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MOVIMENTO DA REFORMA SANITÁRIA BRASILEIRA: OS

PRINCIPAIS MARCOS HISTÓRICOS

A saúde pública no Brasil é resultante de um conjunto de embates políticos e


ideológicos e sua compreensão deve considerar todo o histórico brasileiro.
Para melhor entender a situação atual da saúde no Brasil, é importante
conhecer como as demandas de saúde eram atendidas. A saúde nem sempre
foi um direito social, ao contrário, esteve, durante anos, ligada à condição
econômica da população, em outras palavras, o acesso à saúde era para quem
poderia pagar.

Inicialmente, cabe ressaltar como marco histórico o período até 1986 e


compreender em como eram atendidas as demandas de saúde da população
antes do Sistema Único de Saúde bem como foi o processo evolutivo do
conceito de saúde e sua conformação como um direito social, conforme já
apresentado pela autora Ligia Giovanella (2009):

1923 – Neste ano foi promulgada a Lei Eloy Chaves, que criou as Caixas de
Aposentadorias e Pensões (CAP). As CAPs caracterizavam-se como fundos
organizados por empresas, compostos por contribuição dos trabalhadores,
empregadores e consumidores dos serviços das empresas. O país encontrava-
se em um contexto de rápido processo de industrialização e acelerada
urbanização. A lei teve o intuito de assegurar uma assistência mínima aos
trabalhadores das fábricas, de modo que pudessem receber pensão em caso
de algum acidente ou afastamento do trabalho por doença, e uma futura
aposentadoria. Este período tornou-se marcante ainda, por trazer para agenda
das discussões a temática de saúde dos trabalhadores (ESCO).

1932 – Este período foi caracterizado pelas lutas e reivindicações dos


trabalhadores. Como resposta a tais reivindicações foram criados os Institutos
de Aposentadoria e Pensões (IAPs). Estas IAPs passaram a congregar os
trabalhadores por profissão, ao invés de ser por empresas. Configurou um
primeiro sistema nacional de previdência social gerido pelo Estado.

1965 – Após a unificação dos IAPs, no contexto do regime autoritário de 1964,


vencendo as resistências a tal unificação por parte das categorias profissionais
que tinham institutos mais ricos, foi criado o Instituto Nacional de Previdência
Social (INPS). Com o INPS, a previdência passou a ter função assistencial e
redistributiva. A assistência em saúde, limitada ao contingente de trabalhadores
com carteira assinada, ficou marcada pela compra de serviços assistenciais do
setor privado, concretizando o modelo assistencial hospitalocêntrico, curativista
e médico-centrado, que terá uma forte presença no futuro SUS.

1977 – Neste ano foi criado o Sistema Nacional de Assistência e


Previdência Social (SINPAS), e, dentro dele, o Instituto Nacional de
Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), que passa a ser o
grande órgão governamental prestador da assistência médica – basicamente à
custa de compra de serviços médico hospitalares e especializados do setor
privado. Neste período a assistência à saúde também esteve ligada aos
trabalhadores com carteira assinada.
1982 – Este período foi marcado pelo fim do período militar (1985) e trouxe um
contexto de reivindicação de retomada dos direitos sociais. Dentre essas
reivindicações, o direito à saúde tornou-se protagonista. Em 1982, foi
implementado o Programa de Ações Integradas de Saúde (PAIS). O PAIS
trouxe ênfase à atenção primária, sendo a rede ambulatorial pensada como a
“porta de entrada” do sistema.
De forma resumida, o Brasil até a década de 1980 passou por longos períodos
ditatoriais, em que a saúde tornava-se secundária no país. Ao se falar em
políticas públicas de saúde, nestes períodos, estas se resumiam à manutenção
da higiene sanitária e do bem estar dos trabalhadores. O conceito de saúde era
compreendido à época como a ausência de doenças, conceito que passou a
ser questionado fortemente durante a criação do Sistema Único de Saúde.

Até este período, então, temos dois grandes marcos históricos: o primeiro diz
respeito ao modelo anterior ao SUS o INAMPS e sua caracterização da saúde
como um benefício aos trabalhadores e o segundo à fortificação do Movimento
da RSB. Na luta pelo fim da ditadura, o setor saúde tornou-se protagonista com
o Movimento da Reforma Sanitária Brasileira (RSB). As pautas reivindicavam
melhorias na atenção à saúde e a efetivação desta como um direito social.  O
cenário de conquista de direitos básicos e proteção dos cidadãos, fez com que
ressurgisse a discussão sobre cidadania, direitos sociais e democracia.

Após o fim da ditadura militar, consolidou-se, na 8ª Conferência Nacional de


Saúde (CNS) em 1986, o movimento da reforma sanitário brasileiro. Pela
primeira vez, mais de cinco mil representantes de todos os seguimentos da
sociedade civil discutiram um novo modelo de saúde para o Brasil, que
culminou com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) pela Assembleia
Nacional Constituinte, em 1988 (SOUSA, 2014).

1986 – A realização da VIII Conferência Nacional de Saúde, com intensa


participação social, deu-se logo após o fim da ditadura militar iniciada em 1964,
e consagrou uma concepção ampliada de saúde e o princípio da saúde como
direito universal e como dever do Estado; princípios estes que seriam
plenamente incorporados na Constituição de 1988 (BRASIL, 1986;
GIOVANELLA, 2009).
Aqui temos o terceiro grande marco da RBS, a 8ª Conferencia Nacional de
Saúde (CNS) diz respeito à mudança no modelo até então estabelecido para
tomada de decisões na saúde. As conferencias possuíam como padrão uma
discussão realizada entre os governantes em saúde, de forma horizontal e sem
participação da comunidade (embora a 3ª Conferencia Nacional de Saúde
tenha apresentado um modelo participativo, não fora suficiente para
estabelecer uma discussão participativa com a magnitude da 8ª CNS), além de
não ter diretrizes e periodicidade definida. Esta CNS aconteceu em Brasília e
reuniu 5.000 participantes, incluindo a comunidade em geral, além de
profissionais de saúde, ONG’s, academia e governantes. Este marco é
imprescindível ao acervo dos sanistaristas objeto de contratação deste termo
de referência, pois, os sanitaristas Gilson Carvalho e Guido Carvalho são um
dos protagonistas do movimento da RBS e se fizeram presentes na 8ª CNS.
1987 – Nesse ano foram criados Sistemas Unificados e Descentralizados de
Saúde (SUDS) que tinham como principais diretrizes: universalização e
equidade no acesso aos serviços de saúde; integralidade dos cuidados
assistenciais; descentralização das ações de saúde; implementação de distritos
sanitários. Podemos localizar no SUDS os antecedentes mais imediatos da
criação do SUS (GIOVANELLA, 2009).

1988 – Foi aprovada a “Constituição Cidadã” ou Constituição Federal de


1988, que estabelece a saúde como “Direito de todos e dever do Estado” e
apresenta, na sua Seção II, como pontos básicos: “as necessidades individuais
e coletivas são consideradas de interesse público e o atendimento um dever do
Estado; a assistência médico-sanitária integral passa a ter caráter universal e
destina-se a assegurar a todos o acesso aos serviços; estes serviços devem
ser hierarquizados segundo parâmetros técnicos e a sua gestão deve ser
descentralizada.” Estabelece, ainda, que o custeio do Sistema deverá ser
essencialmente de recursos governamentais da União, estados e municípios, e
as ações governamentais submetidas a órgãos colegiados oficiais, os
Conselhos de Saúde, com representação paritária entre usuários e prestadores
de serviços (BRASIL, 1988).
A CF de 1988 trata-se de outro marco imprescindível ao movimento da RBS,
pois, trata-se do principal marco normativo em que se estabeleceu, legalmente,
a nova conformação do modelo de saúde brasileiro e trouxe à saúde como
direito. Portanto, na Constituição Federal (CF/88) foram definidos os princípios
do SUS, onde se destacam os artigos de 196 a 200, a saber: universalidade no
acesso, integralidade da assistência e equidade na distribuição dos serviços,
ampliando a saúde como um direito de todos e dever do Estado, garantindo
políticas sociais e econômicas que visam a redução do risco de doença e de
outros agravos, bem como o acesso universal e igualitário às ações e serviços
para promoção, proteção e recuperação da saúde (BRASIL, 1998).

1990 – Com a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, que “dispõe sobre as


condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização
e o funcionamento dos serviços correspondentes”,  foi criado o Sistema Único
de Saúde (SUS).   A lei orgânica do SUS detalha os objetivos e atribuições; os
princípios e diretrizes; a organização, direção e gestão, a competência e
atribuições de cada nível (federal, estadual e municipal); a participação
complementar do sistema privado; recursos humanos; financiamento e gestão
financeira e planejamento e orçamento. Logo em seguida, a Lei nº 8.142, de
28 de dezembro de 1990, dispõe sobre a participação da comunidade na
gestão do SUS e sobre as transferências intergovernamentais de recursos
financeiros. Institui os Conselhos de Saúde e confere legitimidade aos
organismos de representação de governos estaduais (CONASS – Conselho
Nacional de Secretários Estaduais de Saúde) e municipais – CONASEMS –
Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (BRASIL, 1990).
A partir desse processo, a concepção do conceito de saúde também sofreu
forte influência das compreensões e pressões dos movimentos sociais e
passou a ser entendida não mais como a simples ausência de doenças, mas
como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social” (OMS, 2016).
As leis acima citadas marcaram o movimento da RBS,  portanto, tanto por
instituir o SUS  e regulamentar sobre a participação da comunidade, quando
por direcionar e nortear as ações e serviços de saúde e sua forma de
funcionamento no novo sistema(SUS)

1991 – 1994: Inicialmente a atenção básica teve como marco o Programa de


Agentes Comunitários de Saúde (PACS) em 1991 com caráter inovador em
que equipes multiprofissionais atuavam em um território definido, três anos
mais tarde o programa foi ampliado e em 1994, foi instituído como Programa
Saúde da Família. Porém, mesmo dada sua importância e êxito da proposta,
esta ainda fora encarada por alguns como um programa de governo, de caráter
pontual (SOUSA, 2007). Muitos foram os esforços para que esta estratégia se
consolidasse efetivamente como uma política pública.
O marco expresso com o surgimento do PACS foi que, pela primeira vez, tinha-
se um profissional atuando próximo à comunidade e os profissionais da AB
focavam no tratamento ao individuo considerando sua família e contextos
locais, atuando nos territórios, o avanço está em ultrapassar as paredes dos
consultórios e aproximar-se da comunidade.

1998 – 2006: O PSF trouxe muitos avanços e melhoria nos indicares de saúde
das famílias por ele assistidas. Dados estes êxitos, o PSF saiu de do âmbito de
um programa e passou a ser visto como uma estratégia de reorientação da
APS no Brasil, em termos normativos, configurando a chamada Estratégia de
Saúde da Família (ESF) instituída por meio da Política Nacional de Atenção
Básica em 2006 e reformulada em 2011 – Portaria n° 2.488 de 21 de outubro
de 2011 (BRASIL, 2011).

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