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São Paulo, sábado, 3 de maio de 1997

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CPI e sigilo telefônico


LUIZ FLÁVIO GOMES

A quebra do sigilo telefônico está no centro de uma polêmica (mais


jurídica que política) que ganhou destaque quando o ministro Carlos
Velloso (do STF) concedeu liminar em habeas corpus impetrado
contra ato da CPI dos títulos públicos (precatórios), que determinou a
quebra do sigilo dos dados telefônicos de várias pessoas.
A Constituição distinguiu, no inciso 12 do art. 5º, os "dados" das
"comunicações telefônicas" e aparentemente conferiu àqueles uma
tutela absoluta (como se sabe, "prima facie", tem-se a impressão de
que a Carta Magna só permitiu a quebra do sigilo das comunicações
telefônicas).
O ponto de partida para o verdadeiro entendimento do assunto reside
em reconhecer a relatividade dos direitos fundamentais. O princípio
do sigilo absoluto não se coaduna com a realidade e a necessidade
sociais. Os dados pessoais, incluindo os telefônicos -seja no momento
de uma comunicação, sejam os armazenados-, não gozam de sigilo
absoluto.
É esse é o entendimento majoritário da doutrina, especialmente
quando a quebra do sigilo destina-se a uma investigação criminal ou
instrução processual penal.
Na jurisprudência, acórdão da 3ª Turma do TRF da 2ª Região, rel.
Valmir Peçanha, versando sobre a quebra do sigilo das contas
telefônicas, mantém sintonia com o que foi afirmado, acrescentando,
no entanto, a necessidade de "justa causa" para se definir quando o
interesse coletivo sobrepujará um direito ou garantia fundamental.
Mas não basta, claro, a simples invocação do interesse público: é
preciso demonstrar uma "justa causa" (princípio da
proporcionalidade) e tudo está subordinado a um devido processo
legal, que começa pelo princípio da legalidade. Logo, somente
quando uma lei autoriza a quebra do sigilo de dados é que o juiz pode
determiná-la.
De qualquer modo, não são poucas as leis no Brasil que autorizam a
ingerência nos dados alheios. Assim, Código Tributário, Leis
Orgânicas do Ministério Público etc. Mas não é o caso, como se
percebe, de se aplicar a lei 9.296/96 aos registros ("dados")
telefônicos, pois ela só disciplina a interceptação (ou escuta)
telefônica.
Considerando que, por força do art. 58, 3º, da Constituição, as CPIs
possuem poderes de investigação próprios das autoridades judiciais e,
tendo em vista ainda que a lei nº 1.579/52, art. 2º, possibilita-lhes a
requisição de informações e documentos de órgãos públicos ou
autárquicos (incluindo as concessionárias de serviço público), cabe
concluir: a quebra do sigilo dos dados telefônicos pode ser
determinada por CPI.
O que não pode a CPIs é determinar a escuta ou interceptação
telefônica, que só pode ocorrer "para fins criminais", em investigação
criminal ou instrução processual penal. E a CPI é criada para apurar
fatos administrativos. Não é uma investigação criminal. Não se
destina a apurar crimes nem a puni-los, atividades de competência do
Executivo e do Judiciário. Se, no curso da investigação
administrativa, se deparar com fatos criminosos, dele dará ciência ao
Ministério Público (H.C. 71.039-RJ, STF, rel. Paulo Brossard).
A CPI, em síntese, deve ter meios suficientes para o bom desempenho
de suas funções. Seus poderes são amplos, mas não ilimitados. A
quebra do sigilo de dados telefônicos não é excesso de poder, mas
alguns atos são da competência única do Judiciário, como escuta
telefônica e decretação de prisão.

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