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Aluno: Cleber do Nascimento Ferreira

A CONDIÇÃO HUMANA NO SÉCULO DAS LUZES æ


Dentre todos os momentos da história, desde Aristóteles até a atualidade, nota-se a
necessidade que a condição humana detém de ser reafirmada, ou seja, construir argumentos
que tornam válida a nossa humanidade e nos distancie dos animais. Aristóteles definiu o
homem como “o único animal que ri”1. Buscou nas características humanas, um meio de
produzir o afastamento humano das demais espécies, mas também como forma de
hierarquizar o reino animal. No século XVII, Descartes também contribuiu para esta
concepção. Ele possuía uma visão cartesiana, na qual, via os animais como máquinas. 2
Compreendia o corpo humano “como uma máquina, que ele compara a relógios, fontes
artificiais, moinhos e outras máquinas”3. Ainda segundo ele, a única diferença entre o corpo
humano e dos animais, seriam dois fatos, o primeiro, é que o corpo humano foi feito por Deus
e o segundo, porque possui alma.4

A partir do século XVIII, novos pensadores e cientistas surgem e iniciam os estudos


sobre a natureza e formas de classificação da mesma. A primeira classificação dos seres
vivos, foi feita por Lineu5 em 1735 chamada Systema Naturæ.6 Esta classificação era dividia
entre rochas e minerais, e entre o reino vegetal e o reino animal 7. Contudo, Buffon8 será a
principal referência quando falamos de história natural ou sobre a natureza, no século XVIII.
Em 1749, publicara três volumes da sua História Natural, na qual, conceitua o que seria
natureza.

A natureza não é uma coisa, pois essa coisa seria tudo; a Natureza não é um
ser, pois esse ser seria Deus. Pode-se considera-la como uma potência viva,
imensa, que tudo envolve, que tudo anima, e que, subordinada à do ser
primordial, continua a fazê-lo pelo concurso ou consentimento deste. 9

Podemos perceber nos argumentos de Descartes e Buffon, a utilização de elementos


cristãos na construção de seus pensamentos, mas devemos compreender que ainda no século
1
SELIGMANN-SILVA, Márcio. Compaixão Animal, pp. 41.
2
Ibid., p. 39.
3
Ibid., p. 41.
4
Ibid., p. 41.
5
Carlos Lineu, foi um botânico, zoólogo e médico sueco, criador da nomenclatura binomial e da classificação
científica, sendo assim considerado o pai da taxonomia moderna.
6
BETHENCOURT, Francisco. Classificação dos seres humanos, EPUB.
7
Ibid., EPUB.
8
Buffon, foi um naturalista e grande escritor francês. Conhecido pelas suas concepções de natureza e pela sua
obra, História Natural.
9
PIMENTA, Pedro Paulo. A Trama da natureza, pp 02.
XVIII não se havia divisões nas áreas de conhecimentos. Todo tipo de conhecimento estava
circulando entre os pensadores, seja ele teológico, científico ou empírico, por isso, todos os
intelectuais compartilhavam de mesma erudição, mas indo para o lado religioso, Keith
Thomas10 em seu livro, O homem e o mundo natural, irá trazer dois versículos de gênesis que
nos explica algumas coisas, veja os trechos:

E Deus os abençoou e Deus lhes disse: Frutificai, e multiplicai-vos, e enchei


a terra, e sujeitai-a; e dominai sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos
céus, e sobre todo animal que se move sobre a terra. (Gen. 1:28) 11

Temam e tremam em vossa presença todos os animais da terra, todas as aves


do céu, e tudo o que tem vida e movimento na terra. Em vossas mãos pus
todos os peixes do mar. Sustentai-vos de tudo o que tem vida e movimento.
(Gen. 9:2-3)12

Segundo Keith Thomas, estes dois versículos seriam a base de argumentação, de


diversos pensadores, para fundamentar a visão tradicional “[...] que o mundo fora criado para
o bem do homem e as outras espécies deviam se subordinar a seus desejos e necessidades” 13.
É interessante de analisarmos, como Deus já promove uma classificação natural das espécies
a partir do momento em que ocorre a promessa de domínio do homem sobre todos os animais.
Esta visão, de que o homem era o centro dos planos de Deus, legitimou diversos abusos
contra os animais, mas a época, não eram enxergados dessa forma, pois os animais foram
criados para servir e auxiliar os homens, assim mesmo como as folhas e plantas. Segundo
Henry Morc, o único propósito dos minerais e vegetais era de estender a vida humana14.

Podemos perceber, que boa parte dos estudos dos séculos XVII ao XVIII, buscavam
esse distanciamento entre os homens e os animais, a partir desse afastamento surgem as
características da humanidade, ou seja, cria-se a identidade humana a partir da diferença.
Chega um momento em que aparecem diversos estudos sobre humanidade e sobre o ser
humano, esses estudos nascem a partir de uma crise15 de identidade, supostamente gerada no
século XVIII e XIX. Nos quais estão surgindo diversas narrativas literárias, que desvelam
novas formas humanas, ou pseudo-humanas. A partir dessa crise, o foco dos estudos agora
muda, não são mais os animais que são hierarquizados, mas os próprios humanos. Dentre
10
Keith Thomas, historiador britânico.
11
Bíblia e Harpa pentecostal. Edição de promessas.
12
Keith Thomas, O homem e o mundo natural. Pp. 22.
13
Ibid., p. 21.
14
Ibid., p. 25.
15
SELIGMANN-SILVA, Márcio. Compaixão Animal, pp. 40.
vários estudos, o que mais chama atenção foi o de Petrus Camper (1722-1789). Camper, foi
inteligente ao perceber que o meio social em que o humano estava inserido, influenciava na
formação do corpo, além de fatores externos como, o clima, a alimentação, entre outros 16.
Seus estudos foram revolucionários pois, ele criou uma “máquina” de projeção de crânios,
que segundo Francisco Bethencourt, facilitava notar as diferenças entre os crânios, mas o
problema surgiu quando Camper compara os crânios de dois macacos com um de africano,
um mongol e um europeu.

Petrus Camper, analisava os crânios a partir dos ângulos faciais, realizando seus testes
percebe que o crânio dos europeus chegava a oitenta graus, enquanto do orangotango ficava
em torno dos 58 graus, porém ele analisa o crânio de estátuas gregas e percebe que haviam
chegado no ângulo facial máximo, de cem graus.17 A partir da sua análise, percebeu que a
inclinação do crânio do africano era inferior ao do europeu, posteriormente essa sua análise
seria utilizada como argumento para inferiorizar humanos de origem africana.

Além de Camper, houve outros pesquisadores que também classificaram os seres


humanos. Tivemos Buffon, Kant, Voltaire, Blumenbach, entre outros, mas Georges Cuvier 18 e
Lamarck tiveram explicações curiosas, vejamos. Cuvier (1769-1832), identificou quatro tipos
diferentes de animais ligado a ambientes específicos, distinguiu o homem dos quadrúpedes,
devido a postura vertical, pelos polegares, voz e linguagem 19. Ele distinguiu os seres humanos
em três raças, a primeira raça seriam os brancos, “compreendia a maior parte dos povos
civilizados e belos formada pelos ramos aramaico, indiano, celta e tártaro da humanidade. 20 A
segunda raça “eram composta de calmucos, chineses, machus, japoneses, coreanos e
malaios”21 A terceira raça,

que habitava a África ao sul das montanhas do atlas, era definida pela pele
negra, cabelo encaracolado, crânio comprimido e nariz achatado. Cuvier
considerava a raça negra, com a zona frontal do rosto proeminente e lábios
grossos, estava próxima dos símios.22

16
BETHENCOURT, Francisco. Classificação dos seres humanos, EPUB.
17
Ibid., EPUB.
18
Cuvier, foi um naturalista e zoologista francês da primeira metade do século XIX.
19
Ibid., EPUB.
20
Ibid., EPUB.
21
Ibid., EPUB.
22
Ibid., EPUB.
Enquanto Cuvier, ainda se utilizava de características físicas para inferiorizar os negros,
Lamarck23, chegou a defender a ideia que os seres humanos eram apenas um auge temporário
na escala animal, e seriam destinados a serem ultrapassados por outras formas mais
avançadas.24

A condição humana discutida no século XVIII é muito pertinente até os dias de hoje,
pois, o que caracteriza a humanidade? Neste momento buscavam-se formas de hierarquizar os
homens, e as características físicas eram então utilizadas como argumento, ou seja, ocorre
uma desumanização desses grupos que são tidos como inferior. Portanto, toda essa discussão
sobre a humanidade se desembocará no racismo científico, e terá reflexos na nossa sociedade
até os dias de hoje, mas percebamos o quão frágil é e sempre foi a nossa condição humana.

23
Lamarck, foi um naturalista francês e antecessor a Darwin, em ideias de evolução.
24
BETHENCOURT, Francisco. Classificação dos seres humanos, EPUB.
BIBLIOGRAFIA

Bíblia e Harpa pentecostal. Edição de promessas.

BETHENCOURT, Francisco. Classificação dos seres humanos. In: Racismos: Das cruzadas
ao século XX, 2015, EPUB.

INGOLD, Tim. Humanidade e Animalidade. In: Companion Encyclopedia of Anthropology,


Londres, Routgledge, 1994. Pp. 14-32.

PIMENTA, Pedro Paulo. A trama da natureza: organismo e finalidade na época da


ilustração. São Paulo: Editora Unesp, 2018.

SELIGMANN-SILVA, Márcio. Compaixão Animal. ALETRIA, Minas Gerais, nº 3, vol. 21,


set-dez 2011, pp. 39-51.

THOMAS, Keith. O homem e o mundo natural: mudanças de atitude em relação às plantas e


aos animais (1500-1800). Tradução de João Roberto Martins Filho, consultor desta edição
Renato Janine Ribeiro, consultor de termos zoológicos Márcio Martins. São Paulo:
Companhia das Letras, 1988.

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