ R .

Sejam
b
§ ª
0 < ā ≤ min a , e J¯ = [x0 − ā , x0 + ā ].
M
Seja C o conjunto de todas as funções contínuas g : J¯ → R tai que g (x0 ) = y0 e |g (x ) − y0 | ≤ b .
Graficamente, queremos em C as funções contínuas cujos gráficos passem pelo ponto (x0 , y0 ) e
que estejam contidos no retângulo R .
y

y0 + b
y0
y0 − b R

x0 − a x0 x0 + a x

Fig. A curva preta representa o gráfico de uma função contínua passando pelo ponto (x0 , y0 ).
Z x
Dada g ∈ C , afirmamos que a função G : J¯ → R definida por G (x ) = y0 + f (s , g (s ))d s
x0
pertence ao conjunto C . De fato, observe que G (x0 ) = y0 , que (segundo o Teorema Fundamental
do Cálculo Parte 1) a função G é contínua e que
Z Z
x x
|G (x ) − y0 | = f (s , g (s ))d s ≤ f (s , g (s )) d s ≤ M |x − x0 | ≤ M ā ≤ b .

x x
0 0
Z x
Isso nos permite considerar uma função Θ : C → C pondo Θ(g )(x ) = y0 + f (s , g (s ))d s para
x0
todo x ∈ J¯. Um dos passos cruciais na demonstração do teorema é que y = y (x ) é uma solução
da equação (2.5) se, e somente se, Θ(y ) = y .

Considere em C a distância d (g 1 , g 2 ) = max |g 1 (x ) − g 2 (x )| : x ∈ J¯ . Um resultado, conhe-
cido como Teorema do Ponto Fixo de Banach, afirma que, se existir uma constante 0 ≤ K < 1 tal
que
d (Θ(g 1 ), Θ(g 2 )) ≤ K d (g 1 , g 2 ) ∀ g 1 , g 2 ∈ C ,

então existe uma única função g ∈ C tal que Θ(g ) = g .


Para concluir a demonstração, basta então mostrar que tal constante K existe. Com efeito,

18
2.2 EDOs de primeira ordem

dados (x , y1 ), (x , y2 ) ∈ R , seja S ⊂ R o segmento de reta que liga estes dois pontos. Segundo o
Teorema do Valor Médio,
| f (x , y1 ) − f (x , y2 )| = | f y (z )| · |y1 − y2 |

para algum z ∈ S . Uma vez que a função f y : Ω → R é contínua e R é um conjunto fechado e limi-
tado, o Teorema de Weierstrass nos diz que f y é limitada em R , isto é, que existe uma constante
M 1 > 0 tal que
| f y (x , y )| ≤ M 1 ∀ (x , y ) ∈ R .

Logo,
| f (x , y1 ) − f (x , y2 )| ≤ M 1 |y1 − y2 |.

Com isto, vê-se que, para todo x ∈ J¯,


Z Z
x x
|Θ(g 1 )(x ) − Θ(g 2 )(x )| = (f (s , g 1 (s )) − f (s , g 2 (s )))d s ≤ f (s , g 1 (s )) − f (s , g 2 (s )) d s

x x
0 0
Z
x
≤ M1 g 1 (s ) − g 2 (s ) d s

x
0

≤ M 1 |x − x0 |d (g 1 , g 2 ) ≤ M 1 ā d (g 1 , g 2 ),
1
donde segue que d (Θ(g 1 ), Θ(g 2 )) ≤ M 1 ā d (g 1 , g 2 ). Assim, para ā < , considere K = M 1 ā e o
M1
teorema fica demonstrado para o intervalo aberto J = (x0 − ā , x0 + ā ). 2

A continuidade da função f é suficiente para garantir a existência de soluções do PVI (2.4)


em algum intervalo aberto J , mas essa hipótese sozinha não garante a unicidade de solução, isto
é, podem existir soluções do PVI (2.4) em J que não coincidem nesse intervalo.

Exemplo 2.14
Considere o PVI 
 y 0 = p|y |
(2.6)
y (0) = 0.

y
Note que f (x , y ) = |y | é contínua em todo o plano R2 , mas a função f y (x , y ) =
p
p não
2|y | |y |
está definida em (x , 0), com x ∈ R. A função nula φ(x ) = 0 é uma solução do PVI (2.6) em R.
Entretanto, a função

 1x2 se x ≥ 0
ψ(x ) = 4
1
− x2 se x < 0

4
é outra solução do PVI (2.6) em R, com ψ(x ) 6= φ(x ) para todo x 6= 0.

19
2.2 EDOs de primeira ordem

Exemplo 2.15
Decida se o PVI 
 x y 0 + y = x 2 + 2x
(2.7)
y (−1) = 0

possui solução.

Solução. Devemos verificar se o PVI (2.7) possui solução em algum intervalo aberto contendo o
y
ponto x0 = −1. Inicialmente, note que toda solução da EDO y 0 = − + x +2 num intervalo aberto
x
J também é uma solução da EDO x y 0 + y = x 2 + 2x em J (O contrário não é necessariamente
verdade!). A funções
y 1
f (x , y ) = − + x +2 e f y (x , y ) = −
x x
são contínuas no conjunto aberto Ω = (−∞, 0) × R. Assim, como (−1, 0) ∈ Ω, o Teorema de Picard
afirma que o PVI

 y 0 = − y + x 2 + 2x
x

y (−1) = 0

tem uma solução em algum intervalo aberto J , com −1 ∈ J . Consequentemente, o PVI (2.7)
possui solução em J .

2.2.2 EDOs lineares de primeira ordem

Definicão 2.7
Uma EDO que pode ser escrita na forma

y 0 + p (x )y = q (x ), (2.8)

em que p e q são funções reais, é chamada EDO linear de primeira ordem.

Por exemplo,
1
y 0 + (x 2 + 1)y = 2x + 3, y 0 = sen(x )y − e x −1 , y 0 = −3x y e y0+xy =
x
são EDOs lineares de primeira ordem.

Observação. Em alguns casos é possível fazer uma mudança de variável e transformar uma EDO
de primeira ordem em uma EDO linear de primeira ordem (Ver Exemplo 2.20).

Soluções

Se as funções p e q forem contínuas num intervalo aberto J , então é possível determinar a


solução geral da EDO (2.8) em J por meio do uso de um fator µ(x ), chamado fator integrante.

20
2.2 EDOs de primeira ordem

De fato, suponha que y = φ(x ) seja uma solução da EDO (2.8) em J . Ao multiplicar a equação
φ 0 (x ) + p (x )φ(x ) = q (x ) por µ(x ), obtemos
 
µ(x ) φ 0 (x ) + p (x )φ(x ) = µ(x )q (x ).

A ideia é que µ(x ) seja de tal modo que o primeiro membro da equação anterior seja a derivada
do produto de µ por φ, isto é,
  d
µ(x ) φ 0 (x ) + p (x )φ(x ) = (µ · φ)(x ) = µ0 (x )φ(x ) + µ(x )φ 0 (x ).
dx
Logo, ao simplificar a equação anterior, vê-se que

µ0 (x )φ(x ) = µ(x )p (x )φ(x ),


µ0 (x ) d µ0 (x )
isto é, = p (x ). Como (ln(µ(x ))) = , então
µ(x ) dx µ(x )
d
(ln(µ(x ))) = p (x )
dx
Z Z
e, consequentemente, ln(µ(x )) + k = p (x )d x , em que p (x )d x denota uma primitiva1 arbi-
trária de p em J . Ao escolher a constante k como zero, obtemos
Z
p (x )d x
µ(x ) = e . (2.9)

Por outro lado, da igualdade


d
(µ · φ)(x ) = µ(x )q (x )
dx
Z Z
segue que µ(x )φ(x ) = µ(x )q (x )d x + c , em que µ(x )q (x )d x denota uma primitiva arbitrária
de µ · q em J . Portanto,
Z 
1
φ(x ) = µ(x )q (x )d x + c ∀ x ∈ J.
µ(x )

Se as funções p e q forem contínuas num intervalo aberto J , então a função


Z 
1
φ(x ) = µ(x )q (x )d x + c , c ∈ R, (2.10)
µ(x )
é a solução geral da EDO (2.8) em J .

Observação. Cuidado, as fórmulas nessa seção foram feitas para EDOs lineares de primeira or-
dem na forma y 0 + p (x )y = q (x ). Por exemplo, para resolver a EDO y 0 − p1 (x )y + q1 (x ) = 0, antes
devemos colocá-la na forma y 0 + (−p1 (x ))y = −q1 (x ). Feito isso, vê-se que p (x ) = −p1 (x ) e que
q (x ) = −q1 (x ).

1
Uma função G é uma primitiva de uma função g num intervalo aberto J se G 0 (x ) = g (x ) para todo x ∈ J .

21
2.2 EDOs de primeira ordem

Exemplo 2.16
Encontre a solução geral da EDO y 0 −tg(x )y = cos(x ) e determine um intervalo em que ela existe.

Solução. Inicialmente, note que p (x ) = − tg(x ) e q (x ) = cos(x ) são, em particular, contínuas no


€ π πŠ
intervalo aberto − , . Temos
2 2
Z Z
p (x )d x = − tg(x )d x = ln(cos(x )) + k ,

1
o que significa que µ(x ) = e ln(cos(x )) = cos(x ). Logo, como = sec(x ) e
µ(x )
Z Z
1
µ(x )q (x )d x = cos2 (x )d x = (x + sen(x ) cos(x )) + c ,
2
de (2.10) segue que
1
• ˜
φ(x ) = sec(x ) (x + sen(x ) cos(x )) + c , c ∈ R,
2
€ π πŠ
é a solução geral da EDO y 0 − tg(x )y = cos(x ) em − , .
2 2

Exemplo 2.17
Determine a solução geral da EDO y 0 − 2x y = x em R.

Solução. As funções p (x ) = −2x e q (x ) = x são ambas contínuas em R. Uma vez que


Z Z
p (x )d x = −2x d x = −x 2 + k ,

2 1 2
então µ(x ) = e −x . Logo, como =ex e
µ(x )
Z Z
2 1 2
µ(x )q (x )d x = e −x x d x = − e −x + c ,
2
de (2.10) segue que
1 2
φ(x ) = − + c e x , c ∈ R,
2
é a solução geral da EDO y 0 − 2x y = x em R.

A EDO (2.8) com q (x ) = 0, isto é, y 0 + p (x )y = 0, é chamada EDO linear homogênea de


primeira ordem. Por exemplo,

y 0 + (x 2 + 1)y = 0, y 0 = sen(x )y , y 0 = −3x y e y0+xy =0

são EDOs lineares homogêneas de primeira ordem.

Se a função p for contínua num intervalo aberto J , então a função


Z
− p (x )d x
φ(x ) = c e , c ∈ R. (2.11)

é a solução geral da EDO linear homogênea de primeira ordem y 0 + p (x )y = 0 em J .

22
2.2 EDOs de primeira ordem

Exemplo 2.18
Determine a solução geral da EDO y 0 = λy em R, em que λ é uma constante real.

Solução. Inicialmente, note que p (x ) = −λ e q (x ) = 0 são ambas contínuas em R. Como


Z Z
p (x )d x = −λd x = −λx + k ,

de (2.11) segue que


φ(x ) = c e λx , c ∈ R,

é a solução geral da EDO y 0 = λy em R.

Naturalmente, para quaisquer x0 ∈ J e y0 ∈ R, a solução geral da EDO (2.8) em J nos permite


obter a solução do PVI 
 y 0 + p (x )y = q (x )
(2.12)
y (x0 ) = y0

em J . Contudo, com o mesmo raciocínio de antes, podemos obter uma forma explícita para tal
solução. De fato, suponha que y = φ(x ) seja uma solução do PVI (2.12) em ZJ . Como, segundo o
Z x x
p (t )d t
TFC1, p (t )d t é uma primitiva de p em J , podemos considerar µ(x ) = e x0
. Ao integrar
x0
ambos os lados da igualdade
d
(µ · φ)(x ) = µ(x )q (x ),
dx
Z x
obtemos µ(x )φ(x ) − y0 = µ(s )q (s )d s . Portanto,
x0
–Z x ™
1
φ(x ) = µ(s )q (s )d s + y0 ∀ x ∈ J.
µ(x ) x
0

Se as funções p e q forem contínuas num intervalo aberto J , com x0 ∈ J , então a função


–Z x ™
1
φ(x ) = µ(s )q (s )d s + y0 , (2.13)
µ(x ) x
0
Z x
p (t )d t
com µ(x ) = e x0
, é a solução do PVI (2.12) em J .

Exemplo 2.19
Dadas constantes reais x0 e y0 , determine a solução do PVI

 y 0 = λy

y (x0 ) = y0

em R.

Solução. As funções p (x ) = −λ e q (x ) = 0 são contínuas em R. Temos

23
2.2 EDOs de primeira ordem

Z x Z x

p (t )d t = −λd t = −λ(x − x0 ),
x0 x0
Z x
−λ(x −x0 ) 1 λ(x −x0 )
o que significa que µ(x ) = e . Logo, como =e e µ(s )q (s )d s = 0, de (2.13)
µ(x ) x0
segue que
φ(x ) = y0 e λ(x −x0 )

é a solução do PVI 
 y 0 = λy

y (x0 ) = y0

em R.

Exemplo 2.20
Resolva o PVI 
 cos(y )y 0 + 2x sen(y ) = −2x
(2.14)
y (−1) = 0.

Solução. A EDO cos(y )y 0 + 2x sen(y ) = −2x não é linear, mas é possível transformá-la em uma
EDO linear. Considere a mudança de variável z = sen(y ). Como

cos(y )y 0 = z 0 e z (−1) = sen(y (−1)) = sen(0) = 0,

temos o PVI 
 z 0 + 2x z = −2x
(2.15)
z (−1) = 0.

Para este PVI, note que p (x ) = 2x e q (x ) = −2x são contínuas em R. Tem-se


Z x Z x
p (t )d t = 2t d t = x 2 − 1
−1 −1
x 2 −1
e assim µ(x ) = e . Como
Z x Z x
2 −1 2 −1
µ(s )q (s )d s = −e s 2s d s = −e x + 1,
−1 −1
de (2.13) segue que a função
1 ” 2
— 1
ψ(x ) = −e x −1 + 1 = −1 +
e x 2 −1
e x 2 −1
é a solução do PVI (2.15) em R. Usando um pouco do que aprendemos em Cálculo I, vê-se que
p
−1 < ψ(x ) < 1 ∀ x ∈ (−∞, − 1 − ln(2)).

24
2.2 EDOs de primeira ordem

Isso significa que a função


1
 ‹
φ(x ) = arcsen −1 +
e x 2 −1
está definida para todo x ∈ (−∞, − 1 − ln(2)). Para concluir, basta mostrar que φ é a solução
p

do PVI (2.14) em (−∞, − 1 − ln(2)). De fato, temos que −1 ∈ (−∞, − 1 − ln(2)), que φ(−1) = 0 e
p p

que, por conta da definição de φ, sen(φ(x )) = ψ(x ). Em particular, temos que cos(φ(x ))φ 0 (x ) =
ψ0 (x ). Logo,
p
cos(φ(x ))φ 0 (x ) + 2x sen(φ(x )) = ψ0 (x ) + 2x ψ(x ) = −2x ∀ x ∈ (−∞, − 1 − ln(2)),

o que conclui o exemplo.

25
Aula 03

3.1 EDOs separáveis

Definicão 3.8
Uma EDO de primeira ordem que pode ser escrita na forma

y 0 = h (x )g (y ), (3.1)

em que h e g são funções reais, é chamada de EDO separável.

Por exemplo,
x2 ex
y0= , 9y y 0 + 7x = 0, y 0 = sen(x ) cos(y ) e y0=
y y2+1
são EDOs separáveis.

Soluções

Para abordar a EDO (3.1), vamos assumir que h e g são contínuas nos intervalos abertos Ih
e Ig , respectivamente. Suponha que y = φ(x ) é uma solução da EDO (3.1) num intervalo aberto
J ⊂ Ih , ou seja, y = φ(x ) é uma função diferenciável em J tal que

∀ x ∈ J, φ(x ) ∈ Ig e φ 0 (x ) = h (x )g (φ(x )).

Se g (k ) = 0 para algum k ∈ Ig , então a função constante φ(x ) = k é uma solução da EDO (3.1) em
Ih . Uma vez que estamos interessados em soluções não constantes, vamos supor que g (y ) 6= 0
para todo y ∈ Ig . Assim, podemos escrever
φ 0 (x )
= h (x ).
g (φ(x ))
1
Se G for uma primitiva da função em Ig , então, pela regra da cadeia, obtemos
g
d
G (φ(x )) = h (x )
dx
e daí
G (φ(x )) = H (x ) + c ∀x ∈ J , (3.2)
φ 0 (x )
em que H é uma primitiva de h em Ih . Alternativamente, ao integrar ambos os lados de =
g (φ(x ))
h (x ), a regra da substituição fornece
Z Z
1
dy = h (x )d x (3.3)
g (y )
3.1 EDOs separáveis

e Z φ(x ) Z x
1
ds = f (s )d s , (3.4)
φ(x0 )
g (s ) x0

em que x0 ∈ J .
O que nos fizemos foi, supondo conhecida uma solução de (3.1), mostrar que ela satisfaz a
relação (3.2). O interessante, porém, é usar a essa relação para obter soluções. Isso é possível,
mas é necessário um certo cuidado.

Dispositivo prático:
1
1. Escreva a EDO (3.1) na forma y 0 = h (x )
g (y )
1
Z Z
2. Integra ambos os lados da equação anterior para obter dy = h (x )d x
g (y )

Exemplo 3.21
y
Encontre a solução geral da EDO y 0 = − e determine os maiores intervalos em que ela existe.
x
1 1
Solução. Temos que y 0 = − . Ao integrar em ambos os lados, obtemos
y x
Z Z
1 1
d y = − d x,
y x
ou seja,
ln |y | = − ln |x | + k .

Sendo a imagem da função logarítmica o conjunto dos números reais, podemos tomar k = ln |c |,
com c ∈ R, o que nos permite escrever
c

ln |y | = ln .
x
c y
Daí segue que φ(x ) = é a solução geral da EDO y 0 = − em cada um dos intervalos (−∞, 0) e
x x
(0, +∞), separadamente.

Exemplo 3.22
(1 + x )y
Resolva a EDO y 0 = − .
(1 − y )x
(1 − y ) 0 1+ x
Solução. Temos que y =− . Ao integrar em ambos os lados, obtemos
y x
1+ x
Z Z
1− y
dy =− d x,
y x
ou seja,
ln |y | − y = − ln |x | − x + c . (3.5)

Portanto, qualquer função y = φ(x ) dada implicitamente pela equação (3.5) é uma solução geral

27
3.1 EDOs separáveis

(1 + x )y
da EDO y 0 = − .
(1 − y )x

Observação. Sob as condições assumidas anteriormente, para x0 ∈ Ih e y0 ∈ Ig , com G (y0 ) =


H (x0 ) + c , tal que
G 0 (y0 ) = g (y0 ) 6= 0,

o Teorema das Funções Implícitas garante a existência de um intervalo aberto J ⊂ Ih , com x0 ∈ J ,


e de uma função y = φ(x ) que satisfaz a relação (3.2) para todo x ∈ J e que, portanto, se trata de
uma solução da EDO (3.1) em J .

Exemplo 3.23
sen(x )
Resolva a EDO y 0 = − .
2y

Solução. Temos que 2y y 0 = − sen(x ). Ao integrar em ambos os lados, obtemos


Z Z
2y d y = − sen(x )d x ,

ou seja,
y 2 = cos(x ) + c .
sen(x )
Logo, φ(x ) = − cos(x ) + c é uma solução geral da EDO y 0 = − . Note que y = φ(x ) define
p
2y
uma função real apenas para c > −1.

Exemplo 3.24
Determine a solução geral da EDO y 0 = 2x y − 1.
p

Solução. Note que a função g (y ) = y − 1 está definida em [1, +∞) e que, como y = 1 é um
p

zero da função g , a função constante φ(x ) = 1 é uma solução da EDO y 0 = 2x y − 1 em R. Para


p

determinar as soluções não-constantes, devemos considerar y ∈ (1, +∞) e aplicar o dispositivo


1
prático. Temos que p y 0 = 2x . Ao integrar em ambos os lados, obtemos
y −1
Z Z
1
p d y = 2x d x ,
y −1
ou seja,
2 y −1 = x2 +c.
p

(x 2 + c )2
Daí segue que φ(x ) = + 1 é a solução geral da EDO y 0 = 2x
p
y − 1. A solução constante
4
φ(x ) = 1 não pode ser deduzida da solução geral, o que significa que φ(x ) = 1 é uma solução
singular.

28
3.1 EDOs separáveis

(x 2 + c )2
Observação. Cuidado, no exemplo anterior, embora φ(x ) = +1 esteja definida para todo
4
x ∈ R, a função y = φ(x ) satisfaz a equação 2 y − 1 = x 2 + c apenas quando x 2 + c ≥ 0. Por
p

exemplo, para c = −2021,


(x 2 − 2021)2
φ(x ) = +1
4
p p
é uma solução da EDO y 0 = 2x y − 1 em cada um dos intervalos (−∞, − 2021) e ( 2021, +∞),
p

separadamente.

Exemplo 3.25
Resolva o PVI 
 y0= x

y
 y (3) = 2

e determine o intervalo no qual a solução existe.

Solução. Temos que y y 0 = x . Ao integrar em ambos os lados, obtemos


Z Z
ydy = xd x,

ou seja,
y 2 x2
= +c.
2 2
9 5
Para x = 3 e y = 2, vê-se que 2 = + c , isto é, c = − . Logo,
2 2
y 2 = x2 −5
p p p
e, portanto, como 3 ∈ ( 5, +∞), a função φ(x ) = x 2 − 5 é a solução do PVI em J = ( 5, +∞).

Para resolver o PVI do exemplo anterior, poderíamos ter aplicado diretamente (3.4).

Exemplo 3.26
Resolva o PVI 
 y 0 = 3x + 4x + 2
 2

2(y − 1)
 y (0) = −1

e determine o maior intervalo no qual a solução existe.

Solução. Temos que 2(y − 1)y 0 = 3x 2 + 4x + 2. Ao integrar em ambos os lados, considerando


y = φ(x ) e φ(0) = −1 em (3.4), obtemos
Z y Z x

2(s − 1)d s = (3s 2 + 4s + 2)d s ,


−1 0

29
3.1 EDOs separáveis

ou seja,

y 2 − 2y − 3 = x 3 + 2x 2 + 2x ou, equivalentemente, y 2 − 2y = x 3 + 2x 2 + 2x + 3.

Para obter a solução explícita, precisamos isolar y na equação anterior. Já que se trata de uma
equação do segundo grau na variável y , temos que
p
y = 1 ± x 3 + 2x 2 + 2x + 4.

Portanto, a função
p
φ(x ) = 1 − x 3 + 2x 2 + 2x + 4

é a solução do PVI no intervalo aberto J , com 0 ∈ J , tal que x 3 + 2x 2 + 2x + 4 > 0 para todo x ∈ J .
Finalmente, para determinar esse intervalo, basta observar que x = −2 é a única raiz real do
polinômio x 3 + 2x 2 + 2x + 3. Logo, x 3 + 2x 2 + 2x + 3 > 0 para todo x > −2 e, consequentemente,
J = (−2, +∞).

30
Aula 04

4.0.1 EDOs redutíveis a separáveis

Definicão 4.9
Seja n ∈ Z. Uma função f : A → R, com A ⊂ R2 , é dita ser homogênea de grau n se

∀ t ∈ R, f (t x , t y ) = t n f (x , y ) ∀ (x , y ) ∈ A.

Por exemplo, a função


f (x , y ) = x 4 + x 3 y

é homogênea de grau 4, pois, para todo t ∈ R,

f (t x , t y ) = (t x )4 + (t x )3 (t y ) = t 4 (x 4 + x 3 y ) = t 4 f (x , y ) ∀ (x , y ) ∈ R2

Definicão 4.10
Uma EDO y 0 = f (x , y ), com
N (x , y )
 ‹
f (x , y ) = F ,
M (x , y )
em que M e N são funções homogêneas de grau n, é chamada de EDO homogênea.

Por exemplo,
x+y
p
x4 − x3y 3
x3 − y 3 2x y
 ‹
y = 0
, y =
0
, y 0 = cos e y0=−
x4 x+y x−y x2 − y 2
são EDOs homogêneas.

Observação. Cuidado, não confunda EDO linear homogênea com EDO homogênea.

Seja y 0 = f (x , y ) uma EDO homogênea.


€ yŠ
1. f (x , y ) = f 1, para todo (x , y ) ∈ Dom(f ), com x 6= 0;
x
y € yŠ
2. Ao fazer a mudança de variável z = na EDO y 0 = f 1, , obtém-se a EDO separável
x x
f (1, z ) − z
z =
0
.
x

De fato:
N (x , y )
 
1. Como y 0 = f (x , y ) é homogênea, então f (x , y ) = F , em que N e M são funções
M (x , y )
homogêneas de grau n ∈ Z. Assim, temos que
€ y Š! € y Š!
n

N (x , y )
‹ x N 1, N 1, € yŠ
f (x , y ) = F =F € xy Š = F € xy Š = f 1,
N (x , y ) x n M 1, M 1, x
x x
para todo (x , y ) ∈ Dom(f ), com x 6= 0.
3.1 EDOs separáveis
€ yŠ y
2. Do item anterior, vemos que y 0 = f 1, . Considere a mudança de variável z = ou,
x x
equivalentemente, x z = y . Como z + x z = y , então z + x z = f (1, z ), donde segue que
0 0 0

f (1, z ) − z
z0 = ,
x
como queríamos.
y
Em uma EDO homogênea a expressão f (x , y ) depende, de fato, apenas de . Isso significa
x
que as curvas integrais têm mesma inclinação em todos os pontos pertencentes a uma mesma
reta contendo a origem, embora essa inclinação varie de uma reta para outra. Portanto, como se
vê no próximo exemplo, o campo de direções de uma EDO homogênea e suas curvas integrais
são simétricos em relação à origem.

Exemplo 4.27
Determine uma solução geral da EDO x 2 − y 2 − 2x y y 0 = 0.
x2 − y 2
Solução. Ao reescrever a EDO, obtém-se y 0 = . Note que N (x , y ) = x 2 − y 2 e M (x , y ) = 2x y
2x y
são funções homogêneas de grau 2. Daí
€ y Š2
 y 1−
x
f (x , y ) = f 1, = y .
x 2
x
y
Ao fazer a mudança de variável z = , como z + x z 0 = y 0 , obtemos a EDO separável
x
1−z2
f (1, z ) − z −z 1 − 3z 2
2z
z0 = = = .
x x 2z x
Ao escrever
2z 1
z0 = ,
1 − 3z 2 x
obtemos (pelo dispositivo prático)
Z Z
2z 1
dz = d x,
1 − 3z 2 x
ou seja,
1 1
− ln |1 − 3z 2 | = ln |x | + k ou, equivalentemente, (1 − 3z 2 )x 3 = .
3 e 3k
1
Como e 3k ∈ (0, +∞) e |♥| = e 3k se, e somente se, ♥ = ±e 3k , podemos considerar (1 − 3z 2 )x 3 = ,
c
1
em que c 6= 0. Voltando às variáveis originais, temos que x 3 − 3x y 2 = . Logo,
c
v
tx2 1
φ(x ) = − , c 6= 0,
3 3c x
é uma solução geral da EDO x 2 − y 2 − 2x y y 0 = 0 (Qual é a outra solução geral?).

32
3.1 EDOs separáveis

Fig. Campo de direções de x 2 − y 2 − 2x y y 0 = 0 e algumas curvas integrais.

s
x2 1
Observação. No exemplo anterior, não existe um intervalo aberto J tal que φ(x ) = −
3 3c x
seja uma solução geral da EDO x 2 − y 2 − 2x y y 0 = 0 em J . Para cada c 6= 0, temos um intervalo
diferente!

Exemplo 4.28
y y
r
Resolva a EDO y 0 = 2 + .
x x
y y
r
Solução. Inicialmente, note que y 0 = 2 + é uma EDO homogênea. Ao fazer a mudança de
x x
y
variável z = , como z + x z = y , obtemos
0 0
x
p
z + xz0 = 2 z +z,
p
2 z
ou seja, z 0 = . Ao escrever
x
1 1
p z0 = ,
2 z x
temos Z Z
1 1
p dz = d x,
2 z x
p
ou seja, z = ln |x | + c . Voltando às variáveis originais, temos
s
y
= ln |x | + c .
x
y y
r
Logo, φ(x ) = x (ln(x ) + c ) é uma solução geral da EDO y = 2
2 0
+ .
x x

33
3.1 EDOs separáveis

a 1 x + b1 y + c 1
 
Seja y 0 = F . Se a 1 b2 −b1 a 2 = 0, com a 1 6= 0 e b1 6= 0, então, ao fazer a mudança
a 2 x + b2 y + c 2
de variável z = a 1 x + b1 y , obtém-se a EDO separável
z + c1
 ‹
z = a 1 + b1 F
0
,
m z + c2
a2 b2
em que m = = .
a1 b1

De fato, inicialmente, note que


a2 b2
m (a 1 x + b1 y ) = a x + b y = a 2 x + b2 y .
a1 1 b1 1
Ao considerar a mudança de variável z = a 1 x + b1 y , como z 0 = a 1 + b1 y 0 ou, equivalentemente,
z 0 − a1
= y 0 , então
b1
z 0 − a1 z + c1
 ‹
=F ,
b1 m z + c2
ou seja,
z + c1
 ‹
z = a 1 + b1 F
0
,
m z + c2
como queríamos.

Exemplo 4.29
2x − y + 1
Resolva a EDO y 0 = .
6x − 3y − 1

Solução. Inicialmente, note que a 1 = 2, b1 = −1, a 2 = 6 e b2 = −3. Além disso, note que

a 1 b2 − b1 a 2 = 2 · (−3) − (−1)6 = 0.

Portanto, ao fazer a mudança de variável z = 2x − y , obtemos


2x − y + 1 2x − y + 1 z +1 5z − 3
z0 = 2− y 0 = 2− =2− =2− = ,
6x − 3y − 1 3(2x − y ) − 1 3z − 1 3z − 1
isto é,
5z − 3
z0 = .
3z − 1
Ao escrever
3z − 1 0
z = 1,
5z − 3
obtemos (pelo dispositivo prático)
Z Z
3z − 1
dz = d x,
5z − 3
ou seja,
3z 4
+ ln |5z − 3| = x + c .
5 25

34
3.1 EDOs separáveis

Voltando às variáveis originais, temos que


3(2x − y ) 4
+ ln |5(2x − y ) − 3| = x + c .
5 25
Portanto, qualquer função y = φ(x ) dada implicitamente pela equação anterior é uma solução
2x − y + 1
geral da EDO y 0 = .
6x − 3y − 1

4.0.2 EDOs redutíveis a homogêneas

a 1 x + b1 y + c 1
 
Seja y 0 = F . Se a 1 b2 − b1 a 2 6= 0, então, ao fazer as mudanças de variáveis
a 2 x + b2 y + c 2
x = z + α e y = w + β , em que (α, β ) é a solução do sistema

 a x +b y +c =0
1 1 1
(4.1)
a 2 x + b2 y + c2 = 0,

obtém-se a EDO homogênea


dw a 1 z + b1 w
 ‹
=F .
dz a 2 z + b2 w

dx dw
De fato, inicialmente, de x = z + α e y = w + β , segue que =1e = 1. Logo, pela regra da
dz dy
cadeia, temos que
dw dw dy dx dy
= = .
dz dy dx dz dx
Ao considerar as mudanças de variáveis x = z + α e y = w + β , obtemos
dw a 1 (z + α) + b1 (w + β ) + c1 a 1 z + b1 w + a 1 α + b1 β + c 1 a 1 z + b1 w
 ‹  ‹  ‹
=F =F =F ,
dz a 2 (z + α) + b2 (w + β ) + c2 a 2 z + b2 w + a 2 α + b2 β + c 2 a 2 z + b2 w
como queríamos.

Observação. O fato de a 1 b2 − b1 a 2 6= 0 garante que o sistema (4.1) seja possível e determinado.

Exemplo 4.30
2x − 3y − 1
Resolva a EDO y 0 = .
3x + y − 2

Solução. Inicialmente, temos a 1 = 2, b1 = −3, a 2 = 3 e b2 = 1. Além disso, note que

a 1 b2 − b1 a 2 = 2 · 1 − (−3) · 3 = 11.
7 1
 
Com alguns cálculos simples vê-se que , é a solução do sistema
11 11

 2x − 3y − 1 = 0

3x + y − 2 = 0.

35
3.1 EDOs separáveis

7 1
Ao fazer as mudanças de variáveis x = z + e y = w + , obtemos
11 11
7 1
   
d w 2 z + 11 − 3 w + 11 − 1 2z − 3w
=  = ,
7 1 +
  
dz 3 z+ + w+ −2 3z w
11 11
dw
ou seja, = f (z , w ), em que
dz
2z − 3w
f (z , w ) = .
3z + w
w
Logo, por se tratar de um EDO homogênea, ao fazer a mudança de variável u = , obtemos
z
du dw 2 − 3u
u +z = = f (1, u ) = ,
dz dz 3+u
isto é,
d u 2 − 6u − u 2
= .
dz (3 + u )z
3+u du 1
Sendo esta última EDO separável, ao escrever = e integrar em ambos os lados,
2 − 6u − u 2 d z z
obtemos
3+u
Z Z
1
du = dz,
2 − 6u − u 2 z
ou seja,
1
− ln |11 − (3 + u )2 | = ln |z | + k ou, equivalentemente, ln |11 − (3 + u )2 | = − ln |z 2 | − 2k .
2
ln |c |
Ao escrever k = − c 6= 0, temos
, com
2
c c

ln |11 − (3 + u )2 | = ln ou, equivalentemente, 11 − (3 + u )2 = ,
z2 z2
Voltando às variáveis originais, temos

2z 2 − 6z w − w 2 = c

e então
2(11x − 7)z 2 − 6(11x − 7)(11y − 1) − (11y − 1)2 = 11c .

Portanto, qualquer função y = φ(x ) dada implicitamente pela equação anterior é uma solução
2x − 3y − 1
geral da EDO y 0 = .
3x + y − 2

36
Referências Bibliográficas

[1] Boyce, W. E. e DiPrima, R. C., Equações Diferenciais Elementares e Problemas de Valores de Contorno, 10th ed.,
Rio de Janeiro - LTC, 2015.
[2] Figueiredo, D. G. e Neves, A. F., Equações Diferenciais Aplicadas, Coleção Matemática Universitária, Rio de
Janeiro - IMPA, 2012.
[3] Kreyszig, E., Advanced Engineering Mathematics, 3rd ed., New York - Wiley, 1972.

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