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1.
Texto sobre tratamento precoce que desapareceu do site do Ministério da
Saúde Reprodução
A ironia bate à porta: recordemos alguns poucos fatos para demonstrar, sem
perder tempo com disputa de narrativas, que o bolsonarismo é incompatível
com governança —e nem sequer penso no luxo de uma “boa governança”, dada
a onipresença paranoica da guerra cultural.
No dia 18 de janeiro, o general Pazuello e sua equipe de
especialistas conseguiram a proeza de falhar na entrega de vacinas para 19
estados —muitos governadores e autoridades esperaram por horas em
aeroportos porque o Ministério da Saúde não foi capaz de organizar uma
planilha de horários de voos! O mestre da logística confundiu-se no
preenchimento de um singelo documento em Excel?
Em fevereiro, depois do inaceitável colapso do sistema hospitalar em Manaus,
o Ministério da Saúde superou seu generoso histórico de equívocos tontos: 76
mil doses da vacina AstraZeneca/Oxford destinadas ao Amazonas foram
enviadas para o Amapá, que deveria ter recebido apenas 2.000 doses. Uma
operação de emergência foi necessária para desfazer a troca.
O ex-ministro general apresentou com voz firme e olhar perdido nada menos
que quatro planos nacionais de vacinação, com datas propriamente
heraclitianas e números infelizmente fictícios. Preciso acrescentar que plano
algum foi implementado?
Passemos do levemente pitoresco ao erro mais obviamente criminoso? Nos
dias 14 e 15 de janeiro, um cenário de terror se abateu sobre Manaus: o oxigênio
acabou nos hospitais da cidade, levando muitas pessoas à morte por asfixia.
Cenas chocantes e comoventes de familiares passando dias inteiros para levar
para casa balões de oxigênio no esforço de salvar seus parentes dominaram os
noticiários.
(Mário de Andrade: Esse homem é brasileiro que nem eu...)
E tudo sempre pode ficar pior no Brasil bolsonarista: 61 bebês prematuros
estavam no meio desse caos. O Ministério da Saúde sabia da iminência da falta
de oxigênio desde o dia 8 de janeiro. No dia 14, em Manaus, no momento
mesmo do desespero, o general Pazuello lançou o aplicativo-guerra-cultural
TrateCOV, programado para receitar o kit-guerra-cultural tratamento precoce.
Há mais: em agosto de 2020, o governo cancelou a compra de parte do
chamado kit intubação, incluindo sedativos e relaxantes musculares, sem os
quais a intubação exige que o paciente seja amarrado à cama, a fim de suportar
a dor intensa provocada pelo procedimento particularmente invasivo. A
simples ideia produz horror: nessas condições, intubar alguém é uma autêntica
sessão de tortura...
A ação do presidente é inqualificável: sabotou a Coronavac e, sem a vacina do
Instituto Butantan, quase não teríamos pessoas imunizadas no país; em agosto
de 2020, recusou a oferta de 70 milhões de doses da vacina Pfizer; provocou
metodicamente aglomerações todo o tempo; recusou-se a usar
máscara; mentiu sobre a determinação do STF acerca da competência de seu
governo no combate à pandemia; antagonizou prefeitos e governadores no afã
de inventar inimigos em série.
Bolsonaro pode imaginar que, na guerra cultural, esteja triunfando. Por isso
mesmo, o Brasil vive a pior tragédia de sua história. O bolsonarismo, vale
repisar, é incompatível com qualquer princípio básico de governança.
Coda
Numa mímica demoníaca, em sua live em 18 de março, Bolsonaro reproduz o
desespero dos que sentem o oxigênio faltar e, emitindo um som gutural, arfa
três vezes. Três vezes arfa e na última parece que ladra. Autorretrato
involuntário, coincidem o guardador e a coisa guardada. No mesmo CPF, dupla
identidade: Cérbero e o Hades.
(Sorri no inferno)