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Nº 29

Lugar Comum – Estudos de mídia, cultura e democracia


é uma publicação vinculada a professores e pesquisadores do Laboratório Território e Comu-
nicação – LABTeC/UFRJ e à Rede Universidade Nômade.
Av. Pasteur, 250 – Campus da Praia Vermelha
Escola de Serviço Social, sala 33
22290-240 Rio de Janeiro, RJ

EQUIPE EDITORIAL
Alexandre do Nascimento
Alexandre Mendes
Barbara Szaniecki
Fábio Malini
Felipe Cavalcanti
Francini Guizardi
Gerardo Silva
Gilvan Vilarim
Giuseppe Cocco
Leonora Corsini
Pedro Mendes

DESIGN: Barbara Szaniecki


REVISÃO DE TEXTOS: Leonora Corsini.

CONSELHO EDITORIAL
• Alexander Patez Galvão - Rio de Janeiro, Brasil • Ana Kiffer - Rio de Janeiro, Brasil • Antonio Negri - Roma, Itália
• Caia Fittipaldi - São Paulo, Brasil • Carlos Alberto Messeder - Rio de Janeiro, Brasil • Carlos Augusto Peixoto Jr.
- Rio de Janeiro, Brasil • Christian Marazzi - Genebra Suíça • Elisabeth Rondelli - Rio de Janeiro, Brasil • Henrique
Antoun - Rio de Janeiro, Brasil • Inês de Araújo – Rio de Janeiro, Brasil • Ivana Bentes - Rio de Janeiro, Brasil • Karl
Erik Scholhammer - Rio de Janeiro, Brasil • Márcia Arán – Rio de Janeiro, Brasil • Maria José Barbosa - Belém,
Brasil • Maurizio Lazzarato - Paris, França • Micael Herschmann - Rio de Janeiro, Brasil • Michael Hardt - Durham,
Estados Unidos • Michèle Collin - Paris França • Patrícia Daros - Rio de Janeiro, Brasil • Paulo Henrique de Almeida
- Salvador, Brasil • Paulo Vaz - Rio de Janeiro, Brasil • Peter Pál Pelbart - São Paulo, Brasil • Rodrigo Guéron - Rio de
Janeiro, Brasil • Suely Rolnik - São Paulo, Brasil • Tatiana Roque - Rio de Janeiro, Brasil • Thierry Baudouin - Paris,
França • Yann Moulier Boutang - Paris, França •

Lugar Comum – Estudos de Mídia, Cultura e Democracia


Universidade Federal do Rio de Janeiro. Laboratório Território e Comunicação –
LABTeC/ESS/UFRJ – Vol 1, n. 1, (1997) – Rio de Janeiro: UFRJ, n. 29 set.-dez. 2009

Quadrimestral
Irregular (2002/2007)

ISSN – 1415-8604
1. Meios de Comunicação – Brasil – Periódicos. 2. Política e Cultura – Periódicos.
I Universidade Federal do Rio de Janeiro. Laboratório Território e Comunicação.
LABTeC/ESS.
CDD 302.23
306.2
EDITORIAL 7

UNIVERSIDADE NÔMADE
• Para introduzir “Otimismo da Razão” 11
Toni Negri
• O triunfo do cérebro 21
Alberto De Nicola
• As condicionalidades do Programa Bolsa Família:
o avesso da cidadania 33
Marina Bueno
• Seis de dezembro de 2009: o por quê do voto cidadão? 47
Oscar Vega Camacho
• Por que Luiz Inácio desagrada a Caetano Veloso 51
Marta Peres

INTERSEÇÕES RAÇA/GÊNERO/CLASSE
• Apresentação 57
• O Devir-“Mulher Negra”:
uma proposta ontológica e epistemológica 59
Vanessa Santos do Canto
• Devir mulher do trabalho e precarização da existência.
A centralidade dos componentes afetivos e relacionais
na análise das transformações do trabalho 81
Lucia del Moral Espin e Manu Fernández García
• A discriminação do negro em Cuba:
causas e consequências 99
Dimas Castellanos
• A ideologia da miscigenação e as relações
interraciais no Brasil 117
Otávio Velho
• Os riscos da comunidade capturada X
a plataforma da “favelania” 129
Pedro Cláudio Cunca Bocayuva
NAVEGAÇÕES
• O desmoronamento da verdade social
na Colômbia de Camilo Torres 153
Alejandro Sánchez Lopera
• Trabalho Vivo em Ato na Defesa da Vida
Até na Hora de Morrer 187
Magda de Souza Chagas e Emerson Elias Mehry
• Poder constituinte e poder constituído:
os conceitos de Antonio Negri aplicados às
alterações constitucionais em Portugal e no Brasil 205
Maíra Tito
• Legados/efeitos de Félix Guattari 227
Sylvio Gadelha

ARTE, MÍDIA E CULTURA


• Laroyê Exú! O “Trabalho” de Ronald Duarte 245
Barbara Szaniecki
• Proximidades Metropolitanas 249
Cecília Cotrim
• Imagem polida, imagem poluída:
artifício e evidência na linguagem visual contemporânea 263
Marcos Martins

RESENHAS
• Segurança, Território, População 282
Por Wanessa Canellas
• A People’s History of the United States 284
Thaddeus Gregory Blanchette

RESUMOS 287
Arte, Mídia e Cultura
LUGAR COMUM Nº29, pp. 245- 248

Laroyê Exú! O “Trabalho” de Ronald Duarte103

Barbara Szaniecki

Morador de Santa Teresa, Ronald Duarte decidiu “mostrar” o monstro


carioca: a violência que irrompe a qualquer momento do cotidiano aparentemente
tranquilo de um povo que se diz “cordial”. É difícil simplesmente mostrá-lo quan-
do os meios de comunicação monopolizam os discursos e estigmatizam os jovens
mestiços que escolheram o tráfico de drogas (e, portanto, o porte de armas de fogo
de grosso calibre) como forma de vida. Por sinal, Santa Teresa não é o único bair-
ro do Rio de Janeiro a se encontrar frequentemente sob os “fogos cruzados” entre
traficantes de drogas, ou entre polícia e traficantes. Ronald não pretende fazer eco
ao discurso midiático que decide onde se encontra o “Bem” e onde se encontra o
“Mal”, assim como não pretende fazer a apologia da violência, mas simplesmente
“mostrá-la” para que ela não se torne um assunto tabu. Recorre então a sua práti-
ca de religião afro-brasileira. O candomblé é politeísta e, logo, não maniqueísta.
Suas divindades consistem em doze orixás que, como os homens e as mulheres,
possuem muitas qualidades e defeitos. Nem Deus nem Diabo, Exu – orixá da
terra, da potência, do sexo, do movimento e da comunicação – é ambivalente na
medida em que o sentido de suas ações deve ser construído pela comunidade. Em
2001, tal como Exu convoca seus guerreiros e joga sangue sobre a terra, Ronald
chama seus amigos e inunda as ruas da cidade com água misturada a pigmento
vermelho e lançada de um caminhão-pipa. “O Q Rola Você V” (2001) abre então
a guerra dos debates midiáticos e artísticos sobre a guerra no Rio de Janeiro. A
ação, registrada em vídeo, lança a série “Guerra é guerra”.
São 3 horas da madrugada em Santa Teresa, e Xangô – o orixá da guer-
ra cujos elementos são o ferro e o fogo – é invocado com “Fogos Cruzados”
(2002). Ronald reúne artistas e pessoas do bairro para pôr fogo nos 1500 metros
de trilhos do bondinho. Um velho ditado diz “quem brinca com fogo pode-se
queimar”. No Rio, não se brinca com fogo, ou seja, com o biopoder policial que
decide sem hesitar quem pode matar ou não, de acordo com sua cor de pele.

103 Texto originalmente publicado na revista MULTITUDES, número 40 :http://multitudes.


samizdat.net/.
246 LAROYÊ EXÚ! O “TRABALHO” DE RONALD DUARTE

Por precaução, camisetas foram serigrafadas com o nome “Ronald” e


foram distribuídas entre os participantes do ritual, de modo que quando a polícia
chegou e perguntou pelo artista, encontrou-se frente a uma legião. Coube, pois, à
multidão reunida em volta desses trilhos ardentes decidir – e não “julgar” – que
sentido atribuir à violência dos jovens que vivem nas favelas cariocas cobertos
de armas e cheios de cocaína.
“A Sangue Frio” (2003) coloca em cena seu destino: blocos de gelo de
cerca 1 metro, tal como são vendidos no comércio, foram enrolados pelos cober-
tores que moradores de rua costumam usar para se proteger, manchados de coran-
te vermelho e espalhados pelo centro da cidade sob olhares de indiferença. O tema
e a inquietação provocada pela violência permanece na performance “Traçantes”
(2003) que simula, sobre o corpo do artista, a trajetória luminosa de “balas perdi-
das” que, contrariando a sua denominação, vitimam muitos corpos.
As referências afro-religiosas também estão presentes em “Pisando em
Ovos” (2005), intervenção urbana envolvendo cerca de vinte artistas coordenados
por Ronald e utilizando mais de 3000 ovos na Esplanada dos Ministérios de Bra-
sília. Caminhar sobre ovos indica a prudência necessária para não reproduzir as
denúncias midiáticas de corrupção no governo, de modo a poder atribuir outros
sentidos aos eventos. A possibilidade da passagem de uma política da represen-
tação a uma radicalização democrática é apresentada por um “ebó” que renova
as energias de Brasília. Da capital federal planificada, símbolo da modernidade
brasileira, nos dirigimos em seguida para a desmedida periferia do Rio de Janeiro.
Realizada com Aderbal de Ashogum, “Treme Terra” (2006) é uma construção de
esculturas sonoras com cinquenta “atabaques” de oito terreiros de Candomblé da
Baixada Fluminense.
Se Exu é a referência na série sobre a guerra, Oxalá é o orixá chama-
do em “Nimbo Oxalá”, escultura efêmera de liames duráveis ou não, realizada
em várias cidades do Brasil e do mundo. Os participantes reunidos em círculo,
sexta-feira ao meio dia, todos vestidos de branco e, com extintores de fogo na
mão, formam uma imensa nuvem ao som dos tambores. Aqui não há procura de
paraíso perdido ou de inocência primitiva em algum mito da criação que possa
seduzir turistas doentes de civilização. Tal como Exu e Oxalá, Ronald abre ca-
minhos para a criação artística e a transformação social com seu engajamento
no coletivo artístico Imaginário Periférico, na revista de arte e política Global/
Barbara Szaniecki 247

Brasil e na rede Universidade Nômade que milita pela democratização do acesso


a universidade brasileira. Apesar da forte presença dos elementos da natureza, o
“trabalho” de Ronald é profundamente ligado às lutas sociais das metrópoles e
se desdobra num contexto de uma rica produção de imagens e de sons vinda das
favelas e da periferia – grafite, música, fotografia, cinema e audiovisual em geral.
Essa produção é imediatamente integrada na economia formal sob a etiqueta “es-
tética da periferia” por um lado e, por outro, alimenta um circuito de vendedores
ambulantes – os camelôs igualmente perseguidos pelas “forças da ordem” – po-
tencializando, na própria economia alternativa, seus sentidos simbólicos. “Funk
da Coroa” (2007) confirma esse agenciamento da religião com os movimentos
sociais urbanos. Após séculos de perseguição, o samba ganhou estatuto de arte e
a capoeira aquele de esporte. Agora é a vez do “funk” ser combatido pela mídia e
pela polícia sob pretexto de apologia da violência do narco-tráfico ou de exaltação
da sexualidade. No Museu Imperial de Petrópolis, Ronald substitui a paisagem
bucólica que desponta pelas grandes janelas da Sala de Música pelas fotos do
Morro da Coroa, uma das favelas mais violentas do Rio de Janeiro, e sintoniza um
funk “proibidão”. O museu desliga.
Finalmente, todos os circuitos abertos por esses agenciamentos – comu-
nicação vertical entre a terra e o céu ou entre o evento e o eterno, mas sobretudo
conexão horizontal entre todas as singularidades de uma comunidade efêmera e
fugidia – apresentam-se como resistências à regulação biopolítica das circulações
materiais e simbólicas. Essas resistências não deveriam, por conta de suas apa-
rências exóticas, serem interpretadas como “pré-mídias”, mas como fenômenos
da era “pós-mídia” (Guattari, 1996) e também, na medida em que o capitalismo
contemporâneo, dito cognitivo, procura seus modelos pelo lado da arte (Moulier-
Boutang, 2007), da era “pós-arte-contemporânea” . Mais do que origens africa-
nas, é um devir brasileiro (Cocco, 2009), ao mesmo tempo mortal e vital que o
“travail” de Ronald Duarte exprime. E, através dele, o artista comunicador-conec-
tador imprime novos sentidos a formas de vida que, frequentemente apresentadas
como violentas, tornam-se novamente potentes. Laroyê Exú!104

104 “Laroyê Exu!”: saudação a Exu, orixá da comunicação.


248 LAROYÊ EXÚ! O “TRABALHO” DE RONALD DUARTE

Referências

COCCO, Giuseppe. Mundobraz: o devir Brasil do mundo e o devir mundo do Brasil.


Rio de Janeiro: Record, 2009.
GUATTARI, Félix. Vers une ère post-média. Texto inédito de outubro 1990, publica-
do na revista Chimères, número 28, primavera-verão 1996. http://biblioweb.samizdat.
net/article26.html.
MOULIER BOUTANG, Yann. Le capitalisme cogniti – la nouvelle transformation.
Paris: Éditions Amsterdam, 2007, p. 109.

Barbara Szaniecki é formada pela École Nationale Supérieure des Arts Décoratifs
de Paris e atua como designer no campo social e cultural. Mestre e Doutoranda do LaRS (La-
boratório de Representação Sensível) do Departamento de Artes e Design da PUC-Rio, é co-
editora das revistas GLOBAL/Brasil e LUGAR COMUM, ambas da Universidade Nômade e
autora de Estética da Multidão.

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