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CONSELHO DE DISCIPLINA

SECÇÃO PROFISSIONAL

Processo Disciplinar n.º 07- 2021/2022

DESCRITORES: Clube – Jogador – Aliciamento a


Jogadores – Falsas declarações e Fraude –
Arquivamento.

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ESPÉCIE: Processo Disciplinar
ARGUIDOS: Mamadou Sekou Traoré, jogador da CFEA – Club Football Estrela, SAD e CFEA – Club
Football Estrela, SAD.
PARTICIPANTE: Sport Clube União Torreense – Futebol SAD
OBJETO: Apuramento de factualidade participada referente a inscrição de jogador.
DATA DO ACÓRDÃO: 16 de novembro de 2021
TIPO DE VOTAÇÃO: Unanimidade
RELATOR: Isabel Lestra Gonçalves
NORMAS APLICADAS:
SUMÁRIO:
I. Não comete o ilícito previsto e punido no artigo 85.º n.º 2 do RDLPFP a SAD que,
ainda que sem autorização do clube a quem o jogador se encontre vinculado por
contrato, estabeleça negociações com este com vista a contratar os seus serviços,
conquanto não esteja aquele mesmo jogador vinculado ao clube para além da época
desportiva em curso.
II. No caso vertente, a SAD Arguida, ao entabular negociações com um jogador,
verificando a inexistência de contrato de trabalho desportivo para além da época
2020/21, a conjuntura negocial, os concretos termos do pacto de opção e o
enquadramento doutrinal que dos mesmos é feito, representou a existência de razão
invalidante daquele pacto de opção, tendo-se comportado, legitimamente, como se
ele não estivesse apto a produzir efeitos jurídicos.
III. Não se verificam os elementos típicos da infração disciplinar p. e p. no artigo 149.º
n.º 1 do RDLPFP, quando nada há nos autos que demonstre ou sequer indicie que
um jogador tenha prestado falsa declaração ou tenha atuado de forma fraudulenta
em processo relativo à celebração ou extinção do seu contrato de trabalho
desportivo.
IV. In casu, embora o jogador tenha subscrito pacto de opção, não resultando deste
quaisquer benefícios salariais, tal contribuiu para a sua perceção de que não estava
obrigado ao seu cumprimento, por tal pacto ser inválido, atuando, assim, neste
quadro mental nas negociações que encetou com a SAD Arguida. A inexistência de
registo de qualquer contrato respeitante à época desportiva 2021/22, conformou,

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de igual modo, a convicção do jogador de que estaria livre para negociar novo
contrato de trabalho desportivo com outro clube.

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ACÓRDÃO

Acordam, ao abrigo do disposto no artigo 206.º, nº 1, do Regulamento Disciplinar das


Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional1 os membros do Conselho
de Disciplina, Secção Profissional, da Federação Portuguesa de Futebol.

I. Relatório Inicial
1. Por deliberação de 12.08.2021, e na sequência de participação da Sport Clube União Torreense
Futebol, SAD, a Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de
Futebol remeteu à Comissão de Instrutores da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, o presente
processo, autuado como processo disciplinar, em que são Arguidos o jogador Mamadou Sakou
Traoré e a CFEA – Club Football Estrela, SAD, tendo por objeto factualidade atinente à inscrição
do referido jogador pela CFEA – Club Football Estrela, SAD, na época desportiva 2021-2022.

2. Em concreto, e de acordo com a referida participação, o jogador MAMADOU SEKOU TRAORÉ


tinha um contrato válido com a Sport Clube União Torreense Futebol, SAD, para a época
2021/2022 e, com esse contrato em vigor, outorgou um outro contrato de trabalho com a CFEA
– CLUB FOOTBALL ESTRELA, SAD (Estrela da Amadora), sendo tal factualidade suscetível de, em
abstrato, configurar a prática das seguintes infrações disciplinares:

• Pelo arguido MAMADOU SEKOU TRAORÉ: a infração prevista e punível pelo disposto no
artigo 149.º, n.º 1, do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga
Portugal; e
• Pela arguida CFEA – CLUB FOOTBALL ESTRELA, SAD (Estrela da Amadora): a infração
prevista e punível pelo disposto no artigo 85.º, n. º2, do Regulamento Disciplinar das
Competições Organizadas pela Liga Portugal.

3. Distribuído o processo à Il. Instrutora, deu início à instrução, para o que determinou a
notificação dos Arguidos para os termos do disposto no artigo 227.º RDLPFP (fls 75 a 78 e resposta

1 Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional aprovado na
Assembleia Geral Extraordinária de 27 de junho de 2011, com as alterações aprovadas nas Assembleias Gerais
Extraordinárias de 14 de dezembro de 2011, 21 de maio de 2012, 06 e 28 de junho de 2012, 27 de junho de 2013, 19
e 29 de junho de 2015, 08 de junho de 2016, 15 de junho de 2016 e 29 de maio, 13 de junho de 2017, 29 de dezembro
de 2017, 13 de junho de 2018 e 29 de junho de 2018 e de 22 de maio de 2019, ratificado na reunião da Assembleia
Geral da FPF de 22 de junho de 2019, doravante abreviado, por mera economia de texto, por RDLPFP19. O texto
regulamentar encontra-se disponível, na íntegra, na página da LPFP.
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inserta a fls. 134 e seg.) e ordenou a realização das seguintes diligências instrutórias: a) junção
aos autos do registo disciplinar dos arguidos (juntos a fls. 83 e 84); b) notificação do competente
departamento da LPFP informar (i) se, para a época 2021-2022, foi apresentado a registo um
contrato de trabalho entre a Sport Clube União Torreense Futebol, SAD e o jogador Mamadou
Sekou Traoré - em caso positivo, a disponibilização de toda a documentação correspondente; e
(ii) se, para a mesma época desportiva, agora em curso, foi apresentado a registo um contrato de
trabalho entre a CFEA – Club Football Estrela, SAD e o jogador Mamadou Sekou Traoré - em caso
positivo, a disponibilização de toda a documentação correspondente (documentação junta a fls
95 a 97); c) a inquirição das testemunhas arroladas pela Participante, Senhores Bruno Vitorino
(auto junto a fls. 102 e seg.), Rui Pereira (auto junto a fls.104 e seg.), José António Franco Vicente
(auto junto a fls. 106 e seg.), Emelson Barbosa (auto junto a fls 112 e seg.), Marco Couto (auto
junto a fls. 129 e seg.), Daúto Faquirá (auto junto a fls. 131 e seg.) e Virgílio Lopes (auto junto a
fls. 177 e seg.).
4. Na sequência da notificação para, querendo, se pronunciarem sobre os factos em investigação
e pelos quais se encontravam indiciados, os Arguidos apresentaram pronúncia (fls 134 e seg.)
requerendo o arquivamento dos autos, juntou 9 (nove) documentos e indicou para inquirição 3
(três) testemunhas.

II. Relatório Final da Comissão de instrutores

5. Considerando encerrada a atividade instrutória, a Ilustre Instrutora elaborou o Relatório Final,


constante de fls. 182 a 188, que se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos,
propondo o arquivamento do processo disciplinar, nos seguintes termos:

“(…)

Segundo a participante, com a assinatura do acordo celebrado no dia 5 de setembro de


2020, ficou titular do direito (potestativo) de prolongar, por mais uma época desportiva,
o vínculo laboral com o jogador. Cremos que o equívoco da Participante começa aqui.
Verdadeiramente, o que se estabeleceu entre as partes não foi o “tradicional” direito de

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opção de prorrogação da relação laboral, habitualmente inserto numa cláusula do próprio
contrato de trabalho desportivo que se celebra2.

No acordo aqui em causa, estabeleceu-se um “direito de opção para a celebração de


contrato de trabalho” – aliás, é esta a epígrafe da cláusula terceira do acordo (Vide fls.
23) –, ou seja, pressupondo-se a cessação do contrato anterior – precisamente aquele a
que alude a cláusula primeira do acordo (Vide fls. 22), assinado na mesma data e
destinado a vigorar entre 5 de setembro de 2020 até 30 de junho de 2021 (sic).

Com efeito, rigorosamente, nos termos do acordo, não haveria uma prorrogação do
vínculo laboral/renovação daquele contrato de trabalho assinado no dia 5 de setembro
de 2020, haveria, sim, o estabelecimento de uma nova relação contratual, através da
assinatura de todos os documentos necessários nomeadamente o necessário contrato de
trabalho (Vide cláusula quarta do acordo, fls. 23).

Ora, a realidade jurídica mais próxima do que se estabeleceu neste acordo é a promessa
de contrato de trabalho desportivo, prevista no artigo 8.º da Lei n.º 54/2017, de 14 de
julho. Sucede que essa promessa de contrato de trabalho tem que ser bilateral (o
dispositivo começa por dizer [é] válida a promessa bilateral de contrato de trabalho
desportivo....), ou seja, estabelecida entre as partes em igualdade de circunstâncias e com
igual oportunidade de modelar a relação laboral. Nesta medida, o que no acordo aqui em
causa se estabeleceu foi uma (espécie atípica de) promessa unilateral de contrato em que
o jogador (trabalhador) ficou à mercê da vontade da sociedade desportiva.

Ora, a exigência legal de que a promessa seja bilateral visa precisamente evitar situações
de desequilíbrio como a que, manifestamente, foi criada pelo acordo em apreço, sendo a
própria lei a cominar com nulidade uma qualquer cláusula que viole as suas disposições
imperativas – Vide artigo 42.º da Lei n.º 54/2017, de 14 de julho.

2 Sobre esta temática, são conhecidas as divergências doutrinais, entre considerar tal cláusula válida ou inválida,
divergências de que aqui não cumpre cuidar, na medida em que, como se observa, a situação aqui em apreço é, em
rigor, distinta. Não podemos, contudo, deixar de dizer que, mesmo para quem advoga a validade legal e constitucional
da “cláusula de opção” no contrato de trabalho desportivo, é certo que a decorrente (e inegável) compressão da
liberdade contratual do jogador tem que ser patrimonialmente compensada, sob pena de tal cláusula ser, então, ilícita.
Ora, neste caso, em momento algum se previu no acordo ou em qualquer instrumento, para o praticante desportivo,
um qualquer benefício patrimonial por ter que se sujeitar à vontade potestativa da sociedade desportiva de querer ou
não contratá-lo. Pelo contrário, o que se estabeleceu para o jogador foi uma penalização de € 1.000.000,00 caso se
negasse assinar o contrato de trabalho se a sociedade desportiva decidisse unilateralmente contratá-lo.
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Entendemos, assim, e salvo melhor opinião, que o acordo mediante o qual se estabeleceu
o “direito de opção” da participante (de contratar novamente o jogador participado) é
nulo e, por força disso, nos termos gerais do Direto, ineficaz. Consequentemente, é
manifesto que, tendo cessado a sua relação contratual com a participante no dia 30 de
junho de 2021, o jogador não tinha qualquer vínculo contratual com aquela à data em
que foi contratado pela CFEA – Club Football Estrela, SAD3 (com efeitos a partir de
01.07.2021 – Vide fls. 168 e ss.), tanto bastando para se concluir que não se verifica a
sobreposição de compromissos contratuais de que a participante faz ressair a
responsabilidade disciplinar dos participados.

Em face do exposto, ao abrigo do disposto no artigo 234.º, n.ºs 1 e 2, do RD LPFP, propõe-


se o ARQUIVAMENTO DOS AUTOS quanto a ambos os participados/arguidos”.

III – Competência do Conselho de Disciplina


6. Nos termos do artigo 43.º, n.º 1 do RJFD20084, compete a este Conselho, de acordo com a lei
e com os regulamentos e sem prejuízo de outras competências atribuídas pelos estatutos e das
competências da liga profissional, instaurar e arquivar procedimentos disciplinares e,
colegialmente, apreciar e punir as infrações disciplinares em matéria desportiva. No mesmo
sentido, dispõe o artigo 15.º do Regimento deste Conselho.5

IV – Apreciação da proposta de arquivamento


7. §1. Da factualidade apurada
a) O arguido MAMADOU SEKOU TRAORÉ foi contratado, na qualidade de jogador de futebol
profissional, pela Sport Clube União Torreense Futebol, SAD (adiante SCUT SAD), no dia
5 de setembro de 2020;
b) O referido contrato vigoraria até ao dia 30 de junho de 2021 ou, se posterior àquela data,
até ao fim da época desportiva 2020/2021, e foi subordinado às seguintes clausulas (fls.
11 e seg.):

3
Aliás, a arguida disso mesmo se assegurou junto da Federação Portuguesa de Futebol (Vide fls. 167).
4 Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro (Regime jurídico das federações desportivas e do
estatuto de utilidade pública desportiva) e alterado pelo artigo 4.º, alínea c), da Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro (Cria
o Tribunal Arbitral do Desporto e aprova a respetiva lei) e ainda pelos artigos 2º e 4º Decreto-Lei n.º 93/2014, de 23
de junho, cujo texto consolidado constitui anexo a este último. O artigo 3º da Lei nº 101/2017, de 28 de agosto, veio
também a introduzir alterações neste regime, embora sem relevância neste domínio.
5 Disponível, na íntegra, na página da Federação Portuguesa de Futebol.

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c) Simultaneamente com a celebração do contrato de trabalho referido em a), o Jogador e
a SCUT SAD assinaram outros dois documentos: um acordo que permitiria,
exclusivamente à SAD prolongar o vínculo contratual com o jogador TRAORÉ por mais
uma época desportiva, ou seja, a época 2021/22, e o respetivo contrato de trabalho a
vigorar para essa mesma época (fls. 22 ,23 e 24 a 30):

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d) Nos exatos termos do acordo referido em c), caso a SCUT SAD pretendesse exercer o
direito de prolongar o vínculo contratual com o jogador TRAORÉ, teria de dirigir a este
um simples comunicação até ao dia 15 de abril de 2021 (vide clausula terceira do acordo),
ou seja até dois meses e meio antes do fim do contrato a vigorar para a época 2020/21.
e) A fls. 31 consta uma comunicação eletrónica, datada de 15 de abril de 2021 pelas 21:29,
nos seguintes termos:

f) A fls. 32 encontra-se documento com data de 13 de abril de 2021, nos seguintes termos:

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g) Junto a fls. 33 a 42 encontra-se um conjunto de emails de 1 de junho de 2021, referentes
à marcação, pela SCUT SAD, de uma viagem de avião para o arguido, com destino a França
(o custo da viagem foi, posteriormente, descontado no ordenado do jogador TRAORÉ
vide depoimento de Rui Jorge Santos Pereira, secretário técnico da SCUT SAD, a fls 105);

h) A fls. 43 encontra-se um print uma mensagem (remetida via Whatsapp) de 1 de julho de


2021, enviada ao jogador TRAORÉ pelo Secretário Técnico da SCUT, Rui Pereira, com a
informação de que o início da época estava marcado para 5 de julho de 2021, com
apresentação às 9h00 no Estádio, e de que iriam realizar exames médicos, preencher a
documentação para inscrição na FPF e tirar fotos para apresentação. Em reposta, o
jogador informou que não tinha contrato com o Torreense, pelo que tinha decidido ir
para outro projeto. Rui Pereira respondeu ao jogador, dizendo-lhe que este tinha
assinado contrato para esta época (2021/22); o clube tinha exercido o direito de opção.

i) A fls. 44 encontra-se uma notícia de 2 de julho de 2021, do jornal Record, respeitante à


contratação do jogador TRAORÉ pela CFEA – Club Football Estrela, SAD.

j) A fls. 45 encontra-se um email, de 7 de julho de 2021, nos seguintes termos:

k) A “carta em anexo” será a comunicação que consta de fls. 46 e ss., emitida pela SCUT
SAD e dirigida ao jogador TRAORÉ, datada de 5 de julho de 2021 (e registada nos CTT no
dia 7 de julho de 2021, cfr. fls. 48), nos seguintes termos:

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l) A fls. 49 e ss. consta uma comunicação dirigida pela participante à aqui arguida, CFEA –
Club Football Estrela, SAD, datada de 6 de julho de 2021 (e registada nos CTT no dia
seguinte, cf. fls. 62), questionando-a acerca da contratação do jogador Mamadou Traoré,
que deveria tratar-se de um lapso, uma vez que o jogador mantinha um vínculo
contratual com a Sport Clube União Torreense Futebol, SAD.

m) A fls. 63 e 66 encontram-se duas cartas registas remetidas pela SCUT SAD e dirigidas ao
jogador TRAORÉ (uma para morada em Portugal e outra para França), datadas de 21 de
julho de 2021 e registadas nos CTT no mesmo dia (cfr. fls.65 e 68), exigindo-lhe o
pagamento da indemnização de € 1.000.000,00 por força do abandono ao trabalho.

n) A fls. 165 está junto um e- mail, de 1 de junho de 2021, nos seguintes termos

De: Emelson Barbosa <emelson.barbosa@invictust.com


Data: 01/06/21 20:07 (GMT+00:00)
Para: rui.pereira@torrense.com
Assunto: Mamadou Traoré
Boa tarde Rui, No seguimento do meu contacto e na qualidade de representante do
jogador, venho por este meio comunicar a vontade do Mamadou Traoré em terminar o
seu percurso no SCUT. O jogador está bastante agradecido à instituição, sentiu-se
acarinhado desde o primeiro dia e isso refletiu-se em campo, sempre com máxima entrega
e profissionalismo. O facto de estar a caminho de completar 27 de idade e o clube não ter
conseguido o objetivo de subida pesou na decisão porque ele ainda faz com que procure
um projeto mais ambicioso para a próxima época. Sem mais assunto, agradeço em nome
do jogador por tudo e peço a vossa compreensão.
Cumprimentos,
Emelson Barbosa

o) A fls. 166 e 167, encontram-se juntas as seguintes comunicações:

“De: João Leal: joao.leal@fpf.pt


Enviada: 22 de junho de 2021 11:02
Para: Geral Estrela SAD <geral@estrelasad.pt
Assunto: RE: Esclarecimento contratual

Caro Marco,
Face ao registo do jogador, MAMADOU SEKOU TRAORE, o mesmo termina o vínculo
desportivo em 30.06.2021.

Desconhecemos se o mesmo celebrou contrato com o seu atual clube para a época 21/22.
Cumprimentos.

Joao Leal
Diretor | Director Registos e Transferências Federação Portuguesa de Futebol (…)”
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“ De: CFEA-Club Football Estrela Geral <geral@estrelasad.pt>
Enviado: Tuesday, June 22, 2021 10:20:24 AM
Para: Jurídicos FPF <juridicos@fpf.pt>
Cc: andregeraldes <andregeraldes@estrelasad.pt>
Assunto: Esclarecimento contratual

Bom dia, Exmos Srs,


A nossa sociedade tem a intenção de contratar o atleta MAMADOU SEKOU TRAORE,
licença 1189600, a par􀆟r do dia 1 de julho. Através do SCORE é possível verificar que o
Torreense registou um contrato com o jogador no dia 16/09/2020 válido por 1 época.

Podemos afirmar que o mesmo vence agora a 30 de junho de 2021 e não há qualquer
registo de cláusula de prolongamento do vínculo reconhecida e introduzida no vosso
sistema correto?

Com os melhores cumprimentos,

Marco Ferreira Diretor Executivo | Executive Officer CFEA - CLUB FOOTBALL ESTRELA,
SAD (…)”

p) A fls. 168 -172 encontra-se contrato de trabalho desportivo celebrado entre a CFEA-Club
Football Estrela, SAD e o Jogador Mamadou Sekou Traoré, datado de 25 de junho de
2021, e para vigorar durante o período de duas épocas desportivas, a de 2021/22 e a de
2022/23 (vide clausula segunda).

§2. Enquadramento jurídico-disciplinar


A – Fundamentos e âmbito do poder disciplinar
8. O poder disciplinar exercido no âmbito das competições organizadas pela Federação
Portuguesa de Futebol – ou, por delegação, pela Liga Portuguesa de Futebol profissional – assume
natureza pública. Com clareza, concorrem para esta proposição as normas constantes dos artigos
19.º, n.º 1 e 2, da Lei n.º 5/2007 de 16 de janeiro (Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto),
e dos artigos 10.º, 13.º, alínea i), do RJFD2008.6

6 Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro (Regime jurídico das federações desportivas e do
estatuto de utilidade pública desportiva) e alterado pelo artigo 4.º, alínea c), da Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro (Cria
o Tribunal Arbitral do Desporto e aprova a respetiva lei) e ainda pelos artigos 2.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 93/2014, de
23 de junho, cujo texto consolidado constitui anexo a este último. O artigo 3.º da Lei nº 101/2017, de 28 de agosto,
veio também a introduzir alterações neste regime, embora sem relevância neste domínio.
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9. A existência de um regulamento disciplinar justifica-se pelo dever legal – artigo 52.º, n.º 1, do
RJFD2008 – de sancionar a violação das regras de jogo ou da competição, bem como as demais
regras desportivas, nomeadamente as relativas à ética desportiva, entendendo-se por estas
últimas as que visam sancionar a violência, a dopagem, a corrupção, o racismo e a xenofobia,
bem como quaisquer outras manifestações de perversão do fenómeno desportivo (artigo 52.º,
n.º 2, do RJFD2008).

10. O poder disciplinar exerce-se sobre os clubes, dirigentes, praticantes, treinadores, técnicos,
árbitros, juízes e, em geral, sobre todos os agentes desportivos que desenvolvam a atividade
desportiva compreendida no seu objeto estatutário (artigo 54.º, n.º 1, do RJFD2008).
Em conformidade com o artigo 55.º do RJFD2008 o regime da responsabilidade disciplinar é
independente da responsabilidade civil ou penal.

11. Todo este enquadramento, representa, entre tantas consequências, que estamos perante um
poder disciplinar que se impõe, em nome dos valores mencionados, a todos os que se encontram
a ele sujeitos, conforme o âmbito já delineado e que, por essa razão, assenta na prossecução de
finalidades que estão bem para além dos pontuais e concretos interesses desses agentes e
organizações desportivas.

B - Das infrações disciplinares em geral


12. O RDLPFP encontra-se estruturado, no estabelecer das infrações disciplinares, pela qualidade
do agente infrator – clubes, dirigentes, jogadores, delegados dos clubes e treinadores, demais
agentes desportivos, espectadores, árbitros, árbitros assistentes, observadores de árbitros e
delegados da Liga.
Para cada um destes tipos de agente o RDLPFP recorta tais infrações e respetivas sanções em
obediência ao grau de gravidade dos ilícitos, qualificando assim as infrações como muito graves,
graves e leves.

C - Das infrações disciplinares em causa


13. No caso concreto, situamo-nos no universo das infrações específicas dos jogadores e dos
clubes, concretamente, dos ilícitos disciplinares previstos e punidos nos artigos 149.º n.º 1
RDLPFP [falsas declarações e fraude], qualificada como muito grave, e no artigo 85.º n.º 2 RDLPFP
[aliciamento a jogadores], qualificada como grave.
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Artigo 149.º
Falsas declarações e fraude
1. Os jogadores que, em processo de inquérito ou disciplinar, ainda que nele sejam
arguidos, ou ainda em processo relativo à sua inscrição ou à celebração, alteração ou
extinção do seu contrato, prestarem falsas declarações, utilizarem documentos falsos,
atuarem simulada ou fraudulentamente ao estabelecido na legislação desportiva e
contratação coletiva, são punidos com a sanção de suspensão a fixar entre o mínimo de
dois e o máximo de seis meses e, acessoriamente, com a sanção de multa de montante
a fixar entre o mínimo de 25 UC e o máximo de 250 UC
2. (…)

Artigo 85.º
Aliciamento a jogadores
1. O clube que, direta ou indiretamente, incitar um jogador de outro clube a denunciar, sem
justa causa, o seu contrato de trabalho desportivo ou contrato intermédio e ou celebrar
com os mesmos qualquer acordo que vise a celebração de um contrato de trabalho, ou
promessa de trabalho ou contrato intermédio será punido, por cada jogador aliciado, com
a sanção de impedimento de registo de novos contratos de jogadores entre um a dois
períodos de inscrição de jogadores.
2. Na mesma sanção prevista no número anterior, será punido o clube que, sem autorização
do clube a quem um jogador se encontre vinculado por contrato que se prolongue para
além da época desportiva em curso, estabeleça negociações com esse mesmo jogador
com vista a contratar os seus serviços, ainda que a iniciativa da aproximação parta destes
últimos ou dos seus representantes.
3. Salvo demonstração em contrário, se o jogador fizer cessar o seu contrato de trabalho
desportivo ou intermédio, unilateralmente e sem justa causa, presume-se que a nova
entidade empregadora desportiva interveio, direta ou indiretamente, na cessação.

§3. O caso concreto: subsunção ao direito aplicável


14. A questão que é submetida à apreciação deste Conselho, é saber se o jogador MAMADOU
SEKOU TRAORÉ tinha um contrato válido com a Sport Clube União Torreense Futebol, SAD, para
a época 2021/2022 e, com esse contrato em vigor, outorgou um outro contrato de trabalho com
a CFEA – CLUB FOOTBALL ESTRELA, SAD (ponto 19 da participação).

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15. Segundo a participante SCUT SAD, com a assinatura do acordo celebrado no dia 5 de setembro
de 2020, ficou titular do direito (potestativo) de prolongar, por mais uma época desportiva, o
vínculo laboral com o jogador TRAORÉ. Para o exercício do direito de opção para celebração do
contrato de trabalho desportivo, teria de remeter, por via de simples, comunicação até ao dia 15
de abril de 2021, o que fez.
16. Considerando que o arguido foi oficializado como jogador do CFEA – CLUB FOOTBALL
ESTRELA, SAD, no dia 1 de julho de 2021 (com contrato de trabalho desportivo celebrado a 25 de
junho de 2021), entende a SCUT SAD que há o cometimento de ilícitos disciplinares por parte
daquela SAD e por parte do jogador TRAORÉ.
17. Desde já se refere que não acompanhamos o sentido jurídico disciplinar tomado pela Ilustre
Instrutora, ao afirmar que “o acordo que se estabeleceu entre as partes não foi o “tradicional”
direito de opção de prorrogação da relação laboral, habitualmente inserto numa cláusula do
próprio contrato de trabalho desportivo”. Recuperando o seu entendimento, «no acordo aqui em
causa, estabeleceu-se um “direito de opção para a celebração de contrato de trabalho” – aliás é
esta a epígrafe da clausula terceira do acordo (Vide fls.23) -, ou seja, pressupondo-se a cessação
do contrato anterior – precisamente aquele a que alude a clausula primeira do acordo (Vide fls.
22), assinado na mesma data e destinado a vigorar entre 5 de setembro de 2020 até 30 de junho
de 2021(sic)”. Com efeito, rigorosamente, nos termos do acordo, não haveria uma prorrogação
do vínculo laboral/renovação daquele contrato de trabalho assinado no dia 5 de setembro de
2020, haveria, sim, o estabelecimento de uma nova relação contratual, através da assinatura de
todos os documentos necessários nomeadamente o necessário contrato de trabalho (Vide
cláusula quarta do acordo, fls. 23).
Ora, a realidade jurídica mais próxima do que se estabeleceu neste acordo é a promessa de
contrato de trabalho desportivo, prevista no artigo 8.º da Lei n.º 54/2017, de 14 de julho. Sucede
que essa promessa de contrato de trabalho tem que ser bilateral (o dispositivo começa por dizer
[é] válida a promessa bilateral de contrato de trabalho desportivo....), ou seja, estabelecida entre
as partes em igualdade de circunstâncias e com igual oportunidade de modelar a relação laboral.
Nesta medida, o que no acordo aqui em causa se estabeleceu foi uma (espécie atípica de)
promessa unilateral de contrato em que o jogador (trabalhador) ficou à mercê da vontade da
sociedade desportiva.».

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18. Para a melhor elucidação do conceito de pacto de opção, na esteira de Mario Júlio Almeida
Costa o pacto de opção “consiste no acordo em que uma das partes se vincula à respetiva
declaração de vontade negocial, irrevogável, correspondente ao negócio visado, e a outra tem a
faculdade de aceitá-la ou não, considerando-se essa declaração da primeira uma proposta
irrevogável”.7
19. Através do pacto/direito de opção, uma das partes vincula-se integralmente, deixando à outra
a liberdade para vir aderir, ou não, àquela proposta contratual. Este pacto de opção é, pois, um
acordo, que pode ser celebrado a todo o tempo, aquando da formalização do contrato de
trabalho desportivo ou em momento posterior8, com a finalidade de firmar a vontade de uma das
partes em prorrogar o vínculo de trabalho. Ou seja, para além do termo estabelecido para a
caducidade do contrato, uma das partes vincula-se a uma prorrogação por mais um determinado
período, constituindo – esta opção – parte do contrato e não um negócio jurídico autónomo.
20. O pacto de opção não se confunde, pois, com o contrato-promessa unilateral. No contrato
promessa “torna-se necessário um acordo posterior para dar vida ao contrato prometido, ou seja,
o promitente tem de manifestar de novo o seu consentimento para o contrato definitivo, devendo
emitir uma nova declaração de vontade; no pacto de opção, pelo contrário, um dos sujeitos emite
logo a sua declaração de vontade, à qual fica vinculado, concluindo-se o contrato sem necessidade
de qualquer nova declaração da sua parte caso o beneficiário da opção venha a exercer o seu
direito, isto é, venha a emitir a declaração de aceitação”.9
21. Tendo presente o regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo, do
contrato de formação desportiva e do contrato de representação ou intermediação - instituído
pela Lei n.º 28/98, de 26 de junho, alterada pela Lei 114/99 de 3 de agosto, hoje revogada e
substituída pela Lei n.° 54/2017, de 14-7- e firmada a existência de um pacto de opção celebrado
entre a SCUT SAD e o Jogador TRAORÉ, a favor daquela, suscita-se a reflexão sobre a validade

7 Direito das Obrigações, 8ª. ed., Almedina, Coimbra, 2000, p. 341.


8 Note-se que o pacto de opção aqui em causa foi celebrado simultaneamente com os contratos de trabalho
desportivos e já não à posteriori. Neste caso, a ser celebrada posteriormente, “seria uma cláusula que apesar de
vinculada, estaria desligada do contrato inicial e seria o resultado do desenvolvimento da relação de trabalho. Há quem
entenda preferível esta hipótese por considerar que a cláusula inserida já no contrato que dá início à relação laboral
poderia vincular e restringir a liberdade do praticante por se submeter de pronto a requisitos com vista a alcançar a
contratação que naquele momento é do seu interesse, embora possa não querer limitar a sua atividade profissional no
futuro (PINTO; MARTINS; CARVALHO, 1994).”, in Especificidades do Contrato de Trabalho Desportivo e o Pacto de
Opção no Ordenamento Jurídico Português, Rui Carmo Oliveira e Tainá Penteado DalaRosa; Constituição, Economia e
Desenvolvimento: Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional, Curitiba, 2020, vol. 12, n. 22, pag 342-368,
jan./jul.,2020.
9 A insustentável leveza de uma decisão, João Leal Amado, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 148.º, N.º

4012 Setembro-Outubro, 2018, pag.60.


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destas cláusulas de opção subscritas pelas partes outorgantes. Noutras palavras, será admissível
a celebração (ou inserção no contrato de trabalho desportivo) de uma cláusula que estabelece
um pacto de opção a favor da entidade empregadora?
22. O art. 19., n.º 1 da citada Lei, à semelhança dos diplomas anteriormente vigentes, estipula
que «são nulas as cláusulas inseridas em contrato de trabalho desportivo visando condicionar ou
limitar a liberdade de trabalho do praticante desportivo após o termo do vínculo contratual».
23. A doutrina aponta, basicamente, três tipos de cláusulas de opção: o pacto de opção a favor
da entidade empregadora desportiva (o nosso caso), o pacto de opção a favor do trabalhador
desportivo e o pacto de opção recíproco. É relativamente ao primeiro pacto assinalado que se
suscitam dúvidas quanto à sua validade, dado que, quanto ao segundo, o direito potestativo cabe
ao trabalhador e, quanto ao último, ambas as partes são titulares desse direito, havendo maior
equilíbrio contratual.
24. Sobre esta questão as opiniões continuam longe de ser definitivas e consensuais: uns Autores
consideram-nas inadmissíveis, por serem nulas; outros, por princípio, consideram-nas
admissíveis, tendo em conta a lógica comercial e empresarial do mundo do desporto profissional,
a necessidade de haver equilíbrio competitivo entre clubes, e a liberdade de trabalho do
praticante desportivo não ser igual à do trabalhador comum. Para os primeiros, tais cláusulas
estão feridas do pecado original da nulidade, para os segundos o pecado será hereditário, se se
constatar que o atleta não teve nenhum benefício patrimonial a compensar a compressão da
liberdade contratual e a estabilidade profissional.
25. Para João Leal Amado, que se posiciona na primeira asserção, o pacto de opção a favor do
clube surge, cristalino, como um instrumento tendente a defraudar as normas que regem o
contrato de trabalho desportivo10. O Autor considera que uma das partes se vincula
completamente, numa perspetiva de sujeição, deixando à outra a inteira liberdade em aderir ou
não à proposta contratual. Seria uma situação de resolução ad nutum, inválida para os contratos
desportivos, assente na proibição de despedimentos livres e da denuncia ante tempus. Nas suas
palavras, «[n]a verdade, se uma qualquer cláusula contratual que permitisse o despedimento ad
nutum ofenderia aberta e declaradamente uma proibição legal e constitucional - a proibição de
despedimento sem justa causa - bem pode dizer-se que o pacto de opção ofende a mesma
proibição de modo disfarçado e oblíquo. Segundo a conhecida lição de MANUEL DE ANDRADE,
«são negócios em fraude à lei aqueles que procuram contornar ou circunvir um proibição legal,

10
ibid, pag. 61.
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tentando chegar ao mesmo resultado por caminhos diversos dos que a lei designadamente previu
e proibiu — aqueles que por essa forma pretendem burlar a lei» (Teoria Geral da Relação Jurídica,
vol. II, 4 reimp., Almedina, Coimbra, 1974, p. 337). É precisamente isto o que aqui sucede: previstos
e proibidos que estão os despedimentos sem justa causa, a entidade empregadora desportiva
encontra no pacto de opção um outro mecanismo desvinculatório, através do qual fica com as
mãos inteiramente livres para extinguir (= não prorrogar) a relação contratual, ao passo que o
praticante fica colocado numa situação de autêntica sujeição jurídica. O pacto de opção traduz-
se, pois, numa forma oculta de violação da lei, in fraudem legis, que importa para o praticante um
regime menos favorável do que o legal em matéria de prorrogação/cessação do contrato de
trabalho desportivo. As considerações acima expendidas levam-nos, pois, a concluir pela
invalidade do acordo atributivo de um direito de opção à entidade empregadora, em sede de
contrato de trabalho desportivo. Aliás, nem outra coisa seria, porventura, de esperar. É que o
pacto de opção assenta na autonomia negocial dos sujeitos, pressupondo uma ampla liberdade
contratual, quando é sabido que o Direito do Trabalho se caracteriza, em boa medida, por uma
acentuada compressão da liberdade contratual das partes, com o assumido objetivo de tutelar
uma delas. A nosso ver, o pacto de opção mostra-se, portanto, inválido. Um contrato de trabalho
desportivo poderá ser celebrado por 2 épocas; ou por 3 épocas; mas nunca por 2+1, sendo que o
+1, enquanto período optativo, ficaria inteira e exclusivamente dependente dos juízos de
conveniência do clube (…) A entidade empregadora não pode vincular o praticante sem ela própria
se vincular, o praticante não pode obrigar-se sem que o seu empregador também o faça. Um
acordo vinculativo de sentido único é inadmissível, ao menos quando a parte vinculada seja o
trabalhador. (…) Dir-se-ia, pois, em jeito de conclusão, que não se descortinam princípios jus
laborais e/ou jus desportivos que legitimem uma qualquer cláusula que atribua à entidade
empregadora uma faculdade unilateral de decidir livremente sobre o destino a dar ao contrato de
trabalho, permitindo-lhe, portanto, governar a seu bel-prazer a duração desse contrato.
Semelhante pacto de opção traduzir-se-ia, a nosso ver, num instrumento tendente a defraudar as
normas legais que disciplinam o contrato de trabalho desportivo, devendo, por conseguinte, ser
considerado inválido e expurgado do contrato».
26. Já Albino Mendes Batista11, defende que esta questão deve ser colocada noutros termos: se
forem definidos previamente os pressupostos do exercício do pacto de opção, como seja, por
exemplo, o acesso a uma competição, não se verificam motivos para apontar o negócio em fraude

11
Albino Mendes Batista, Estudos sobre o Contrato de Trabalho Desportivo, Coimbra Editora, março 2006.
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à lei. Há que ter em conta os princípios da plena autonomia da vontade, da boa-fé e da pacta sunt
servanda. Contudo, ressalva, que tais cláusulas serão ilícitas se se verificar que pelo pacto de
opção o praticante desportivo não teve nenhum benefício patrimonial a compensar a
compressão da liberdade contratual e a estabilidade profissional. Este Autor tende a considerar
inválida a cláusula de opção estabelecida em favor do clube, se o atleta não retirar dela qualquer
benefício.
27. Independentemente das matizes doutrinais a que se fez referência supra, e do juízo que este
Conselho faça quanto à nulidade destas cláusulas de opção, no caso sub iudice parece-nos
manifesto, da prova constante dos autos, que em momento algum se previu para o praticante
desportivo, no acordo ou mesmo nos contratos celebrados, um qualquer benefício patrimonial
por ter que se sujeitar à vontade potestativa da sociedade desportiva de querer ou não contratá-
lo. Pelo contrário, para além da imutabilidade da remuneração mínima mensal fixada em ambos
os contratos de trabalho desportivos, o que se estabeleceu no acordo para o jogador foi uma
penalização de € 1.000.000,00 caso se negasse assinar o contrato de trabalho se a sociedade
desportiva decidisse unilateralmente prorrogar o seu contrato de trabalho (sendo a condição
indemnizatória para a SAD, bem mais vantajosa do que a estabelecida para o jogador).
28. Aqui chegados, há que apurar se os comportamentos assumidos pelo jogador TRAORÉ e pela
CFEA – CLUB FOOTBALL ESTRELA, SAD, são passíveis de consubstanciar a prática dos ilícitos
disciplinares pelos quais vinham indiciados.
29. Não obstante o juízo que se possa fazer sobre a aparência da nulidade do pacto, para aquilatar
da responsabilidade disciplinar dos Arguidos, há que apurar se a CFEA SAD, de boa fé, tinha razões
para acreditar que o jogador TRAORÉ não estava vinculado contratualmente para além da época
desportiva 2020/21 à SCUT SAD.
30. Para que ocorra a responsabilidade da SAD Arguida como autora da infração disciplinar p. e
p. no artigo 85.º n.º 2 do RDLPFP exige-se que aquela, sem autorização do clube a quem o jogador
se encontre vinculado por contrato que se prolongue para além da época desportiva em curso,
estabeleça negociações com esse mesmo jogador com vista a contratar os seus serviços.
31. Face ao conteúdo normativo da norma em causa, estamos em condições de concluir que o
elemento típico relativo à negociação com jogador que se encontre vinculado por contrato que se
prolongue para além da época desportiva em curso, não se encontra preenchido in casu, uma vez
que à data em que alegadamente terão existido tais negociações [que terão ocorrido antes data
da celebração do contrato de trabalho com a CFEA, SAD a 25 de junho de 2021, uma vez que

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consta a 22.06 um email (de fls. 166 a 167) com a manifestação de intenção de contratação do
jogador pela CFEA SAD junto da Federação Portuguesa de Futebol, pedindo a confirmação que
não há qualquer registo de vínculo posterior a 30.06, e por outro, o representante do jogador já
havia transmitido à SCUT SAD a intenção de procurar outro desafio a 01.06 (constante de fls.
165)], o jogador não tinha qualquer contrato válido com a SCUT SAD que se destinasse a vigorar
para além da época em curso (2020/21), ou seja para a época 2021/22.
32. Refira-se que a norma em liça não estabelece qualquer restrição à liberdade de negociação
na pendência da relação contratual desportiva. Tal norma só se considera violada se as
negociações ocorrerem na pendência de uma relação laboral que se prolongue para futuro, o que
como vimos, não foi o que se concluiu.
33. Neste contexto, impõe-se, pois, a conclusão de que a CFEA, SAD, ao entabular negociações
com o jogador TRAORÉ, teria representado, perante a conjuntura negocial, os concretos termos
do pacto de opção acima referenciados e o enquadramento doutrinal citado, que se verificava a
existência de razão invalidante daquele pacto de opção, tendo-se comportado, legitimamente,
como se ele não estivesse apto a produzir efeitos jurídicos.
34. De resto o contrato de trabalho desportivo para 2021/2022 não foi objeto de registo (isso
mesmo resulta dos depoimentos das testemunhas da participante e da própria resposta da FPF
(fls. 166 e 167). A própria CFEA SAD procurou acautelar junto da FPF se existia ou não contrato
de trabalho desportivo registado para além da época 2020/2021 e a resposta foi negativa. Esta
SAD tomou as diligências necessárias para apurar se o jogador se encontrava vinculado por
contrato que se prolongasse para além da época desportiva 2020/21, e sendo a resposta
negativa, mostram-se lícitas as negociações que encetou. Por outro lado, se a SCUT SAD
pretendesse assegurar a eficácia do contrato de trabalho para que produzisse todos os seus
efeitos perante as partes e, sobretudo terceiros, cabia-lhe registar o mesmo, o que não fez.
35. Situação diferente, seria, se estivéssemos, que não estamos, perante uma rescisão unilateral
e sem justa causa operada pelo jogador, pois tal faria espoletar o n.º 3 da norma vinda a citar que
dispõe: “(…) se o jogador fizer cessar o seu contrato de trabalho desportivo ou intermédio,
unilateralmente e sem justa causa, presume-se que a nova entidade empregadora desportiva
interveio, direta ou indiretamente, na cessação”.
36. Do mesmo modo, não se verificam os elementos típicos da infração disciplinar p. e p. no
artigo 149.º n.º 1 do RDLPFP imputada ao jogador TRAORÉ, pois que para que ocorresse a sua
responsabilidade como autor desta infração, exigia-se que, no processo relativo à extinção do seu

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contrato, prestasse falsas declarações, utilizasse documentos falsos, ou atuasse simulada ou
fraudulentamente ao estabelecido na legislação desportiva e contratação coletiva.
37. Embora o jogador TRAORÉ tivesse subscrito o pacto de opção, a verdade é que dele não
resultaram quaisquer benefícios salariais, e isso contribuiu para a sua perceção de que não estava
obrigado ao seu cumprimento, por tal pacto ser inválido, atuando, assim, neste quadro mental
nas negociações que encetou com o CFEA SAD. O mesmo se poderá dizer, em relação ao contrato
respeitante à época desportiva 2021/22 que, recorda-se, não foi objeto de qualquer registo,
cimentando a a convicção do jogador que inexistia qualquer vinculação à Torreense para além da
época 2020/21.
38. Em face do que se expendeu, nada há nos autos que demonstre ou sequer indicie que o
jogador TRAORÉ tenha assumido comportamento violador daquelas injunções.
39. Assim, em conclusão, tendo caducado o contrato celebrado entre as partes (vigente por uma
época desportiva, a de 2020/21) a 30 de junho de 2021, e não tendo o jogador TROARÉ, à data
em que foi contratado pela CFEA, SAD qualquer vínculo contratual com a SCUT SAD para além
dessa época desportiva de 2020/21, não se pode ter como verificada a sobreposição de
compromissos contratuais que espolete a responsabilidade disciplinar daquela SAD, ou ter-se por
verificada qualquer falsa declaração ou atuação fraudulenta que imponha responsabilidade
disciplinar ao jogador.

V – Decisão
Nestes termos e com os fundamentos expostos, decidem os membros da Secção Profissional do
Conselho de Disciplina da FPF, nos termos do disposto no artigo 234.º n.º 1 do RDLPFP, pelo
arquivamento do presente processo disciplinar em que são Arguidos MAMADOU SEKOU
TRAORÉ e CFEA – CLUB FOOTBALL ESTRELA, SAD.

Sem custas (artigo 279.º, n.º 1, a contrário, do RDLPFP).

Registe, notifique e publicite (artigo 216.º RDLPF).

Cidade do Futebol, 16 de novembro de 2021

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O Conselho de Disciplina, Secção Profissional

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RECURSO DESTA DECISÃO
As decisões do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol são passíveis de
recurso, nos termos da lei e dos regulamentos, para o Conselho de Justiça ou para o Tribunal
Arbitral do Desporto.
De acordo com o artigo 44.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro, na
redação conferida pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 93/2014 de 23 de junho, cabe recurso para
o Conselho de Justiça das decisões disciplinares relativas a questões emergentes da aplicação das
normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria Regimento do
Conselho de Justiça aprovado pela Direção da Federação Portuguesa de Futebol, em 18 de
dezembro de 2014 e de 29 de abril de 2015 e publicitado pelo Comunicado Oficial n.º 383, de 27
de maio de 2015, com as alterações publicitadas pelo Comunicado Oficial n.º 188, de 9 de janeiro
de 2018 e as alterações publicitadas pelo Comunicado Oficial n.º 5 de 1 de julho de 2019).
Em conformidade com o artigo 4.º, n.ºs 1 e 3, da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto (aprovada
pelo artigo 2.º da Lei n.º 74/2013 de 6 de setembro, que cria o Tribunal Arbitral do Desporto e
aprova a respetiva lei, na redação conferida pelo artigo 3.º da Lei n.º 33/2014 de 16 de junho -
Primeira alteração à Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro, que cria o Tribunal Arbitral do Desporto
e aprova a respetiva lei), compete a esse tribunal conhecer, em via de recurso, das deliberações
do Conselho de Disciplina.
Exclui-se dessa competência, nos termos do n.º 6 do citado artigo, a resolução de questões
emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática
da própria competição desportiva.
O recurso para o Tribunal Arbitral do Desporto deve ser interposto no prazo de 10 dias, contados
da notificação desta decisão (artigo 54.º, n. º 2, da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto).

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