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Fundamentos históricos e teórico-metodológicos em Psicologia Humanista


Notas de aula: Profa. Dra. Samia de Carliris

Introdução
A Psicologia, enquanto ciência moderna, surgiu na segunda metade do século
XIX, tendo como fundador W. Wundt, incentivado pelo espírito intelectual positivista
do momento e promovendo a aplicação de metodologia experimental, oriunda das
ciências naturais, aos problemas da mente, tais como aqueles relacionados à sensação e
à percepção, consideradas funções mentais simples.
Assim, W. Wundt, em seu laboratório, trabalhou principalmente acerca do sentido
de tempo, tempo de reação aos estímulos externos e ilusões óticas. Para ele, a Psicologia
experimental deveria estudar os problemas relacionados aos estados ou elementos da
experiência consciente, o que estariam relacionados ao papel ativo da consciência na
organização do próprio conteúdo. A partir da investigação experimental das funções
simples, Wundt desenvolveu o método introspectivo, o que faziam coincidir objeto e
método em Psicologia, na medida em que a introspecção consistia na auto-observação
das experiências conscientes, isto é, no autoexame do estado mental num enfoque
psicofísico, pois ter experiência era o mesmo que ter consciência (SHULTZ &
SHULTZ, 2017).
Por outro lado, para Wundt, as funções mentais relacionadas ao intelectivo e ao
volitivo eram consideradas superiores e, portanto, somente poderiam ter seus produtos
verificados e comparados por exame, como era o caso dos estudos acerca da arte, da
religião, da linguagem. O seu método introspectivo não seria adequado ao estudo das
funções superiores, uma vez que estavam condicionados pela linguagem e cultura, o que
rendeu à Wundt duras críticas feitas por outros estudiosos contemporâneos aos seus
trabalhos (SHULTZ & SHULTZ, 2017).
De todo modo, a partir das contribuições de Wundt, seus trabalhos foram seguidos
por diversas tendências de estudos, convergentes e divergentes, que também buscaram
dar formas à Psicologia enquanto ciência independente. Foi nesse contexto que a
Psicologia de Ato, de F. Brentano, e a Psicologia Fenomenológica, de E. Husserl,
sucederam os trabalhos de Wundt (SHULTZ & SHULTZ, 2017).
No século XX, após uma reestruturação da Psicologia Moderna, escolas
psicológicas foram fundadas e influenciadas por diversos trabalhos filosóficos, como foi
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o caso do enfoque estruturalista (fundado por Titchener), do funcionalista (fundado por


W. James), do behaviorista (fundado por J. Watson), da Gestalt (fundada por
Wertheimer, Kofka e Kohler) e do Psicanalista (fundado por Freud). Ademais, várias
escolas e movimentos psicológicos puderam ser apontados, a partir de suas origens, ou
em matrizes de pensamento cientificista ou em matrizes românticas ou pós-românticas e
dentre essas últimas, estariam a matriz vitalista e naturalista do pensamento psicológico
(onde se inserem a Abordagem Centrada na Pessoa-ACP, Gestalt-Terapia-GT e o
Psicodrama) e as matrizes compreensivas (onde se inserem as fenomenologias-
existenciais) (FIGUEIREDO & SANTI, 2011).
A partir desse contexto geral de surgimento da Psicologia enquanto ciência
independente, bem como do desenvolvimento de escolas de pensamento dentro da
Psicologia, desenvolveremos um trabalho teórico com o objetivo de refletir sobre
“Fundamentos teórico-metodológicos em Psicologia Humanista”. Ao dissertarmos
sobre esse recorte específico, mas sem o intuito de esgotá-lo, apontamos a relevância
dessa construção teórica, na medida em que possibilita oxigenar problematizações,
compreensões e diálogos acadêmicos.

Fundamentos em Psicologia Humanista

As influências anteriores da psicologia humanista vieram da psicologia do ato de


Franz Brentano, da fenomenologia de Husserl. Com essas influências anteriores, a
psicologia humanista também refletia o descontentamento com os aspectos mecanicistas
e materialistas da cultura ocidental. Os psicólogos humanistas, liderados por A. Maslow
C. Rogers e R. May consideravam que o foco no comportamento manifesto era
desumanizador e redutivo do homem a um simples animal ou máquina, uma vez que a
complexidade humana não poderia ser estudada apenas de modo quantificado, objetivo
e reduzido a comportamentos pré-determinados ou a esquemas de estímulo-resposta,
portanto, também tecendo críticas ao behaviorismo (SHULTZ & SHULTZ, 2011).
Ademais, os psicólogos humanistas também teciam críticas ao determinismo do
comportamento humano a partir da leitura psicanalítica freudiana pela minimização do
papel da consciência em detrimento do inconsciente freudiano. Desse modo, partindo da
premissa de que a psicologia até então focava os seus estudos em aspectos mentais
disfuncionais, os psicólogos humanistas procuraram compreender o oposto, a natureza
da saúde emocional e de outras qualidades positivas humanas, não ignorando as virtudes
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humanas, como a psicologia parecia não fazer até então. Assim, Maslow (1908-1970),
na década de 60, foi um importante líder do movimento contracultura e quem mais
incentivou o movimento humanista, constituindo-o como a terceira força na psicologia,
buscando compreender a capacidade de indivíduos para grandes realizações. Apesar da
limitada comprovação empírica das ideias de Maslow, alguns aspectos de sua
abordagem influenciaram o movimento contemporâneo da Psicologia Positiva.
Para Maslow, cada indivíduo tem uma propensão inata à autorrealização, o que
seria o estado mais elevado das necessidades humanas e envolveria o uso ativo de todas
as qualidades e habilidades, além do desenvolvimento e da aplicação plena do potencial
individual. Antes, porém, o indivíduo necessitaria satisfazer necessidades mais
inferiores numa hierarquia inata, até que surgiria a motivação para a próxima
necessidade, até chegar à necessidade de autorrealizaçao (SHULTZ & SHULTZ, 2011).
Assim, na ordem de prioridade de satisfação, as necessidades primeiras seriam as
fisiológicas (de comer, de sexo), de segurança (de ordem, estabilidade), de pertinência e
amor, de estima de si e dos outros e de autorrealização.
Outro expoente da psicologia humanista foi Rogers, mais conhecido por sua
psicoterapia centrada na pessoa, ou abordagem centrada na pessoa (ACP), de modo que
seus estudos foram originários da aplicação da ACP nos seus pacientes de um centro de
aconselhamento de uma universidade norte-americana. Rogers assumia que a
responsabilidade da mudança está centrada no indivíduo e não no terapeuta, como
ocorria na terapia ortodoxa, e que o indivíduo seria capaz, consciente e racionalmente,
de mudar os próprios pensamentos e comportamentos, do indesejável ao desejável, de
modo que não acreditava num indivíduo permanentemente reprimido por forças
inconscientes ou por experiências da infância. Para ele, a maior força motivadora da
personalidade seria o impulso para realização do self, um impulso inato e que poderia
ser incentivado por aprendizagem. Rogers, portanto, enfatizava as características
relacionadas à espontaneidade, flexibilidade e capacidade contínua de crescimento
humano. Ademais, ao final da segunda guerra mundial, nos Estados Unidos da América,
a psicoterapia centrada na pessoa provocou grande impacto na psicologia, tendo rápida
aceitação, promovida por suas técnicas eficazes em terapia e que podiam ser
rapidamente aprendidas e praticadas em uma longa demanda de veteranos da Guerra
que demandavam a ACP e precisavam ajustar-se à vida civil.
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Assim, o movimento da psicologia humanista formalizou-se com a criação de sua


Revista e de sua associação em uma divisão da APA (American Psychologist
Association), entre os anos 60 e 70. Porém, a psicologia humanista sofreu críticas por
ter sido apenas um movimento dentro da psicologia, sem ter se caracterizado como uma
escola de pensamento mais consistente, com uma teoria reconhecida como filosofia da
ciência. Acreditava-se que essa crítica foi motivada também pelo fato de que a maioria
dos psicólogos humanistas estava inserida na clínica e não na academia e na realização
de pesquisas e divulgação ampla de resultados de trabalhos. De todo modo, a psicologia
humanista foi retomada, a partir dos anos 90, por M. Seligman, então presidente da
APA, com o objetivo de persuadir o psicólogo a desenvolver um conceito mais positivo
da natureza e do potencial humanos, o que poderia se concretizar com base nos
trabalhos pioneiros de Maslow e Rogers, mas a partir de pesquisas experimentais
rigorosas capazes de evitarem a veia anticientífica que caracterizou o movimento
humanista (SHULTZ & SHULTZ, 2011).
A partir dessa compreensão da psicologia humanista, é importante considerarmos
que esse movimento ergueu a bandeira do humanismo contra o behaviorismo e a
psicanálise. O principal representante do humanismo foi Sartre, que o projetou em sua
obra "O existencialismo é um humanismo" (1945), porém o existencialismo não tomava
o homem como um fim, porque ele sempre está em devir, o que podemos chamar de
humanismo existencialista. Humanismo por que não há outro legislador do homem além
dele próprio, pois procurando sempre fora de si um fim, um sentido, e não se voltando
para si mesmo, é que ocorre a libertação humana, a realização particular, assim, o
homem, finito e lançado no mundo, se realizará precisamente como ser humano
(PENNA, 2001). O Humanismo de Sartre seria existencial, na medida em que o homem
se escolhe a si mesmo. Tanto o humanismo, quanto o existencialismo têm pontos
convergentes em relação à visão de homem, pois ambos o reconhecem como fonte e
centro de valores, constantemente em movimento, na busca de se superar a si mesmo.
Como divergência, enquanto os existencialistas afirmaram que o homem cria as suas
possibilidades, os humanistas afirmaram que os homens descobrem as suas
potencialidades inerentes, estando nas condições favoráveis de um contexto facilitador.
Cabe ressaltar que a existência não é essência, pois essa é realidade pré-
determinada e não modificável. Existência é um poder-ser. Ademais, enquanto que para
Sartre a liberdade do homem seria absoluta e sua responsabilidade total, para M. Ponty,
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filósofo que desenvolveu uma releitura da fenomenologia husserliana e propôs repor a


essência na existência, a liberdade do homem seria condicionada e o mundo humano
seria sistema aberto, incompleto e contingente (REALE & ANTISERI, 1990).
Assim, compreendemos que o existencialismo teve contribuições da
fenomenologia, na medida em que o método fenomenológico foi utilizado para as
análises existencialistas acerca da expressão da experiência singular, individual e
concreta humanas, pois a existência do homem evoca a sua contraparte, ou seja, a sua
essência. Desse modo, a partir da fenomenologia, o filósofo existencialista foi capaz de
descrever as expressões concretas humanas na correlação consciência-mundo, que
ocorre de modo intencional, pois a consciência é sempre consciência de algo, tem o seu
papel ativo, é liberdade, e doa sentido ao mundo por ser orientada imediatamente aos
objetos, na medida em que um objeto é sempre objeto-para-uma-consciência. O
existencialista busca a transcendência do ser com qual a existência se correlaciona.
Assim, a possibilidade é um modo de ser constitutivo da existência. A fenomenologia
husserliana surge num contexto de revisão de verdades cientificamente inabaláveis,
sendo uma terceira via entre o materialismo e o idealismo científicos, já que a ciência
estava assumindo, no nível da investigação, o significado humano, a contribuição
subjetiva que não se apresentaria mais como um elemento incompatível com o rigor
científico (PENHA, 2017).
Assim, a partir da fenomenologia, é possível captar a essência mesma das coisas
pela descrição da experiência tal como ela se processa, atingindo-se, dessa maneira, a
realidade tal como ela é, a partir da suspensão de todo juízo sobre os objetos que a
cercam, o que seria a redução fenomenológica, estado mental em que nada afirmamos
ou negamos, voltando-nos, pois, às coisas mesmas, de modo que consciência e
fenômeno estão interrrelacionados e buscamos elucidar a essência dessa correlação
cooriginal na intuição originária da vivência de consciência, isso aponta para a
necessidade de uma análise descritiva do campo de consciência. Através da redução
fenomenológica, o mundo objetivo e do senso comum é colocado entre parênteses,
permanecendo na consciência, enquanto transcendental, apenas aquilo que, por sua
evidência, é impossível de ser negado, por exemplo, “eu existo”. Nesse
aspecto, Husserl, na sua obra de 1913, apresentou a redução transcendental com uma
nova concepção da fenomenologia em que se tentou uma completa redução dos próprios
valores, crenças, sendo o homem o autor de tudo, o que rendeu críticas ao ter sido
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considerado idealista nesse aspecto. De todo modo, é necessário assumir uma condição
de seres transfenomenais, que se percebem enquanto fenômeno e, sendo assim, um além
deste. Dessa forma, o método fenomenológico veio a constituir-se no elemento básico
para o assentamento da ontologia existencialista, do conhecimento do ser existente, e
que vieram a influenciar as bases do movimento humanista em psicologia
(ANGERAMI-CAMON, 2007).
Nesse contexto, o existencialismo teve, além de Sartre, como importantes
pensadores, Kierkegaard (filósofo iniciador do movimento), Heidegger (o primeiro a
utilizar o método fenomenológico), Buber, Ponty. Apesar de Ponty ser considerado
existencialista, há críticos que não o consideram um representante típico do movimento,
pois o abandonou cedo. Há autores também que acham importante que ressaltar
Husserl, embora não fosse, ele próprio, existencialista, foi mestre de Heidegger, quem
contribuiu ao existencialismo com as questões relacionadas ao método fenomenológico.
Nesse sentido, foram as críticas endereçadas à Husserl acerca de seu viés idealista na
fenomenologia que influenciaram a filosofia de Merleau-Ponty, quem questionou esse
idealismo e introduziu considerações de uma fenomenologia existencialista, ao postular
que o homem não pode estar livre por completo de seus valores e crenças, pois a
consciência é constituída de interferências do mundo, como a sociedade e a cultura.
Para Ponty, o mundo fenomenológico não é um ser puro, mas é inseparável da
subjetividade e da intersubjetividade. Desse modo, com a chegada da fenomenologia
existencial, o homem é visto na realidade de sua existência, com suas crenças e valores,
de modo que a consciência não existe por si só e é o homem e o mundo numa relação
dialética que se constituem um ao outro, o que Merleau-Ponty chama de ambiguidade
(ANGERAMI-CAMON, 2007).
O existencialismo teve também como principais destaques as obras de Heidegger
e Sartre, embora Heidegger afirmasse que desenvolvia a análise existencial, não
desejando ser definido como adepto do existencialismo. De fato, o existencialismo
surgiu com Kierkegaard, que argumentava em favor da busca pela existência autêntica,
em que não há uma verdade em si mesma, mas a verdade está no próprio existir. Ele
discorre sobre os três estágios da consciência humana, os quais são o estágio estético, o
ético e o espiritual, sendo esse último onde o homem se depara com a sua existência
plena (PENHA, 2017).
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Já para Heidegger, a filosofia está a caminho do ente sob o ponto de vista do ser,
que seria a natureza da existência, isto é, o ser do ente. Por exemplo, uma cordilheira no
horizonte é, revelará o seu ser ao viajante, ao meteorologista, ao agricultor, pois cada
um desses percebe somente alguns aspectos da cordilheira, mas não ocorre que a soma
desses aspectos para cada um desses indivíduos se constitui o ser do ente, ou seja, a
cordilheira. É nesse contraponto feito por Heidegger sobre a apreensão de determinado
objeto que temos a dimensão de possibilidades de ser do ente e que se abre à percepção,
ao fenômeno. Com efeito, os sentidos são cruciais para essa presença do ser, de suas
possibilidades. O próprio cuidado de Heidegger no sentido da palavra dá parâmetros da
necessidade cuidadosa e pormenorizada dos fatos. Heidegger, ao querer não ser
definido como existencialista, propôs na sua analítica existencial, não demonstrando
interesse pela existência pessoal, seguindo a recomendação husserliana, mas propondo-
se a discutir o ser e estabelecer uma ontologia geral, descrevendo os fenômenos que o
caracterizam, tais como se apresentam à consciência. Porém, Heidegger teve insucesso,
de modo que não conseguiu se livrar de sua associação direta com o existencialismo,
pois ao tentar descobrir o sentido do ser, o fez relacionando o ser com o ente e
designando o Dasein, ou ser-aí, um ser localizado no tempo e no espaço, ou seja,
apontando que o ente é esse Dasein, ser singular, concreto, diferente, do ser geral.
Enquanto presença, o Dasein é um ser-no-mundo, lançado no mundo e que coexiste
com outros Dasein, portanto, é um ser-com, factível, em contraposição ao
transcendente, isto é, está além da experiência. Para Heidegger, as categorias da
existência humana são a compreensão, sentimento e a linguagem, de modo que
autenticidade ocorre ao homem que conseguia reconhecer a dualidade entre o humano e
o não humano (ANGERAMI-CAMON, 2007).
Já com Sartre, a partir da sua ontologia fenomenológica, ao expor os pressupostos
do método fenomenológico, ele define a existência em duas categorias, o em-si, ou
universo das coisas materiais, e o para-si, ou o mundo da consciência-existência, é
realidade humana, assim a consciência seria um ser para-si, auto-reflexiva, em
contraposição ao ser em-si, que simplesmente é. O ser não se mostra inteiramente em
cada uma de suas manifestações. Para Sartre a consciência seria um ser-para-si, por ser
auto-reflexiva. O ser em-si não pode ser derivado de uma possibilidade, pois o possível
é uma estrutura do ser-para-si e o ser em-si não é nem possível e nem impossível,
simplesmente é. Na estrutura imediata da consciência, Sartre identificou duas
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características básicas, que são a temporalidade e a transcendência. A consciência se


projeta numa dimensão, origina o tempo e nele se atira. O tempo se manifesta à
consciência do homem, que transcende seus limites corpóreos, pois o homem é livre,
sem determinismos (ANGERAMI-CAMON, 2007).
Sobre o existencialismo, também se faz importante mencionar a contribuição de
Buber, que enfatizou a filosofia do diálogo em seu trabalho. Para ele, as atitudes que o
homem pode ter diante do mundo são representadas pelas palavras princípios eu- tu, eu
-isso. Eu-tu representa a completa integração com o mundo, vivência intensa do
homem com o mundo, que é o mundo de relação de vida no presente. O eu-tu não
designa apenas uma relação inter-humana. Por sua vez, a relação eu -isso, representa
afastamento para refletir sobre o mundo, o mundo como experiência perceptiva. O
homem se constitui como singular no encontro na relação eu-tu. Após a vivência do
encontro, o tu da relação se constitui em isso, isto é, o homem não pode viver sem o
isso, mas aquele que vive somente como isso não é homem. A relação autêntica é plena
de reciprocidade e diálogo e deve ocorrer em ritmo constante de movimentos entre as
atitudes eu-tu e eu-isso, de encontro e reflexão (LIMA, 2008).
A psicologia enquanto ciência empírica necessita de elementos deterministas,
como descobrir, descrever, explicar e predizer as ocorrências do mundo, de modo que
os pressupostos existencialistas negam-se a compreender o homem a partir de
categorizações ou generalizações dentro dessa Psicologia científica. O homem, ao ser
considerado como fenômeno único, lança por terra um conjunto de teorias
deterministas, como aquelas comportamentais, que acusam que organismos diferentes
reagem do mesmo modo a estímulos semelhantes (ANGERAMI-CAMON, 2007). Os
existencialistas consideram irrelevantes feitos com bases científicas, contrapondo a
singularidade do homem, de modo que a união entre a psicologia com pensamento
existencialista seria muito difícil. Assim, o pensamento existencialista é embasado na
impossibilidade de construção de um conjunto sistemático de ideias, do estabelecimento
de regras gerais, recusando-se a um enquadre científico.
Nesse contexto, autores, como Angerami-Camon (2007) discutem sobre a obra
muito difundida em que se pretendeu articular a Psicologia com o existencialismo, com
a denominação de “Psicologia existencial”, de Rollo May, mas que seria uma
denominação indevida em que May, já o mesmo tentou convergir más compreensões de
pressupostos existencialistas com a psicanálise, muito embora outros estudiosos, como
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Ponte e Souza (2011) e textos clássicos da Psicologia Humanista definam May como
psicólogo existencial humanista.
Porém, o pensamento existencialista pode, com seus recursos e métodos,
empreitar uma construção profunda do ser homem, de seu mundo e de suas
possibilidades existenciais, não em termos de se pensar acerca de uma “Psicologia
Existencial” ou ainda “Psicologia Existencial Humanista”, mas em termos de
convergência entre a psicoterapia e o existencialismo, em que o terapeuta realiza um
encontro existencial, único e verdadeiro com cliente, sempre com cuidado de não
promover generalizações e de facilitar o encontro existencial dignificante, até mesmo
nos campos grupais, comunitários e de pesquisa.
Essa condição de exploração das totalidades humanas de modo fenomenológico
na clínica de base humanista abre-se numa perspectiva dialética, em que uma vez que
envolve atos que modificam o agente/terapeuta, também modificam o sujeito/cliente e a
relação entre os dois. Dessa forma, o termo “psicologia existencial” reflete uma
inadequação que adquire contornos imprevisíveis, principalmente quando se denomina
uma “psicologia existencial” humanista (ANGERAMI-CAMON, 2007).
A Psicologia Humanista ressalta que a psicologia deve constituir-se no campo das
Ciências Humanas, porém a epistemologia das ciências humanas apresenta
inconsistências com a filosofia da ciência (a epistemologia das ciências naturais não
apresenta problemas), o que levou John Dilthey a conceber que as ciências humanas
estão assentadas na experiência vivida, que se constitui nos atos de expressão e de
compreensão, o que faz com que a psicologia humanista tenha uma perspectiva
compreensiva das ciências humanas. Os métodos de pesquisa denominados
fenomenológicos, hermenêuticos ou clínicos, muito utilizados por psicólogos
humanistas, se integram a uma abordagem compreensiva em psicologia, não se
integrando à ciência moderna de base positivista.
Por outro lado, como críticas, há autores que apontam que o projeto de psicologia
humanista fracassou por ter se mantido dentro do projeto mais amplo da ciência
moderna, uma vez que a psicologia humanista tem um dilema epistemológico: ou
destrói a imagem do ser humano para adaptá-la à ciência (degradando a condição
humana), ou destrói a imagem da ciência para adaptá-la à uma concepção de ser
humano (rejeitando o seu status científico) (CASTAÑON, 2007).
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O principal valor humanista é um enfoque na relação, pois a existência humana se


realiza no contexto interpessoal. Assim, projeto de psicologia humanista pretendeu
contribuir para a constituição de um novo homem que promovesse o surgimento de
novos modelos sociais, menos controladores e mais atentos às necessidades humanas e
relacionais autênticas, buscou também a transformação da ciência e objetivou novos
espaços de expressão para o indivíduo. Esses psicólogos procuraram acentuar e
promover métodos terapêuticos que promoviam a liberdade de escolha,
responsabilidade, autorrealização e a consideração nos vários contextos sociais.
Preconizava a volta ao humano como tema principal de estudo em psicologia,
privilegiando o enfoque de estudos sobre bem estar e saúde, em detrimento das
psicopatologias. A psicologia humanista primariamente tratava-se de um discurso
congregado de diversas tendências, unidas pela oposição à psicanálise e ao
behaviorismo e pelo compromisso com uma visão de homem que orientava o
desenvolvimento de novas formas de estabelecer saúde psíquica e promover os
melhores potenciais humanos.
Porém, o projeto de psicologia humanista nunca se constituiu como um corpo
único de teoria, mas uma convergência de várias diretrizes escolas de pensamento,
tendo como denominador comum o respeito incondicional ao indivíduo, o
reconhecimento do outro como ele mesmo e não como um objeto. Ademais, esse
projeto também marcou um amplo desenvolvimento de terapias e métodos de trabalho
com grupos, principalmente na forma de vivências intensivas (CAMPOS, 2006).
De todo modo, a fenomenologia e o existencialismo revolucionaram a psicologia
e as psicoterapias fenomenológico-existenciais. A psicologia humanista assumiu uma
ética fundamentada na abertura para a experiência livre e responsável.
Desse modo, fundamentar uma proposta psicoterapêutica na fenomenologia de
Heidegger, por exemplo, é atentar-se à discussão de que o distúrbio no homem se
caracteriza pela sua dificuldade de flexibilização e de liberdade, cabendo à psicoterapia
acompanhar o homem que se esqueceu de como poder-ser, e no desvelamento da sua
situação, resgatando a possibilidade de sua liberdade. A fenomenologia de Heidegger
busca romper com o círculo hermenêutico, que é a ideia de que nunca se
compreende/interpreta a existência sem ser a partir de uma concepção prévia, que
aprisiona o ser-aí em comportamentos prescritivos. Nessa perspectiva, o psicoterapeuta,
então, compreende o outro, pois capta a interpretação de mundo do ser-do-ente. Para
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Heidegger, os problemas psíquicos não são da ordem do eu, mas da ordem do seu
projeto existencial, da relação ser-aí e no mundo. É aí que reside o questionamento que
alguns autores fazem sobre a real possibilidade de uma clínica psicológica baseada nos
pensamentos de Heidegger, uma vez que ele negava a existência de um psiquismo,
muito embora ele mesmo apontasse que é possível uma clínica psicológica com bases
na fenomenologia hermenêutica, a partir de uma análise ontológica das estruturas da
existência humana, em uma perspectiva ôntica, ou seja, na relação com problemas
materiais, o que influenciou os trabalhos em psicopatologia fenomenológica de
Binswanger, por exemplo (FEIJOO, 2010).
Articulando a psicoterapia fenomenológica com as reflexões de
Kierkegaard, numa psicoterapia fenomenológico-existencial, como propõe Feijoo
(2010), compreendemos que o modo de acolhimento quando se quer estabelecer uma
relação deve levar um homem a reconhecer se a si próprio e desfazer a ilusão de quem
acredita ser aquilo que em ato não é, pois essa proposta ajuda o indivíduo a reconhecer-
se em suas escolhas, o que envolve um âmbito particular e um social, não como
contextos dicotômicos do existir, mas sim como contextos que se dissolvem
mutuamente. Para Kierkegaard, a doença afeta o temporal e acontece quando o homem
não encontra mais sentido no temporal. O eu é, para o filósofo, um constante
movimento do existir, de modo que quando ele se paralisa na tentativa de resolver o
inevitável, ele está em "queda", em "desespero". Aí, a proposta de psicoterapia
consistirá em mobilizar os paradoxos, ambiguidades da existência, em que a
transformação ocorre no aqui-e-agora, no instante da relação dialógica. A angústia que
ocorre no homem, no seu movimento de existir, deve ser experimentada, pois emergir
nela é a possibilidade para a liberdade (FEIJOO, 2010).
Assim, o percurso psicoterapêutico de base fenomenológico-existencial pauta-se
no processo de escuta e fala articulados, em que este processo não se dá numa relação
dicotômica e sim dialógica, desvelando sentidos para a compreensão explicitada da
vivência do cliente, sem cair numa perspectiva sem fundamento, parecida a uma
psicologia do senso comum. Não se trata de um jogo de forças ou de posturas
provocativas do psicólogo na relação, e sim de uma postura pautada numa relação
compreensiva. Desse modo, tanto uma psicoterapia fenomenológico-existencial quanto
numa psicoterapia existencial, o psicólogo deve se valer dos princípios da relação de
ajuda, a fim de que o homem reconheça a si mesmo, assumindo a responsabilidade de
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suas escolhas e daquilo que continua a escolher ser, como indivíduo lançado nas
contingências do mundo. O psicólogo deve saber dialogar através da comunicação
indireta, que consiste em uma forma de se fazer chegar ao outro, sem que este perceba
que há uma intenção de confrontá-lo, de questioná-lo ou interceptá-lo em sua ações.
Sobre o método fenomenológico, é importante assinalarmos que este também
constitui o modo de investigação que se dará na própria relação psicoterapêutica. Não se
parte do princípio de que o método, com seus parâmetros, é que conduz a algo, ao
contrário, aquele que se investiga é que traça o caminho da investigação. O
psicoterapeuta, pautado na proposta da fenomenologia, vai proceder à investigação do
homem em relação, deixando que o mesmo se mostre, faça-o a seu próprio modo. O
método fenomenológico adotado pelo psicólogo na psicoterapia pode seguir alguns
aspectos, assinalados por Heidegger: o retorno às coisas em si mesmas, a evidência, a
busca do fenômeno que se mostra, a explicitação e compreensão das estruturas da
experiência e a compreensão da existência (FEIJOO, 2010).
A psicoterapia em uma perspectiva fenomenológico-existencial não pode ser
tomada como técnica no sentido moderno, pois ela trabalha numa perspectiva de
atenção daquilo que se produz a si mesmo. Trata-se da psicoterapia que busca tornar
manifesto o que é presente e não importam os resultados, embora se pense em
consequências para o homem em relação ao seu modo de articular o mundo em
liberdade e assumir as próprias escolhas e o seu caráter de poder-ser. O psicoterapeuta
vai atuar como facilitador, vai deixar aparecer o que se oculta, desvelando-o. Nessa
orientação psicoterapêutica, as técnicas não visam à adequação de produtividade ou às
normas sociais ou ao sucesso socialmente aceito. Esta clínica consiste em abrir um
espaço para que o outro se conquiste em sua alteridade, mas sem conduzi-lo. Enquanto
o cliente fala e articula sentidos, o psicoterapeuta escuta o desvelar desses sentidos e
capta a expressão do ser-aí. Simultaneamente, com o responder do psicoterapeuta, a fala
do cliente se desprende quando escuta, sendo esse o processo de escutas e falas do
psicoterapeuta e do cliente. A psicoterapia não pensa em termos de realidade, mas de
possibilidades, e o psicoterapeuta prossegue o cuidado com cliente na abertura de
caminhos, restabelecendo o seu movimento como acontecer e ajudando o outro a tornar-
se cura (FEIJOO, 2010).
Para Forghieri (2015), ser sadio existencialmente consiste em se abrir às
possibilidades e aceitar enfrentar os paradoxos e restrições de existência. Assim, o ser
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doente só pode ser compreendido a partir do seu modo de ser sadio, pois a pessoa que se
encontra doente não reconhece suas limitações e conflitos e nem dispõe livremente de
todas as possibilidades de relações que poderia manter com o mundo e consigo mesma.
Desse modo, é necessário que a pessoa aceite as situações de sofrimento e com elas se
envolva, para que consiga compreendê-las e abrir-se às possibilidades de existir e à
atualização de suas potencialidades como ser humano. Nessa atuação, a presença
genuína do psicoterapeuta de base fenomenológica é de fundamental importância, já que
por meio dela é possível experienciar a recuperação do envolvimento e da sintonia da
pessoa com o mundo e consigo mesma.

Considerações finais: aspectos contemporâneos da Psicologia Humanista

Não se pode falar em filosofia ou psicologia humanista, mas sim em movimento


humanista, pelo seu grande espectro de valor agregado. Contemporaneamente,
estudiosos da psicologia humanista estão preocupados com o declínio de influência da
psicologia humanista, perdendo representantes entre professores e pesquisadores, com a
escassez de pesquisas, nas quais as poucos existentes partem de critérios da ciência
natural e ausência de artigos em revistas importantes. As exigências e compromissos
sociais, já deflagrados pelos movimentos humanistas em sua época de surgimento, na
atualidade são bem maiores do que no final do século XX, o que requer a reflexão de
uma ciência psicológica mais apurada em suas práticas e mais atenta aos princípios
ético-sociais (GOMES, 2010). Por outro lado, uma grande contribuição do humanismo
foi o conceito de abertura para experiência, o que constitui em visão abrangente e
integrada, capaz de diálogo entre diferentes teorias, sem, contudo, perder a noção de
justiça ao objeto em estudo (ética), nem a noção de rigor na abordagem do objeto
(método). A psicologia humanista transforma-se numa abordagem compreensiva e
orientada ao estudo dos aspectos expressivos e interpretativos da condição humana,
existência corporificada e contextualizada (GOMES, HOLANDA & GAUER, 2004).
Para autores como Gomes (2010), a psicologia humanista encontrou na
fenomenologia europeia, introduzida nos Estados Unidos por May, nos meados do
século XX, fundamentos para as suas posições teóricas e alternativas metodológicas de
pesquisa. Para o psicólogo humanista, a fenomenologia é ferramenta para recuperar a
riqueza vivencial enquanto fenomenalidades dadas à compreensão e à explicitação, não
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se apresentando como argumento para interpretação, mas apenas como recurso à


exploração objetiva da subjetividade.
No tocante à retomada do enfoque humanista, os psicólogos da Psicologia
positiva, contemporânea em seus estudos sobre as potencialidades humanas, retomaram
a ênfase nos aspectos psicológicos saudáveis em detrimento do foco nas
psicopatologias, estando na direção da Psicologia Humanista, mas que acabaram por se
diferenciar desta, na medida em que conceberem as suas pesquisas de modo
experimentalmente rigoroso, cientificamente positivista, já que Seligman propõe que a
psicologia positiva seja apenas uma mudança de enfoque na psicologia moderna e não
uma escola de pensamento (SHULTZ & SHULTZ, 2011).
De todo modo, a psicologia humanista é, pois, uma ética para o enaltecimento das
potencialidades, integralidade holística, da liberdade e da autonomia, pela autenticidade
que é a revelação continuada de si, pelo diálogo crítico e atualizado do presente-
passado-futuro, da explicitação e compreensão do vivido e do devir humanos no aqui-e-
agora. O Humanismo, enquanto ética, afirma que a experiência humana é a medida de
todas as coisas (GOMES, 2010).

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