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Saddo Ag Almouloud, Ana Lucia Manrique, Maria José Ferreira da Silva e Tânia Maria Mendonça Campos

A geometria no ensino fundamental: reflexões


sobre uma experiência de formação envolvendo
professores e alunos*

Saddo Ag Almouloud
Ana Lucia Manrique
Maria José Ferreira da Silva
Tânia Maria Mendonça Campos
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática

Introdução Talvez por isso solicitem, sempre que questionados a


respeito do ensino de geometria, cursos de extensão
Este artigo apresenta os principais resultados de que priorizem reflexões de suas práticas pedagógicas.
um projeto de pesquisa financiado pela Fundação de Um diagnóstico dessa situação vem sendo discutido
Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) em meios acadêmicos e em instâncias governamen-
e desenvolvido na Pontifícia Universidade Católica tais. A Secretaria de Ensino Fundamental do Ministé-
de São Paulo, tendo por objetivo investigar questões rio da Educação (MEC), por meio dos Parâmetros Cur-
relacionadas à aprendizagem da geometria nas séries riculares Nacionais (PCN) (Brasil, Ministério da
finais do ensino fundamental e reconhecer as repre- Educação, 1998), aponta a necessidade de revisão dos
sentações dos professores dessas séries no que se re- modelos de formação de professores para a efetiva im-
fere ao papel da geometria no processo de formação plantação de novas alternativas que complementam tais
do aluno. diagnósticos e provocam discussões a respeito do que,
Apesar de a geometria ser um ramo importante como e quando ensinar determinado conteúdo.
da Matemática, por servir principalmente de instru- A avaliação educacional da rede estadual de São
mento para outras áreas do conhecimento, professores Paulo em 1998 – Sistema de Avaliação de Rendimen-
do ensino fundamental apontam problemas relaciona- to Escolar do Estado de São Paulo (SARESP, 2000) –
dos tanto ao seu ensino quanto à sua aprendizagem. revela que muitos tópicos de matemática, pelo fato
de não serem planejados ou ensinados pelos profes-
sores, não são aprendidos por seus alunos. Um exem-
* Outros membros da equipe de pesquisadores envolvidos plo disso é que, embora os professores indiquem a
no projeto: Nancy Cury Andraus Haruna, Rosana Nogueira de geometria como item importante, que merece lugar
Lima, Vera Helena Giusti de Souza, Cileda de Queiroz e Silva em todos os níveis de ensino, não há concordância
Coutinho, Filomena Aparecida Gouvêa e Renata Rossini. quanto à seleção e à organização dos conteúdos a se-

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A geometria no ensino fundamental

rem ensinados tanto no ensino fundamental como no professores participantes do processo de formação a
ensino médio. Desta forma, não podemos esperar que oportunidade de determinar suas condições de traba-
os alunos construam uma pluralidade de conceitos lho e de organizar comunidades formadas por profis-
geométricos a partir de conhecimentos1 obtidos por sionais da educação, dedicadas a promover experiên-
procedimentos experimentais, tal como recomendam cias emancipatórias para os docentes e seus alunos
os PCN. (Kincheloe, 1997).
Tais observações motivaram nossos questiona- Esse processo de formação, segundo Thiollent
mentos a respeito de problemas enfrentados quando (1998), deve ser concebido e realizado em estreita
do ensino e da aprendizagem da geometria nas séries associação com ações e resoluções de problemas co-
finais do ensino fundamental. Nossa análise incidiu letivos, nos quais os pesquisadores e os professores
sobre os seguintes aspectos: se envolvem de modo cooperativo ou participativo.
O autor considera a pesquisa-ação como uma estraté-
a) a origem de problemas relacionados ao ensino gia metodológica da pesquisa social na qual:
e à aprendizagem da geometria no sistema edu-
cativo e na formação dos professores; a) há uma ampla e explícita interação entre pes-
b) as estratégias elaboradas pelo processo de for- quisadores e pessoas implicadas na situação
mação para enfrentar pelo menos parte desses investigada;
problemas; b) desta interação resulta a ordem de prioridade
c) as possibilidades de mudança nas concepções2 dos problemas a serem pesquisados e das so-
e nas práticas dos professores do ensino fun- luções a serem encaminhadas sob forma de
damental a partir de um processo de formação ação concreta;
continuada. c) o objeto de investigação não é constituído pe-
las pessoas, e sim pela situação social e pelos
Para o alcance desses objetivos adotamos os problemas de diferentes naturezas encontrados
princípios da pesquisa-ação que proporcionam aos nesta situação;
d) o objetivo da pesquisa-ação consiste em resol-
ver ou, pelo menos, em explicitar os proble-
1
Usamos os termos “saber” e “conhecimento” no sentido mas da situação observada;
de Guy Brousseau (1998). Os conhecimentos são os meios e) há, durante o processo, um acompanhamento
transmissíveis (por imitação, iniciação, comunicação etc.) não das decisões, das ações e de toda a atividade
necessariamente explicitáveis, meios de controle de uma situação intencional dos atores da situação;
para obter um resultado conforme as expectativas e as exigências f) a pesquisa não se limita a uma forma de ação
sociais. Um saber é um conhecimento institucionalizado. A pas- (risco de ativismo): pretende-se aumentar o co-
sagem do status de conhecimento ao status de saber implica trans- nhecimento dos pesquisadores e o conhecimen-
formações que os diferenciem; essas transformações são, em par- to ou o “nível de consciência” das pessoas e
te, justificadas pelas relações didáticas que se estabelecem na oca- grupos considerados. (p. 16)
sião de um processo de ensino e de aprendizagem.
2
Entendemos o termo concepção como um ponto de vista Para a construção, a análise e a experimentação
local sobre um dado objeto matemático, caracterizado, de um lado, das situações de formação seguimos os princípios da
por sistemas de representações mentais, icônicas, simbólicas, e, Engenharia Didática (Artigue, 1988), que, vista como
por outro lado, por propriedades, invariantes, técnicas de tratamen- metodologia de pesquisa, caracteriza-se como um es-
to, métodos específicos (implícitos ou explícitos) (Artigue, 1990). quema experimental baseado em realizações didáti-

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cas em sala de aula. Compreendemos as realizações Paralelamente, foi aplicado um teste diagnósti-
didáticas por concepção, realização, observação e co para alunos de 6ª, 7ª e 8ª séries do ensino funda-
análise de sessões de ensino. mental e da 1ª série do ensino médio das escolas da
O objetivo de integrar num mesmo projeto pes- rede estadual em que esses professores lecionavam, a
quisadores3 e professores do ensino fundamental4 não fim de verificar concepções de alunos a respeito de
foi o de fornecer a esses professores uma espécie de conceitos geométricos e de dificuldades que encon-
“receita de como dar aulas”, mas, sobretudo, o de travam em relação a esses conceitos. As questões ela-
despertar a atenção do grupo para a necessidade de boradas a partir dos conteúdos de geometria do 3º e
um trabalho reflexivo sobre as ações pedagógicas, 4º ciclos do ensino fundamental foram propostas para
tendo como referência pesquisas sobre o ensino e a alunos da série subseqüente, de modo que um estudo
aprendizagem da matemática. Além disso, pretendía- prévio com conteúdos que poderiam ser trabalhados
mos contribuir para a formação dos participantes, na na 7ª série foi realizado com alunos da 8ª série para
expectativa de que se tornassem profissionais mais verificar se estes teriam domínio desses conhecimen-
críticos, participativos e competentes para atuar em tos. Para a elaboração dessas questões foram consul-
sala de aula e, portanto, mais do que executores de tados os Parâmetros Curriculares Nacionais de Mate-
tarefas, procedimentos e técnicas. mática, a Proposta Curricular do Ensino Fundamental,
Iniciamos o trabalho aplicando um questionário os livros Experiências matemáticas da Secretaria de
para diagnosticar concepções relativas tanto a concei- Estado da Educação de São Paulo e alguns livros di-
tos geométricos quanto a posturas em sala de aula, o dáticos. Assim, para a 7ª série, foram selecionados os
qual foi respondido individualmente pelos 24 profes- seguintes conteúdos: circunferência, triângulo retân-
sores de matemática participantes do processo de for- gulo, quadriláteros, Teorema de Tales e simetria axial.
mação. O questionário foi organizado em cinco partes: Para as demais séries, o processo foi análogo.
Aplicamos esse teste diagnóstico durante o pri-
a) dados relativos à formação acadêmica; meiro semestre de 2000, e um segundo teste foi apli-
b) perguntas relativas ao acesso a diferentes meios cado no final do mês de novembro de 2001, a fim de
de informação; verificar possíveis alterações da prática do professor
c) a metodologia e a prática em que se apóia seu em relação ao ensino da geometria. Esse questionário
trabalho pedagógico; foi analisado e confrontado com outras informações
d) sua opinião a respeito da importância do estudo obtidas por outros instrumentos de nossa metodolo-
da geometria, das dificuldades enfrentadas por gia, como:
seus alunos durante o processo de aprendiza-
gem e das estratégias utilizadas para saná-las; a) entrevistas com os professores objetivando dis-
e) análise didática de erros dos alunos na resolu- cutir possíveis mudanças que estavam ocorren-
ção de problemas em geometria. do em suas concepções e práticas;
b) documentos escritos individualmente pelos
professores em que comentavam fatos ocorri-
dos nos encontros de formação e no seu con-
texto escolar;
3
Professores da graduação, de pós-graduação e alunos de c) mapas conceituais elaborados pelos professo-
mestrado em Educação Matemática da PUC-SP. res para evidenciar inter-relações entre seus co-
4
Professores que atuam em escolas dos municípios de nhecimentos, suas concepções, suas emoções e
Guarulhos, de Caieiras, e da região central do município de São seus sentimentos pesquisados em relação à geo-
Paulo. metria, ao seu ensino e à aprendizagem desta.

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Procedimentos teórico-metodológicos conhecimento sob responsabilidade do próprio pro-


empregados na formação de professores fessor.
Seguindo os princípios da Teoria das Situações
Com a identificação e a análise de algumas con- (Brousseau, 1986), as atividades foram estruturadas de
cepções de geometria dos professores participantes, forma a comportar as fases de ação, formulação e vali-
desenvolvemos uma série de atividades, organizadas dação, bem como a devolução e a institucionalização.
em encontros semanais de três horas cada, com o in- A fase de ação consiste em colocar o aluno fren-
tuito de proporcionar condições favoráveis à reflexão te a uma situação de ação em que, para solucionar o
sobre seu ensino e sua aprendizagem. problema dado de forma mais adequada, haja neces-
Elaboramos tarefas que permitissem ao profes- sidade do conhecimento que se pretende ensinar. Um
sor rever seus conhecimentos sobre diferentes assun- verdadeiro diálogo deve instaurar-se entre a criança
tos por meio da manipulação de materiais concretos, que age e a situação que lhe dá informações para sua
do uso de instrumentos de desenho e da construção de ação. Esta dialética permite ao aluno criar um mode-
novos materiais. Como a atividade corporal, a mani- lo implícito, o qual não necessariamente lhe permite
pulação de figuras e o desenho no quadro nem sem- formular ou organizar em teoria os resultados de seu
pre possibilitam a visualização de noções geométri- comportamento.
cas, a formação envolveu o uso da linguagem Logo e O objetivo da fase de formulação é a troca de
do programa Cabri-géomètre II, considerando a im- informações, momento em que o aluno ou grupo de
portância do papel do computador e da geometria di- alunos explicita as ferramentas utilizadas e a solução
nâmica para o ensino e aprendizagem da geometria. encontrada. Para que o aluno explicite seu modelo e
Além disso, os professores tiveram oportunidade para que essa formulação tenha sentido para ele, é
de elaborar, analisar e aplicar seqüências didáticas para necessário que outro(s) aluno(s) obtenha(m) os mes-
o ensino de geometria em séries que lecionavam, com mos resultados. Essa troca de informações permitirá
vistas a proporcionar aos seus alunos condições favo- criar um modelo explícito, que poderá ser formulado
ráveis à aprendizagem de conceitos e habilidades geo- com a ajuda de sinais e regras comuns, novas ou já
métricas (construção, demonstração, raciocínio etc.), conhecidas.
paralelamente a seus processos de formação. Enquanto o objetivo principal da situação de for-
Durante os anos de 2000 e 2001 e no primeiro mulação é a comunicação lingüística, o da fase de va-
semestre de 2002 tivemos 80 encontros, dos quais lidação é o debate sobre a veracidade das asserções e,
decorreu um total de 240 horas de observações como conseqüência, as interações com o meio são or-
registradas e analisadas pelo grupo de pesquisadores. ganizadas. Como a validação empírica obtida nas fa-
Essas análises propiciaram correções e melhorias nas ses precedentes é insuficiente no processo, o aluno
atividades, na dinâmica de formação e nas escolhas deve mostrar por que o modelo que criou é válido. Para
didáticas e metodológicas do projeto de pesquisa. que ele mesmo construa uma demonstração que faça
As atividades foram elaboradas segundo os prin- sentido para ele, é necessário que a faça em uma situa-
cípios da Teoria das Situações (Brousseau, 1986) e os ção de validação, isto é, ele deve convencer alguém da
estudos dos registros de representações semióticas validade de seus argumentos. Assim, a teoria funciona
(Duval, 1995). Buscamos propor situações que per- em debates científicos ou discussões entre alunos
mitissem ao professor em formação adquirir novos como meio de estabelecer provas ou rejeitá-las.
conhecimentos agindo, se expressando, refletindo e Uma vez construído e validado, o novo conheci-
evoluindo por iniciativa própria. O formador, neste mento fará parte do patrimônio da classe, embora ain-
tipo de situação, tem o papel de mediador e de orien- da não tenha o status de saber social porque faltam as
tador, intervindo de maneira a deixar a construção do situações de institucionalização, em que o professor

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fixará convencionalmente e explicitamente o status dendo que as figuras fornecessem um suporte intuiti-
cognitivo do saber. Se feita muito cedo, a institucio- vo importante na resolução de um problema de geo-
nalização interrompe a construção do sentido, impe- metria, de modo que ampliassem a possibilidade de
dindo uma aprendizagem adequada e produzindo percepção dos elementos do problema proposto, e ain-
muitas dificuldades para o professor e para os alunos. da permitissem explorar esses elementos, antecipan-
Se for feita muito tarde, reforça interpretações errô- do e conjeturando. Privilegiamos a leitura e a inter-
neas e dificulta a aprendizagem e aplicações. pretação de definições e propriedades matemáticas por
Esse processo de ensino e aprendizagem apóia- entendermos que a compreensão de seu sentido glo-
se, principalmente, na noção de “devolução”, defini- bal deve capacitar o professor a selecionar informa-
da como o ato pelo qual o professor faz o aluno aceitar ções pertinentes, identificar e explicitar relações entre
a responsabilidade de uma situação de aprendizagem elas. Assim, nosso objetivo foi a constituição de uma
ou da resolução de um problema aceitando as conse- rede semântica dos objetos matemáticos e dos teore-
qüências dessa responsabilidade. mas solicitados por uma demonstração associada ao
As atividades foram elaboradas considerando registro de representação em uma rede de proprieda-
também o estudo dos registros de representações des lógicas.
semióticas desenvolvido por Duval (1995), segundo Cada atividade foi aplicada no sentido de pro-
o qual a geometria envolve três formas de processo vocar nos professores a necessidade de mobilizar sa-
cognitivo que preenchem específicas funções episte- beres já adquiridos, utilizando-os como ferramentas
mológicas: explícitas para resolver pelo menos uma parte do pro-
blema; e além disso, para provocar um debate pela
a) visualização: exploração heurística de uma si- confrontação dos resultados obtidos pelos professo-
tuação complexa, seja por uma simples obser- res, com o objetivo não somente de homogeneizar a
vação ou por uma verificação subjetiva; constituição do saber coletivo do grupo, mas também
b) construção: processo por instrumentos de con- promover o progresso na construção individual de co-
figurações que podem ser trabalhadas como um nhecimentos.
modelo, no qual ações e resultados observa- Nessas ações de formação ficou patente a impor-
dos são ligados aos objetos matemáticos repre- tância de o formador selecionar e organizar os novos
sentados; conhecimentos e saberes dos professores, sistemati-
c) raciocínio: processo do discurso para a prova zando-os para uma melhor compreensão do conceito
e a explicação. visado. Essa fase, no decorrer do trabalho, foi chama-
da de institucionalização. Uma outra fase indispensá-
Ainda segundo Duval, esses três tipos de pro- vel foi a de familiarização, na qual foram propostas
cessos cognitivos estão entrelaçados em sua sinergia, situações-problema a serem resolvidas individualmen-
sendo esta inter-relação cognitivamente necessária te para consolidar os novos conhecimentos, o que, por
para a proficiência em geometria. Por outro lado, a sua vez, propicia ao formador perceber o desempenho
heurística dos problemas de geometria refere-se a um de cada professor perante o novo conhecimento.
registro espacial que dá lugar às formas de interpreta-
ções autônomas. Principais resultados da pesquisa
Como as escolhas teóricas e metodológicas fo-
ram realizadas visando a modificações de práticas do- Origem de problemas e estratégias utilizadas
centes, enfatizamos a coordenação de diferentes re-
gistros de representação (a escrita algébrica, as figuras Apontamos, a seguir, alguns aspectos que pro-
geométricas e o discurso na língua natural), preten- vocam dificuldades no processo de ensino e de apren-

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dizagem da geometria nas séries finais do ensino fun- Para minimizar as dificuldades que os alunos
damental. enfrentam na compreensão desses conceitos, é impres-
A análise do sistema educativo, do discurso dos cindível integrar no processo de ensino e de aprendi-
professores e dos jogos que envolvem a própria geo- zagem os seguintes tipos de apreensões identificados
metria nos permite identificar certos fatores que po- por Duval (1995):
dem ser considerados origem de dificuldades que os
professores encontram no processo de ensino e de apren- a) seqüencial: é solicitada nas tarefas de constru-
dizagem de saberes e de conhecimentos geométricos. ção ou nas de descrição com objetivo de re-
Em primeiro lugar, identificamos como fator de produzir uma figura;
dificuldades o nosso sistema educativo, que define a b) perceptiva: é a interpretação das formas da fi-
política da educação com recomendações e orienta- gura em uma situação geométrica;
ções gerais sobre os métodos, os conteúdos e o saber- c) discursiva: é a interpretação dos elementos da
fazer, deixando para cada escola definir os conteúdos figura geométrica, privilegiando a articulação
que julga importantes para a formação de seus alu- dos enunciados através da imersão dos mes-
nos, o que faz com que a geometria seja freqüente- mos numa rede semântica de propriedades do
mente esquecida. objeto;
Podemos apontar, em relação à formação dos d) operatória: é uma apreensão centrada nas mo-
professores, que esta é muito precária quando se trata dificações possíveis de uma figura e na reor-
de geometria, pois os cursos de formação inicial não ganização perceptiva que essas modificações
contribuem para que façam uma reflexão mais pro- sugerem.
funda a respeito do ensino e da aprendizagem dessa
área da matemática. Por sua vez, a formação conti- A resolução de problemas de geometria e a utili-
nuada não atende ainda aos objetivos esperados em zação do tipo de raciocínio que essa resolução exige
relação à geometria. Assim, a maioria dos professo- dependem da distinção das formas de apreensão da
res do ensino fundamental e do ensino médio não está figura. As modificações possíveis de uma figura pela
preparada para trabalhar segundo as recomendações apreensão operatória são classificadas por Duval do
e orientações didáticas e pedagógicas dos PCN. seguinte modo:
Além disso, alguns livros didáticos também con-
tribuem para a origem de vários problemas, pois as a) modificação “mereológica”: a figura pode
situações de ensino apresentadas naqueles que anali- decompor-se em subfiguras, fracionando-se e
samos e que são propostas para os alunos, de maneira reagrupando-se convenientemente segundo
geral, pela maioria dos professores, não enfatizam su- uma relação parte–todo;
ficientemente a coordenação de registros de represen- b) modificação ótica: é a transformação de uma
tação semiótica e a importância da figura para a vi- figura em outra, que será denominada “ima-
sualização e exploração. Os problemas geométricos gem”;
propostos por esses livros privilegiam resoluções al- c) modificação posicional: é o deslocamento da
gébricas, e poucos exigem raciocínio dedutivo ou de- figura em relação a um referencial.
monstração. E ainda, quase não existe a passagem da
geometria empírica para a geometria dedutiva, além Essas modificações são realizadas graficamente
de poucos trabalhos focarem a leitura e a interpreta- e/ou mentalmente. O interesse de fracionar uma figu-
ção de textos matemáticos. Essas abordagens criam ra ou de examiná-la a partir de partes elementares está
no aluno concepções inadequadas no que diz respeito ligado à operação de re-configuração intermediária.
ao aprimoramento dos conceitos geométricos. Essa operação consiste em organizar uma ou várias

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subfiguras diferentes de uma figura dada, formando 2001, p. 65). Empregamos as expressões “práticas do-
uma outra figura. Com efeito, as partes elementares centes” e “práticas em classe” segundo esta autora:
obtidas por fracionamento podem ser reagrupadas em
muitas subfiguras, todas dentro da figura de origem. Reservamos a expressão práticas docentes ao conjunto
Nessa operação podemos, por exemplo, realizar tra- das atividades do professor que norteiam suas praticas pe-
tamentos como a obtenção de medidas de áreas por dagógicas em sala de aula. As práticas em classe designam
soma das medidas das áreas de partes elementares, tudo o que o professor fala e faz em classe, levando em
ou ainda evidenciar a equivalência de dois reagrupa- consideração sua preparação, suas concepções e conheci-
mentos intermediários. mentos em Matemática, e suas decisões instantâneas, se
O processo de formação desenvolvido em nossa elas são conscientes. (idem, p. 66)
pesquisa considerou três aspectos. O primeiro foi tra-
balhar saberes, competências e habilidades em geo- A seguir, apresentamos uma análise do estudo
metria para a formação dos professores, partindo da realizado sobre distância,5 essencial para o ensino da
hipótese de que tal tipo de formação lhes permitiria, geometria, que aponta alguns fatores diretamente li-
pelo menos parcialmente, a apropriação de certos sa- gados à formação desse conceito. No decorrer do tra-
beres e conhecimentos geométricos. Segundo Mello, balho percebemos que os professores pesquisados pre-
“ninguém facilita o desenvolvimento daquilo que não feriam e reivindicavam um trabalho voltado para a
teve oportunidade de desenvolver em si mesmo. Nin- geometria métrica, alegando ser um conteúdo neces-
guém promove a aprendizagem de conteúdos que não sário para sua prática de sala de aula e com utilização
domina nem a constituição de significados que não no cotidiano. Pudemos observar que esses professo-
possui ou a autonomia que não teve oportunidade de res, pela sua dificuldade em abstrair, trabalhavam com
construir” (2002, p. 8-9). maior facilidade na construção de relações a partir de
O segundo foi fazer um trabalho de formação observações de dados numéricos do que de figuras e
integrando resultados de pesquisas em educação ma- configurações que não apresentavam esse tipo de da-
temática, visando a elaboração de instrumentos de dos, particularmente problemas relativos ao conceito
análise de situações didáticas que poderiam, no futu- de distância.
ro, ser desenvolvidas por esses professores em suas A dificuldade em fazer relações provavelmente
sala de aula. Nossas observações confirmaram os re- é o que faz com que os professores tratem muitos dos
sultados de alguns pesquisadores da área quando conceitos (tais como o de distância) pelo senso co-
mostram que, em geral, os professores possuem um mum, e não como um conteúdo matemático, mesmo
discurso que integra resultados de pesquisas sobre o que “aparentemente” reconheçam a distinção entre o
ensino e a aprendizagem da matemática que nem sem- que é do cotidiano e o que é da matemática. Embora
pre é compatível com sua prática, uma vez que eles o conceito de distância faça parte do currículo e pos-
têm muitas dificuldades em operacionalizar essas sa ser trabalhado a partir das séries iniciais do ensino
idéias na construção, na análise e na experimentação fundamental, percebemos que as dificuldades identi-
de situações de sala de aula. ficadas nestes professores se originam pela existên-
Finalmente, o terceiro foi estudar as práticas do- cia de concepções não estáveis sobre linha reta,
centes e propiciar uma análise reflexiva e construtiva perpendicularismo e altura, que interferem diretamen-
dessas práticas pelos próprios professores. Essa análi- te na construção do conceito de distância.
se foi feita a partir do processo de construção de co-
nhecimentos geométricos propostos pelas seqüências
de ensino desenvolvidas em sala de aula, levando em 5
Uma análise mais aprofundada foi publicada em Manrique,
conta aspectos epistemológicos e cognitivos (Robert, Silva e Almouloud (2002).

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A geometria no ensino fundamental

Percebemos que a formação anterior desses pro- volvido por suas experiências e vivências enquanto
fessores não parece ser suficiente para desenvolverem alunos e profissionais.
habilidades de compreensão de enunciados, de aquisi-
ção de vocabulário próprio e de análise de dados, o Mudanças em concepções e práticas
que impossibilita, em muitos casos, encontrar uma es-
tratégia eficaz para a resolução do problema proposto. O processo de formação tinha como um de seus
Os professores parecem ter mais facilidade em objetivos retomar o espírito prático, experimental e
lidar com situações concretas do que com situações científico de investigação nas escolas. Para isso, pre-
que envolvem processos de abstração, o que dificulta via reflexões sobre ações e fenômenos educativos de
a condução dos alunos a um pensamento mais gené- modo a contribuir para o aperfeiçoamento da prática
rico, mais formal ou mais abstrato. Além disso, de- docente.
monstraram ter dificuldades em construir e analisar No que se refere às concepções e práticas peda-
situações didáticas (Brousseau, 1986) que façam o gógicas, Manrique (2003) traz contribuições impor-
aluno agir, expressar-se, refletir, evoluir por iniciati- tantes que indicam possíveis mudanças com relação
va própria, levando-o a adquirir novos conhecimen- às concepções e à prática desses professores em rela-
tos. Nessas situações o professor tem o papel de me- ção à geometria e ao seu ensino.
diador, de orientador, e suas intervenções deveriam Observamos que uma parte dos objetivos do pro-
ser feitas de modo que não se encarregue do trabalho cesso de formação foi percebida e relatada por um
essencial de construção de conhecimento. Nesta vi- dos professores.
são, a aplicação de cada atividade deveria contem-
plar as seguintes condições: Esta proposta traz em seu bojo a aceitação de que
compreender significa mapear, romper fronteiras, buscar
a) os alunos mobilizam os objetos conhecidos objetivos previamente traçados, valorizar a busca dos valo-
como ferramenta explícita para utilizarem um res lógicos através de observações e contradições. Existe o
processo de resolução ou para resolverem, pelo incentivo à descoberta, à aposta na depuração do significa-
menos, uma parte do problema; do do conceito, na realização dos trabalhos em grupo. Pro-
b) o professor provoca um debate de confronta- dução significa vivenciar as situações propostas, apostar
ção dos resultados dos alunos, em que surgem na evolução pessoal, descoberta e construção, valorizar con-
várias formas de saber com o objetivo final de quistas localizadas, conhecer e aceitar o outro, seu ritmo e
homogeneizar e constituir o saber da classe, ideologias. (Professor A, Relatório 6, 27/7/2000)
além de promover o progresso na aquisição de
conhecimentos; ou seja, dentro dos conheci- O processo de mudança relatado por este profes-
mentos explicitados, o professor seleciona e sor inclui observações e contradições: observações
organiza as descobertas dos alunos, fazendo para poder conhecer e agir; contradições surgidas dos
assim uma sistematização dos conhecimentos confrontos com a realidade. A experiência nos per-
e saberes novos envolvidos na atividade para mite perceber que o processo de mudança é pessoal e
uma compreensão do conceito visado. grupal, simultaneamente, uma vez que todos interfe-
rem nas mudanças de cada um, pois fazem parte da
A dificuldade encontrada pelos professores no relação que ocorre em situações de aprendizagem.
desenvolvimento de tais situações está provavelmen- Assim, cada indivíduo tem seu próprio processo e rit-
te relacionada, pelo menos em parte, ao modo como mo. Como cada um tem seu tempo próprio para pro-
percebem e concebem o que é a matemática, o que é cessar a mudança ocasionada por uma experiência.
ensinar e aprender a matemática, modo esse desen- Do ponto de vista do professor, visto como um

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indivíduo, mas sempre membro do grupo, as peque- rar conceitos, explicitando relações e proposições entre es-
nas mudanças são percebidas em seus comentários, ses conceitos, nós a utilizamos como uma atividade criati-
nos quais podemos identificar uma variável muito va. (Manrique, 2003, p. 40)
forte para que as grandes mudanças possam aconte-
cer: a confiança. Confiar nos formadores, nas estraté- Essa maneira de utilizar os mapas conceituais
gias empregadas, nas outras pessoas do grupo e na permitiu que o professor tomasse consciência do seu
própria capacidade de poder mudar. Uma outra variá- processo de mudança e refletisse sobre os fatores que
vel apontada: as relações tecidas nas situações de o estavam influenciando.
aprendizagens. Charlot (2000) afirma que não existe Pudemos também perceber algumas mudanças
saber sem a relação, e que esta não é só com o con- por meio das observações realizadas ao longo do tem-
teúdo a ser estudado. A relação de saber envolve re- po. Por exemplo, um dos professores mudou, a partir
lações com os outros elementos que estão presentes de um certo momento do trabalho, sua postura em
na ação educativa: os formadores tentam manter um relação ao erro cometido por outra pessoa. Em uma
controle e validar o saber; outros constroem o saber determinada atividade, esse professor fez uma des-
em conjunto com o formador e o partilham, necessi- crição de um procedimento, e um outro, outra. Con-
tando que cada um enfrente diversos dilemas para que trariamente ao que se passou em outras situações pa-
o saber possa ser adquirido (dilemas que são conse- recidas, ele não pediu para que o outro professor
qüências naturais da própria história de vida e da for- apagasse a sua descrição e nem apagou a sua, mas
mação de cada um); e a atividade proposta precisa procurou entender o que o outro tinha feito e compa-
estar coerente com as necessidades dos participantes rou com a sua própria produção. O problema propos-
e ser propícia para que o conteúdo possa ser explora- to que permitiu essa tomada de consciência tinha um
do em suas diversas representações, gerando uma contexto especial, sua solução não era única, pois
aprendizagem significativa. dependia do ponto de vista adotado pelo professor ao
A complexidade dos processos de mudança foi construir sua estratégia.
explicitada claramente no relatório desse professor que Em uma outra atividade pudemos perceber um
citamos anteriormente neste texto. Esse relatório foi outro tipo de mudança de comportamento. Na dis-
elaborado após a aplicação da técnica dos mapas con- cussão dessa atividade, momento de socialização dos
ceituais e a discussão dos diferentes mapas obtidos. procedimentos e estratégias, a resolução de um dos
Novak e Gowin (1999, p. 31) definem um mapa con- professores foi apresentada aos outros, que fizeram
ceitual como “um recurso esquemático para represen- diversas críticas e comentários. Chamou a atenção o
tar um conjunto de significados conceituais incluídos fato de esse professor tentar justificar, explicar e de-
numa estrutura de proposições”. Porém, os mapas con- fender sua descrição. Ele, desde o começo do proces-
ceituais foram usados como uma atividade criativa. so de formação, apresentou dificuldades com os con-
teúdos matemáticos, com o uso do mouse, e
Nós utilizamos os mapas conceituais para que os pro- insegurança na resolução dos exercícios. No momen-
fessores pudessem estruturar palavras que viessem à mente to de discussão, aceitou as correções somente após
relacionadas à palavra-chave dada a priori. Como os ma- explicações e provas de que estava errado. Pudemos
pas conceituais são esquemas que as pessoas estruturam a assim constatar a criação de um clima de liberdade
partir de um conjunto de conceitos, não teremos obrigato- de expressão, de abertura para que houvesse uma
riamente duas pessoas elaborando um mesmo mapa quan- aprendizagem coletiva. Dessa forma, podemos infe-
do se deparam com o mesmo conjunto de palavras. Apesar rir alguns atributos que precisam ser desenvolvidos
de a técnica dos mapas conceituais ser usada para estrutu- para que ocorra a aprendizagem em grupo: tolerância

102 Set /Out /Nov /Dez 2004 No 27


A geometria no ensino fundamental

para com a crítica à nossa produção; humildade para O depoimento desse professor nos fala de suas
reconhecer que errou; paciência para com os outros; crenças em relação ao “ser professor” e ao ensino da
e vontade de ajudar o colega no sentido de não rebaixá- matemática, e de como essas crenças influenciam sua
lo, e sim incentivá-lo a melhorar. maneira de lecionar. Podemos assim perceber que,
Um outro exemplo de mudança de postura vem para que existam mudanças, torna-se necessário um
da observação de uma atividade que consistia em cons- investimento no processo de identificação das cren-
truir um triângulo com varetas. No início dos encon- ças do professor e uma orientação no sentido de sua
tros uma professora fazia o desenho sem se preocu- percepção pelo próprio professor.
par com as propriedades da figura representada por Para alguns professores, as diferentes dinâmicas
esse desenho. Em conseqüência, suas construções não utilizadas durante os encontros foram também fato-
resistiam aos deslocamentos permitidos no ambiente res que influenciaram para a mudança individual, e
de geometria dinâmica, o que lhe provocava uma gran- mesmo coletiva. Citaram as dinâmicas nas quais os
de frustração. Nessa atividade, o material concreto professores eram convidados a elaborar problemas e
utilizado para a construção dos triângulos – varetas – a discutir suas resoluções no grupo.
apresentava defeitos relacionados ao comprimento, o
que lhe provocou dúvidas e necessidade de verifica- Cada um criar um problema, e depois analisar o que
ção da construção com régua e compasso. Ela se sa- todos fizeram, o que cada um fez; essa dinâmica de se ex-
tisfazia sempre com a aparência das figuras! As atitu- por e ver o que você fez de errado, o que o outro fez… Isso
des de questionar, desconfiar, construir e provar são eu achei interessante, achei que deu uma abertura legal.
as que se espera de um professor e de qualquer apren- Você compara, às vezes você pensa que está fazendo uma
diz de matemática. O professor só pode facilitar e pro- coisa que todo mundo faz, ou que todo mundo trabalha do
mover a aprendizagem de conteúdos que domina e mesmo jeito, que ninguém tem problema com determinada
para os quais construiu um significado. coisa, só você, e aí você vê que todo mundo tem aquilo. É
Após um ano do processo de formação, realiza- interessante essa troca de informações. Eu achei legal. (Pro-
mos uma entrevista com cada um dos professores par- fessora E, Entrevista, 30/3/2001)
ticipantes para que relatassem as possíveis mudan-
ças ocorridas em sua prática. Alguns fatores foram Essa professora fala da socialização de saberes,
apontados pelos professores como motivadores dos tanto de conteúdos matemáticos quanto do saber-fazer
processos de mudança. Por exemplo, um professor do dia-a-dia. Seu testemunho mostra que a tomada de
relatou uma situação que ocorreu em um dos encon- consciência das diferenças individuais e da riqueza
tros e foi decisiva para que sua prática de sala de aula do trabalho no grupo fica, muitas vezes, adormecida,
mudasse. e que a troca de informações é necessária para que a
prática pedagógica fique enriquecida. Essas trocas
A formadora estava expondo outro dia, não sei se você podem permitir que o professor se aproprie e analise
se lembra, e falou: “Não, não, apaga o que eu falei, está sua realidade escolar e, conseqüentemente, possa fa-
tudo errado”. Eu achei aquilo espetacular, achei fantástico. zer as intervenções necessárias para uma mudança da
Ela falou: “Puxa, eu errei, vamos voltar e começar tudo prática pedagógica.
outra vez”. E eu falei: “Se ela faz, eu posso fazer, por que Um outro professor, em sua entrevista, fala da
não?” Não é verdade? Isso é importante pra caramba. Eu importância da utilização das diversas linguagens –
achava que o professor era o dono da verdade, e não é. matemática, natural e figural – no ensino da matemá-
Porque, quando eu estudei, transmitiam isso para nós: “Eu tica (referência aos registros de representação semió-
sou o dono da verdade, eu sei tudo e acabou”. E não é isso, tica de Duval, que adotamos como um dos quadros
a gente orienta. (Professor D, Entrevista, 27/3/2001) teóricos para este trabalho):

Revista Brasileira de Educação 103


Saddo Ag Almouloud, Ana Lucia Manrique, Maria José Ferreira da Silva e Tânia Maria Mendonça Campos

A questão de perceber rapidamente, durante uma aula, ser analisado foi aplicado um questionário específico
o momento certo de você resumir com outros códigos, ou- em uma sala de cada uma das séries finais do ensino
tros símbolos, uma idéia que está ali, passada, isso não é fundamental de uma escola pública estadual da re-
com uma faculdade que se percebe. Pelo menos não nos gião central da capital de São Paulo. As salas escolhi-
moldes da minha universidade, como a gente fez, puramente das foram aquelas nas quais tinham sido desenvolvi-
por observação, sem cobrança, por apresentação de idéias das seqüências de ensino elaboradas pelos professores
de nível geral, quase que utópico, com aluno perfeito. Ago- participantes do processo de formação.
ra, por outro lado, para acabar o problema é uma situação O questionário, além de informações pessoais,
nova para nós que estamos tentando colocar em prática. Eu pedia para resolver questões envolvendo geometria e
estava falando para os meus colegas que muitas vezes o solicitava que os alunos respondessem duas questões
curso de vocês, de três horas, serve para preparar aula para subjetivas, que permitiam fornecer uma visão de como
um mês, dois meses. E eu já tenho a idéia geral do que fazer o aluno tinha vivenciado a seqüência de ensino ela-
em sala. Basta ter 10% do “ferramental”. (Professor A, borada e aplicada pelo professor. As questões subje-
Entrevista, 29/3/2001) tivas foram as seguintes:

A integração coerente e precisa das linguagens é a) Neste ano seu professor de matemática desen-
apontada como facilitadora do processo de ensino- volveu alguma atividade diferente em sua sala
aprendizagem, pois não é unicamente o domínio do de aula: relembre essas aulas, conte-nos o que
conteúdo que permite ao professor dar uma boa aula aconteceu e dê sua opinião a respeito.
e ao aluno aprender o conteúdo apresentado por este b) Escreva sobre suas aulas de matemática.
professor.
Nos mapas conceituais que esses professores Apresentamos aqui somente um panorama das
construíram, as ações também tiveram sua represen- respostas fornecidas pelos alunos de 5ª série, por se-
tatividade. Palavras como manipulação, mexer, de- rem representativas das outras séries em relação a
monstração, visualizar, questionamento, observação, essas questões, ressaltando aspectos didáticos, peda-
construção, abstração, iniciativa, representação e or- gógicos, matemáticos, contextuais e relacionais que
ganização foram citadas por todos os professores. O julgamos relevantes e significativos.6
estudo de tais mapas indica que esses professores per- A turma da 5ª série escolhida para nossa análi-
ceberam quais seriam as ações necessárias para o en- se era formada por 28 alunos, sendo 17 do sexo fe-
sino da geometria e que essas ações são representati- minino e 11 do masculino, com idade variando entre
vas de uma parcela importante no processo de ensino- 10 e 13 anos; 26 dos alunos estavam cursando a sé-
aprendizagem. rie pela primeira vez e todos relataram já terem es-
tudado geometria. A seqüência de ensino trabalhada
Mudanças percebidas pelos alunos com esses alunos tratava de medidas de comprimen-
to, procurando apresentar unidades diferentes das
Essa fase da pesquisa teve por objetivo estudar convencionais.
as possíveis mudanças das práticas pedagógicas dos Mais da metade do número de alunos explicitou
professores que participaram do processo de forma- em seu discurso uma distinção entre as aulas de ma-
ção em geometria, segundo o ponto de vista de seus temática e as das atividades de geometria, utilizando
alunos, buscando verificar como os conteúdos foram
trabalhados e apontando algumas das dificuldades que
os alunos têm em resolver problemas de geometria. 6
Um estudo mais aprofundado pode ser obtido em
Para a constituição do corpo de informações a Almouloud, Manrique e Gouvêa (2002).

104 Set /Out /Nov /Dez 2004 No 27


A geometria no ensino fundamental

para isso termos trabalhados na seqüência de ensino: esforço pessoal, sinalizando que todos os alunos po-
o pé, a jarda e a polegada como outras unidades de dem aprender a matemática, embora não citem apren-
medida. Para exemplificar, segue a fala de um aluno: dizagem:

Na aula de matemática tivemos uma aula diferente [...] cada dia aprendo uma coisa, às vezes é um pouco com-
sobre geometria. Medimos a sala com os pés, falamos o plicado de entender, mas no final sempre aprendemos. Tem
que pode ser medido ou não, também medimos carteiras pessoas que têm um pouco de dificuldade, mas algum dia
com algum padrão. O meu padrão foi o lápis. Medimos elas aprendem. (A. 8)
também com o barbante, o pé, o polegar. (A. 4)
Alguns alunos relataram um pouco do que acon-
Alguns alunos chamaram a atenção para o traba- tece nas aulas de matemática, fornecendo uma visão
lho em grupo realizado nessas atividades, explicitando da prática do professor em sala de aula. Outros fala-
que aprenderam mais quando estavam em duplas: ram de aulas em sala de informática e de vídeo para
quebrar a rotina e tornar as aulas mais interessantes:
Juntamos as carteiras entre dois alunos e aprendemos
várias coisas. Eu achei muito legal, porque aprendi muitas [...] nas aulas de computação nós fazemos muitas coisas
coisas que me ajudaram muito. (A. 8) legais, ela dá jogos e traz CD-ROM para alguns dos alunos.
Nós assistimos vídeos, ela traz fitas para os alunos assisti-
Em relação à conscientização do processo de rem e nós achamos legal... (A. 22)
aprendizagem pelo próprio aluno, destacamos um dos
relatos, explicitando que a aprendizagem de conteú- Outra dinâmica utilizada pela professora relaciona-
dos matemáticos pode ser mais significativa: se à utilização do quadro-negro pelos próprios alu-
nos. Alguns relataram que nesses momentos se sen-
Eu aprendi que o mar pode ser medido, que um pré- tiam constrangidos – os outros riam de seus erros –,
dio também etc. Eu gostei muito e minha opinião é que embora para outros esses momentos tornavam a aula
continuasse assim, porque nós aprenderíamos bem mais. mais descontraída e divertida:
(A. 12)
[...] eu só não gosto quando a professora me chama para ir
Podemos dizer que a maioria dos alunos expres- fazer conta na lousa. (A. 13)
sou satisfação e motivação pelas aulas de matemática,
[...] eu só não gosto de ir à lousa, pois se eu errar eu ficarei
usando os seguintes termos para avaliá-las: “eu gos-
vermelha e todas(os) as(os) meninas(os) irão rir de mim.
to”, “são ótimas” e “são boas e interessantes”. Alguns
(A.11)
manifestaram a importância que a matemática possi-
velmente terá em suas vidas, por exemplo, vinculando- Ela chama os alunos para irem à lousa, é super divertido.
a ao futuro emprego: Nós rimos bastante. (A. 14)

[...] eu estudo matemática porque eu sei que vou precisar Apesar de a professora estar participando apro-
dela para crescer e ter um bom emprego. (A. 26) ximadamente há dois anos do processo de formação
em geometria, notamos certa insegurança para traba-
Ao mostrar consciência sobre a importância da lhar com conteúdos desse campo em sua sala de aula.
matemática para o desenvolvimento do indivíduo, al- Além disso, alguns alunos relataram que uma outra
guns falaram que aprenderam assuntos diferentes e professora, também participante do processo de for-
que as dificuldades encontradas requerem sempre um mação e que tem a função de ser eventual para as

Revista Brasileira de Educação 105


Saddo Ag Almouloud, Ana Lucia Manrique, Maria José Ferreira da Silva e Tânia Maria Mendonça Campos

ausências da professora, é quem ensina os conteúdos predisposição dos professores frente à proposta, as-
de geometria. Esse testemunho retrata, infelizmente, sim como tarefas que levassem professores e alunos à
uma prática que sabemos existir em várias escolas: a vivência e ao exercício do trabalho pedagógico, si-
dicotomização matemática/geometria, sendo que esta tuando o uso do computador como uma possibilidade
última, quase sempre, fica relegada no plano de curso rica e promissora a ser explorada.
dos professores titulares da classe para o final do ano; O conjunto das situações-problema proposto, que
nesse caso, somente para as suas ausências. abrange quase todo o campo da geometria habitual-
mente trabalhada nas séries finais do ensino funda-
[...] ela combinou com a professora de geometria para, nas mental, foi escolhido de acordo com as preocupações
aulas dela, usar a parte de geometria do livro de matemáti- dos professores. As situações justificam-se pelos qua-
ca. (A. 23) dros teóricos que escolhemos como pano de fundo:
os registros de representação semiótica, a teoria das
As análises realizadas das questões subjetivas nos situações, os princípios da pesquisa-ação e da enge-
fornecem indícios de mudanças de prática pedagógi- nharia didática.
ca do professor e do interesse de seus alunos. O pro- As ações desenvolvidas no processo de forma-
fessor quer renovar suas estratégias de ensino desen- ção procuraram integrar as ações propostas pelos pro-
volvendo algumas das orientações metodológicas fessores pesquisadores com as dos professores da rede
objetivadas pelo processo de formação em geometria – pública de ensino. Nesses momentos de encontro, os
aulas utilizando novas tecnologias, participação do professores em formação puderam descrever suas prá-
aluno nas correções dos exercícios, explicitação do ticas, discuti-las e escolher as que caminham para uma
erro e sua utilização para identificar deficiências e proposta de integração mais formal e passível de um
possíveis dificuldades para a aprendizagem do aluno, acompanhamento sistemático. A análise do discurso
leitura e cópia de livro para ajudar na aquisição da e das práticas docentes, assim como do discurso dos
linguagem tanto corrente quanto matemática. Porém, alunos sobre as ações pedagógicas vivenciadas, reve-
o professor da sala analisada ainda apresentava, no la importantes indícios de mudanças nas concepções
momento da passagem desses questionários, receio de iniciais e nas práticas pedagógicas dos professores.
trabalhar com conteúdos da geometria, solicitando a Mas os resultados encontrados nos revelaram
uma professora eventual que desenvolvesse as unida- outras questões, que nos permitem propor a continui-
des do livro que tratam desses conteúdos. Quanto aos dade da pesquisa. Pudemos perceber que, embora
alunos, notamos uma certa mudança em relação à grande parte das atividades desenvolvidas envolves-
crença usual de que a matemática só pode ser aprendi- se provas e demonstrações, os professores tiveram
da por alguns poucos alunos, pois relatam que, com aproveitamento longe de nossas expectativas no que
algum esforço, eles conseguem aprender e que as au- diz respeito à demonstração em geometria, sugerindo
las podem ser interessantes e “legais”. as seguintes questões: Quais fatores influenciam no
processo de ensino e aprendizagem da demonstração?
Considerações finais Quais ações desenvolver com os professores para lhes
proporcionar uma apreensão significativa dos proble-
Um dos pontos mais importantes de nossa pes- mas, envolvendo provas e demonstrações? Quais fa-
quisa foi a elaboração dos procedimentos de investi- tores devem nortear a formação inicial e continuada
gação e de formação (questionários, entrevistas, estu- dos professores no que diz respeito às provas e de-
do da origem dos problemas de ensino-aprendizagem, monstrações em matemática, em especial em geome-
construção, análise didática e experimentação de si- tria? Outros pontos que merecem estudo referem-se
tuações de formação) que possibilitassem conhecer a às questões relacionadas à compreensão do trabalho

106 Set /Out /Nov /Dez 2004 No 27


A geometria no ensino fundamental

do professor, suas lógicas de ação, o sistema de deci- cionários: uma formalização das concepções de professores do
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quisa. E-mail: saddoiag@pucsp.br balho para a área de ciências da natureza, matemática e suas tec-
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108 Set /Out /Nov /Dez 2004 No 27


Resumos/Abstracts

gulamentos que levaram à criação de um formação envolvendo professores e O texto procura compreender as rela-
grupo de trabalho específico sobre edu- alunos ções entre os conhecimentos matemáti-
cação matemática na ANPEd (Igliori). Discute os principais resultados de um cos construídos por jovens e adultos
Miguel e Garnica, por fim, discutem, sob projeto de pesquisa que teve como obje- trabalhadores na vida cotidiana e os co-
referenciais distintos, a disciplinarização tivo investigar problemas relativos ao nhecimentos matemáticos escolares.
da educação matemática. São, em resu- ensino e à aprendizagem da Geometria, Para tanto, foi desenvolvida uma pes-
mo, quatro olhares e vozes que, ora em enfrentados por professores da rede pú- quisa etnográfica no Morro de São
fina sintonia, ora em contraponto, sur- blica estadual de ensino, bem como por Carlos, Rio de Janeiro, acompanhando
gem fincados no espaço que os autores seus alunos de 5a a 8a séries. Analisa es- a rotina local de um curso de educação
desejam, com seus discursos, ver conso- sencialmente procedimentos metodoló- de jovens e adultos, assim como aspec-
lidado: a educação matemática. gicos, fundamentos teóricos e principais tos da vida diária dos alunos e da vida
Palavras-chave: educação matemáti- resultados, focalizando a origem dos comunitária na favela. Os resultados
ca; pesquisa; disciplinarização problemas relacionados com o ensino e indicaram uma estreita associação
Mathematical education: a brief a aprendizagem da Geometria, as estra- entre o uso de habilidades matemáticas
history, actions adopted and questions tégias montadas para enfrentar uma par- no cotidiano com a necessidade de ga-
on its formation as a discipline te desses problemas e as mudanças de rantir formas de sobrevivência, assim
This text was elaborated in concepções e práticas de professores. como a importância de fatores afetivo-
autonomous topics in order to discuss Palavras-chave: ensino e aprendiza- emocionais como impulsionadores de
the configuration of mathematical gem; geometria; formação de professo- raciocínio matemático. O mundo da
education as an area of research and, res; mudança de práticas pedagógicas escola e o mundo da vida cotidiana
in a historical panorama, explains and The geometry in primary education: apareceram como separados, assim
analyses how the efforts for its reflections on a training experience como os conhecimentos matemáticos
consolidation in Brazil have been involving teachers and school pertencentes a um ou outro contexto.
effectively implemented. Starting from children Palavras-chave: etnomatemática; edu-
a presentation of some elements related In this text we present the main results cação matemática de jovens e adultos;
to the emergence and organisation of of a research project whose aim was to representações quantitativas e espaciais
research in mathematical education investigate teaching and learning The construction of mathematical
within an international perspective problems in Geometry, faced by public knowledge by young people and
(D’Ambrósio), it goes on to sketch in school teachers and their pupils from 5 th adults from Morro de São Carlos
the motivations and difficulties which to 8 th grade. We intend to concentrate This study aimed to understand
led to the creation of a specific working our discussion on methodological relationships between the everyday
group in mathematical education procedures, theoretical concepts and mathematical knowledge constructed by
within ANPEd (Igliori). Finally, Miguel main results, focusing our analysis on working-class youth and adults and the
and Garnica discuss the three aspects: first, the origin of school mathematical knowledge that
implementation of mathematical problems related to the teaching and they confront when they return to school
education as a discipline from different learning of Geometry; second, the for basic education. For this study, an
theoretical perspectives. There are, courses of action adopted to confront ethnographic research methodology
then, four different views and voices, at some of these problems; and third, was developed in a poor neighbourhood
times finely tuned and, at others, changes in teachers’ concepts and of the city of Rio de Janeiro, Morro de
discordant which arise rooted in that practices. São Carlos, monitoring routines of a lo-
space which the authors with their Key-words: teaching and learning; cal course for adult education, as well
discourses, desire to see consolidated – geometry; teacher development; as aspects of the daily life of the
mathematical education. changes in pedagogical practices students and their community. Results
Key-words: mathematical education; showed a strong association between
research; formation as a discipline Maria Cecilia de Castello Branco the use of mathematical skills in daily
Fantinato life and survival strategies to satisfy
Saddo Ag Almouloud e outras A construção de saberes basic needs. Emotional factors
A geometria no ensino fundamental: matemáticos entre jovens e adultos appeared to stimulate some of the
reflexões sobre uma experiência de do Morro de São Carlos subjects’ mathematical strategies. For

210 Set /Out /Nov /Dez 2004 No 27

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