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ESPÉCIE: Processo Disciplinar
PARTES: Sport Lisboa e Benfica – Futebol, SAD (1023), na qualidade de arguida
RELATOR: Leonel Gonçalves
OBJETO: Factos ocorridos por altura da realização do jogo oficial nº 101.05.008,
disputado no Estádio do Sport Lisboa e Benfica, em Lisboa, no dia 18/12/2019, entre a
Sport Lisboa e Benfica – Futebol, SAD e a Sporting Clube de Braga – Futebol, SAD, a contar
para a 5ª eliminatória (oitavos de final) da Taça de Portugal Placard, época desportiva
2019/2020
DATA DO ACÓRDÃO: 21/07/2020
TIPO DE VOTAÇÃO: Unanimidade
NORMAS APLICADAS: Artigos 12º, 15º, 66º, todos do RDFPF; artigos 3º, alíneas i) e
q), 14º, 15º, 16º, 22º, nº 6, e 23º, nº 4, todos da Lei nº 39/2009, de 30 de julho
SUMÁRIO
I - O Relatório de Policiamento Desportivo, elaborado pelas forças policiais no
exercício das suas funções, constitui documento autêntico, que faz prova plena dos factos
que no mesmo são atestados, com base nas perceções da própria autoridade/entidade
documentadora.
II - «Grupo organizado de adeptos» é o conjunto de pessoas, filiadas ou não numa
entidade desportiva, que atuam de forma concertada, nomeadamente através da utilização
de símbolos comuns ou da realização de coreografias e iniciativas de apoio a clubes,
associações ou sociedades desportivas, com carácter de permanência.
III - É obrigatório o registo dos grupos organizados de adeptos junto da Autoridade
para a Prevenção e Combate à Violência no Desporto, tendo que ser constituídos
previamente como associações, nos termos da legislação aplicável.
IV - O segmento normativo constante no artigo 66º do RDFPF «e daí resulte ofensa
para a imagem e o bom nome da FPF ou graves consequências para a competição» não é
um elemento do tipo de ilícito, mas antes uma condição objetiva de punibilidade, não se
prefigurando como necessário que o clube ou agente desportivo queira ou sequer
represente tal ocorrência, antes se bastando a sua verificação.
V - Pratica a infração disciplinar prevista e sancionada pelo artigo 66º do RDFPF a
sociedade anónima desportiva que incumpre as obrigações legais que sobre si impendem
relativas a segurança, prevenção de violência, ética e verdade desportiva, designadamente
ao conceder apoios/facilidades a Grupos Organizados de Adeptos, criando desse modo uma
imagem exterior de insegurança e indiferença relativamente às normas legais e
regulamentares que tal apoio transmite e que, nessa medida, é suscetível de lesar a
imagem e o bom nome da FPF ou graves consequências para a competição.
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ACÓRDÃO
1 Regulamento Disciplinar da Federação Portuguesa de Futebol, com as alterações aprovadas na reunião de Direção
da FPF de 25/06/2019, publicitadas no Comunicado Oficial nº 2, de 01/07/20019, e retificação, aprovada pelo
Comité de Emergência da FPF, na sua reunião de 29/07/2019, publicitada através da republicação do Regulamento
no Comunicado Oficial nº 56, de 30/07/2019, doravante abreviado, por mera economia de texto, por RDFPF”. O
texto regulamentar encontra-se disponível, na íntegra, na página oficial da FPF na internet.
2 Doravante apenas “CDSNP”.
3 De ora em diante também apenas “PSP”.
4 Seguidamente também apenas “BENFICA, SAD”.
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4. No mesmo dia 29/12/2019 os autos foram conclusos à Comissão de Instrução
Disciplinar da FPF, no âmbito da qual, por despacho do Ex.mo Senhor Coordenador
proferido em 07/01/2020, foi nomeada Instrutora aos mesmos - cf. fls. 23.
5. Subsequentemente, a senhora Instrutora efetuou as seguintes diligências e
promoveu a junção aos autos da seguinte documentação relevante:
a) o detalhe de inscrição da BENFICA, SAD nas competições desportivas disputadas
na época 2019/2020, a fls. 24 e 25;
b) o cadastro disciplinar da BENFICA, SAD, de fls. 26 a 46;
c) solicitou à Autoridade para a Prevenção e Combate à Violência no Desporto5,
informação relativa à existência do registo de Grupos Organizados de Adeptos afetos à
BENFICA, SAD, a fls. 47, na sequência do que obteve a informação de que «não há qualquer
registo junto desta Autoridade, de Grupos Organizados de Adeptos afetos ao Sport Lisboa e
Benfica – Futebol SAD», a fls. 63;
d) solicitou à Direção de Arbitragem da FPF, caso existisse, o relatório do observador
da equipa de arbitragem que dirigira aquele jogo oficial nº 101.05.008, a fls. 49, que
prontamente lhe foi facultado, constando de fls. 54 a 62 dos autos;
e) incorporou nos autos o vídeo do jogo oficial nº 101.05.008, gravado no DVD de fls.
65;
f) por referência à factualidade exarada no Relatório de Policiamento Desportivo,
solicitou esclarecimentos à PSP, nos termos constantes a fls. 66 e 69, a qual, por um lado,
respondeu «não é possível fornecer o solicitado, por o processo ser de natureza criminal
(crimes relativos à violência no Desporto) e estar sujeito aos trâmites legais, previstos na
lei», a fls. 71 e, por outro, respondeu que «1. Foi elaborado Auto de Visionamento onde se
descreve o modus operandi de entrada de material associado a 2 GOA (NN e DV) não
legalizados, demonstrando-se desta forma o apoio que o Clube Sport Lisboa e Benfica
presta a estes grupos em todos os jogos ali realizados; 2. Os originais foram enviados à
APCVD; 3. Segue em anexo cópia do Auto de Visionamento bem como dos fonogramas
enviados», a fls. 114, constando o mencionado Auto de Visionamento de fls. 118 a 120 e os
fonogramas de fls. 121 a 140;
g) solicitou à arguida BENFICA, SAD a indicação da existência (e envio) do Plano de
Segurança Interno / Regulamento de Segurança e de Utilização de Espaços de Acesso
Público do Estádio do Sport Lisboa e Benfica, a fls. 76, bem como informação quanto ao
processo de autorização e entrada, para as portas 28-A e 11 do Estádio do Sport Lisboa e
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Pergunta 5: «Sempre que os jogadores tinham a bola ou sofriam uma falta qual era o
comportamento daqueles grupos de adeptos?»
Resposta: «Nada a relatar»
Pergunta 6: «É recorrente a presença destes grupos de adeptos nos jogos do Sport
Lisboa Benfica SAD?»
Resposta: «Estes GOA estão sempre presentes nos eventos onde participa a equipa
profissional de 11 do SLB, quer como visitado ou como visitante, seja em território nacional
ou fora de Portugal nomeadamente no âmbito das competições europeias. Estas
deslocações são efetuadas de forma concertada com pontos de encontro próprios o que os
distingue de forma clara dos adeptos não pertencentes aos GOA. Marcam presença
também em eventos de outras modalidades, dependendo a sua presença da importância do
encontro e o adversário que o SLB defronte».
6. Findo o inquérito, em 21/05/2020, a senhora Instrutora considerou existirem nos
autos indícios suficientes da prática de infrações disciplinares, pelo que deduziu acusação
contra a BENFICA, SAD, que consta de fls. 199 a 214, assim cumprindo o disposto no artigo
238º do RDFPF, que naquele dia submeteu à apreciação do Inquiridor (cf. cota de fls. 215)
e, após obter a adesão expressa do mesmo (cfr. despacho de fls. 216), procedeu à
notificação da mesma à arguida, o que fez através de correio eletrónico remetido em
03/06/2020 (cf. fls. 217).
7. Ainda nesse dia 03/06/2020 os autos foram apresentados ao Conselho de
Disciplina da FPF e, por despacho do Ex.mo Senhor Presidente daquele mesmo dia,
distribuídos e feitos conclusos a Relator (cf. fls. 224 e 225).
8. Após ter sido notificada da acusação, por mensagens de correio eletrónico
expedida naquele mesmo dia, veio a arguida BENFICA, SAD requerer o envio de cópia
integral dos autos, que imediatamente lhe foi disponibilizada, como resulta de fls. 226 e
229.
9. No prazo que lhe foi concedido para o efeito, em 09/06/2020, veio a BENFICA,
SAD, através de correio eletrónico remetido pelo seu ilustre mandatário (cf. procuração de
fls. 108), apresentar a sua defesa escrita, que infra se haverá de reproduzir, que consta a fls.
233 a 263, na qual requereu a inquirição de duas testemunhas e juntou 13 (treze)
documentos, que constam de fls. 264 a 304.
10. Atenta a situação excecional motivada pela pandemia Covid 19, em 12/06/2020 a
senhora Instrutora questionou o ilustre mandatário da BENFICA, SAD se pretendia que a
inquirição das testemunhas arroladas fosse efetuada através de videoconferência, tendo o
mesmo manifestado que assim fosse, contanto que as testemunhas fossem ouvidas a partir
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do seu domicílio profissional ou pessoal, evitando-se assim qualquer deslocação, como
resulta de fls. 305 e 306.
11. Nessa sequência, após prévia marcação de dia e hora, e breve explicação dos
materiais e procedimentos a adotar para a realização de tal diligência de inquirição de
testemunhas (cf. de fls. 308 a 312), no dia 26/06/2020, pelas 14:30 horas, perante a
senhora Instrutora e através de videoconferência desde o domicílio profissional da arguida,
prestaram declarações como testemunhas Duarte Nésbitt Correia Botelho e Paulo
Alexandre Amaral Clara Nogueira, constando o auto da respetiva inquirição a fls. 313 e a
respetiva gravação no DVD de fls. 314.
12. Considerando finda a instrução, no dia 07/07/2020 a senhora Instrutora procedeu
à elaboração de relatório final, que consta de fls. 315 a 387, no qual, a final, propõe a
condenação da arguida BENFICA, SAD nas sanções concretas de interdição de jogar 3 (três)
jogos no seu recinto desportivo e ainda em 1.020,00 € (mil e vinte euros) de multa, pela
prática da infração disciplinar prevista e sancionada pelo artigo 66º do RDFPF.
13. Não obstante no dia 08/07/2020 a senhora Instrutora ter feito os autos conclusos
ao Relator, aconteceu que, no dia 10/07/2020, ocorreram eleições para os órgãos sociais da
FPF, para o quadriénio 2020-2024, o que determinou uma nova composição deste CDSNP,
razões que determinaram a Ex.ma Senhora Presidente do Conselho de Disciplina da FPF, em
14/07/2020, a proferir despacho de redistribuição do processo, ao abrigo do disposto no
artigo 18º, nº 4, do Regimento do Conselho de Disciplina, na sequência do qual foram os
autos redistribuídos e feitos conclusos a diferente Relator em 16/07/2020, tudo como se
afere de fls. 388 a 392. O atual Relator entendeu reunidas as condições processuais para
encerramento da fase da instrução e elaboração de projeto de acórdão, nos termos do
disposto no artigo 245º do RDFPF.
§2. Acusação
14. Entendeu a acusação que, no jogo dos autos, estiveram presentes dois Grupos
Organizados de Adeptos8, apoiantes da BENFICA, SAD, denominados “No Name Boys” e
“Diabos Vermelhos”, que utilizavam símbolos comuns, mais concretamente cachecóis,
camisolas, coreografias, bandeiras e faixas alusivas à arguida, que entoavam cânticos de
apoio à mesma, de forma sistemática, que beneficiam do seu apoio, traduzido na
acomodação e permissão de entrada dentro do seu Estádio dos adereços e objetos
8
«Grupo organizado de adeptos» é, na definição constante no artigo 3º, alínea i), da Lei nº 39/2009, de 30 de julho,
«o conjunto de pessoas, filiadas ou não numa entidade desportiva, que atuam de forma concertada, nomeadamente
através da utilização de símbolos comuns ou da realização de coreografias e iniciativas de apoio a clubes,
associações ou sociedades desportivas, com carácter de permanência», doravante também apenas “GOA”.
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utilizados nas manifestações de apoio ao clube durante os jogos oficiais, sobretudo no
concernente às faixas e bandeiras de dimensão superior a 1 m por 1 m; que a BENFICA,
SAD não apresenta registo daqueles GOA na APCVD, pelo que, ao apoiá-los, agiu
conscientemente com a intenção de não cumprir os Regulamentos Federativos e a Lei,
violando – de forma censurável - o dever de segurança, prevenção de violência, ética e
verdade desportiva, e que tal acarreta graves consequências para a competição e para a
imagem da FPF, nomeadamente pela imagem exterior de insegurança e indiferença
relativamente às normas legais e regulamentares que tal apoio transmite.
15. Mais considerou a acusação que a BENFICA, SAD, ao não registar junto da
entidade competente (APCVD) os GOA em questão, conforme exigido nos artigos 14º e 15º
da Lei 39/2009, bem como no artigo 4º do Regulamento de Prevenção da Violência da FPF,
e ao apoiar tais GOA, em violação do disposto no artigo 15º, nº 6, daquela Lei, agiu de
forma livre, voluntária e consciente, violando – de forma censurável – as obrigações legais e
regulamentares que sobre si impendem relativas a segurança, prevenção de violência, ética
e verdade desportiva, o que acarreta graves prejuízos para a competição bem como a
ofensa para a imagem e o bom nome da FPF, razões pelas quais lhe imputa a prática da
infração disciplinar muito grave prevista e sancionada pelo artigo 66º (Inobservância de
outros deveres relativos à proteção dos valores desportivos) do RDFPF.
16. O libelo acusatório vem suportado no acervo documental suprarreferido nos
pontos 3. e 5. deste acórdão.
§3. Defesa
17. Como se disse supra, a arguida BENFICA, SAD apresentou tempestivamente
defesa escrita, na qual requereu a inquirição de testemunhas e juntou documentos, do
seguinte teor (transcrição):
“(…)
DEFESA
nos termos e com os seguintes fundamentos:
I
DA ACUSAÇÃO
1. De acordo com a Acusação, nos presentes autos é imputada à Sport Lisboa e Benfica –
Futebol, SAD (doravante, SL Benfica SAD) a prática de “uma infração disciplinar muito grave
prevista e sancionada pelo artigo 66.º (Inobservância de outros deveres relativos à proteção
dos valores desportivos) do RDFPF, à qual corresponde, em abstrato, à aplicação da sanção
de interdição de jogar 2 a 4 jogos no seu recinto desportivo e cumulativamente multa entre
5 e 10 UC.”.
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2. Para fundamentar a pretensa inobservância qualificada de deveres por parte da SL
Benfica SAD, classificada pelo RD FPF como infracção muito grave e sancionada com
interdição de recinto desportivo, a acusação invoca o facto de no jogo SL Benfica SAD vs SC
Braga SAD, realizado a 27/12/2019, no Estádio do SL Benfica, terem sido colocadas no
recinto desportivo e exibidas durante a partida bandeiras de dimensão superior a 1m por
1m, com dizeres de apoio ao SL Benfica, mais concretamente, as expressões “Demasiado
Fiéis para Desistir”, “MCMLXXXII” e “Benfica” (com a letra “N” invertida), bandeiras essas
entregues à organização do jogo por parte de adeptos auto intitulados Diabos Vermelhos e
No Name Boys, não registados como grupo organizado de adeptos (GOA) junto da APCVD.
3. Conclui assim a Acusação que “[a] arguida, SL Benfica SAD, ao não registar junto da
entidade competente (nomeadamente a APCVD) os GOA`S em questão, conforme exigido
nos artigos 14º e 15º da Lei 39/2009, bem como no artigo 4º do Regulamento de Prevenção
da Violência da FPF, e ao apoiar tais GOA`S ilegais em violação do disposto no artigo 15º, nº
6 daquela Lei, agiu de forma livre, voluntária e consciente, violando – de forma censurável –
as obrigações legais e regulamentares que sobre si impendem relativas a segurança,
prevenção de violência, ética e verdade desportiva, o que acarreta graves prejuízos para a
competição, bem como a ofensa para a imagem e o bom nome da FPF. Assim sendo, temos
que a SL Benfica SAD praticou a infração disciplinar muito grave prevista e sancionada no
artigo 66.º (Inobservância de outros deveres relativos à proteção dos valores desportivos)
do RDFPF.”.
4. Porém, como adiante se demonstrará, não só a SL Benfica SAD não violou qualquer dever
legal ou regulamentar, como, ademais, inexistem quaisquer factos na Acusação imputáveis
à SL Benfica SAD, por acção ou omissão, que sejam susceptíveis de constituir “graves
prejuízos para a competição” ou “ofensa para a imagem e o bom nome da FPF”.
II.
DOS FACTOS
a)
Da Acusação
5. A arguida aceita, porque verdadeira, a factualidade introdutória inserta nos artigos 1º a
9º da Acusação.
6. É, porém, falsa a alegação de que a SL Benfica SAD permite a entrada no recinto
desportivo ou a ostentação de qualquer material coreográfico com simbologia alusiva a
qualquer GOA; razão pela qual se impugna, quanto ao conteúdo ou quanto ao sentido que a
Acusação lhe quer dar, a matéria vertida nos artigos 10º, 11º,15º, 16º, 17º e 18º da
Acusação.
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7. É ainda totalmente falso, e por isso impugna-se, o teor dos artigos 14º e 25º da
Acusação, que, aliás, é desmentido pelo próprio Relatório de Policiamento Desportivo
porquanto nenhum adepto da SL Benfica SAD coloca, antes da abertura de portas, qualquer
material coreográfico no recinto desportivo. Como é referido naquele relatório e adiante se
demonstrará somente funcionários da Digital Decor e ARD’s, integrados na organização do
jogo, têm acesso ao recinto antes da abertura de portas.
8. Por ser falso, impugna-se ainda o conteúdo do artigo 21º da Acusação, na medida em
que na página do Facebook da SL Benfica SAD inexiste qualquer alusão a qualquer claque do
clube; deverão existir, sim, inúmeras fotografias da bancada do Estádio do SL Benfica
repletas de sócios e adeptos do SL Benfica, não discriminando a SL Benfica, como é evidente,
quaisquer adeptos, independentemente do género, etnia, cor ou ideologia. Publicar no
Facebook fotografias das bancadas do Estádio do SL Benfica não constitui, como é óbvio,
qualquer forma de apoio a qualquer claque, pelo que só por eventual má-fé é que tal
conclusão poderia ser sequer aventada.
9. Importa ainda acrescentar que a Acusação, na parte supostamente dedicada aos factos,
está, no geral, repleta de matéria de natureza conclusiva, especulativa, desprovida de
qualquer rigor ou objectividade, e que não tem subjacente qualquer facto concreto. Disso
exemplo é o alegado nos artigos 11º, 18º, 19º, 24º, 25º, 26º, 28º, 29º e 30º da Acusação.
10. Alude-se na Acusação, por exemplo, ao suposto entoar de cânticos por parte de adeptos,
pretensamente de apoio à equipa ou “fortalecimento e enaltecimento” das claques. Porém,
em momento algum, a Acusação concretiza quais os cânticos entoados (v. arts. 11º, 18º e
24º da Acusação). Desconhece, portanto, a defesa, em absoluto, a que cânticos e músicas se
refere a Acusação.
11. É dito ainda, a dado passo, que existirá até um elemento que coordena a sequência das
músicas e os timings em que são entoadas. Contudo, para além de não se saber quais são
as músicas, não é feita qualquer identificação da pessoa que assume o papel de “maestro”
(v. art. 19º da Acusação). Em todo o caso, tanto quanto se sabe, cantar num estádio ou
incitar a cantar não é comportamento proibido, salvo se porventura as músicas ou cânticos
tiverem conteúdo ofensivo, racista, xenófobo ou de incitamento ao ódio e à violência, o que
não é, em momento algum, alegado na Acusação.
12. É ainda evidente na Acusação – na parte dedicada aos factos – o recurso a inúmeras
expressões vagas, genéricas e até a conceitos jurídicos, de que é exemplo o conceito de
grupo organizado de adeptos (incluído no art. 24º da Acusação), a afirmação de que a SL
Benfica SAD “nada te[m] feito para registar os referidos Grupos Organizados de Adeptos…”
(art. 28º da Acusação) ou a repetida alusão a bandeiras de grandes dimensões ou de 1m por
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1m, inexistindo qualquer dado concreto que permita aferir sobre o concreto tamanho das
faixas ou bandeiras.
13. Pelo sobredito, deverá ser expurgada da matéria de facto toda a matéria vertida nos
artigos 11º, 18º, 19º, 24º, 25º, 26º, 28º, 29º e 30º da Acusação, que mais não reproduz do
que meros juízos, especulações, conclusões ou opiniões da Acusação.
14. Importa, por fim, referir que nos artigos 22º e 23º da Acusação estão descritos factos
pelos quais a arguida já foi disciplinarmente condenada, tendo por base decisão sumária
transitada em julgado e já cumprida pela SL Benfica SAD (cf. Mapa de Castigos junto aos
autos a fls. 2). Pretende agora a Acusação voltar a submeter tais factos a julgamento para
tentar inculcar a ideia no julgador de que as bandeiras de apoio à SL Benfica SAD causam
grave prejuízo à imagem da FPF não em si mesmo (porque a realidade é que o conteúdo de
tais bandeiras é totalmente lícito), mas porque exibidas em zona dedicada a adeptos
considerados de risco (v. artigo 29º da Acusação). No entanto, reitere-se, tais factos já
foram objecto de julgamento e condenação jusdisciplinar, pelo que não podem, de modo
algum, ser novamente levados à acusação e novamente julgados, ainda que desta feita com
o propósito de tentar agravar a imputação jurídico-disciplinar que se pretende dirigir à
arguida por pretensa inobservância qualificada de deveres prevista no artigo 66º do RD FPF.
15. Não temos dúvidas que, extraindo os factos vertidos nos artigos 22º e 23º da Acusação,
mais injustificada e desproporcional é a qualificação jurídica dos novos factos (colocação e
exibição no recinto desportivo de bandeiras e faixas de apoio à SL Benfica SAD) à luz do
artigo 66º do RD FPF, especialmente quando existe norma – o artigo 116º do mesmo RD FPF
– que prevê e pune a violação não qualificada de deveres regulamentares e legais por parte
dos clubes.
16. Em todo o caso, não podem factos já julgados e condenados pelo Conselho de Disciplina
– descritos nos artigos 22º e 23º da Acusação – ser agora novamente utilizados numa
acusação e num julgamento para agravar a qualificação do tipo jurídico-disciplinar de
factos novos sob pena de violação do princípio ne bis in idem constitucionalmente
consagrado no artigo 29º, 5, da Constituição da República Portuguesa (CRP)9 e acolhido
também no artigo 9 do RD FPF; princípio esse que, como exigência da liberdade do
indivíduo, impede que os mesmos factos sejam julgados repetidamente, sendo indiferente
que estes possam ser contemplados de distintos ângulos penais, formal e tecnicamente
distintos.
17. No limite, respeitadas as regras da reincidência, tais factos (já julgados e condenados)
poderiam ser considerados (eventual e tão-somente) para efeitos de determinação concreta
9 Dispõe o artigo 29º, 5, da CRP que “[n]inguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo
crime”.
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da pena a aplicar; nunca para qualificação do tipo, isto é, para conversão de uma
inobservância simples de deveres prevista no artigo 116º do RD FPF para uma inobservância
qualificada de deveres prevista no artigo 66º do mesmo RD FPF, pretendendo gerar-se ideia
de especial censurabilidade e perversidade da conduta.
18. Consequentemente, dever-se-á expurgar da matéria de facto os factos inscritos nos
artigos 22º e 23º da Acusação, por respeito ao princípio ne bis in idem.
b)
Da defesa
19. O propósito da SL Benfica SAD e do SL Benfica é o de proporcionar um espectáculo
desportivo agradável e seguro a todos os que se deslocam a recintos desportivos onde se
organizem espectáculos desportivos por si organizados ou promovidos.
20. O Estádio do SL Benfica figura, aliás, entre os estádios melhores e mais seguros do
mundo, registando número de incidentes que a SL Benfica SAD tem procurado
continuamente reduzir, mas que, no geral, não têm assumido particular gravidade ao nível
da integridade física dos espectadores.
21. Esse facto deve-se à postura intransigente assumida pela SL Benfica SAD (e pelo SL
Benfica), nomeadamente através do seu Departamento de Prevenção e Segurança,
nomeadamente, na pessoa do seu actual Director, Nuno Constâncio, ou do seu anterior
Director, Rui Simões Pereira.
22. E bem assim, a uma estreita colaboração com os órgãos de polícia criminal que se
deslocam aos recintos desportivos para efectuar o seu policiamento durante os eventos,
23. E com os assistentes de recinto desportivo contratados para auxiliar na manutenção das
condições de segurança.
24. É, pois, este comportamento da SL Benfica SAD – por todos reconhecido e aceite – e dos
demais envolvidos na segurança do espectáculo desportivo que possibilita que alguns dos
maiores eventos desportivos nacionais e internacionais tenham sido realizados (com grande
sucesso) no Estádio do SL Benfica, nomeadamente, a final do Euro 2004 e a final da UEFA
Champions League 2013/2014.
25. Em 2019, em estudo da especialidade que teve por base diversos parâmetros, o Estádio
do SL Benfica foi inclusive considerado o 6º melhor estádio do mundo – cf. doc. 1 adiante
junto.
26. É um facto que são comummente associadas à arguida duas “claques”: os “No Name
Boys” e os “Diabos Vermelhos”.
27. Como quaisquer “claques”, tais grupos nasceram da livre vontade de determinados
sócios ou adeptos vivenciarem o jogo e apoiarem o seu clube de modo próprio.
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28. Que a SL Benfica SAD saiba, as referidas “claques” não têm personalidade nem
existência jurídica, reconduzindo-se a um grupo de adeptos – segundo a SL Benfica SAD tem
logrado apurar, todos eles sócios do Sport Lisboa e Benfica – que se juntam para apoiar o
Sport Lisboa e Benfica nos desafios que este e a aqui arguida (SL Benfica SAD) disputam nas
mais diversas modalidades individuais ou singulares.
29. Na verdade, a designação “No Name Boys” (“dois «N» invertidos”) corresponde a uma
marca registada junto do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Marca Nacional n.º
483098) em nome de Paulo Alexandre Santos Pinto, Ricardo Jorge Amarante Gonçalves,
Nélson Miguel Lourenço Silvestre, Paulo Sérgio Borges Dias, Lourenço Avillez Assis Gomes,
Rui Miguel Abrantes Pais Dores, Hugo Jorge Fernandes C. Caturna, Pedro Miguel Pereira
Taranta, Tiago Francisco Nunes Carvalho Lucena, Pedro Afonso Ferreira Silva, Rui Miguel
Martins Embalo, Nuno Miguel Duarte Rodrigues, Bruno Alexandre Costa Castro, Paulo
Sérgio Faias Oliveira Pinto, João Paulo Orvalho Castro, José Luís Mendes Tavares, Bruno
Alexandre Vicente Parreira, Hugo Alexandre Marques Cerqueira, Luís Miguel Sanches Pina,
Carlos Jorge Delgado Varela Pargana, Paulo Tiago Lourenço Santos, Miguel Filipe Alves
Azevedo Álvares Pereira e Tiago Filipe Jesus Martins – cf. doc. 2 adiante junto.
30. Por sua vez, a designação “Diabos Vermelhos” corresponde à Marca Nacional n.º
317517, registada junto do Instituto Nacional da Propriedade Industrial em nome de Jorge
Manuel Dantas Perestrelo de França – cf. doc. 3 adiante junto.
31. É política da SL Benfica SAD permitir que os seus associados utilizem cachecóis,
bandeiras e outros adereços alusivos ao SL Benfica, bem como solicitem a afixação no
Estádio do SL Benfica de faixas, contanto que o façam nos termos da lei e dos regulamentos
aplicáveis.
32. É entendimento da SL Benfica SAD, baseado na sua experiência competitiva, que a
exibição dos referidos adereços, bandeiras e faixas alusivos ao SL Benfica, enquanto forma
de activação da marca Benfica, contribuem para um melhor ambiente no estádio, de maior
apoio à equipa.
33. Essas faixas são colocadas no âmbito de acções autorizadas e ou a pedido de sócios ou
adeptos do SL Benfica nos termos das leis e regulamentos aplicáveis, nos jogos nacionais e
nos jogos internacionais.
34. Em matéria de segurança e utilização do Estádio do SL Benfica, a SL Benfica SAD
elaborou e cumpre o Regulamento de Segurança e de Utilização de Espaços de Acesso
Público (RSUEAP) do SL Benfica, que está registado pelo Instituto Português do Desporto e
da Juventude (IPDJ) desde 31/07/2017 sob a referência 1/2017/RSUEAP/Est e que
presentemente está depositado na Autoridade para a Prevenção e Combate à Violência no
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Desporto (APCVD), como expressamente é confirmado por esta Autoridade a fls. 159 dos
presentes autos.
35. De acordo com o mencionado RSUEAP, em determinados sectores do Estádio do SL
Benfica, a SL Benfica SAD pode permitir a entrada de tarjas e bandeiras, desde que, entre
outros requisitos, o conteúdo não seja de carácter racista, xenófobo ou violento (ou de
incentivo a qualquer um desses comportamentos) e a sua colocação possa ser efectuada em
segurança e com respeito pelos adeptos que assistem ao jogo.
36. Em relação à entrada e colocação de faixas ou bandeiras, o ponto “IX – Vigilância de
Adeptos”, alíneas a) e b), do RSUEAP, depositado na APCVD e em vigor desde a época
2017/208, expressamente estabelece que:
“a. Mediante autorização prévia do SLB, para as bancadas topo sul, piso 0 (sectores 5 a 12)
e topo norte, piso 0 (sectores 27 e 28), é permitida a entrada de bandeiras e tarjas com
símbolos e mensagens de apoio ao SLB, desde que não contenham quaisquer símbolos ou
referências a grupos ou simbologia com mensagens ofensivas, de carácter racista ou
xenófoba. As hastes das bandeiras deverão ser de material flexível (do “tipo PCV” ou
similar).
b. Estas bandeiras não constam da lista de objectos cuja entrada é proibida, nos termos da
lei, em recintos desportivos” (cf. RSUEAP junto aos autos a fls. 161 e ss. Vide, em especial,
vide fls. 177).
37. Os sócios do SL Benfica podem, por isso, solicitar a afixação de tarjas ou faixas nos
sectores referidos no RSUEAP desde que cumpram um conjunto de requisitos para o efeito,
nomeadamente:
a) a afixação da faixa seja previamente solicitada, devidamente acompanhada de fotografia
ou desenho da mesma;
b) o conteúdo da faixa não seja ofensivo, racista, xenófobo ou violento (ou de incentivo a
qualquer um desses comportamentos);
c) a sua colocação possa ser efectuada por elementos da organização do jogo,
nomeadamente pelos colaboradores da empresa responsável pela activação de marca e
animação – no caso, a Digital Decor –, em segurança e com respeito pelos adeptos que
assistem ao jogo, o que implica a verificação do conteúdo e a colocação dessas faixas antes
da abertura de portas.
38. Essa solicitação, existindo, é feita pelos sócios, normalmente através do Departamento
de Casas, do Departamento de Sócios ou do Oficial de Ligação de Adeptos.
39. Recebido o pedido, é o mesmo encaminhado para o Departamento de Segurança que
avalia os elementos supramencionados e autoriza – ou não – a colocação da(s) faixa(s).
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40. Caso as faixas ou tarjas sejam previamente aprovadas pela SL Benfica SAD, a empresa
de activação de marca e animação – a Digital Decor – recebe o material coreográfico, antes
da abertura de portas, e coloca as referidas faixas ou tarjas nas zonas do recinto
expressamente autorizadas pelo RSUEAP.
41. Nenhum sócio ou adepto do SL Benfica acede ao interior do recinto desportivo, antes da
abertura de portas, para colocar qualquer bandeira ou faixa na bancada.
42. Em todos os jogos são efectuadas diversas solicitações de exibição de faixas ou cartazes
por parte de sócios, conjunto de sócios ou Casas do Benfica.
43. Constituindo um direito de todos os sócios previsto no RSUEAP não pode a nenhum deles
ser negado o exercício de tal direito (sob pena de violação do princípio constitucional da
igualdade previsto no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, como adiante se
verá).
44. O procedimento de entrada e colocação de material coreográfico de apoio ao SL
Benfica, nos termos permitidos pelo RSUEAP, está estandardizado e é absolutamente
transparente, encontrando-se articulado entre todos os agentes envolvidos na organização
do jogo – cf. docs. 4, 5 e 6 adiante juntos.
45. E é também do pleno conhecimento da Polícia de Segurança Pública, que nunca proibiu
a entrada e colocação dos referidos materiais coreográficos no Estádio do SL Benfica.
46. É hábito da SL Benfica SAD impedir a entrada no recinto desportivo de elementos que
configurem reproduções dos logótipos registados dos “No Name Boys” e “Diabos
Vermelhos”.
47. É ainda de registar que, antes de cada jogo, são efectuadas revistas aos adeptos, sendo
que muitas vezes é impedida a entrada de objectos das mais diversas naturezas.
48. No caso das bandeiras de apoio ao SL Benfica, a entrada é feita nos termos previstos no
RSUEAP e o seu uso é permitido nos sectores do Estádio definidos no mesmo RSUEAP.
49. O material coreográfico que é exibido no Estádio do SL Benfica não incita, nem alude a
práticas ou factos violentos, racistas, xenófobos ou antidesportivos, nem contém qualquer
conteúdo ofensivo, como, aliás, decorre da Acusação.
50. Existe um manifesto comprometimento da Administração da SL Benfica SAD com a
segurança, conforme é público e notório. Não é por acaso que a Federação Portuguesa de
Futebol e a UEFA repetidamente recorrem ao Estádio do SL Benfica para a realização de
eventos de elevada importância.
51. Por outro lado, os cânticos entoados são respeitadores das regras de sã convivência
desportiva, da boa educação e do decoro. E nem da Acusação resulta o que quer que seja
em contrário.
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52. Não aludem, portanto, a quedas de aviões, bebidas alcoólicas, relações de filiação e/ou
animais irracionais, apenas a título meramente exemplificativo, não consubstanciando, por
tal motivo, qualquer ilícito.
53. No jogo em causa nenhum sócio ou adepto do SL Benfica violou o perímetro de
segurança para colocar quaisquer bandeiras ou faixas dentro do Estádio.
54. Essa colocação foi feita por pessoal devidamente credenciado ligado à empresa “Digital
Decor”, responsável pela activação da marca Benfica durante os jogos.
55. A “Digital Decor” é, aliás, uma empresa de referência nesta área, razão pela qual é a
empresa a quem Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Federação Portuguesa de
Futebol também recorrem nos jogos que promovem, nomeadamente, nos jogos da Selecção
Nacional – cf. doc. 7 adiante junto.
56. Os factos descritos não consubstanciam, pois, quaisquer concessões de facilidades de
utilização das instalações a grupos de adeptos, como falsamente alega a Acusação.
57. Diga-se ainda, que a introdução das faixas em causa não se encontra vedada, nem por
lei, nem por qualquer outro acto de qualquer outra natureza, “aos espectadores comuns dos
eventos desportivos, e, especialmente, aos normais frequentadores dos estádios de futebol”
(o que quer que tal queira significar),
58. É, outrossim, uma prática permitida por lei e pelo RSUEAP do SL Benfica, ainda que
condicionada, seja pela necessidade de assegurar o conforto dos espectadores que assistem
ao espectáculo desportivo, seja pela validação do conteúdo das mesmas, conforme às
regras da ética e do espírito desportivo.
Mais.
59. O procedimento de entrada e colocação de material coreográfico de apoio ao SL
Benfica, como se disse, é estandardizado, feito de acordo com a lei e o RSUEAP.
60. E não só é seguido pela SL Benfica SAD nos jogos realizados no Estádio do SL Benfica
como é igualmente adoptado por demais clubes e entidades, nomeadamente pela
Federação Portuguesa de Futebol nos jogos em que assume a qualidade de organizadora da
competição e ou promotora do espectáculo desportivo.
61. Esse mesmo procedimento de entrada e colocação de material coreográfico de apoio ao
SL Benfica foi, aliás, o procedimento instituído e exigido pela Federação Portuguesa de
Futebol no jogo da Supertaça Cândido Oliveira, disputado entre a SL Benfica SAD e a
Sporting CP SAD, a 04/08/2019, no Estádio Algarve, organizado pela Federação.
62. E o material coreográfico colocado no Estádio do Algarve foi precisamente o mesmo que
é habitualmente exibido no Estádio do SL Benfica.
63. Para permitir a entrada e colocação do referido material coreográfico, entre o qual
faixas e bandeiras de maiores dimensões, o que a Federação Portuguesa de Futebol exigiu
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foi que o conteúdo das faixas e bandeiras fosse previamente fiscalizado pela Federação
Portuguesa de Futebol e que, por razões de segurança, tal entrada e afixação fosse feita
antes da abertura de portas, procedimento que foi cumprido. Tal e qual o que sucede nos
jogos organizados pela SL Benfica SAD no Estádio do SL Benfica.
64. Este procedimento está, aliás, devidamente documentado em correspondência
directamente trocada entre o Gestor de Eventos e Oficial de Ligação aos Adeptos da SL
Benfica SAD, Nuno Gago, e o Responsável de Segurança da Federação Portuguesa de
Futebol, Marco Abreu, mas que tem em cópia também o Director de Eventos e o Director de
Competições da Federação Portuguesa de Futebol, Daniel Pires e Carlos Lucas – cf.,
designadamente, emails datados de 29/07/2019, 30/07/2019 e 31/07/2019, e 15
fotografias a ele anexas, email datado de 01/08/2019, email datado de 02/08/2019 e foto
adiante juntas como docs. 8, 9, 10 e 11.
65. Cumpre a este respeito reiterar que as bandeiras e faixas cuja entrada no Estádio
Algarve a Federação Portuguesa de Futebol validou são precisamente as mesmas que são
habitualmente exibidas no Estádio do SL Benfica (cf. fotografias que integram docs. 8 e 11).
66. E seguindo o mesmo procedimento que a SL Benfica SAD adopta, por razões de
segurança, também a Federação Portuguesa de Futebol determinou que “[a] montagem
ter[ia] que ser feita antecipadamente, pelas 16H00 junto ao acesso Sul do Estádio, operação
que será acompanhada e verificada pelas Forças de Segurança e pelos ARDs.”, portanto,
cerca de 4h45 antes do início do jogo e necessariamente antes da abertura de portas e em
específico para a Bancada do Topo Sul do Estádio Algarve (cf. doc. 10).
67. Neste sentido, cumprindo procedimento conforme à lei, institucionalizado e validado
pela Federação Portuguesa de Futebol em jogo por ela organizado – no caso, a Supertaça
Cândido de Oliveira –, no referido encontro foi exibida, entre outras, bandeira branca com o
emblema do SL Benfica e afixada faixa com os dizeres “E PLURIBUS UИUM”, com um “N”
invertido, letra que, pelos vistos, choca à Acusação (cf. doc. 10) (v. art. 16º da Acusação).
68. Não se compreende, pois, por que motivos a SL Benfica SAD está a ser perseguida
disciplinarmente quando os presentes autos têm por objecto factos que a Federação
Portuguesa de Futebol, nomeadamente através do Departamento de Competições, do
Departamento de Eventos e do Departamento de Segurança, reconhece como lícitos nos
jogos por esta organizados e por procedimentos ou práticas que também Federação
Portuguesa de Futebol adopta.
Para além disso:
69. A SL Benfica SAD mantém sistema de videovigilância com mais de 400 câmaras; sistema
esse que é superior a todos os demais instalados nos restantes estádios das competições
profissionais.
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70. Adopta medidas de controlo e vigilância no Estádio do SL Benfica com recurso, em
média, a mais de 400 assistentes de recinto desportivo, número superior ao presente nos
demais estádios das competições profissionais – em jogos de risco elevado, como o SL
Benfica vs Sporting CP, por exemplo, ascende até a 458 stewards.
71. Instalou, em 2011, de forma pioneira em Portugal, caixa de segurança destinada a
adeptos das equipas visitantes, num investimento aproximado de EUR 350.000,00 (medida,
à data, muito criticada pelos clubes adversários, mas, entretanto, acolhida e imposta pelo
próprio Regulamento de Competições da LPFP).
72. Colabora activamente com as forças de segurança na identificação/referenciação de
comportamentos e adeptos de risco.
73. Recorre, a expensas próprias, à contratação dos serviços da Unidade Cinotécnica do
Grupo de Operações Especiais da PSP para detecção de artefactos e engenhos pirotécnicos
nas bancadas, no dia do jogo, antes da abertura de portas.
74. Nos jogos disputados fora do Estádio do SL Benfica, a SL Benfica SAD faz-se sempre
acompanhar pelo Director de Segurança ou pelo Director de Segurança Adjunto e pelo
Oficial de Ligação aos Adeptos, de modo a poder, através de acção de esforço conjunto com
o clube visitado e com as forças de segurança, criar condições acrescidas de segurança para
os adeptos e prevenir quaisquer comportamentos antidesportivos de intolerância, racismo,
xenofobia, violência e ou de falta de fair play.
75. Em concreto, no que respeita à deflagração de pirotecnia e tochas, é de referir que a SL
Benfica SAD tem assumido uma postura pública adversa a tudo o que se encontra associado
a tal fenómeno.
76. Dá instruções a todos os envolvidos na segurança do evento desportivo de que não
deverá ser permitida a entrada de qualquer engenho pirotécnico.
77. Na revista pessoal dos adeptos procede a uma busca activa desses engenhos.
78. Igualmente, antes de cada evento desportivo, as bancadas do estádio são, após o
encerramento, inspeccionadas,
79. Muitas vezes com recurso a brigadas cinotécnicas, pagas pela SL Benfica SAD, com vista
à detecção de engenhos explosivos.
80. Mais, existem constantes apelos, desde o exterior do Estádio,
81. A mensagens na linha digital em torno do relvado,
82. À instalação sonora no Estádio,
83. Apelando ao não uso de tais engenhos.
84. Para além da miríade de acções de sensibilização desenvolvidas junto dos adeptos.
Ademais:
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85. Nos jogos realizados no Estádio do SL Benfica, sempre que a Polícia de Segurança
Pública regista incidentes provocados por adeptos ligados ao SL Benfica, a SL Benfica SAD
solicita ao PNID a identificação dos adeptos e a descrição dos factos de forma a poder
apurar se são ou não sócios do SL Benfica e, se sim, a poder exercer a acção disciplinar sobre
tais sócios/associados – cf. doc. 12 adiante junto.
86. No jogo em apreço, entre a SL Benfica SAD e a SC Braga SAD, a arguida, mais uma vez,
solicitou essa informação ao PNID (cf. doc. 12).
87. Embora não tenha tido, até à data, qualquer resposta.
88. É evidente que urge prevenir e reprimir todos os comportamentos antidesportivos e de
violência associados ao desporto.
89. Não há, contudo, em Portugal clube ou sociedade desportiva que invista tanto em
prevenção e segurança como a SL Benfica SAD.
90. Nos dias 21 e 22 de Janeiro de 2020, realizaram-se, em Braga, no Estádio AXA, as meias
finais da Allianz Cup, mais conhecida por Taça da Liga, organizadas e promovidas pela Liga
Portuguesa de Futebol, e que opuseram a SC Braga SAD à Sporting SAD, e a Vitória SC SAD à
FC Porto SAD.
91. Nos referidos jogos não participou, pois, a SL Benfica SAD nem como competidora, nem
como promotora do espectáculo desportivo.
92. Ambos os jogos ficaram, todavia, marcados por inúmeros arremessos de tochas e
deflagração de engenhos pirotécnicos, apesar da promoção do espectáculo desportivo e
revista de pessoas e bens ter competido à Liga Portuguesa de Futebol, em coordenação com
as forças de segurança – cf. doc. 13 adiante junto.
93. Depois dos encontros, o Sr. Presidente da Liga, Pedro Proença, prestou declarações aos
jornalistas, afirmando que, apesar da revista minuciosa e do rigor das medidas tomadas
pela Liga e pela Polícia de Segurança Pública, é impossível evitar, no quadro actual, que tais
episódios antidesportivos sucedam (cf. doc. 13).
94. Os incidentes ocorridos na mencionada final four tiveram, como é evidente, muito maior
impacto mediático do que tem a entrada de bandeiras e faixas de apoio ao SL Benfica num
estádio.
95. Desconhece-se, todavia, a instauração de qualquer processo disciplinar à Liga pelo
fracasso na organização da referida final four.
III.
DO DIREITO
a)
Do pretenso apoio às claques
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96. De acordo com a Acusação, nos presentes autos é imputada à SL Benfica SAD a prática
de uma infracção disciplinar p. e p. pelo artigo 66º do RD FPF por pretensa violação dos
deveres previstos nos artigos 14º e 15º da Lei n.º 39/2009, e 4º do Regulamento de
Prevenção da Violência da FPF.
97. Para fundamentar a pretensa inobservância qualificada – portanto, especialmente
grave – de deveres por parte da SL Benfica SAD, com a sanção de interdição de jogar 2 a 4
jogos no seu recinto desportivo, a Acusação alega que a SL Benfica SAD “ao não registar
junto da entidade competente (nomeadamente a APCVD) os GOA`S em questão, conforme
exigido nos artigos 14º e 15º da Lei 39/2009, bem como no artigo 4º do Regulamento de
Prevenção da Violência da FPF, e ao apoiar tais GOA`S ilegais em violação do disposto no
artigo 15º, nº 6 daquela Lei, agiu de forma livre, voluntária e consciente, violando – de
forma censurável – as obrigações legais e regulamentares que sobre si impendem relativas
a segurança, prevenção de violência, ética e verdade desportiva, o que acarreta graves
prejuízos para a competição bem como a ofensa para a imagem e o bom nome da FPF.
98. Essa acusação é, todavia, destituída de qualquer fundamento. Vejamos por partes.
99. Prescreve o número 1 do artigo 14º da Lei n.º 39/2019 que “[é] obrigatório o registo dos
grupos organizados de adeptos junto da APCVD, tendo que ser constituídos previamente
como associações, nos termos da legislação aplicável.”.
100. Complementando o número 2 do mesmo artigo que “[o] incumprimento do disposto no
número anterior veda liminarmente a atribuição de qualquer apoio, por parte do promotor
do espetáculo desportivo, nomeadamente através da concessão de facilidades de utilização
ou cedência de instalações, apoio técnico, financeiro ou material.”.
Ora:
101. É público e notório que inexiste qualquer grupo organizado de adeptos de apoio ao SL
Benfica registado junto do IPDJ ou da APCVD porque, como é sabido, nenhum grupo de
sócios e/ou adeptos do SL Benfica quis, até à data, associar-se e constituir-se como
associação, nos termos da legislação aplicável ou do associativismo juvenil.
102. O direito de associação é um direito constitucionalmente previsto no artigo 46º, 1, da
CRP, acrescentando o n.º 3 do mesmo artigo que “[n]inguém pode ser obrigado a fazer
parte de uma associação nem coagido por qualquer meio a permanecer nela.”.
103. O dever legal de registo não é, pois, dever que recaia sobre a SL Benfica SAD,
mormente porque não pode obrigar quem quer que seja a constituir ou filiar-se em qualquer
associação. É, pois, às claques que que assiste esse direito e dever (na eventualidade de
quererem beneficiar dos privilégios atribuídos por lei aos grupos organizados de adeptos).
104. Neste sentido, por respeito ao mencionado direito fundamental à liberdade de
associação, não pode a SL Benfica SAD ser responsabilizada, seja a que título for, pela não
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constituição de associação ou pelo não registo de qualquer grupo de sócios e ou adeptos
junto do IPDJ ou da APCVD.
105. Labora assim a Acusação em manifesta confusão quando refere no artigo 43º do libelo
acusatório que a SL Benfica SAD não está a cumprir a lei por não ter registado junto da
APCVD as referidas claques. Não é a SL Benfica SAD quem tem o dever ou sequer o poder
para constituir qualquer grupo de adeptos como associação nos termos da lei civil.
106. Pode e deve, porém, a SL Benfica SAD, como tem sido hábito, cumprir a lei e prestar
toda a colaboração necessária às autoridades públicas, nomeadamente às forças de
segurança, de modo a criar o máximo de condições para que o espectáculo desportivo
decorra em segurança, qualquer que seja a tipologia de sócios e ou adeptos.
107. Sem embargo do predito, é igualmente público e notório que determinados sócios e ou
adeptos do SL Benfica utilizam o nome e a simbologia “No Name Boys” e “Diabos
Vermelhos”, sendo comummente designados de “claques”.
108. O fenómeno social das chamadas “claques” é, antes de mais, isso mesmo: um
fenómeno social que é anterior e nasceu independentemente da aprovação e publicação de
qualquer lei, nomeadamente, da referida Lei n.º 39/2009.
109. Como já tivemos oportunidade de referir, segundo o que a SL Benfica SAD sabe, as tais
“claques” não têm personalidade ou sequer existência jurídica, reconduzindo-se a um grupo
informal de adeptos – tanto quanto tem sido logrado apurar, todos eles sócios do Sport
Lisboa e Benfica – que se juntam para apoiar o Sport Lisboa e Benfica nos desafios em que
as equipas do Clube e da SAD disputam nas mais diversas modalidades individuais ou
singulares.
110. Por outra banda, a designação “No Name Boys” (“dois «N» invertidos”) corresponde a
uma marca registada junto INPI, ao passo que a designação “Diabos Vermelhos”
corresponde à Marca Nacional, também ela registada junto do mesmo Instituto.
111. É, pois, natural que, tratando-se de sinais distintivos de conhecimento público e
registados no INPI, seja outrossim nomenclatura utilizada pelos Delegados da Liga e pela
Polícia de Segurança Pública (PSP) para designar os sócios e ou adeptos do SL Benfica que
assim se apresentam e auto-intitulam.
112. Não é, todavia, pela circunstância de a eles assim se referirem os Delegados da Liga ou
a PSP que tais sócios ou adeptos, auto ou hetero-intitulados “No Name Boys” ou “Diabos
Vermelhos”, deixam de poder usufruir dos direitos (e dos deveres) que lhes assistem
enquanto cidadãos e ou sócios do SL Benfica.
113. O que, naturalmente, não podem é beneficiar, nem beneficiam da concessão por
parte da SL Benfica SAD de quaisquer privilégios reservados por lei aos grupos
organizados de adeptos, como a Acusação erroneamente afirma.
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114. Não pode é a SL Benfica SAD, como é evidente, proibir qualquer sócio com as quotas
em dia de exercer os direitos que lhe assistem enquanto sócio tão-somente por auto se
intitular ou ser hétero-denominado pertencente a qualquer claque sob pena de violação do
princípio da igualdade previsto no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, em
especial, se o RSUEAP registado junto do IPDJ e agora depositado na APCVD prevê
expressamente a possibilidade de entrada e colocação de faixas e bandeiras em
determinados sectores do Estádio do SL Benfica, mais concretamente, as bancadas topo sul,
piso 0 (sectores 5 a 12) e topo norte, piso 0 (sectores 27 e 28).
115. É evidente que esses sectores da bancada são maioritariamente ocupados por sócios e
adeptos que auto se intitulam “No Name” ou “Diabos Vermelhos”. Porém, todos os sócios
ou adeptos que assistem aos jogos nesses sectores são titulares de bilhete de ingresso para
o jogo ou de bilhete de época (red pass), podendo também assistir ao jogo, naqueles
sectores, qualquer pessoa que adquira bilhete de ingresso válido para aquela zona do
estádio.
116. Em momento anterior à abertura de portas ao público é natural que seja permitido o
acesso à bancada por parte de pessoas ligadas à organização do jogo e activação de
marcas – normalmente, da empresa Digital Decor – com vista à colocação de faixas de
apoio ao SL Benfica.
117. Essas faixas de apoio ao SL Benfica, quando afixadas, são colocadas nos termos das leis
e regulamentos aplicáveis, nomeadamente da Lei n.º 39/2009, de 30 de Julho, na redacção
em vigor, bem como do RSUEAP.
118. De acordo com o que resulta inequivocamente do mencionado RSUEAP, devidamente
aprovado e registado junto do IPDJ, em determinados sectores do Estádio do SL Benfica, a
SL Benfica SAD pode permitir a entrada de tarjas e bandeiras, desde que, entre outros
requisitos, o conteúdo não seja de carácter racista, xenófobo ou violento (ou de incentivo a
qualquer um desses comportamentos) e a sua colocação possa ser efectuada em segurança
e com respeito pelos adeptos que assistem ao jogo.
119. Em relação à entrada e colocação de faixas ou bandeiras, vide, em especial, o ponto “IX
– Vigilância de Adeptos”, alíneas a) e b), do RSUEAP, ignorado pela Acusação, que
explicitamente refere que:
“a. Mediante autorização prévia do SLB, para as bancadas topo sul, piso 0 (sectores 5 a 12)
e topo norte, piso 0 (sectores 27 e 28), é permitida a entrada de bandeiras e tarjas com
símbolos e mensagens de apoio ao SLB, desde que não contenham quaisquer símbolos ou
referências a grupos ou simbologia com mensagens ofensivas, de carácter racista ou
xenófoba. As hastes das bandeiras deverão ser de material flexível (do “tipo PCV” ou
similar).
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b. Estas bandeiras não constam da lista de objectos cuja entrada é proibida, nos termos da
lei, em recintos desportivos” (cf. fls. 177 dos autos).
120. Cumpre ademais referir que todo o material coreográfico que é exibido no Estádio do
SL Benfica durante os diversos jogos é comprovadamente respeitador das regras de sã
convivência social e desportiva, da boa educação e do decoro, respeitando em absoluto a
honorabilidade dos árbitros de futebol, bem como de todos e quaisquer titulares de órgãos
de soberania, ao contrário do que ainda no final da época passada sucedeu noutro recinto
desportivos em que são realizados jogos da “Liga NOS”.
121. O material coreográfico que, modo genérico, é exibido no Estádio do SL Benfica não
incita, nem alude, portanto, a práticas ou factos violentos, racistas, xenófobos ou
antidesportivos, nem contém qualquer conteúdo ofensivo. Não consubstancia, por isso,
qualquer ilícito.
122. Inexiste, portanto, qualquer concessão de apoio ilegal por parte da SL Benfica SAD a
quaisquer sócios, adeptos, grupos de sócios ou grupo de adeptos.
123. Pelo contrário, todas as bandeiras e tarjas de apoio à equipa respeitam a Lei n.º
39/2009 e o RSUEAP do Estádio do SL Benfica, cuja conformidade com a lei foi
devidamente verificada e validada pelo IPDJ, entidade que aprovou o respectivo registo.
124. Caso contrário, naturalmente que a Polícia de Segurança Pública, no uso das suas
competências, procederia à apreensão do material em causa no momento de entrada no
estádio ou, pelo menos, durante os jogos, o que nunca sucedeu.
125. Nos jogos realizados no Estádio do SL Benfica inexiste, portanto, material coreográfico
de apoio ao SL Benfica susceptível de possibilitar ou gerar actos de violência, racismo,
xenofobia ou intolerância nos espectáculos desportivos, ou qualquer outra forma de
discriminação, ou que traduzam manifestações de ideologia política.
126. Por outro lado, como se comprova nos autos, nenhum sócio ou adepto do SL Benfica
violou o perímetro de segurança do jogo, tendo as bandeiras e faixas exibidas sido
colocadas nos respectivos locais por pessoas credenciadas da “Digital Decor” integradas na
organização do jogo.
Ademais,
127. Como dissemos, o procedimento de entrada e colocação de material coreográfico no
Estádio do SL Benfica é absolutamente lícito e uniformizado.
128. E não só é procedimento seguido pela SL Benfica SAD nos jogos realizados no Estádio
do SL Benfica como é igualmente a práctica adoptado por demais clubes e entidades,
nomeadamente pela Federação Portuguesa de Futebol nos jogos em que assume a
qualidade de organizadora da competição e ou promotora do espectáculo desportivo.
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129. Prova disso mesmo é o facto de ter sido esse precisamente, tal como alegado e
demonstrado supra, o procedimento instituído e validado pela Federação Portuguesa de
Futebol na organização do jogo da Supertaça Cândido Oliveira, disputado entre a SL Benfica
SAD e a Sporting CP SAD, a 04/08/2019, no Estádio Algarve, em que sócios e adeptos do SL
Benfica foram autorizados pela Federação Portuguesa de Futebol a entrar com faixas e
bandeiras de grandes dimensões, contanto que, por razões de segurança, tal entrada e
afixação fosse feita antes da abertura de portas e que o conteúdo das faixas e bandeiras
fosse previamente fiscalizado pela Federação Portuguesa de Futebol, o que sucedeu.
130. Cumpre reafirmar que as bandeiras e faixas cuja entrada no Estádio Algarve a
Federação Portuguesa de Futebol validou são precisamente as mesmas que são
habitualmente exibidas no Estádio do SL Benfica.
131. Neste sentido, cumprindo procedimento conforme à lei, institucionalizado e validado
pela Federação Portuguesa de Futebol em jogo por ela organizado – no caso, a Supertaça
Cândido de Oliveira –, no referido encontro foi exibida, entre outras, bandeira branca com o
emblema do SL Benfica e afixada faixa com os dizeres “E PLURIBUS UИUM”, como alegado
e demonstrado já na presente defesa.
132. Não se compreende, pois, por que motivos a SL Benfica SAD está a ser disciplinarmente
acusada quando os presentes autos têm por objecto factos que a Federação Portuguesa de
Futebol, nomeadamente através do Departamento de Competições, do Departamento de
Eventos e do Departamento de Segurança, reconhece como lícitos nos jogos por esta
organizados e por procedimentos ou práticas que também Federação Portuguesa de
Futebol adopta.
133. É consabido que o exercício da acção disciplinar integra-se no quadro de poderes
públicos cometidos às federações, prevendo expressamente o artigo 2º, n.º 1, do Código do
Procedimento Administrativo que “[a]s disposições do presente Código respeitantes aos
princípios gerais, ao procedimento e à atividade administrativa são aplicáveis à conduta de
quaisquer entidades, independentemente da sua natureza, adotada no exercício de poderes
públicos ou regulada de modo específico por disposições de direito administrativo”.
134. Em concreto, estabelece o artigo 10º do CPA, intitulado “princípio da boa-fé”, no n.º 1,
que “[n]o exercício da atividade administrativa e em todas as suas formas e fases, a
Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da
boa-fé”, acrescentando o n.º 2 que “[n]o cumprimento do disposto no número anterior,
devem ponderar-se os valores fundamentais do Direito relevantes em face das situações
consideradas, e, em especial, a confiança suscitada na contraparte pela atuação em causa e
o objetivo a alcançar com a atuação empreendida.” (sublinhado nosso).
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135. O princípio da boa-fé legalmente previsto no citado artigo 10º do CPA tem, aliás,
expressa consagração constitucional no artigo 266º da CRP.
136. Como refere a jurisprudência “… [o] princípio da boa fé assume-se como um dos
princípios gerais que servem de fundamento ao ordenamento jurídico. IV – Tal princípio
apresenta-se como um dos limites da actividade discricionária da Administração. V – Um
dos corolários do princípio da boa-fé consiste no princípio da protecção da confiança
legitima, incorporando a boa-fé o valor ético da confiança. VI – A exigência da protecção da
confiança é também uma decorrência do principio da segurança jurídica, imanente ao
principio do Estado de Direito….”10.
137. O princípio da boa-fé e da protecção da confiança, embora de difícil definição, é, no
entanto, de fácil percepção na sua essência, impondo, na esfera do direito administrativo,
que toda a conduta integrada nas relações jurídicas estabelecidas entre Administração e os
administrados deve respeitar os valores associados à boa fé, nomeadamente, a lealdade, a
honestidade e a rectidão. Ligada ao princípio da boa fé está assim a tutela da confiança
legítima dos particulares, alicerçada numa conduta prévia da Administração que gera a
confiança no partícula de que toda a actuação que se segue manterá uma determinada
lógica.
138. A confiança protege, assim, o cidadão de eventuais alterações drásticas que possam
ser realizadas pela Administração susceptíveis de gerar danos ao particular que
legitimamente confiou na prévia actuação e boa-fé da Administração, ao mesmo passo que
assegura uma certa estabilidade das relações jurídicas, garantindo ao indivíduo que a
conduta administrativa encerra um certo grau de previsibilidade ou segurança jurídica.
139. Neste sentido, violaria frontalmente o princípio da boa-fé e protecção da confiança a
condenação disciplinar da arguida pela prática de infracção considerada muito grave com
fundamento na prática de factos e adopção de procedimento que também a Federação
Portuguesa de Futebol adopta nos jogos que promove e organiza, nomeadamente no
caso já citado da Supertaça.
Por outro lado:
140. Na Acusação é amiúde afirmado que a SL Benfica SAD permitiu no jogo SL Benfica SAD
vs SC Braga SAD a entrada no recinto de bandeiras ou faixas de dimensão superior a 1m por
1m, ainda que em momento algum a Acusação concretize qual a dimensão, mesmo que
aproximada, de tais faixas ou bandeiras.
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147. Note-se ainda que nestes autos não estão em causa quaisquer factos relacionados com
agressões, rebentamento de petardos, deflagração de tochas, invasão do terreno de jogo,
interrupção de jogos, cânticos xenófobos ou racistas, nem sequer a ostentação de bandeiras
ou faixas com dizeres ofensivos de quem quer que seja, que têm sido punidos pelas
instâncias disciplinares com meras penas de multa. Nestes autos julga-se, sim, a ostentação
de bandeiras e faixas ou tarjas de apoio ao SL Benfica e com simbologia do SL Benfica.
148. Pelo predito e em suma, é fácil concluir que, ao contrário do que lhe é imputado na
Acusação, a SL Benfica SAD não violou qualquer dever, nomeadamente, os deveres previstos
nos artigos 14º e 15º da Lei n.º 39/2009, e 4º do Regulamento de Prevenção da Violência da
FPF.
b)
Da infracção disciplinar imputada – art. 66º do RD FPF
149. A SL Benfica SAD está acusada da violação dos deveres previstos nos artigos 14º e 15º
da Lei n.º 39/2009, e 4º do Regulamento de Prevenção da Violência da FPF; deveres esses
que, pelas razões expostas, demonstrou-se já não terem sido violados.
150 Em todo o caso, porque juridicamente injusta e infundada, importa também tomar
posição sobre a qualificação jurídica feita na Acusação.
Ora:
151. O Regulamento Disciplinar da FPF classifica as infracções, consoante o grau de
gravidade, em infracções leves, graves e muito graves, fixando as sanções e as respectivas
molduras abstractas em função da gravidade dos ilícitos típicos.
152. Mais prevê, na maior parte dos casos, concretos tipos de ilícito para condutas
concretamente descritas. Porém, antevendo os casos em que a violação de deveres legais
ou regulamentares não se enquadram nas infracções tipicamente previstas, recorre ao
modelo da atipicidade para prever que os demais casos de violação de deveres não
especialmente previstos nas restantes normas do RD FPF são sancionadas por recurso às
cláusulas gerais descritas nos artigos 116º e 66º do mesmo RD FPF.
153. Dispõe o artigo 116º do RD FPF que “[o] clube que, em todos os casos não
especialmente previstos neste Regulamento, viole dever imposto pelos regulamentos,
normas e instruções genéricas da FPF e demais legislação desportiva aplicável, é sancionado
com multa entre 1 e 10 UC, se sanção mais grave não lhe for aplicável por força de outra
disposição deste Regulamento.”, integrando-se esta infracção na categoria das infracções
leves.
154. Por outro lado, estabelece o artigo 66º do RD FPF, intitulado “[i]nobservância de outros
deveres relativos à proteção dos valores desportivos”, que “[o] clube que, em todos os
outros casos não especialmente previstos no presente Regulamento, incumpra as
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obrigações legais ou regulamentares que sobre si impendem relativas a segurança,
prevenção de violência, ética e verdade desportiva, e daí resulte ofensa para a imagem e o
bom nome da FPF ou graves consequências para a competição, é sancionado com
interdição de 2 a 4 jogos de jogar no seu recinto desportivo e cumulativamente com multa
entre 5 e 10 UC.”. Prevê este artigo, ao contrário do 116º do mesmo RD FPF, infracção
classificada como muito grave.
155. Estamos assim perante infracções com gravidade absolutamente distinta: uma leve,
outra muito grave.
156. Constituem pressupostos da prática do ilícito disciplinar previsto no artigo 66º – de que
a arguida está acusada – que determinado Clube:
i) incumpra as obrigações legais ou regulamentares que sobre si impendem relativas a
segurança, prevenção de violência, ética e verdade desportiva; e que
ii) daí resulte ofensa para a imagem e o bom nome da FPF ou graves consequências para a
competição.
157. Exige, portanto, a norma em causa que da violação dos deveres em matéria de
segurança, prevenção de violência, ética e verdade desportiva resulte uma determinada
consequência, concretamente especificada na mesma norma.
158. Não há nos autos qualquer facto ou prova que, sequer indiciariamente, sustente que
da conduta da arguida tenha resultado qualquer ofensa para a imagem e bom nome da
FPF.
159. Do mesmo modo, inexistem nos autos quaisquer elementos que indiciem que da
conduta da arguida resultaram graves consequências para a competição.
160. Os conceitos jurídicos de “ofensa para a imagem e bom nome da FPF” e “graves
consequências para a competição” carecem, como é evidente, de ser integrados por factos
concretos, muito graves, que permitam retirar tais conclusões (de ofensa ao bom nome e
imagem, ou de graves prejuízos para a competição). De outro modo, nunca poderá uma
simples violação de deveres – ainda que fosse o caso, mas não é – configurar a prática de
infracção qualificada pelo RD FPF como muito grave.
161. Nesse aspecto, aliás, a Acusação é elucidativa: não estão sequer alegados quaisquer
factos concretos imputáveis à arguida e susceptíveis de configurar ofensa para a imagem
e o bom nome da FPF ou graves consequências para a competição.
162. E não está alegada qualquer factualidade desse jaez porque, pura e simplesmente,
mesmo que porventura existisse a violação de qualquer dever legal ou regulamentar por
parte da arguida (que não existe), nunca tal violação seria idónea ou teria tido o efeito de
lesar a imagem da FPF ou de causar grave prejuízo para as competições.
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163. Cumpre, aliás, recordar, com propriedade, que as competições em Portugal,
infelizmente, têm ficado marcadas por comportamentos muito graves praticados por
pessoas ligadas a grupos organizados de adeptos de clubes integrados nas competições
profissionais; parte deles registados junto do IPDJ – facto que não tem sido, ainda assim,
dissuasor das prácticas ilícitas.
164. Não está esquecida, aliás, a posição tomada pela generalidade dos árbitros de pré-
anunciarem greve aos jogos da Liga enquanto se mantivesse o manto de suspeição sobre
eles criado.
165. Está também na memória de todos a invasão ao Centro de Treino dos Árbitros na Maia
por alegados membros do grupo organizado de adeptos intitulado “Super Dragões”, afectos
à FC Porto SAD. Por ocasião da mencionada invasão, noticiou-se até que o árbitro então
ameaçado – Artur Soares Dias – apresentou queixa na Polícia de Segurança Pública.
166. Não nos olvidamos ainda vandalização da habitação do árbitro Vasco Santos.
167. E é também pública a “visita” de membros do grupo organizado de adeptos “Super
Dragões” ao estabelecimento comercial do pai do árbitro (entretanto jubilado) Jorge
Ferreira, noticiada com o título “claque do FC Porto ameaça família de Jorge Ferreira em
Fafe”.
168. Na mesma linha estão bem presentes igualmente as ameaças feitas a árbitros e
tornadas púbicas pelo Presidente da Federação Portuguesa de Futebol na Assembleia da
República.
169. E é de destacar ainda, a título de exemplo, que, no final da época passada, num jogo
disputado entre a SL Benfica SAD e o CD Feirense, em Santa Maria da Feira, também o VAR
do mencionado jogo, Bruno Paixão, foi vítima de insultos e ameaças graves, alegadamente
protagonizadas por adeptos do FC Porto, que motivaram a apresentação por parte do
árbitro de queixa-crime no DIAP.
170. Por último e para evitar fastidiosa exposição, está bem presente na memória de todos,
mesmo daqueles que não são adeptos de futebol, a invasão da Academia do Sporting, em
Alcochete, que originou inclusivamente acusação de terrorismo contra grupo organizado de
adeptos registado junto do IPDJ.
Ora:
171. Se em nenhum dos citados casos – ao que se sabe – foi entendido pelo Conselho de
Disciplina da FPF que tais condutas de membros de grupos organizados de adeptos afectos
a clubes integrados nas competições da Federação e da Liga eram susceptíveis de ofender a
imagem da FPF e de causar graves prejuízos para a competição, colidiria de forma chocante
com o mais elementar princípio da proporcionalidade que pudesse a arguida ser punida
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neste processo à luz do artigo 66º do RD FPF quando o que aqui está em causa é a mera
entrada ou colocação de bandeiras de apoio à equipa no Estádio do SL Benfica.
172. Estamos, pois, perante qualificação jurídico-disciplinar à luz do artigo 66º do RD FPF
que é manifestamente injusta, desproporcional, injustificada e que constitui afronta grave
ao princípio da proporcionalidade (e da proibição do excesso) previsto no artigo 266º, 1,
da CRP e no artigo 7º do CPA, que determina que “[n]a prossecução do interesse público, a
Administração Pública dev[a] adotar os comportamentos adequados aos fins prosseguidos”
e que “[a]s decisões da Administração que colidam com direitos subjetivos ou interesses
legalmente protegidos dos particulares só podem afetar essas posições na medida do
necessário e em termos proporcionais aos objetivos a realizar.”.
173. Neste sentido, mesmo admitindo por mera hipótese de raciocínio que a conduta da
arguida era ilícita, que não é, nessa eventualidade, atenta a manifesta falta de gravidade
dos factos, sempre teria tal conduta que ser integrada na previsão do artigo 116º do RD
FPF, por respeito ao princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso, sempre teria
que tal comportamento. É, pois, patente que a Acusação, também por esta razão, violação
a lei, nomeadamente, o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 266º, 1, da
CRP e no artigo 7º do CPA.
174. Por último, importa destacar, como também refere o Tribunal da Relação de Lisboa no
Acórdão de 04/10/2018, proferido no processo 603/17.4Y4LSB.L1, em que foi recorrente a
aqui arguida, que a ostentação de bandeiras e faixas como as que constam da Acusação
não colocam minimamente em causa o bem jurídico que é tutelado pelas normas invocadas:
a segurança e a ética nos recintos desportivos.
175. Não assumem, portanto, qualquer relevância ou dignidade contra-ordenacional ou
disciplinar, muito menos para que possam ser enquadradas regulamentarmente como
inobservância qualificada de deveres p. e p. pelo artigo 66º do RD FPF.
176. Ademais, sustenta e bem o mencionado aresto da Relação, proibir adeptos e sócios que
decidiram não se constituir legalmente como associação de ostentar bandeiras ou faixas
com dizeres lícitos nos estádios sempre violaria o princípio da igualdade previsto no artigo
13º da CRP e o direito à liberdade de expressão consagrado no artigo 37º, 1, também da
CRP; princípio e direito que vinculam e devem ser respeitados por todas as entidades
públicas e privadas, mormente pelos órgãos disciplinares no momento de interpretação das
normas e de aplicação do direito (cf. artigo 18º da CRP).
IV.
CONCLUSÃO
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Nestes termos e nos mais de direito, deverá a acusação ser julgada inteiramente
improcedente, por não provada, com consequente absolvição da arguida, por não ter sido
praticada a infracção disciplinar que lhe é imputada.
(…).”
11 Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248 -B/2008, de 31 de dezembro (regime jurídico das federações desportivas e do
estatuto de utilidade pública desportiva) e alterado pelo artigo 4.º, alínea c), da Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro
(Cria o Tribunal Arbitral do Desporto e aprova a respetiva lei) e ainda pelos artigos 2º e 4º Decreto-Lei n.º 93/2014,
de 23 de junho, cujo texto consolidado constitui anexo a este último.
12 Publicado no Comunicado Oficial da FPF nº 173, de 13/01/2017, e disponível, na íntegra, na página oficial da FPF
na internet.
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idem, previsto no artigo 29º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa e no artigo 9º
do RDFPF.
22. Inexistem outras questões prévias que tenham sido suscitadas ou que importe
conhecer, sendo que, os elementos constantes nos autos são bastantes para habilitar a
tomada de decisão.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
IV – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
§1. A prova no direito disciplinar desportivo
23. O artigo 220º, nº 2, do RDFPF, estatui que «Salvo quando o Regulamento dispuser
diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção
dos órgãos disciplinares». Contudo, expressamente subtraídos a este normativo disciplinar
ficam, com interesse para o caso, “… os factos presenciados pelas equipas de arbitragem e
pelos delegados da FPF, no exercício de funções, e constantes de relatórios de jogo e de
declarações complementares”, que se presumem verdadeiros, enquanto a sua veracidade
não for fundadamente posta em causa (cfr. artigo 220º, nº 3, do RDFPF2017), constituindo
este um exemplo daquela exceção “Salvo quando o Regulamento dispuser diferentemente
…”.
24. Com efeito, neste enquadramento, os factos constantes dos Relatórios de Jogo
gozam de valor probatório especial e reforçado, de presunção de veracidade (presunção
“juris tantum”), que se mantém enquanto não for “fundadamente” posta em causa. A
opção legislativa assenta na posição de independência que os árbitros assumem perante o
jogo – diversa do clubismo que afeta os restantes intervenientes – e ao facto de serem, ali,
os representantes da FPF, o que permite atribuir, aprioristicamente, especial credibilidade
aos factos por estes relatados. Mas, com relevância para a decisão, o que emerge é o
esforço probatório que, nestes casos, se impõe aos acusados: apresentar prova bastante
para fazer a contraprova, para colocar fundadamente em causa, ou justificadamente em
dúvida, os factos constantes no Relatório do Jogo, ou nas declarações complementares
prestadas pela equipa de arbitragem que dirigiu o jogo.
25. Esse valor probatório qualificado constitui um mecanismo justificado pela
atribuição de funções particularmente importantes aos árbitros e aos delegados da FPF,
zelando pelo cumprimento dos regulamentos, nomeadamente em matéria disciplinar, e
representando a instituição em jogos oficiais. O superior interesse das competições,
realizado no âmbito dos poderes de natureza pública exercidos pela própria FPF, justificam
a aludida presunção de veracidade das declarações daqueles, vinculados que estão aos
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deveres de isenção e equidistância, distanciando-se desse modo das disputas clubísticas
que envolvem os participantes naquelas competições.
26. Assim, perante tal presunção de veracidade, aos arguidos que pretendam sindicar
e/ou refutar a materialidade relatada por árbitros e delegados da FPF, desde que
diretamente percecionados no exercício das respetivas funções oficiais, impõe-se um
especial esforço probatório, exigindo-se-lhes a apresentação de prova bastante para
legítima e racionalmente questionar, colocar fundadamente em causa ou justificadamente
pôr em dúvida, a veracidade dos factos narrados nos relatórios oficiais ou declarações
complementares. Desse modo, o valor probatório reforçado de que gozam tais relatórios
oficiais apenas será abalado quando, perante a prova produzida, existam fundadas razões
para acreditar que o seu conteúdo não é verdadeiro.
27. Finalmente, referir ainda que, no atinente à atividade decisória, face à força
probatória especial e reforçada de que tais relatórios beneficiam, outrossim se impõe ao
julgador um “especial dever de fundamentação”13 quando entenda dever afastar-se aquela
presunção de veracidade. Em todo o caso, importa ainda tomar em linha de conta que, à
semelhança do processo penal, neste contexto e à luz do que determina o artigo 220º, nº 1,
do RDFPF, «São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei (…) podendo os
interessados apresentá-las diretamente ou requerer que sejam produzidas quando forem de
interesse para a justiça da decisão».
28. Mister é, contudo, notar que a admissibilidade, em sede disciplinar desportiva, de
todas “as provas que não forem proibidas por lei” nunca poderá fazer-se (sob pena de
incompreensível contradição) sem a consequente transposição do regime (probatório
material) legal inerente a cada meio de prova. Tal aferição releva especialmente quando,
em sede disciplinar, se apresentem meios de prova a que a lei atribua especial relevância
probatória.
29. Neste particular, atento o acervo probatório junto aos autos, não se deve ignorar
que os relatórios das forças policiais, por serem exarados por “autoridade pública” ou
“oficial público”, no exercício público das “respetivas funções” (para as quais é competente
em razão da matéria e do lugar), constituem documento autêntico (cfr. artigo 363º, nº 2 do
Código Civil), cuja força probatória se encontra vertida nos artigos 369º e seguinte do
mesmo Código. Nesse particular, tal relatório faz “prova plena dos factos que referem como
praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles
são atestados com base nas percepções da entidade documentadora” (cfr. artigo 371º, nº 1,
13Convocando o pensamento de PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, este «A limitação do julgador consiste em que ele deve
“fundadamente” pôr em causa a autenticidade ou veracidade do documento», In Comentário ao Código de Processo
Penal, 2.ª Edição, Un. Católica Editora, 2008, pág. 452.
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do Código Civil). Tal valor probatório apenas pode ser afastado com base na sua falsidade
(cfr. artigo 372º, nº 1, do Código Civil), sendo que, no contexto processual penal e nos
termos do artigo 169º do Código de Processo Penal, se consideram “provados os factos
materiais constantes de documento autêntico ou autenticado enquanto a autenticidade do
documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postas em causa”.
Explicitando o conteúdo de tal norma, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE14 esclarece que “O valor
probatório dos documentos autênticos e autenticados é fixado pela lei em termos que
subtraem o juízo do julgador ao princípio da livre apreciação da prova, o que quer dizer que
a apreciação destes documentos não é livre”. Deste modo, a fortiori, também o julgador
disciplinar desportivo se encontra, na apreciação da prova, vinculado à especial força
probatória que, nos termos já apresentados, legalmente é reconhecido ao documento
autêntico – em cujo conceito se integra o Relatório de Policiamento Desportivo, elaborado,
no caso concreto, pela Polícia de Segurança Pública.
14 Idem.
15 Seguidamente também apenas “ARD’s”.
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SAD, nomeadamente entoando durante o jogo diversos cânticos de apoio e através da
utilização de roupa, cachecóis, bandeiras, de dimensão superior a 1 m por 1 m, coreografias
e outros adereços alusivos à mesma, existindo um elemento que coordena a sequência e os
timings em que os mesmas são entoados;
6) Tais adeptos, em todos os jogos de futebol realizados no Estádio Sport Lisboa e
Benfica, cuja equipa visitada é a BENFICA, SAD, utilizam sempre os mesmos locais de
concentração e entram pelas portas 11 e 28-A e ficam alocados no piso 1 e piso 0, sectores
11, 12 e 28.
7) Nesse jogo oficial nº 101.05.008, antes da abertura de portas e quando o
perímetro de segurança estava encerrado:
a) o material coreográfico dos “No Name Boys” foi retirado de uma viatura de
marca Opel, de cor branca, e entregue a funcionários da empresa Digital Decor
(responsável pela activação da marca ‘Benfica’ durante os jogos) , através do controlo de
acesso, ainda encerrado;
b) o material coreográfico dos “Diabos Vermelhos” foi retirado da arrecadação
da Digital Decor por um funcionário desta empresa;
c) Os funcionários da Digital Decor, transportaram consigo o material através
do anel de circulação exterior do recinto desportivo e acedem pela porta 11D, ao Piso -2;
d) No Piso -2, o material transportado foi verificado pelos ARD’s para
posteriormente ser transportado pelos funcionários da Digital Decor, para os diferentes
locais a serem expostos;
e) Os funcionários da Digital Decor colocaram nos varandins as faixas daqueles
grupos de adeptos;
f) Pelas 20:14 horas, entrou na porta 28-A do Estádio, já com o perímetro de
segurança aberto ao público em geral, o restante material dos “Diabos Vermelhos”, com a
verificação do mesmo no interior da porta por ARD’s;
g) Pelas 20:34 horas, entrou na porta 11 do Estádio, já com o perímetro de
segurança aberto ao público em geral, o restante material dos “No Name Boys”, com
verificação do mesmo no interior da porta por ARD’s.
8) Naquele jogo oficial nº 101.05.008, o grupo de adeptos “No Name Boys” colocou
no piso 1 uma faixa com a referência ao “n” invertido e a palavra “Benfica”, fazendo
menção à sua simbologia, e o grupo de adeptos “Diabos Vermelhos” exibiu no piso 0 –
sector 28 uma faixa com a referência “MCMLXXXII”, a qual alude em numeração romana à
data de fundação daquele grupo (1982), ambas de dimensão superior a 1 m por 1 m;
9) Os adeptos afetos à BENFICA, SAD denominados “Diabos Vermelhos” ostentaram
uma faixa de apoio à arguida com a inscrição “DEMASIADO FIÉS PARA DESISTIR!!” e um
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estandarte colocado lateralmente naquele sector com a data “1982”, materiais com
dimensão superior a 1 m por 1 m;
10) Os referidos adeptos utilizaram também bandeiras de grandes dimensões, isto é,
de dimensão superior a 1 m por 1 m, com as cores da BENFICA, SAD, e com o seu símbolo
dentro do recinto desportivo, e proferiram cânticos com letras distintas, sendo umas de
apoio e incentivo à equipa e outras de afirmação, enaltecimento e fortalecimento dos
grupos;
11) Nesse jogo oficial e nos restantes setores do Estádio, não se verificou a presença
de faixas colocadas nos varandins, nem de qualquer outro material de apoio à BENFICA,
SAD de grandes dimensões, isto é, de dimensão superior a 1 m por 1 m, conforme o que
esteve presente nos sectores ocupados por aqueles grupos de adeptos, “No Name Boys” e
“Diabos Vermelhos”:
12) Os aludidos grupos de adeptos beneficiam do apoio da BENFICA, SAD, traduzido
na acomodação e permissão de entrada dentro do seu estádio dos adereços e objetos
utilizados pelos adeptos nas manifestações de apoio ao clube durante os jogos oficiais,
sobretudo no concernente às faixas e bandeiras de dimensão superior a 1 m por 1 m, e
estão sempre presentes nos jogos onde participa a equipa profissional da arguida, e as suas
deslocações são efetuadas de forma concertada com pontos de encontro próprios o que os
distingue de forma clara dos adeptos não pertencentes àqueles grupos;
13) A arguida, BENFICA, SAD, bem sabendo que era sua obrigação cumprir todas as
obrigações legais ou regulamentares que sobre si impendem relativas à segurança,
prevenção de violência, ética e verdade desportiva, nada tendo feito para registar os
referidos Grupos Organizados de Adeptos junto da autoridade competente e ao apoiá-los
apesar de ser conhecedora da sua situação de ilegalidade, agiu conscientemente com a
intenção de não cumprir os Regulamentos Federativos e a Lei, violando – de forma
censurável - o dever de segurança, prevenção de violência, ética e verdade desportiva;
14) Na rede social Facebook®, nas páginas dos “No Name Boys” e dos “Diabos
Vermelhos” é possível verificar imagens de vários jogos oficiais da BENFICA, SAD nos quais
são visíveis grupos de adeptos devidamente identificados com cachecóis, camisolas,
bandeiras e tarjas, estes últimos com dimensão superior a 1 m por 1 m, alusivas à arguida e
que apoiavam efusivamente com expressões/palavras a BENFICA, SAD;
15) Na APCVD não consta registado qualquer GOA afeto à BENFICA, SAD,
designadamente os denominados “No Name Boys” e “Diabos Vermelhos”;
16) Com a prática dos factos 5) a 13) e 15), estando a SAD arguida integrada nas
competições da FPF e ao apoiar tais grupos de adeptos ilegais (porque não registados na
APCVD), provocou graves consequências para a Competição e para a imagem da FPF,
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nomeadamente pela imagem exterior de insegurança e indiferença relativamente às
normas legais e regulamentares que tal apoio transmite;
17) No cadastro disciplinar da arguida BENFICA, SAD, à data dos factos e na
competição em causa, constava averbada a prática das seguintes infrações disciplinares: na
época desportiva 2019/2020, duas infrações previstas e sancionadas pelo artigo 209º, e
uma infração prevista e sancionada pelo artigo 208º, nº 1, ambos do RDFPF; na época
desportiva 2018/2019, seis infrações previstas e sancionadas pelo artigo 209º, uma infração
prevista e sancionada pelo artigo 116º, uma infração prevista e sancionada pelo artigo
109º, nº 1, e duas infrações previstas e sancionadas pelo artigo 192º, nº 1, todos do
Regulamento Disciplinar à data vigente; na época desportiva 2017/2018, duas infrações
previstas e sancionadas pelo artigo 209º e uma infração prevista e sancionada pelo artigo
116º, ambos do Regulamento Disciplinar à data vigente.
V – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
§1. Enquadramento jurídico-disciplinar – Fundamentos e âmbito do poder disciplinar
36. O poder disciplinar exercido no âmbito das competições organizadas pela
Federação Portuguesa de Futebol assume natureza pública.
Com clareza, concorrem para esta proposição as normas constantes dos artigos 19º,
nºs 1 e 2, da Lei nº 5/2007 de 16 de janeiro (Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto),
e dos artigos 10º, 13º, alínea i), do RJFD2008.
37. A existência de um regulamento justifica-se pelo dever legal - artigo 52º, nº 1, do
RJFD2008 – de sancionar a violação das regras de jogo ou da competição, bem como as
demais regras desportivas, nomeadamente as relativas à ética desportiva, entendendo-se
por estas últimas as que visam sancionar a violência, a dopagem, a corrupção, o racismo e a
xenofobia, bem como quaisquer outras manifestações de perversão do fenómeno
desportivo (artigo 52º, nº 2, do RJFD2008).
O poder disciplinar exerce-se sobre os clubes, dirigentes, praticantes, treinadores,
técnicos, árbitros, juízes e, em geral, sobre todos os agentes desportivos que desenvolvam
a atividade desportiva compreendida no seu objeto estatutário (artigo 54º, nº 1, do
RJFD2008).
Em conformidade com o disposto no artigo 55º do RJFD2008, o regime da
responsabilidade disciplinar é independente da responsabilidade civil ou penal.
38. Todo este enquadramento, representa, entre tantas consequências, que estamos
perante um poder disciplinar que se impõe, em nome dos valores mencionados, a todos os
que se encontram a ele sujeito, conforme o âmbito já delineado e que, por essa razão,
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assenta na prossecução de finalidades que estão bem para além dos pontuais e concreto
interesses desses agentes e organizações desportivas.
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disciplinar muito grave prevista e sancionada pelo artigo 66º (Inobservância de outros
deveres relativos à proteção dos valores desportivos) do RDFPF.
42. Ora, tendo em conta as norma convocadas e a concreta situação dos autos,
cumpre, antes de mais, notar que a Constituição da República Portuguesa (CRP de ora em
diante), no seu artigo 79º, eleva o desporto à categoria de direito fundamental, estatuindo
no nº 2 deste artigo que «Incumbe ao Estado, em colaboração com as escolas e as
associações e coletividades desportivas, promover, estimular, orientar e apoiar a prática e a
difusão da cultura física e do desporto, bem como prevenir a violência no desporto»16.
43. Encontra-se, assim, no universo nobre da lei fundamental, não só a estatuição de
direitos fundamentais, mas também e necessariamente a afirmação, clara e perentória, de
deveres fundamentais. Na verdade, o mencionado artigo 79º da CRP, em particular o seu nº
2, patenteia, por um lado, a emergência de uma responsabilidade eminentemente pública
no domínio do desporto, mas também enuncia, por outro, uma clara indicação de que
todas essas incumbências públicas – incluindo a prevenção da violência no desporto – só
podem ser atingidas através de um único percurso, o da colaboração com as escolas e as
associações e coletividades desportivas. Isto é, a norma constitucional, ao mesmo tempo
que marca o grau de intervenção pública no desporto, determina que a mesma terá de ser
precipitada, necessariamente, mediante a adoção de um modelo colaborativo. E este
modelo de colaboração estende-se, naturalmente, ao dever de prevenir a violência no
desporto.
44. Nessa medida, de forma cristalina, a Constituição convoca todos, operadores
públicos e privados (e aqui os promotores de espetáculos desportivos, clubes e sociedades
desportivas e organizadores das competições desportivas) para a mesma tarefa. Uma tal
tarefa, sublinhe-se, não se encontra limitada ao espaço desportivo, antes interage com
outras realidades. Neste contexto, por conseguinte, como bem assinalam JORGE MIRANDA
e RUI MEDEIROS17, o combate à violência e a quaisquer violações da ética desportiva surge
como parte da educação, concebida ao serviço, neste particular e entre outros, dos valores
da compreensão mútua e da responsabilidade (artigo 73º, nº 2, do texto constitucional)18.
16 A norma em apreço insere-se no Capítulo III – Direitos e deveres culturais –, do Título III – Direitos e deveres
económicos, sociais e culturais –, da Parte I – Direitos e deveres fundamentais. Enfatize-se que o segmento final do
n.º 2, agora em análise surge aquando da revisão constitucional de 1989, tendo como principal fundamento uma
década plena (a de 80 do século passado) de violência no futebol, violência essa protagonizada por adeptos de
clubes de futebol europeu. Segue-se, em 1985, a aprovação, no Conselho da Europa, de uma primeira convenção
tendo por objeto esta realidade antidesportiva. Cf. JOSÉ MANUEL MEIRIM, “Desporto e Constituição”, Sub judice.
Justiça e sociedade, nº8, 1994, janeiro/março, publicada em dezembro de 1985, pág. 56
17 Constituição Portuguesa. Anotada, 2ª edição, revista, atualizada e ampliada, Tomo I, Coimbra, Coimbra Editora,
e as demais condições para que a educação, realizada através da escola e de outros meios formativos, contribua
para a igualdade de oportunidades, a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais, o
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Deste modo, o que aqui se trata não é, pois, de uma tarefa exclusiva de um só (do Estado),
mas outrossim de todo um complexo de organizações e agentes19.
45. Porque o que está em causa neste processo disciplinar é, fundamentalmente, o
apoio da sociedade anónima desportiva arguida aos GOA, afigura-se-nos pertinente uma
breve exposição relativamente ao registo legal e ao domínio da violência respeitante à
proeminência adquirida pelos denominados grupos organizados de adeptos ou claques no
futebol, como nos alerta José Manuel Meirim num dos seus diversos escritos sobre a
matéria da violência associada ao Desporto20.
46. Na concretização de tal injunção constitucional, a Lei nº 39/2009 oferece-nos o
pano de fundo dos deveres cometidos os promotores de espetáculos desportivos – para o
que agora interessa nas vestes de clubes e sociedades desportivas – e adianta ainda o
especial posicionamento dos seus colaboradores21.
47. Aquele diploma legal dedica três preceitos aos GOA:
- o artigo 14º ocupa-se do «apoio a grupos organizados de adeptos» que impõe a
obrigatoriedade do registo dos grupos organizados de adeptos junto da APCVD, tendo para
tal que ser constituídos previamente como associações (nº 1), e só estes grupos, assim
formados, podem ser destinatários de apoios técnicos, financeiros e materiais; este apoio
deve ser objeto de protocolo celebrado em cada época desportiva e disponibilizado às
forças de segurança e àquela APCVD (nº 3); a concessão de facilidades de utilização ou a
regulação neste campo, estabelecendo as soluções preventivas e de combate e, nesta vertente, os principais
registos sancionatórios, sejam eles criminais, contraordenacionais ou disciplinares. Assim, por um lado, o Estado
(legislador originário), no cumprimento da injunção constitucional, elegeu – de forma evidente – a ética desportiva
como princípio basilar da construção do sistema legal (nos termos que o art.º 3.º n.º 1 da Lei n.º 5/2007, de 16 de
janeiro, o enuncia – Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto, LBAFD, doravante), no âmbito do qual a
prevenção da violência se assume como decorrência primaz. Por outro lado, o mesmo Estado posicionou, ainda
enquanto legislador, o papel concreto de todos os outros operadores: o Estado, enquanto administração, o Estado
personalizado nas forças de segurança pública, os organizadores de competições desportivas e os promotores de
espetáculos desportivos - Cf. artigo 43º, nº1, do regime jurídico das federações desportivas e do estatuto de
utilidade pública desportiva (Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro e alterado pelo artigo
4.º, alínea c), da Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro (Cria o Tribunal Arbitral do Desporto e aprova a respetiva lei) e
ainda pelos artigos 2º e 4º Decreto-Lei n.º 93/2014, de 23 de junho, cujo texto consolidado constitui anexo a este
último. O artigo 3º da Lei nº 101/2017, de 28 de agosto, veio também a introduzir alterações neste regime, embora
sem relevância neste domínio).
20 Cf. José Manuel Meirim (2011). Os grupos organizados de adeptos: comparação entre as ordens jurídicas
portuguesa e espanhola. Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida. Coimbra:
Almedina, Volume I, pp. 185 – 227 (186 e 187).
21 É também neste que o artigo 12º, nº 3, do RDFPF, refletindo o quadro constitucional e normativo acima
sindicado, estabelece que todas as pessoas físicas ou coletivas sujeitas ao RDFPF «têm o dever de promover os
valores relativos à ética desportiva e de contribuir para prevenir comportamentos antidesportivos, designadamente
violência, dopagem, corrupção de resultados desportivos, racismo e xenofobia, bem como quaisquer outras
manifestações de perversão do fenómeno desportivo ou ofensivas dos órgãos da estrutura desportiva e das pessoas
a eles relacionados».
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cedência de instalações a grupos de adeptos legalmente constituídos é da responsabilidade
do promotor do espetáculo desportivo, cabendo-lhe a respetiva fiscalização, a fim de
assegurar que nestas não sejam depositados quaisquer materiais ou objetos proibidos ou
suscetíveis de possibilitar ou gerar atos de violência, racismo, xenofobia, intolerância nos
espetáculos desportivos, ou qualquer outra forma de discriminação, ou que traduzam
manifestações de ideologia política (nº 6), sendo expressamente proibido o apoio, por
parte do promotor do espetáculo desportivo, a grupos organizados de adeptos que adotem
sinais, símbolos e expressões que incitem à violência, ao racismo, à xenofobia, à
intolerância nos espetáculos desportivos, ou a qualquer outra forma de discriminação, ou
que traduzam manifestações de ideologia política (nº 5); o incumprimento da obrigação
que emerge do número 1 do artigo 14º impede “liminarmente” a atribuição de qualquer
apoio, por parte do promotor do espetáculo desportivo, nomeadamente através da
concessão de facilidades de utilização ou cedência de instalações, apoio técnico, financeiro
ou material (nº 2);
- o artigo 15º respeita ao «registo dos grupos organizados de adeptos», sendo que,
de acordo com o seu nº 1, tais grupos devem possuir um registo sistematizado e atualizado
dos seus filiados, com a indicação de um conjunto de elementos (nome, número de bilhete
de identidade, data de nascimento, fotografia, filiação - caso de menor de idade - e morada
e contactos telefónicos e de correio eletrónico); o registo é efetuado junto do promotor do
espetáculo desportivo, o qual envia trimestralmente cópia do registo à APCVD, que o
disponibiliza de imediato às forças de segurança (nº 2); sempre que proceder à suspensão
de um registo, o promotor do espetáculo desportivo cessa todo o apoio que preste ao
grupo organizado de adeptos e informa de forma documentada e imediata a APCVD,
justificando as razões da sua decisão (nº 4); por fim, o nº 6 proíbe o promotor do
espetáculo desportivo de apoiar grupos organizados de adeptos que não se encontrem
previamente registados nos termos dos números anteriores ou cujo registo tenha sido
suspenso ou anulado;
- finalmente, o artigo 16º, respeita à “deslocação e acesso dos grupos organizados de
adeptos aos recintos desportivos” impondo aos grupos organizados de adeptos a posse de
uma listagem atualizada contendo a identificação de todos os filiados que nela participam,
sendo aquela disponibilizada, sempre que solicitado, às forças de segurança, à APCVD, bem
como, aquando da revista obrigatória, aos assistentes de recinto desportivo (nº 1); o
incumprimento dessa exigência legitima o impedir a entrada dos grupos organizados de
adeptos no espetáculo desportivo em causa (nº 5); os promotores do espetáculo desportivo
devem reservar, nos recintos desportivos que lhes estão afetos, uma ou mais áreas
específicas para os filiados dos grupos organizados de adeptos (nº 2); só é permitido o
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acesso e o ingresso nessas áreas específicas aos indivíduos portadores de bilhete onde
conste o nome do titular filiado em grupo organizado de adeptos (nº 4); as forças de
segurança envolvidas no policiamento da deslocação de grupos organizados de adeptos
para recintos desportivos devem delinear, em colaboração com estes, um plano de
deslocação que assegure o cumprimento de antecedências mínimas de entrada no recinto
desportivo, permitindo a sua acomodação antes do início de espetáculo desportivo (nº 3); o
incumprimento dessas regras implica, para o promotor do espetáculo desportivo e
enquanto a situação se mantiver, a realização de espetáculos desportivos à porta fechada,
sanção que é aplicada pela APCVD.
48. Ora, é justamente o diploma vindo de referir (Lei nº 39/2009) que, por um lado,
comete aos promotores do espetáculo desportivo22, os deveres de «incentivar o espírito
ético e desportivo dos seus adeptos, especialmente junto dos grupos organizados» [artigo
8º, nº 1, alínea b)] e «aplicar medidas sancionatórias aos seus associados envolvidos em
perturbações da ordem pública, manifestações de violência, racismo, xenofobia e qualquer
outro ato de intolerância, impedindo o acesso ou promovendo a sua expulsão dos recintos
desportivos» [alínea c)] e, por outro, além do dever de «garantir que são cumpridas todas
as regras e condições de acesso e de permanência de espetadores no recinto desportivo», o
dever de «não apoiar, sob qualquer forma, grupos organizados de adeptos, em violação dos
princípios e regras definidos na secção III do capítulo II».
49. E o artigo 22º, nº 6, da mencionada Lei nº 39/2009, sob e epígrafe «Condições de
acesso de espetadores ao recinto desportivo», adita que «Sem prejuízo do disposto no
artigo 16º-A, no acesso aos recintos desportivos integrados em competições desportivas de
natureza profissional ou em espetáculos desportivos integrados nas competições
desportivas de natureza não profissional, considerados de risco elevado, é vedado aos
espetadores do espetáculo desportivo a posse, transporte ou utilização de:
a) Megafones e outros instrumentos produtores de ruídos, por percussão mecânica e
de sopro;
b) Bandeiras, faixas, tarjas e outros acessórios, de qualquer natureza e espécie, de
dimensão superior a 1 m por 1 m, passíveis de serem utilizados em coreografias de apoio
aos clubes e sociedades desportivas».
50. Além disso, este diploma, determina, na alínea a) do nº 1 do seu artigo 23º, entre
outras condições de acesso dos espetadores ao registo desportivo, «não ostentar cartazes,
bandeiras, símbolos ou outros sinais com mensagens ofensivas, violentas, de caráter racista
22 Ou seja, nos termos da definição constante da alínea k) do artigo 3º do RDFPF, das «associações de âmbito
territorial, clubes e sociedades desportivas, bem como as próprias federações e ligas, quando sejam
simultaneamente organizadores de competições desportivas».
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ou xenófobo, intolerantes nos espetáculos desportivos, que incitem à violência ou a
qualquer outra forma de discriminação, ou que traduzam manifestações de ideologia
política» e reconhecia no seu artigo 24º (sob a epígrafe «Condições especiais de
permanência dos grupos organizados de adeptos»), aos grupos organizados de adeptos, a
possibilidade excecional de utilização «no interior do recinto desportivo megafones e outros
instrumentos produtores de ruídos, por percussão mecânica e de sopro, desde que não
amplificados com auxílio de fonte de energia externa».
51. Por seu turno, o artigo 23º, nº 4, do diploma vindo de citar, sob a epígrafe
«Condições de permanência de espetadores ao recinto desportivo», estabelece que «Sem
prejuízo do disposto no artigo 16.º-A, nos recintos desportivos integrados em competições
desportivas de natureza profissional ou em espetáculos desportivos integrados nas
competições desportivas de natureza não profissional, considerados de risco elevado, é
vedado aos espetadores do espetáculo desportivo a posse, transporte ou utilização de:
a) Megafones e outros instrumentos produtores de ruídos, por percussão mecânica e
de sopro;
b) Bandeiras, faixas, tarjas e outros acessórios, de qualquer natureza e espécie, de
dimensão superior a 1 m por 1 m, passíveis de serem utilizados em coreografias de apoio
aos clubes e sociedades desportivas, que não sejam da responsabilidade destes últimos».
52. No contexto federativo, o Regulamento de Prevenção da Violência da FPF, reflete
o sobredito regime legal e estabelece no seu artigo 4º, nº 1 (relativo aos deveres do
promotor do espetáculo desportivo), deveres iguais aos acima aludidos e acrescenta, no
seu artigo 9º, que apenas os grupos organizados de adeptos podem «utilizar no interior do
recinto desportivo megafones e outros instrumentos produtores de ruídos, por percussão
mecânica e de sopro, desde que não amplificados com auxílio de fonte de energia externa».
53. É, por conseguinte, neste contexto que a norma sancionatória prevista no artigo
66º do RDFPF sanciona, com «interdição de 2 a 4 jogos de jogar no seu recinto desportivo e
cumulativamente com multa entre 5 e 10 UC», o clube «que, em todos os outros casos não
especialmente previstos no presente Regulamento, incumpra as obrigações legais ou
regulamentares que sobre si impendem relativas a segurança, prevenção de violência, ética
e verdade desportiva, e daí resulte ofensa para a imagem e o bom nome da FPF ou graves
consequências para a competição».
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ação ou omissão previstas ou descritas neste Regulamento viole os deveres gerais e
especiais nele previstos e na demais legislação desportiva aplicável”.
55. Temos assim que o conceito de infração disciplinar integra os seguintes
elementos constitutivos, que são de verificação cumulativa, pois que a falta de qualquer um
deles tem como consequência necessária a inexistência de qualquer infração disciplinar: (i)
um comportamento (ativo ou omissivo); (ii) típico; (iii) ilícito; e (iv) culposo23.
56. Antes de mais, referir que a sociedade anónima desportiva arguida, por
participar, in casu, na época desportiva 2019/2020, na Taça de Portugal Placard, prova
organizada pela FPF, está sujeita, como resulta do artigo 3º, nº 324, do RDFPF, ao poder
disciplinar exercido por parte dos órgãos jurisdicionais da FPF competentes para o poder
exercer, no caso concreto, esta Secção Não Profissional do Conselho de Disciplina da FPF.
57. Quanto ao âmbito subjetivo de aplicação, determina o artigo 3º, nº 1, do RDFPF
que o mesmo “é aplicável aos clubes e aos agentes desportivos que, a qualquer título ou por
qualquer motivo, exerçam funções no âmbito das competições de futebol ou desenvolvam
atividade desportiva compreendida no objeto estatutário da Federação”.
58. A subsunção dos factos dados como provados ao direito aplicável pressupõe que
num primeiro momento se “desmontem” os tipos regulamentares sancionatórios, para que
desse modo se consiga aferir do preenchimento, ou não, de todos os elementos
constitutivos do tipo (objetivos e subjetivos) regulamentar, e assim, se for o caso, chegar-se
à “consequência jurídica”, à estatuição da norma, através a aplicação da sanção.
59. Assim, efetuemos então a exegese da infração disciplinar prevista e sancionada
pelo artigo 66º do RDFPF, consignando, antes de mais, o seu teor:
“O clube que, em todos os outros casos não especialmente previstos no presente
Regulamento, incumpra as obrigações legais ou regulamentares que sobre si impendem
relativas a segurança, prevenção de violência, ética e verdade desportiva, e daí resulte
ofensa para a imagem e o bom nome da FPF ou graves consequências para a competição, é
sancionado com interdição de 2 a 4 jogos de jogar no seu recinto desportivo e
cumulativamente com multa entre 5 e 10 UC”.
60. Importa considerar ter resultado provado que a BENFICA, SAD atribui facilidades
aos Grupos Organizados de Adeptos denominados “No Name Boys” e “Diabos Vermelhos”,
23 De acordo com a posição de Paulo Veiga e Moura e Cátia Arrimar, relativamente ao conceito de infração
disciplinar contemplado na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas que, por sua vez, é bastante idêntico ao
previsto no RD da FPF, esta culpa não implica, necessariamente, um propósito direto de transgredir aqueles
deveres, pois a lei qualifica ainda como infração disciplinar o comportamento “ainda que meramente culposo”, in
Comentários à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, 1º Volume |Artigos 1.º a 240.º, 1ª Edição, Novembro de
2014, Coimbra Editora, 2014, p. 538..
24 “Os clubes são responsáveis pelas infrações cometidas nas épocas desportivas em que estejam qualificados para
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62. Acresce que o segmento normativo constante no artigo 66º do RDFPF «e daí
resulte ofensa para a imagem e o bom nome da FPF ou graves consequências para a
competição» não é um elemento do tipo de ilícito, mas antes uma condição objetiva de
punibilidade, não se prefigurando como necessário que o clube ou agente desportivo
queira ou sequer represente tal ocorrência, antes se bastando a sua verificação, no caso
concreto, quando a SAD arguida concede apoios/facilidades a Grupos Organizados de
Adeptos, criando desse modo uma imagem exterior de insegurança e indiferença
relativamente às normas legais e regulamentares que tal apoio transmite que, nessa
medida, é suscetível de lesar a imagem e o bom nome da FPF ou graves consequências para
a competição.
63. Inexistindo no nosso ordenamento jurídico, por via legislativa, qualquer
abordagem ao conceito de "condição objetiva de punibilidade", o mesmo tem sido
abordado pela doutrina por forma a podê-lo distinguir, não só dos pressupostos
processuais e das condições de procedibilidade, como sobretudo dos próprios elementos
do tipo. Assim, CAVALEIRO FERREIRA opina que "a aplicabilidade da pena pode, em casos
excecionais, ser condicionada por um facto diverso do crime, e que diferentemente deste,
não é fundamento, mas tão só condição objetiva de punibilidade, isto é, de aplicação da
pena" e que esse facto é "elemento estranho ao facto ilícito e culpável", e "não fundamenta
a ilicitude"25. Para EDUARDO CORREIA, as condições objetivas de punibilidade são
elementos adicionais requeridos para a punibilidade da conduta que não prejudicam - por
absolutamente independentes - a qualidade ilícita e culposa de tal conduta. Estão excluídos
da necessidade de representação como elemento intelectual do dolo26. Por seu turno,
FIGUEIREDO DIAS considera que a questão dos pressupostos da punibilidade, quer na
aceção de "condições objetivas de punibilidade", quer de "causas de exclusão da pena",
recebeu uma resposta, a mais clara até hoje, segundo a qual, tal questão se mostra
"dominada pela ideia básica da prevalência de imposições de finalidades extrapenais". Ou
seja, a posição de ROXIN, segundo a qual "em tais casos, uma ponderação entre imposições
finais extrapenais, por um lado, e carências de punição, por outro, conduz a que aquelas
prevaleçam sobre estas"27. Para GERMANO MARQUES DA SILVA as condições objetivas de
punibilidade "não são imputáveis ao agente do facto, relevam objetivamente, por si
mesmas"28.
64. Nessa medida, inexistindo causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, resta
concluir que a SAD arguida, no jogo oficial dos autos, incumpriu as obrigações legais ou
25 Cf. "Lições de Direito Penal - Parte Geral", II, pág. 6 e 7, Ed. Verbo.
26 Cf. "Direito Criminal", I, pág. 370 e nota (1). Ed. Almedina.
27 In “Direito Penal, Parte Geral", Tomo I, pág. 670, Ed. Coimbra Editora.
28 In "Direito Penal Português, Teoria do Crime", pág. 92, Ed. Universidade Católica.
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regulamentares que sobre si impendiam, relativas a segurança, prevenção de violência,
ética e verdade desportiva, das quais resultou ofensa para a imagem e o bom nome da FPF
ou graves consequências para a competição, nos termos em que o artigo 66º do RDFPF o
exige, razões pelas quais haverá a mesma de ser sancionada pela sua prática.
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“1. Constituem circunstâncias atenuantes especiais: a) Ser o arguido menor de idade;
b) A ausência de registo disciplinar na mesma época e nas três épocas anteriores a essa em
que o arguido tenha estado inscrito; c) A prestação de serviços relevantes ao futebol; d) O
louvor por mérito desportivo. 7. Excecionalmente podem ser consideradas outras
circunstâncias que pela sua especial relevância justifiquem a atenuação especial”. Por
último, há ainda a registar a possibilidade de atenuação especial da sanção, prevista no nº
6, de a sanção concretamente aplicada, depois de determinada ao abrigo do disposto nos
números anteriores, poder ainda ser especialmente atenuada quando existam
circunstâncias anteriores, contemporâneas ou posteriores à infração que diminuam por
forma acentuada a ilicitude do facto ou a conduta do agente.
29 cf. FIGUEIREDO DIAS, in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, p. 230).
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APCVD, requer uma especial atuação contra comportamentos deste género. Por outro lado,
no que concerne às exigências de prevenção especial ou individual, consideramos que as
mesmas se mostram medianas, na medida em que no cadastro disciplinar da SAD arguida,
constante de fls. 26 a 46, constam averbadas, à data dos factos e na competição em causa,
a prática das seguintes infrações disciplinares: na época desportiva 2019/2020, duas
infrações previstas e sancionadas pelo artigo 209º, e uma infração prevista e sancionada
pelo artigo 208º, nº 1, ambos do RDFPF; na época desportiva 2018/2019, seis infrações
previstas e sancionadas pelo artigo 209º, uma infração prevista e sancionada pelo artigo
116º, uma infração prevista e sancionada pelo artigo 109º, nº 1, e duas infrações previstas
e sancionadas pelo artigo 192º, nº 1, todos do Regulamento Disciplinar à data vigente; na
época desportiva 2017/2018, duas infrações previstas e sancionadas pelo artigo 209º e uma
infração prevista e sancionada pelo artigo 116º, ambos do Regulamento Disciplinar à data
vigente.
71. Tal circunstância, para além de evidenciar que a conduta agora em dissídio não
foi mero ato isolado, naquele jogo oficial, atentas os anteriores sancionamentos por
distintas infrações disciplinares, permite ainda concluir, por outro lado, pela inexistência de
quaisquer circunstâncias agravantes ou atenuantes da responsabilidade disciplinar da SAD
arguida.
72. Finalmente, relativamente à questão da ilicitude, importa assinalar que a
infração praticada pela sociedade anónima desportiva arguida é considerada muito grave,
sublinhando-se o elevado grau de censura que o regulamentador desportivo manifestou
relativamente à mesma. É certo, porém, que tal consideração foi já levada em conta em
sede de definição dos limites mínimos e máximos da respetiva moldura abstrata, pelo que
não se apresenta como critério de determinação da medida da pena concreta (nas palavras
de FARIA COSTA, «o que se pretende em última análise é que na aplicação concreta da
medida da pena, levando em linha de conta a moldura penal abstrata, se encontrem
presentes os princípios da perequação dos mínimos e máximos»)30.
73. Importa ainda ter presente que o jogo oficial dos autos se integrava na 5ª
eliminatória da Taça de Portugal Placard circunstância que determina a impossibilidade de
aplicação de qualquer redução na sanção de multa aplicável, nos termos do disposto no
artigo 25º, nº 4, alínea a), a contrario, do RDFPF.
74. Assim, as molduras sancionatórias abstratamente aplicáveis à conduta dada
como provada, subsumíveis na infração disciplinar prevista e sancionada pelo artigo 66º do
30 Cf. Penas acessórias: cúmulo jurídico ou cúmulo material? [a resposta que a lei (não) dá], publicado na Revista de
Legislação e de Jurisprudência, Ano 136º, nº 3945, julho-agosto de 2007, páginas 322 a 328.
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RDFPF, são a interdição de 2 a 4 jogos de jogar no seu recinto desportivo e
cumulativamente com multa entre 5 e 10 UC.
75. Tudo visto e ponderado, atenta o concreto circunstancialismo em que a infração
foi praticada e a natureza do bem jurídico violado, entende-se ainda considerar bastante e
adequado, tanto em termos preventivos como para efeitos sancionatórios, aplicar à
sociedade desportiva arguida as sanções concretas pelos seus limites mínimos, e assim,
sancioná-la com a interdição de 2 (dois) jogos de jogar no seu recinto desportivo e,
cumulativamente, com multa de 5 UC, correspondentes a 1.020,00 € (mil e vinte euros).
76. Finalmente, o artigo 47º do RDFPF reconhece a possibilidade, em termos
excecionais, de suspensão parcial (até ao valor de metade) da execução de algumas
sanções disciplinares, contudo sempre condicionada à verificação, em cada caso concreto,
de especiais circunstâncias que o aconselhem, ou seja, se, atendendo à personalidade do
agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao ilícito e às
circunstâncias deste, for de concluir que a simples censura do facto e a ameaça de
cumprimento do remanescente da sanção realizam de forma adequada e suficiente as
finalidades do sancionamento. Contudo, dos autos não resultam elementos bastantes para
permitir ponderar poder decidir pela suspensão parcial da execução das sanções concretas
aplicadas, razões pelas quais devem a SAD arguida cumprir integralmente as mesmas.
VII – DECISÃO
Nestes termos e com os fundamentos expostos, o Conselho de Disciplina – Secção
Não Profissional – da Federação Portuguesa de Futebol considera procedente a acusação
deduzida contra a Sport Lisboa e Benfica – Futebol, SAD (1023), pelo que, em consequência,
vai a mesma sancionada pela prática, por altura da realização do jogo oficial nº 101.05.008,
que disputou no Estádio do Sport Lisboa e Benfica, em Lisboa, no dia 18/12/2019, contra a
Sporting Clube de Braga – Futebol, SAD, a contar para a 5ª eliminatória (oitavos de final) da
Taça de Portugal Placard, época desportiva 2019/2020, da infração disciplinar que lhe vinha
imputada, prevista e sancionada pelo artigo 66º do RDFPF, nas sanções concretas de
interdição de 2 (dois) jogos de jogar no seu recinto desportivo e, cumulativamente, com
multa de 5 UC, correspondentes a 1.020,00 € (mil e vinte euros).
Mais vai a sociedade anónima desportiva arguida condenada nas custas, nos termos
regimentais.
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RECURSO DESTA DECISÃO
De acordo com o artigo 44.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro, na redação
conferida pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 93/2014 de 23 de junho, cabe recurso para o Conselho
de Justiça das decisões disciplinares relativas a questões emergentes da aplicação das normas
técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva.
O recurso deve ser interposto no prazo de 5 dias úteis (artigo 35.º do Regimento do Conselho de
Justiça aprovado pela Direção da Federação Portuguesa de Futebol, em 18 de dezembro de 2014 e
de 29 de abril de 2015 e publicitado pelo Comunicado Oficial n.º 383, de 27 de maio de 2015).
Em conformidade com o artigo 4.º, n.ºs 1 e 3, da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto (aprovada pelo
artigo 2.º da Lei n.º 74/2013 de 6 de setembro, que cria o Tribunal Arbitral do Desporto e aprova a
respetiva lei, na redação conferida pelo artigo 3.º da Lei n.º 33/2014 de 16 de junho - Primeira
alteração à Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro, que cria o Tribunal Arbitral do Desporto e aprova a
respetiva lei), compete a esse tribunal conhecer, em via de recurso, das deliberações do Conselho de
Disciplina.
Exclui-se dessa competência, nos termos do n.º 6 do citado artigo, a resolução de questões
emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da
própria competição desportiva.
O recurso para o Tribunal Arbitral do Desporto deve ser interposto no prazo de 10 dias, contados da
notificação desta decisão (artigo 54.º, n. º2, da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto).
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