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Luiz Cruz Lima

Professor titular de Geografia da Universidade Estadual do Ceará (UECE)


l.cruzlima@uol.com.br
Adriana Marques Rocha
Professora de Geografia da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e da
Universidade Federal do Ceará (UFC)
adrianamr@yahoo.com.br

Reflexões sobre o terciário

Resumo

O estudo sobre terciário requer um olhar multidisciplinar. Conferir ao terciário


uma perspectiva multifacetada contribuirá para desvelarmos os caminhos de
atividades que urgem por uma teorização. A complexidade do fenômeno requer
uma releitura dos conceitos antigos e recentes para a construção de um arcabouço
teórico próprio ao terciário, a fim de se compreender a realidade terciária como
força vital do processo de produção atual e da reorganização dos territórios.

Palavras-chave: terciário, território, reorganização.

Abstract

REFLECTIONS ON THE TERTIARY

The study on tertiary demand a multidisciplinary look. To confer to the tertiary a


multifaceted perspective will give us a contribuition to watch the ways of activities
that urges for its own theory. The complexity of the phenomenon requests a new
reading of the old and recent concepts for the construction of a particular theoretical
skeleton to the tertiary to understand its reality as a vital force of the process of
current production and reorganization of the territories.

Key-words: tertiary, territory, reorganization.

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1. Introdução

Na atualidade, é visível a incoerência da classificação das atividades


do setor terciário provinda da primeira metade do século XX. Em face das
grandes mudanças mundiais do último meio século, tanto nas diferentes
áreas das tecnologias, como na reorganização do sistema produtivo, en-
tende-se que a noção de terciário assume outras conceituações, outras
dimensões espaciais. Isso vem abrindo, no mundo, um leque de releituras
dessa classificação, frente à realidade.
Derivadas da carência de um aporte teórico capaz de atender as ne-
cessidades daqueles que se dedicam ao estudo do terciário, essas refle-
xões se põem como uma instigação, ao tempo que suscita questionamentos
acerca da forma de apreensão dessas atividades.
As estatísticas oficiais lidam com essa dificuldade, sem qualificar, no
setor terciário, de modo explícito, os serviços mais refinados e as atividades
menos relacionadas às tecnologias modernas, o que contribui para desvir-
tuar os trabalhos de pesquisa. No último quartel do século XX, Santos
(1982, p. 56) chamava a atenção para esse fato:

Nas condições atuais da economia, o estudo do chamado setor terciário impõe


que se levem em conta, de um lado, a existência de novas atividades terciárias,
nem sempre discerníveis sob as condições atuais da coleta estatística; e, de outro
lado, a heterogeneidade fundamental do setor como definido oficialmente,
heterogeneidade que as estatísticas oficiais mascaram.

Na década passada, Jiménez e Utrilla (1992, p. 13) revelavam essa


lacuna na ciência:

A diversidade de natureza, funções e de modalidades de geração, transporte e


consumo de serviços na sociedade moderna dificultam grandemente sua apre-
ensão teórica. É possível, pois, que reduzir os serviços de forma proveitosa para
seu estudo científico seja, por si, tarefa árdua. Porém, não é menos certo que
persistam categorias elaboradas a partir de enfoques disciplinares, sobretudo
econômico, inapropriadas para captar um fenômeno tão complexo que está
1
para além dos marcos divisórios superficiais dos conteúdos das disciplinas .

Segundo Offe (1991), nas ciências sociais de meados de 1940, recor-


reu-se à hipótese genérica de que, a partir de certo grau de industrialização,
o desenvolvimento da sociedade tenderia à expansão do setor terciário, com

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maior participação da força de trabalho nos serviços, acompanhada por um
crescente peso no produto interno. É uma evidência na realidade atual.
A abordagem do processo de reprodução do capital e o desenvolvi-
mento da feição urbana que toma a sociedade com o advento do atual
modo de acumulação capitalista são imprescindíveis à compreensão do
terciário no mundo moderno. Caminhar por estas sendas será, pois, bus-
car o significado do terciário para além da concepção clássica dos anos
1930, proposta por Colin Clark. No livro The Conditions of economic progress,
Colin Clark emprega sistematicamente a terminologia primário, secundá-
rio e terciário. Essa propositura do eminente estudioso correlaciona-se
com a de seu antigo professor, Allan G. B. Fisher. Este publicara em 1935,
em Londres, The cash of progress and security, uma relevante obra que
passou despercebida (FOURASTIÉ, 1989). Nesse sentido, Santos (1982, p.
56) reforçara como uma ordem às reflexões: “[...] reconhecer o conteúdo
novo encoberto pela velha denominação, o ‘setor terciário’”. A superação
desse paradigma implica repensar a lógica da divisão do trabalho, não
somente permeada pelo meio técnico-científico informacional, mas tam-
bém em sua gênese, bem como o rumo tomado pela teoria para aproxi-
mar-se do real em sua complexidade.

2. Divisão do trabalho e a estruturação atual dos serviços

O elemento fundamental para estruturação e reestruturação de todo


o desencadeamento do processo histórico das relações capitalistas foi, sem
dúvida, a divisão social do trabalho. Esta tivera sua evolução considerada
como espetacular (GEORGE, 1979, p. 81), o que consistira no aumento dos
efetivos de pessoas ativas empregadas em ocupações que não são concre-
tas ou diretamente produtoras de objetos, mas que foram agrupadas sob a
referência de serviços.
Na fase pré-capitalista, um único indivíduo detinha todo o conheci-
mento e controle de todas as etapas da produção, sendo ele responsável
pela atividade primária, transformação-beneficiamento e transformação
artesanal (produto final). Não havia distinção das etapas da produção em
setores econômicos. A divisão do trabalho acontecia a nível familiar e/ou

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no nível da hierarquia da posse dos meios de produção, da terra e das
ferramentas.
Com as mudanças nos sistemas e das formas de relações sociais, a
simples “fabricação” de valores de uso tornou-se ultrapassada frente às
necessidades criadas pelo surgimento e pela diversificação das mercadori-
as que se disponibilizavam para as trocas comerciais. Daí não bastava
mais produzir para atender as necessidades básicas dos indivíduos e das
famílias, mas tinha-se que produzir para ter o que trocar e acumular valo-
res além do que era necessário para a simples condição de existência do
indivíduo.
Então, a esfera da produção sofrera modificações cujos objetivos eram,
de alguma forma, ampliar a quantidade do que se produzia para a acumu-
lação. A partir de então, começaram a se separar os diferentes tipos de
transformação das matérias-primas, iniciando-se as primeiras especiali-
zações das funções em cujas entranhas se desencadeara a divisão social
do trabalho.
Parte-se da premissa de que o princípio geral é o aprofundamento da
divisão social do trabalho com a proletarização do camponês e a intensida-
de da dissolução da economia natural, criando, assim, as bases para o
desenvolvimento do modo capitalista de produção, o que rompera parcial-
mente os laços primitivos, que, no começo, uniam a agricultura e a
manufatura. Gradualmente, esse processo se intensifica com o desenvol-
vimento das bases técnicas, culminando no atual nível de industrializa-
ção e modernização.

3. Uma classificação ultrapassada

Diante da realidade mundial, os serviços começaram a ganhar mais


expressividade no começo do século XX, ainda durante a Segunda Revolu-
ção Tecnológica (MANDEL, 1985), quando as redes começam a se instalar
por força das necessidades emergentes, ampliando-se, territorialmente,
do centro hegemônico para a periferia. A partir desse momento, as
atividades terciárias já mostravam um importante papel no desempenho
das relações mundiais. Então, em meados da década de 1930, Colin Clark,

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baseado no modelo das etapas da produção (primário e secundário), clas-
sificou essas atividades que faziam a inter-relação entre produção e con-
sumo como terciárias, ou melhor, acrescentou o Setor Terciário aos outros
dois setores já existentes, com o objetivo de caracterizar uma etapa que
viria após a fase industrial de produção, seguindo a lógica produção-distri-
buição-consumo.
Após a segunda metade do século XX, quando se arvora a Terceira
Revolução Tecnológica, o setor terciário se intensifica, ressaltando-se mais
ainda, na atual conjuntura técnico-científico-informacional, num período
histórico em que a agropecuária agrega técnicas sofisticadas e ciência e a
indústria se constitui por fragmentos unidos pelos comandos e ordens à
distância, ditados pelas bases da teleinformação, como um novo tipo de
serviço. Cada vez mais a (re)organização do espaço geográfico não mais
se prende, somente, aos setores primário e secundário. Os centros dinâ-
micos de qualquer esfera da produção se consolidam, no atual momento,
como centros de excelência do terciário, rematando o que afirma Santos
(1982, p. 58):

O terciário, hoje, permeia as outras instâncias (primário e secundário) cuja


definição tradicional esmigalha e, sob formas particulares em cada caso, consti-
tui o elemento explicativo da possibilidade de existência com êxito de inúmeras
atividades, sobretudo daquelas mais importantes.

Para Mandel (1985), o fenômeno terciário vem como reflexo do capi-


talismo tardio, embora já existisse desde quando houve a separação das
etapas produtivas, com o aumento da distância espaço-temporal entre os
meios de produção e consumo. Com essa formatação entre produção e
consumo, demandavam-se mecanismos que fossem capazes de dar conta
da circulação da produção para chegar o mais rápido possível nos diversos
lugares para grande número de consumidores. Assim, os serviços, pouco
expressivos e quase sem estudos desenvolvidos sobre a temática, tomam
vulto a partir do século XX, como resultante do movimento de ampliação
desse capitalismo tardio, assim considerado pelo autor:

A expansão do setor de serviços capitalistas que caracteriza o capitalismo tardio


resume, portanto, à sua própria maneira, todas as principais contradições do
modo de produção capitalista. Reflete a enorme expansão das forças produtivas

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sócio-técnicas e científicas e o crescimento correspondente das necessidades
culturais e civilizadoras dos produtores [...] (ibidem, p. 282).

Os serviços assumem posição de destaque na economia e no cenário


mundial, ou seja, a “socialização objetiva dos serviços”, na afirmação de
Mandel (1985, p. 270), assegurando mudança da forma de racionalizar o
capital. A divisão do trabalho foi aguçada nos moldes capitalistas a partir
da centralização crescente dos investimentos. Para Mandel (ibidem, p.
269), essa centralização apresenta duplo caráter:

[...] é técnico e é econômico. Tecnicamente, uma divisão crescente do trabalho


só pode combinar-se com uma socialização crescente e objetiva do trabalho por
meio de uma ampliação das funções intermediárias: daí a expansão sem prece-
dentes dos setores de comércio, transporte e serviços em geral. Economicamen-
te, o processo de centralização só pode manifestar-se por meio de uma centra-
lização crescente de capital, entre outras, sob a forma de uma integração verti-
cal de grandes empresas, firmas multinacionais e conglomerados.

Nesse sentido, o terciário emerge como uma forte complexidade que


se coloca na modernidade recente, dando novos matizes aos processos
que se efetivam na (re)organização do espaço. Isso porque o terciário,
hoje, imbrica-se às inúmeras atividades econômicas, exigindo formas e
estruturas, ainda inexistentes, especialmente para viabilizar essa
“integração vertical de grandes empresas”.
O terciário foi sensivelmente ampliado, absorvendo múltiplas fun-
ções, tanto no primário quanto no secundário, especialmente com as de-
nominadas redes de logísticas. Na nova maneira de produzir, o bem final
agrega uma gama de serviços antes (fornecimento de matéria-prima com
agregação de inovações técnicas e científicas), durante (prestação de ser-
viços de uma determinada empresa em determinado entremeio da fabri-
cação de um bem) e depois da produção dos bens (atendimento ao consu-
midor, pesquisa, assistência técnica, dentre outros). Para George (1979),
essa multiplicidade e heterogeneidade cristalizaram-se como característi-
cas próprias do terciário, de um lado, na diversidade de tipos de formação
e de níveis técnicos e econômicos e, de outro, nas formas de projeção de
atividades sobre o espaço.
Através dessa nova visão, pode-se entender o processo de modifica-
ções dos serviços, decorrente desse atual grau de complexidade. Diante

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desse novo arranjo, estabelecem-se renovados padrões de localização das
plantas industriais, modificando-se os fluxos e, consequentemente, os meios
de comunicação, tomando o espaço geográfico a feição de um novo perío-
do. Nesse sentido, o terciário vem à tona numa diversidade nunca vista.
No desenvolvimento do terciário até sua configuração atual, para Lipietz
(1984), “há, de um lado, regressão das formas pré- ou arqueocapitalistas; de
outro lado, proliferação autônoma do terciário moderno” sob a divisão do
trabalho nas relações capitalistas. Assim, ele enumera:

1. A divisão manufatureira do trabalho autonomiza, no próprio interior das


empresas do setor secundário, as funções intelectuais; 2. A divisão social do
trabalho autonomiza as atividades terciárias em um setor terciário; 3. A acumu-
lação capitalista em geral e mais particularmente esse processo de divisão do
trabalho exige o desenvolvimento de um setor especialmente destinado à repro-
dução ampliada das “condições exteriores gerais” do desenvolvimento capitalis-
ta (administração, ensino, saúde etc.) (p. 192).

A necessidade de uma nova conceituação é premente, sobretudo, no


momento atual, em que os fenômenos se dão com maior celeridade. O
ritmo frenético com que os processos fluem tornam tanto mais complexas
as inter-relações intrínsecas às atividades terciárias quanto à compreen-
são dessas como um todo. Sobre isso, cabem aqui as palavras de Santos
(1982, p. 58-59):

Cada nível qualitativo e quantitativo da atividade terciária corresponde a uma


forma particular da divisão do trabalho internacional e interna a cada país. A
definição qualitativa e quantitativa do terciário correspondente a cada país
depende, de um lado, das formas de realização da vida coletiva e, de outro lado,
das formas de inserção do país no âmbito da economia mundial.

A divisão tradicional de setores econômicos já não tem a mesma


aplicabilidade na época em que vivemos, já que a produção de muitos
bens agregam trabalho provindo de múltiplas atividades terciárias, antes
inexistentes. No entender de Castells (1999, p. 227), “à medida que as
economias se tornam mais complexas, devemos diversificar os conceitos
usados para categorizar as atividades econômicas”.
Um dos problemas de mensuração e de cognição está relacionado ao
fato da pretensa autonomia dos setores da economia (agricultura e indús-

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tria), que caracterizavam um conjunto fechado de etapas da produção de
um bem.
A não materialidade, também aplicada usualmente para delimitar os
serviços, é considerada por Offe (1991, p. 13) como uma característica
negativa de ser trabalhada: “[...] desde que ele não se materializa em um
produto físico, o resultado do serviço não pode ser transferido no tempo e
no espaço, isto é, nem estocado, nem transportado”.
Para Gaspard (1989), os serviços criam a riqueza como conjunto de
atividades cujos produtos são imateriais, tornando-se a parte mais dinâ-
mica da economia, enquanto para consumir um bem é necessário ter
meios para que se possa fazê-lo, ficando, assim, os serviços responsáveis
pela movimentação, articulação e dinamização da economia. Ainda mais,
muitos produtos agregam substanciais componentes oriundos de atividades
do terciário. Nesse quadro, é notável o aumento do desenvolvimento
econômico-social global, que se caracteriza pelo desmesurado consumo
de bens e serviços, ocorrentes pelas necessidades fisiológicas e pelo poder
aquisitivo gerado pelas novas formas terciárias. Assim, os serviços têm
ficado no centro da organização social, com o surgimento de novas
atividades geradoras e outras novas atividades a partir de necessidades
criadas, garantindo seu potencial de negócio na criação de empregos e,
principalmente, em sua vertebração territorial.
Verifica-se que essa divisão tradicional dos setores econômicos crista-
lizou-se diante dos olhos dos estudiosos. Mesmo com inúmeras tentativas
de reclassificação dos setores econômicos, as atenções sempre acabaram
por se voltar à tentativa de “conserto” de uma classificação já firmada.
Santos (1982) atribui a problemática terciária e suas interpretações
ao movimento desigual e combinado do capital pelo território (desde quando
eram simples atividades de intercâmbio), concorrendo para o surgimento
de “novos fenômenos”, entre eles, os serviços modernos.
Os serviços modernos, também chamados de terciário superior
(JIMÉNEZ; UTRILLA, 1992; SANTOS, 1982), são aqueles que melhor ex-
pressam a concretude do espaço atual, as novas formas de organização do
trabalho e as relações de interdependência entre as atividades econômicas.
A superação da forma de pensar a economia, a partir da divisão clás-
sica de Colin Clark, não se dá apenas em criticá-la, mas perpassa refle-

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xões acerca da compreensão do fenômeno terciário no contexto histórico
mundial, a partir do desenvolvimento das forças produtivas e da divisão
social do trabalho, como encontramos em Lipietz (1984). Não quer dizer
que se demande e concretize necessariamente uma nova classificação,
mas buscar a compreensão da realidade do setor terciário, levando em
consideração sua dinâmica.
Para Chesnais (1996), o problema ocorre no processo de análise dos
serviços pelo viés “residual”, tornando a interpretação equivocada “pela
falta de um quadro teórico global, que permitisse apreciar melhor o lugar
hoje ocupado pelos serviços no movimento do capitalismo contemporâ-
neo e de seu modo de acumulação, como um todo”. Para esse autor, os
serviços seriam um desdobramento do processo de acumulação e, portan-
to, “uma nova fronteira para a mundialização do capital”.
Razões diversas estão imbricadas no movimento de
internacionalização dos serviços, entre elas “a homogeneização da de-
manda, em torno das normas de ‘consumo’ do capitalismo avançado, que
são intensivas em serviços mesmo quando se referem a bens [...]” (ibidem,
p. 185). Adiante, acrescenta, como uma causa, os interesses de “grupos
industriais, ciosos de manter sua ascendência sobre certas importantes
atividades de serviços, complementares às suas operações centrais” (idem).
O domínio dessas atividades reforça o maior controle da reprodução do
capital. Nesse sentido, é exemplar a organização das empresas pelos
tecnopolos (LIMA, 1994), onde os serviços modernos se imbricam com as
atividades produtivas, segundo as especificidades de cada lugar.

4. Relações intrínsecas dos serviços

A expansão dos serviços está ligada à disposição de absorver e assi-


milar as atividades modernas no âmbito particular do desenvolvimento de
cada economia, como abordara Kon:

O crescimento do setor de serviços e suas implicações sobre a reestruturação das


economias apresentam diferentes impactos sobre as estruturas produtivas, de
acordo com o nível de desenvolvimento das economias e a capacidade de
aumentar os investimentos na modernização tecnológica e na qualificação da

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força de trabalho, a fim de enfrentar as necessidades de novas tarefas técnicas
dos processos modernos de produção organizacionais (KON, 1997, p. 151-152).

A espacialização dos serviços não ocorre aleatoriamente, mas em


sintonia com a reprodução do capital e as especificidades do lugar. Desse
modo, os conteúdos técnicos e as diferentes rugosidades existentes no
território contribuem sobremaneira para a presença e a diversidade dos
serviços. Respondem diretamente ao tipo de atividade que é desenvolvida
no lugar, às demandas e ofertas e ao nível técnico dominante, como bem
expressam Jiménez e Utrilla (1992, p. 51):

Este espacio, como es bien sabido, no es neutro, sino está dotado de aptitudes
desigualmente repartidas para el emerger de dichas actividades: cantidad y
calidad de infraestructuras de toda clase, volumen y poder de consumo de la
clientela, etc.

Para o entendimento da espacialização dos serviços, Jiménez e Utrilla


(1992, p. 51-52) dizem ser imprescindível a análise de inúmeros compo-
nentes diferenciados:
a) território onde se produz ou se consome serviços, como área de
comunicação (rádio, TV etc.);
b) organização da produção de serviços (grandes corporações, insti-
tuições político-administrativas etc.);
c) áreas modeladas pelas atividades de serviços ou a eles
entrelaçadas;
d) relações espaciais exigidas pelos serviços, como nós de redes;
e) espaço com características culturais ligadas aos serviços.

O desigual volume de serviços alocados no centro e na periferia das


cidades demonstra a contradição da sociedade da mercadoria. Desse modo,
é preciso a compreensão desses fenômenos não como categorias
antagônicas, mas como constituintes de um par dialético, ou seja, para
compreender a periferia é necessário achegar-se ao sentido do que seja o
centro e vice-versa.
O estudo desses pontos nevrálgicos encaminha-se à proposta formu-
lada por Harvey (1980), em seu estudo sobre a localização e o acesso aos
equipamentos urbanos nos grandes centros. As questões de distância e

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acessibilidade aos serviços urbanos são longamente discutidas, pois per-
passam dimensões outras ligadas à maneira como estão dispostos os ser-
viços, a tensão entre centro e periferia, a distribuição da renda e as impli-
cações do esboço locacional desses objetos na demanda e nos fluxos por
eles gerados, bem como na reorganização do território.
Nesses moldes, o território é planejado como pano de fundo para a
reprodução das condições de existência prevalentes. No que tange às trans-
formações ocasionadas pela localização dos equipamentos urbanos e, por
conseguinte, dos serviços ofertados, convém apontar os escritos sobre o
planejamento urbano e seus reflexos na conformação territorial:

El planeamiento, además de las circunstancias territoriales regionales y locales,


ha de estar atento a las necesidades de este tipo de actividades y las conexiones
con el “exterior”; a la par que se buscan soluciones a las necesidades de estos
servicios, éstos se pueden utilizar como instrumentos de reequilibrio territorial, si
se les da el tratamiento adecuado (JIMÉNEZ; UTRILLA, 1992, p. 85).

O planejamento dos lugares para a implantação de equipamentos e


serviços é considerado um instrumento de materialização dos interesses
do capital hegemônico. Harvey (1980) escreve, por esse mesmo viés, acerca
do planejamento urbano e das implicações diretas e indiretas em função
da escolha das localizações dos serviços sobre o ritmo de vida dos residen-
tes. Os passos dos residentes não acompanham os rastros do capital. O
terciário, enquanto materialização do modo de produção, se reproduz rapi-
damente alheio à vontade dos trabalhadores. A celeridade com que os
processos sociais ocorrem, no momento atual, movidos por um aporte
técnico-científico-informacional, faz pensar a crise no sistema capitalista
como um momento de transição intrínseco à modernidade vivida e o pa-
pel que desempenha o terciário nesse contexto de ebulição em busca de
algo novo, refletindo o que diz Santos:

O fato de que o processo de transformação da sociedade industrial em sociedade


informacional não se completou inteiramente em nenhum país, faz com que
vivamos, a um só tempo, um período e uma crise, e assegura, igualmente, a
percepção do presente e a presunção do futuro, desde que o modelo analítico
adotado seja tão dinâmico quanto à realidade em movimento e reconheça o
comportamento sistêmico das variáveis novas que dão uma significação nova à
totalidade (1998, p. 121-122).

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O que está em jogo aqui é um momento pelo qual passa a sociedade,
mas não o fato de que a sociedade caminhará para o enaltecimento dos
serviços em detrimento das atividades industriais. O estreito relaciona-
mento entre ciência e técnica demonstra muito mais uma interdependência
entre atividades econômicas que uma substituição de atividades industri-
ais pelo terciário. As atividades terciárias ganharam notoriedade, mas isso
não implica dizer que não permeiem a esfera da produção material. No
pensamento de Lojkine (2002, p. 242), encontra-se subsídio para esse ar-
gumento: “[...] não há crescimento de atividades de serviço (informacionais)
sem crescimento de atividades industriais. Ao contrário, o declínio de
atividades industriais provoca o declínio de atividades de serviço”. Essa
ideia pode ser reforçada pelo que diz Mérenne-Shoumaker (1996): “o de-
senvolvimento de um setor está atrelado diretamente ao crescimento do
outro”.
A apreensão aproximada da totalidade no hoje, emoldurado pelo
mundo moderno, torna-se passível de desvelamento quando se atenta para
a complexidade do real e os diversos novos fatores a serem tomados como
explicativos dessa realidade. A relação entre o “meio técnico-científico, a
percepção da simultaneidade dos acontecimentos, a unicidade técnica e
da mais-valia, os fluxos de informação superpostos aos fluxos de matéria”
(SANTOS, 1998) dão a medida de construto da realidade.
Os novos rumos tomados pela sociedade de economia globalizada,
orientada pela crescente centralização dos investimentos, tendem à
imbricação das diversas atividades econômicas. A interdependência entre
essas atividades é cada vez mais uma realidade, sendo complicado explicá-
las separadamente, como entende Castells:

além disso, o desenvolvimento da produção baseada na informação não se


limita à produção industrial: ela requer de facto, concomitantemente, a expan-
são dos chamados “serviços do produtor”, de tal forma que a distinção entre as
indústrias produtoras de mercadorias e as indústrias produtoras de serviços está
cada vez mais comprometida (1985, p. 8).

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5. Produtivo ou improdutivo?

Um ponto crucial de discussões dentro do corpo teórico do terciário


reside no caráter produtivo ou não dos serviços. Marx (1968) discute, na
perspectiva da realidade do século XIX, esse tema em “teoria da compen-
sação para os trabalhadores desempregados pela máquina” (p. 502-512) e
da “concepção errônea da economia política sobre a reprodução ampliada”
(p. 684-687). Nessas passagens, os serviços se apresentam como impro-
dutivos, considerados, evidentemente, em dimensões diferentes do que
se encontram na atualidade. Mesmo assim, Marx revela algumas indica-
ções úteis para se compreender a realidade do início do século XXI:

1. Embora a maquinaria despeça, necessariamente, trabalhadores nos ramos


onde se introduz, pode ela provocar acréscimo de emprego em outros ramos (p.
507); 2. Uma nova espécie de trabalhador aparece com a maquinaria [...] (p.
508); 3. o sistema fabril impulsiona a divisão social do trabalho; 4. o refinamento
e a diversificação dos produtos correspondem também a novas relações comer-
ciais com o exterior, criadas pela indústria moderna; 5. Formam-se, baseados
diretamente na maquinaria ou na transformação industrial geral ocasionada por
ela, ramos de produção inteiramente novos e, em consequência, novos campos
de trabalho (p. 510).

A ideia de que os serviços são improdutivos está ligada às explica-


ções de Marx sobre trabalho em “O Capital”, com base na estrutura das
etapas da produção. Prender-se a essa proposição significaria deixar de
lado algumas categorias de serviços (saúde, educação), que não desenvol-
vem um corpo material como produto final e, portanto, não geram mais-
valia, mas que são cruciais para a própria composição e caracterização do
terciário enquanto setor e, até mesmo, enquanto atividade. Em crítica à
Marx, Lipietz (1984, p. 183-184), afirma ser a questão do “trabalho produ-
tivo” largamente metafísica e que sua resposta seria politicamente
inoperante:

Em caso algum, o caráter ‘produtivo’ do trabalho bastaria para determinar a


posição política daqueles que nela estão implicados [...]. São as condições con-
cretas de sua subordinação ao capital e o estado da luta política e ideológica na
sociedade que determina a posição política diante das relações capitalistas dos
operários qualificados [...].

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Para Mandel (1985, p. 285), de acordo com a sistemática do capitalis-
mo tardio, há um ciclo que “consiste em converter, necessariamente, o
capital ocioso em capital de serviços e ao mesmo tempo substituir o capi-
tal de serviços por capital produtivo ou, em outras palavras, substituir
serviços por mercadorias”.
O processo de mudança do caráter do capital revela-se como um modo
de fazer circular o capital ocioso com celeridade, muito embora a massa
de mais-valia não seja aumentada. Assim, “[...] a fração da mais-valia
social global que provém do setor de serviços capitalistas é mais uma
dedução do que um acréscimo à mais-valia criada pelo capital produtivo”
(idem).
O cerne do debate está na incapacidade de se avaliar os serviços a
partir de mecanismos inerentes ao modo de produzir baseado na indús-
tria, sem incorrer-se em faltas ou injustiças. Lojkine (2002, p. 273) ex-
pressa sua preocupação e as limitações de análise dos serviços assim ela-
boradas:

A questão que atualmente se põe incide sobre a possibilidade de mensurar a


produtividade dos serviços modernos (pesquisa, banco de dados, cuidados hos-
pitalares, formação etc.) com os critérios de rentabilidade próprios da produção
industrial mercantil.

Se antes o terciário era improdutivo, na atual modernidade ele passa


a complementar as etapas da produção dos setores primário e secundário
que, de fato, sempre ocorrera. A mutabilidade ocasionada pelos fenôme-
nos técnicos e científicos fá-lo assentar-se na mais recente modernidade,
envolvendo todos os atores sociais. São esses fenômenos técnicos os res-
ponsáveis pela divisão do trabalho, inicialmente com a separação entre
agricultura e artesanato, aumentando a distância entre produção e consu-
mo, ocasionando uma maior necessidade de quantificação e qualificação
de serviços para dinamizar e otimizar as esferas da produção.
Na sociedade globalizada e fundamentada no meio técnico-científico
informacional, sói ocorrer a “interpenetração de funções produtivas e fun-
ções ditas improdutivas”, gerando o que Lojkine (idem) nomeou de “pro-
dutivos improdutivos e improdutivos produtivos”. Para o autor, essas no-
vas categorias de atividade são válidas dentro da nova realidade advinda
com a revolução informacional. Os serviços, antes considerados improdu-

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tivos, a partir da interpenetração entre as atividades, passam a oscilar
entre produtivos e improdutivos, portanto, podem apresentar esse duplo
caráter.
A duplicidade é, para Oliveira (1987, p. 57), cabível, pois “o trabalho
terciário não é produtivo (nem improdutivo) por si, mas na medida em
que não participa do processo produtivo de geração capitalista da mais-
valia social”. Portanto, para se conhecer a natureza do trabalho terciário, é
essencial descortinar-se primeiramente a esfera da produção em que a
atividade está inserida.

6. Da economia pautada na indústria à sociedade das atividades


terciárias...

A forma de produzir, tendo como base a indústria, foi durante os “trinta


anos gloriosos”, considerada como a única via de crescimento econômico
possível para os lugares. Nesse ínterim, o processo de modernização, tra-
zendo em seu bojo a urbanização, toma vulto, se espraiando pelos países de
forma desigual. Sobre isso, Santos (1998, p. 158) esclarece:

Há, pois, com a modernização, reformulação do sistema urbano e reordenamento


das cidades, como resultado das novas formas de realização da vida econômica
e social. Como a modernização não se dá de forma homogênea, há diversidades
segundo regiões e lugares, mas a realidade comum é a diferenciação e a com-
plexidade crescentes do fenômeno urbano e regional [...]

Com a ampliação espacial do domínio econômico das grandes em-


presas, recantos antes restritos à produção artesanal tornam-se unidades
produtivas mais competitivas, em virtude da invasão dos serviços moder-
nos agregados às inovações tecnológicas e organizacionais. Isso se aplica
aos lugares aos quais a modernidade chegou tardiamente, não havendo
uma consolidação histórica do processo local, tratando-se, assim, de uma
ação vertical dessas forças modernas. A existência de modernidades ou
verticalidades nos serviços de um determinado lugar indica sua inserção
no contexto mundial, porquanto tais modernidades são aplicações práti-
cas da tecnologia padrão, utilizada em diferentes interstícios espaciais de
todos os continentes.

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Nos dias atuais, contudo, é na cidade que se estabelecem os nós das
relações de funcionamento do mundo. À medida que o urbano absorve as
inovações, funções velhas tendem a ceder espaço para as dimensões glo-
bais, o que aparenta uma desconexão com a realidade. Nesse caso, pode-
se repetir o que diz Carlos (2000, p. 35): o espaço urbano aparece aos seus
habitantes como caótico e desordenado.
Na simbiose indústria-serviços, observamos a existência de um cres-
cente desuso de forças terciárias artesanais em contrapartida à auto-sufi-
ciência individual de se servir de um serviço, ou seja, a busca não está
mais para a procura de que alguém lhe faça uma tarefa, mas que o próprio
indivíduo a faça através da produção industrial. É uma condição pós-in-
dustrial com base nas inovações mais avançadas.
Assim, o espaço urbano hodierno é marcado por caracteres que lhes
são peculiares, cada vez mais subordinado às determinações do novo modo
de acumulação capitalista, cuja dinâmica depende das intensas e refina-
das inserções de objetos modernos, capazes de subverter o processo pro-
dutivo tradicional. É outra redefinição do espaço promovido pelas novas
determinações do terciário, cuja emergência e funcionalidade acompa-
nham as exigências do período técnico-científico-informacional – TCI. Este
é um fenômeno nascido no seio da modernidade, forçando a convergência
da ciência com a técnica, com o intuito de aumentar a produtividade e os
fluxos a ela correlacionados. O resultado desse processo foi a fragmenta-
ção da grande indústria fordista, desmembrada em vários segmentos
alocados em diferentes pontos do planeta, em consequência de melhores
disponibilidades de comunicação e maior fluxo de informações. Assim, o
terciário emerge como a força motriz do novo quadro da produção, tanto
como reunificação do trabalho, quanto como redirecionador, em termos
quantitativos e qualitativos, dos postos de trabalho. Aparece, então, o
terciário enquadrado na definição a que foi primeiramente atribuído: como
a fase após o processo produtivo fabril que “corrigiria” os distúrbios produ-
tivos e empregatícios do modo de produção, como afirma Lipietz (1984).
O terciário desponta como um desdobramento do processo produtivo
em sua nova fase, cujo objetivo seria superar a negação do trabalho quan-
do diante da automação da indústria de meados do século XX. Sobre esse
fenômeno, frisa Debord (1997, p. 32):

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[...] é preciso que o mundo da mercadoria supere esta contradição: a
instrumentação técnica que suprime objetivamente o trabalho deve, ao mesmo
tempo, conservar o trabalho como mercadoria e como único lugar de origem da
mercadoria. Para que a automação, ou qualquer outra forma menos extrema de
crescimento da produtividade do trabalho, não diminua o tempo de trabalho
social necessário na escala da sociedade, é necessário criar novos empregos.

Ao tempo em que a automação ou a nova divisão do trabalho supri-


me postos de trabalho, na produção direta, eleva-se o contingente de ocu-
pações no terciário. O crescimento acentuado do terciário se deve, em
parte, ao momento atual do modo de produção, assolado por uma profun-
da crise categorial de negação de sua essência: o trabalho. Para Debord
(1997), os serviços como parte do terciário, são uma forma de suporte bem
como de tentativa de superação da crise gerada pela automação:

O setor terciário, de serviços, é a imensa extensão das linhas do exército que


distribui e promove as mercadorias atuais; o imperativo de organização desse
trabalho de suporte, com a mobilização dessas forças supletivas, decorre da
própria artificialidade das necessidades relacionadas a tais mercadorias (idem).

Por sua natureza mutável é que o terciário se encaixa na ideia de


modernidade aventada por Berman (1986, p. 15), ao considerá-la como
“um tipo de experiência vital – experiência de tempo e espaço, de si mes-
mo e dos outros, das possibilidades e perigos da vida – que é compartilha-
da por homens e mulheres em todo o mundo, hoje”. Suas dimensões espa-
ço-temporais impõem as conexões dos fluxos, tornando-os fenômenos
geográficos.
O mundo intensifica sua globalização intermediada pela revolução TCI
que lhe serve de base para a formação das redes geográficas. A união entre
os pontos constituintes dessa rede tornou-se possível através do elo forneci-
do por esse meio, pois “a ciência e a tecnologia, junto com a informação,
estão na própria base da produção, da utilização e do funcionamento do
espaço e tendem a constituir o seu substrato” (SANTOS, 1999, p. 190).
Os fluxos de informação são cada vez mais acentuados pelas inova-
ções técnico-científicas, portanto, à medida que se avolumam essas inova-
ções, há a necessidade de fazê-las circular com maior fluidez, pois a socie-
dade da mercadoria alimenta-se do fluído informacional que por sua vez foi
engendrado por essa mesma sociedade. Cria-se, dessa maneira, um meca-

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nismo sem o qual o sistema regido pelo mercado sucumbiria: a
imprescindibilidade da informação. Essa realidade é reafirmada por Santos:

[...] a informação não apenas está presente nas coisas, nos objetos técnicos, que
formam o espaço, como ela é necessária à ação realizada sobre essas coisas. A
informação é o vetor fundamental do processo social e os territórios são, desse
modo, equipados para facilitar a sua circulação (ibidem, p. 191).

A revolução informacional serve, pois, muito mais para revelar a


interdependência entre as atividades industriais e terciárias que para legi-
timar qualquer espécie de ruptura ou divisão entre ambas. Não se pode
falar, portanto, de uma sociedade pós-industrial, onde as atividades indus-
triais serão substituídas pelas terciárias, mas, antes, que haverá uma
imbricação cada vez mais acentuada entre elas, recentemente ressaltada
por Lojkine:

[...] a revolução informacional coloca no primeiro plano as potencialidades e a


exigência de superação desta divisão – as redes tele-informáticas e os bancos de
dados setoriais já inscrevem nos fatos (apesar das enormes pressões da rentabi-
lidade e da tecnocracia) uma estreita interconexão entre produção e serviços
[...] (LOJKINE, 2002, p. 308-309).

7. Observações finais

A palavra serviço é amiúde empregada para significar tudo que não


se enquadra nas demais atividades produtivas. O fenômeno de recrudes-
cimento dos serviços corrobora para a desmistificação do que se coloca
como sociedade pós-industrial, pois apesar da representativa diminuição
do número de empregos e da estagnação da atividade industrial, como
mostram Granrut (1992) e Gaspard (1989) em seus respectivos trabalhos,
o poder da produção em nada foi reduzido, pelo contrário, foi otimizado e
proporcionou maior impulso e controle da produção pelos serviços, princi-
palmente a partir da década de 1990.
O incessante processo de divisão e especialização do trabalho propi-
ciou o aumento da diversidade dos serviços. As atividades terciárias torna-
ram-se mais relevantes, pelo fato de ocuparem funções insubstituíveis
nos interstícios ou nas etapas da produção das mercadorias. Os serviços,

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através dos escritórios administrativos, constituem, hoje, os grandes cen-
tros de poder da sociedade moderna, muito embora não se possa pensar
as atividades terciárias dissociadas da produção em geral. Atualmente,
nada no espaço geográfico está livre da necessidade dos serviços. Nem as
empresas, nem o indivíduo que vive isolado, nem o Estado. Para que
funcione o espaço geográfico, é de grande importância o suporte à fluidez
e à competitividade dos fluxos proporcionados pelo terciário e que respon-
dem a um ritmo espontâneo de polarização de mais serviços, garantindo a
vitalidade do sistema produtivo.
É viável, para o estudo do terciário, a contextualização de seu concei-
to na dimensão em que se pretende estudar, já que cada nível da atividade
terciária corresponde a uma forma particular da divisão do trabalho dentro
da evolução do processo produtivo mundial.
A prudência, na discussão sobre os serviços, se faz necessária, por-
que os conteúdos técnicos se modificam constantemente, assim como a
simultaneidade dos acontecimentos dá a medida exata da fragilidade de
se cristalizar um conceito acerca de fenômeno polêmico e dinâmico.
O momento é de reflexão, já que os serviços aparentemente tomam
a dianteira no que se refere aos centros do mandar, contudo, permanecem
dependentes das atividades industriais. A revolução TCI proporcionou vários
fenômenos, entre eles a fragmentação da indústria, mostrando que de
suas entranhas brotaram os serviços como complementares a essa
atividade.
Esse crescimento acelerado é resultado do processo contraditório de
expansão do capital na produção de mais-valia, sob a forma de um grande
espetáculo. Para Debord (1997, p. 30), “o espetáculo é o momento em que
a mercadoria ocupou totalmente a vida social”.
Chegar-se a construir critérios flexíveis e dinâmicos, capazes de expli-
carem os serviços diante das mudanças às quais está submetida a socie-
dade, seria um grande avanço na tessitura teórica da literatura própria ao
terciário.

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Notas

1
Tradução nossa.

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Recebido em: 30/10/2009


Aceito em: 08/12/2009

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