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Quarta-Feira, 13 de Outubro de 2021
OPINIÃO BLOGS
OPINIÃO
por
FERNANDO CÁSSIO
2 DE JULHO DE 2021 - 18:22
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Leia também:
Especialistas criticam plano de Doria para permitir mais estudantes nas escolas du
a pandemia
Gostava de Matemática e História no Ensino Fundamental, e está tendo Física, Química, Sociologia e
pela primeira vez. Ela gosta mais de algumas aulas do que de outras. Simpatiza com o professor de B
mas gosta mais das aulas de Geografia, cuja professora parece mais exigente com as tarefas. Ontem
um texto literário indicado por um professor e se imaginou estudante universitária de Letras. Hoje ced
encantou com uma discussão sobre o negacionismo e a importância de aprender Ciências na escola
depois, na cozinha de casa, achou que leva jeito para a confeitaria artística. Todas as tardes ela e os d
irmãos ajudam a mãe a fabricar bolos confeitados, que são vendidos pelo Instagram.
Embora o futuro dessa adolescente pareça um grande mistério para ela própria, os implementadores
o Muitas Chances dedeGanhar
reforma do Ensino
vicente.com.br
Secretaria
A atribuição
OPINIÃO
dosBLOGS
itinerários formativos do “novo Ensino Médio” é passo decisivo para a implementaçã
reforma da etapa no estado de São Paulo. Na prática, trata-se da mais extensa reorganização escolar
implantada na rede paulista desde 2015. Naquela ocasião, o plano do governo paulista de transferir
compulsoriamente centenas de milhares de estudantes soçobrou diante de massivas ocupações estu
Em 2016, no segundo ciclo das ocupações escolares, mais de mil escolas foram ocupadas no Brasil p
estudantes que se opunham justamente à reforma do Ensino Médio, aprovada como Medida Provisór
polêmica MP n. 746/2016) e depois transformada na Lei n. 13.415/2017. É esta reforma que o govern
paulista resolveu implantar em meio à pandemia.
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Aceito receber promoções e informações
Com o novo Ensino Médio (mas também com o Programa Ensino Integral e outras políticas educacio
controversas), a Seduc-SP aposta na desmobilização das comunidades escolares por conta da pande
para “passar a boiada”. O governo Doria é habilidoso em manter o controle do debate público da educ
sabe que, enquanto a população estiver mais preocupada com a própria sobrevivência, os estudantes
criarão obstáculos à faraônica reorganização escolar que está em curso na rede estadual.
Some-se a isso todo o esforço da Seduc-SP nos últimos anos em políticas de institucionalização de g
escolares, tentativa de cooptar politicamente os estudantes gremistas e de obstaculizar a existência
grêmios livres – gérmen das ocupações escolares de cinco anos atrás. O “protagonismo juvenil”, tão
estimulado na rede estadual paulista desde 2016, sempre foi muito bem supervisionado.
desemprego, pela fome e pelas mortes e sequelas da Covid-19. Na falta de políticas públicas robusta
ÚLTIMAS POLÍTICA ECONOMIA SOCIEDADE JUSTIÇA MUNDO DIVERSIDADE EDUCAÇÃO
transferência de renda, quem consegue trabalho, trabalha. Se o trabalho é precário, em jornada amplia
leva ao abandono dos estudos, paciência. Pior do que isso é a fome. Além do trabalho fora de casa, a
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de trabalho doméstico e do cuidado com os mais novos, que também aumentou durante a pandemia,
mais fortemente sobre as meninas. Tornar-se chefe de família antes do tempo, mostram as pesquisa
acarreta um custo emocional elevado para esses adolescentes e jovens. Não por acaso, a pandemia
quadros de ansiedade e depressão entre os jovens, sobretudo os mais vulneráveis.
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É difícil pensar em um cenário mais desolador do que este: uma rede de ensino com 3,8 milhões de
estudantes sem acesso regular à escola há 15 meses e vivendo momentos de aguda fragilidade emo
Apesar disso, em vez de adotar uma postura cautelosa quanto à realização de mudanças drásticas na
estrutura do currículo escolar, a Seduc-SP prefere acelerar o processo de “escolha” dos estudantes. Es
os problemas; seja protagonista da sua vida!
Em julho de 2020, o Conselho Estadual de Educação de São Paulo aprovou o Currículo Paulista para o
Médio. Com essa “etapa vencida” (assim declarou o secretário da educação Rossieli Soares da Silva)
Seduc-SP avançou para a organização da oferta dos itinerários formativos na rede estadual. Criou um
catálogo sucinto, com uma descrição genérica dos itinerários, e distribuiu questionários aos estudant
o apressado exercício da “liberdade de escolha” e do “protagonismo juvenil” – dois conceitos-chave n
marketing da reforma do Ensino Médio desde o governo Michel Temer (do qual o próprio Rossieli foi m
da educação, a certa altura).
O ano de 2020 será lembrado por muitas razões na rede estadual paulista, nenhuma delas relacionad
aprofundamento da transparência pública, da gestão democrática e da participação qualificada das
comunidades escolares nas decisões que afetam o seu cotidiano. Acumulam-se evidências de que a
SP, de forma ativa, oculta informações e confunde as comunidades escolares. Não seria diferente co
novo Ensino Médio.
vicente.com.br
em
“Matemática e suas tecnologias”, “Linguagens
e suas tecnologias”,
“Ciências
da
Natureza
esuas
tecnologias” e “Ciências Humanas e Sociais aplicadas”, além da combinação dessas quatro grandes
https://www.cartacapital.com.br/opiniao/ensino-medio-nem-nem/ 5/17
13/10/2021 22:20
g pEnsino médio, nem-nem - CartaCapital ç q g
nos chamados
ÚLTIMAS
itinerários
POLÍTICA
de “aprofundamento
ECONOMIA SOCIEDADE
integrado”.
JUSTIÇA
Além dos dez
MUNDO
percursos EDUCAÇÃO
DIVERSIDADE
de aprofundament
estudante pode optar por um décimo-primeiro itinerário, de formação técnico-profissional, que se divi
dois tipos.
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O primeiro tipo compreende um menu com 21 cursos técnicos que substituem as 900 horas dos itine
aprofundamento. É o chamado “Novotec Integrado”, que faz a seguinte promessa aos estudantes: “vo
o diploma do Ensino Médio e também será formado para ter um diploma em técnico em…”. A formula
sutil: não se trata de uma formação técnico-profissional em sentido estrito, mas de uma introdução d
horas que deverá ser complementada depois se o estudante desejar obter, além do diploma do Ensino
um diploma de “técnico em…”. A diferença de carga horária entre o Novotec Integrado e um curso técn
regular é significativa. Um exemplo: para obter um diploma de técnico em Química no Centro Paula So
2.000 horas-aula mais 120 horas de TCC –, será necessário passar pelo menos mais um ano na esco
Além de implantar um novo Ensino Médio sem a quantidade necessária de recursos, o governo paulis
a privatização da oferta educacional direta através do Novotec Expresso. As escassas verbas das esc
estaduais serão agora disputadas pelas pequenas escolas privadas que ofertarão os minicursos de A
Excel e design de jogos, já que o governo estadual não tem a pretensão de equipar a rede de ensino o
contratar profissionais para essa oferta.
A despeito da pressa do governo para que os estudantes exerçam a sua liberdade de escolha, as mat
Uma mensagem na tela avisa os estudantes que o formulário se trata de uma mera “manifestação de
interesse”, o que significa que a oferta dos itinerários pela unidade escolar será, no fim das contas,
determinada pelo interesse da maioria dos respondentes e pelo perfil profissional do corpo docente a
na unidade. Fica subentendido que os estudantes que optarem por itinerários não ofertados por sua e
atual terão toda a liberdade de fazer uma dentre duas escolhas possíveis: 1) cursar um itinerário de
aprofundamento ou pseudoprofissionalizante que não escolheu; ou 2) mudar de escola. O protagonis
juvenil da vida real.
FORMULÁRIO DE “MANIFESTAÇÃO DE INTERESSE” NOS ITINERÁRIOS FORMATIVOS DO NOVO ENSINO MÉDIO PAULISTA (SECRETARIA ESCOLAR DIGITAL, PERFI
NO TOPO DA PÁGINA, O ALERTA AO ESTUDANTE QUE RESPONDE O FORMULÁRIO (“IMPORTANTE”)
O argumento
ÚLTIMAS daPOLÍTICA
flexibilização curricular
ECONOMIA e da liberdade
SOCIEDADE JUSTIÇAde escolher
MUNDO umDIVERSIDADE
percurso formativo
EDUCAÇÃO mais próxim
suas aspirações ou aptidões (ou melhor, mais próximo da forma como um adolescente percebe as pr
aspirações
OPINIÃO e aptidões
BLOGS aos 15 anos) é evidentemente falacioso. Ao escolher um itinerário de “aprofund
curricular”, todos os outros itinerários são deixados para trás. Se a opção incluir os penduricalhos do
Novotec, a formação do Ensino Médio paulista ficará ainda mais reduzida. A própria escolha (nada ca
palavra “aprofundamento” serve para nos distrair daquilo que o “novo Ensino Médio” realmente produz
estreitamento curricular. O referido “aprofundamento” – que na verdade implica na redução do tempo
formação geral – ocupa 28,6% da carga horária total do Ensino Médio paulista.
A Seduc-SP já havia sacrificado outras 450 horas-aula da formação básica do Ensino Médio nas disci
“projeto de vida”, “tecnologia” e eletivas vinculadas ao Programa Inova Educação, fruto de parceria da
SP com o Instituto Ayrton Senna. Graças à tenacidade de muitas escolas e docentes da rede estadua
transformaram as disciplinas “Inova” em coisa mais interessante, nem todo estudante da rede estadu
paulista será obrigado a engolir 150 horas-aula de coaching empresarial por ano ao longo de todo o E
Médio. No Inova Educação, a sensação de autonomia é estimulada pelos “feirões das eletivas”, evento
que os professores tentam “vender” suas disciplinas para o maior número possível de estudantes em
banquinhas montadas na quadra da escola. Tamanha inovação educacional abocanha outros 14,3% d
horária total do Ensino Médio.
Para os defensores de primeira hora da reforma do Ensino Médio, a existência de uma massa de jove
egressos do Ensino Médio que não trabalham e nem estão no Ensino Superior – a popular “geração n
nem” – seria a prova cabal da necessidade de reformar a última etapa da educação básica e de confe
esta um caráter fortemente utilitário e profissionalizante. Outro argumento clássico em favor da refor
de que é preciso combater a evasão escolar transformando uma escola chata e velhusca numa escol
atraente e conectada a seu tempo.
O caso é que a escola pública de Ensino Médio no Brasil, muito antes de ser chata e velhusca, nunca d
de ser improvisada e precária. E como ela jamais ofereceu uma formação generalista adequada a seu
estudantes, não faz o menor sentido classificar a formação do Ensino Médio brasileiro como um entu
“desnecessário” e “antiquado”. De modo tácito, o novo Ensino Médio assume que a precariedade do E
Médio brasileiro é a tal ponto insuperável, que a oferta de uma formação generalista de alta qualidade
todos os estudantes é um projeto inalcançável – uma variação de “o povo não cabe na Constituição”.
resultado prático dessa premissa é a simplificação da formação dos mais pobres. Em São Paulo, o no
Ensino Médio não é generalista e nem profissionalizante. Sob o vocabulário inspirador do “protagonis
“liberdade”, do “aprofundamento” e da “inovação” jaz uma esquálida formação nem-nem.
A situação de São Paulo não é muito diferente da de outros estados que igualmente implementam a r
do Ensino Médio neste momento. As consequências da escolha dos itinerários formativos nos proces
disputa de vagas para o Ensino Superior são desconhecidas, pois não se sabe o que mudará no Exam
Voltemos à adolescente descrita no começo deste texto. Como seria a sua vida se ela tivesse nascido
uma família de classe média? Alguém imaginaria que a sua escola particular lhe ofereceria um formu
online e exíguos 20 dias para escolher o itinerário formativo que a acompanhará até o final do Ensino
E, ainda, que tal escolha poderia impor a essa estudante a necessidade de mudar de escola?
Diante de um futuro incerto, o novo Ensino Médio paulista limita possibilidades, em vez de ampliá-las
Alimenta a ilusão de que uma formação generalista é algo velho e ruim, e coloca no lugar uma nova il
de que uma formação aligeirada e simplória é algo bom e moderno. Os arautos da reforma do Ensino
tratam a instabilidade do mercado de trabalho como um pequeno calombo na corrida de obstáculos d
escola neoliberal, mas sabem perfeitamente que este é o grande precipício com o qual, em algum mo
da vida, as pessoas com uma formação escolar claudicante irão se deparar.
Nas escolas privadas, que continuarão oferecendo uma formação generalista a adolescentes das clas
médias e altas, o “aprofundamento” continuará sendo tomado no sentido literal – horas-aula adiciona
formação básica geral e cobradas à parte nas mensalidades. Os nomes das disciplinas podem muda
conhecimento pode ser chamado de “competência” e as escolas podem ser inundadas de tablets e
traquitanas –, mas uma formação escolar sólida continuará sendo a melhor porta de entrada para um
grávido de futuro e de possibilidades. Já o Ensino Médio nem-nem, este manterá as desigualdades
educacionais no mesmo lugar. Maurício Tragtenberg nunca esteve tão certo quando disse que “quand
se quer mudar nada a gente faz uma reforma na educação”.
Fernando Cássio é doutor em Ciências e professor da UFABC, onde integra o grupo de pesquisa “Direi
Educação, Políticas Educacionais e Escola” (DiEPEE). Integra o Comitê Diretivo da Campanha Naciona
Direito à Educação e participa da Rede Escola Pública e Universidade (Repu).
o Muitas Chances de Ganhar
José Alves da Silva é doutor em Educação e professor da Unifesp, onde é pesquisador do PECMA (Pr
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de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática). Participa da Rede Escola Pública e Universi
https://www.cartacapital.com.br/opiniao/ensino-medio-nem-nem/ 9/17