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INTRODUÇÃO
OS DOENTES
Foram encontrados dois cativos relatados como doentes de asma4 nos inventários
analisados e um escravo descrito como “doente da puxeira”5; essa última enfermidade podia
ser asma ou bronquite (NASCIMENTO, 2003; COSTA NETO; PACHECO, 2005). É
importante destacar o levantamento de mais três escravos “doentes do ar”,6 no qual não se
sabe, ao certo, a especificidade desse mal, mas infere-se que ser “doente do ar” é estar
acometido por alguma patologia que afeta o sistema respiratório. Acrescentam-se cinco
escravos encontrados nos inventários como “doente do estalecido”,7 moléstia relatada por
Aulete (1964, p. 1590) como sendo “asmático; doente do peito”, que significa,
respectivamente, asma e tuberculose, ou seja, não se pode determinar qual das duas moléstias
esses cativos carregavam em seu corpo, se asma ou tuberculose. As enfermidades podem ser
visualizadas conforme demonstra a tabela:
Tabela 1 – Enfermidades
NOME IDADE QUALIDADE OCUPAÇÃO ENFERMIDADE
Clementina 22 anos parda ___ Doente de asthma
Venancia 24 anos crioula ___ Sofre de asma
Calista 40 anos africana ___ Doente da puxeira
Geronima 6 anos crioula ___ Doente do ar
Joaquim 8 anos Crioulo ___ Doente do ar
Braz 53 anos cabra Serviço de carpina Doente do ar
Francisca 12 anos cabra ___ Doente do estalecido
João 25 anos mulato ___ Doente do estalecido
Domingas 30 anos mina ___ Doente do estalecido
Andre 36 anos angola ___ Doente do estalecido
Antonio 106 anos Haussá Serviço da roça Doente do estalecido
Fonte: Arquivo do Fórum João Mangabeira. Vitória da Conquista – Bahia. 1ª Vara Cível.
Nos registros estudados, conforme a tabela, em relação à idade, havia uma variação
entre 06 e 106 anos de idade. Em relação ao sexo, cinco eram homens e seis eram mulheres.
Dentre as ocupações, foi encontrado serviço da roça e de carpina. Quanto à origem, tem-se
quatro escravos originários da África (africano, angolano, Haussá e Mina) e 11 de
“qualidades” distintas (crioulo, cabra, mulato e pardo). Para referir-se à “qualidade”, Paiva
(2012, p. 20) argumenta que “as ‘qualidades’, portanto, diferenciavam, hierarquizavam e
classificavam os indivíduos e os grupos sociais a partir da origem e/ou do fenótipo e/ou da
ascendência deles”, fazendo compreender que eram dadas diferentes denominações aos
negros africanos e seus descendentes nascidos no Brasil, cujos filhos eram frutos da
miscigenação. Assim, Ivo (2012, p. 20) conclui: “desta maneira, a ‘qualidade’ na descrição
coetânea é usada pelos termos brancos, pretos, negros, crioulos, pardos, mulatos, cabras,
mamelucos, curibocas, caboclos e cafusos”.
Em relação às enfermidades, na literatura contemporânea a asma é definida como uma
inflamação das vias aéreas – caracterizada pelo estreitamento dos brônquios, gerando
dificuldade do fluxo respiratório –, já a bronquite é a inflamação dos brônquios. Ambas as
patologias apresentam sintomas semelhantes, manifestam-se com episódios de falta de ar,
cansaço, chiado no peito, associados à tosse seca ou produtiva persistente (SILVA, 2001;
RUFINO, 2001). Alguns fatores coadjuvantes que potencializam os sintomas dessas duas
enfermidades são infecções respiratórias virais, baixo peso ao nascer, condições alimentares
precárias e parasitoses. Não muito diferente, no Oitocentos, Chernoviz (1904) traz o conceito
de asma.
O MAL RESPIRATÓRIO
De acordo com Furtado e Ferreira (2002), um dos agravantes das doenças respiratórias
é a pontada pleurítica, que vem acompanhada de dor no peito e sintomas como boca amarga,
falta de apetite, estômago duro, ânsia e vômitos. Segundo o autor, “costumam, pela maior
parte, as pontadas pleuríticas degenerarem em catarrões” (FURTADO; FERREIRA, 2002, p.
257), por isso a necessidade de medicamentos para a expectoração, pois, eliminada a
secreção, os demais sintomas, como a febre, a falta de ar, a dor no peito e a prostração, irão
melhorar.
Em relação às puxeiras, como asmas e bronquites, Furtado e Ferreira (2002, p. 369)
trazem receitas de alguns remédios, cujo principal objetivo é a expectoração. Entre elas cita:
“em uma tigela de caldo-de-galinha se deite espírito de tabaco de três até doze pingas, se tome
em jejum e de tarde [...]”. Os autores abordam também a asma seca – sem catarros, mas com
grande falta de ar –, cujo tratamento era colocar os pés em água quente.
Para o tratamento da asma, Chernoviz (1904, p. 1389) indica “aplicar sinapismos
Rigollot nas pernas” e oferecer ao doente água fria com vinagre ou com cinco gotas de
láudano de Sydenham. Essas e outras indicações variam de paciente para paciente, pois o que
faz efeito em um pode não fazer em outro. É importante também deixar o doente sentado e
tirar as roupas que possam constranger o peito; o ambiente de repouso precisa estar bem
arejado, as janelas abertas e higienizado. Entre os intervalos das crises, deve-se evitar andar
contra o vento, correntes de ar e mudanças bruscas de temperaturas. Chernoviz (1904)
descreve alguns tratamentos em comum, conforme o estágio das asmas e bronquites, a
exemplo de bebidas emolientes, como infusão de flores de malvas e xaropes expectorantes.
Dessa forma, segundo Figueiredo (2006), no período que abrange os séculos XVIII e
grande parte do XIX, no que tange ao tratamento medicamentoso, os remédios para a cura
eram ministrados conforme os sintomas do paciente, devido à precariedade sobre a definição
das doenças.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os procedimentos e remédios utilizados na busca da cura, embora limitados, eram os
mecanismos que os curadores julgavam mais eficazes, a fim de diminuir os sintomas das
enfermidades que afetavam os pulmões. Com essa exposição acerca do tratamento de doenças
respiratórias no Oitocentos, pôde-se compreender como esses males eram tratados e de que
forma seus sintomas eram amenizados. Conclui-se, também, que doenças respiratórias
abordadas estavam intimamente ligadas às condições de vida dos escravos, devido à péssima
qualidade da alimentação, vestimenta, moradia e do trabalho.
REFERÊNCIAS
IVO, I. P. Homens de Caminho: trânsitos culturais, comércio e cores nos sertões da América
portuguesa. Século XVIII. Vitória da Conquista: Edições UESB, 2012.
KARASCH, M. C. A vida dos escravos no rio de janeiro (1808 – 1850). São Paulo:
Companhia das letras, 2000.
PAIVA, E. F. Dar nome ao novo: uma história lexical das Américas portuguesa e espanhola,
entre os séculos XVI e XVIII (as dinâmicas de mestiçagem e o mundo do trabalho). Tese de
Professor Titular em História do Brasil apresentada ao Departamento de História da
Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2012.
SCARANO, J. Negro nas terras do ouro: cotidiano e solidariedade século XVIII. São Paulo:
Brasiliense, 2002.
1
Doutoranda em Memória: Linguagem e Sociedade pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. e-mail:
priuesb@yahoo.com.br
2
Orientadora do Programa de Pós-Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade pela Universidade Estadual
do Sudoeste da Bahia. e-mail: naraivo@gmail.com
3
Sintomas são as queixas do paciente a respeito da doença, e sinais são as alterações percebidas por quem está
examinando.
4
Arquivo do Fórum João Mangabeira: Caixa Diversos (1870), Inventário de Maria Madalena Ferreira Campos
(1870). Caixa Inventário (1875 a 1876), Translado em razão da morte do Capitão Manoel Fernandes de Oliveira
Freitas (1876).
5
Arquivo do Fórum João Mangabeira: Caixa Diversos (1842), Inventário de Leonarda Maria Santa Anna (1842).
6
Arquivo do Fórum João Mangabeira: Caixa Diversos (1864), Inventário de Francisco Fortunato Pereira (1863).
Caixa Inventário (1860 a 1861), Inventário de Antonio Basbosa Coêlho (1862). Caixa Diversos (1844 a 1846),
Inventário de Manoel Fernandes de Souza (1845).
7
Arquivo do Fórum João Mangabeira: Caixa Avulsos (2), Inventário de Eufrazina Barbosa (1824). Caixa
Diversos (1842 a 1845), Inventário de Antonio Francisco de Almeida (1832). Caixa Inventário (1850 a 1859)
(2), Inventário de Jose Mendes de Sousa (1850). Caixa Diversos (1839 a 1841), Inventário de Robeiro de
Oliveira (1824). Caixa Inventário (1827 a 1833), Inventário de Antonia Maria de Jesus (1833).
8
Segundo Chernoviz (1890), bofe e pulmão são o mesmo órgão.