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ARTIGO E SPECIAL

SPEClAL ARTICLE

Fibromialgia c*)
Provenza JR, Pollak DF, Martinez JE, Paiva ES, H elfenstein M , Heymann R , M atos JMC, Souza EJR

DESCRiÇÃO DO MÉTODO DE COLETA DE C: Relatos de casos , estudos não controlados.


EVIDÊNCIAS
D: Opinião desprovida de avaliação crítica, baseada em
consensos, estudos fisiológicos ou m odelos animais.
Foram feitos levantam entos bibliográficos nas bases de dados
da M edline, Scielo e Lilacs. O s trabalhos foram discutidos
OBJETIVOS
em grupo e avaliados segundo a força de evidência científica.
Apresentar as recomendações para o diagnóstico, tratamento,
seguimento clíni co e avaliação da qualidade de vida nos
GRAU DE RECOMENDAÇÃ O E FORÇA DE pacientes co m fibromia lgia.
EVIDÊNCIA
CONFLITO DE INTERESSE
A: Estudos experimentais e observacionais de m elhor consistência.
B: Estudos experimentais e observacionais de menor consistência. Nenhum co nflito de interesse declarado .

INTRODUÇÃO destacam-se uma sensibilidade dolorosa em sítios anatô-


micos preestabelecidos, denominados tender points, que
A síndrome da fibromialgia pode ser definida como uma serão apresentados adiante, na descrição do quadro clínico .
síndrome dolorosa crônica, não inflamatória, de etiologia O número de tender points relaciona-se com avaliação
desco nhecida , qu e se manifesta no sistema músc ul o- global da gravidade das m anifestações clínicas, fadiga,
esqu elético , podendo apresentar sintomas em outros apa- distúrbio do sono, depressão e ansiedade(3) (C).
relhos e sistemas. Sua definição constitui motivo de con- É extremam ente comum, secundando somente a osteoar-
trovérsia, basicamente pela ausência de substrato anatômico trite como causa de dor músculo- esquelética crônica. A
na sua fisiopatologia e por sintomas que se confundem com sua prevalência é de aproximadamente 2% na população
a depressão m aior e a síndrome da fadiga crônica. Por estes geral; é responsável por aproximadamente 15% das consultas
motivos, alguns ainda consideram-na uma síndrome de em ambulatórios de reumatologia, e 5% a 10% nos ambu-
somatização. No entanto, desde 1980, um corpo crescente latórios de clínica geral. A proporção de mulheres para
de conhecimento contribuiu para a fibromialgia ser caracte- homens é de aproximadam ente 6 a 10:1. A m aior preva-
rizada como uma síndrome de dor crônica, real, causada lência encontra-se en tre 30-50 anos, pod endo ocorrer
por um mecanismo de sensibilização do sistema nervoso também na infância e na terceira idade . Pode- se encontrar
central à dor. N a tentativa de homogeneizar as populações associada a 25% das artrites reumatóide , 30% dos lúpus
para estudos científicos, o Colégio Americano de R euma- eritem atosos sistêmicos e 50% das síndrom es de Sjogren .
tologia, em 1990, publicou critérios de classifi cação da O reconhecim ento desta concomitância é extremamente
fibromi algia(J )(A). Estes critérios foram também validados útil, pois p ermitirá uma orientação terap êu tica m ais
para a popula ção brasileira (2)(B). Dentre os critérios, adequada.

• Trabalho rea lizado por representant es da Sociedade Brasileira de Reum ato logia. Elaboração fi nal: 2 de março de 2004.
O Pro jeto Diretrizes. inic iativa conjunta da Assoc iação Médica Brasileira e Consel ho Federal de Medi cina , tem por o b jetivo concil iar in formações da área
médica a fi m de padroniza r condutas que auxiliem o ra ciocínio e a t omada de dec isão do médico. As informações con tidas neste projeto devem ser submeti-
das à ava liação e à crítica do méd ico. respo nsável pela conduta a ser seguida, frente à realidade e ao estado cl ínico de cada paciente a ser segu ida , frente à
rea lidade e ao estado cl íni co de cada paciente.

Endereço para correspondência : Sec re ta ria editorial. Av. Brigadei ro Lu iz Antonio, 24 66 , conj . 93 , CEP O1402-000, São Pa ulo , SP. Brasil. E-mai l: sbre@t erra.combr

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Prove nza et aI.

Assim com o em outras condições crônicas, como a artrite m aneira difu sa, afetando segm entos da coluna vertebral,
reumatóide, há um aumento na prevalência de diagnóstico m embros superiores e infe riores.
de depressão nesses pacientes. Entretanto, não fi cou com- Sintomas centrais que acom panham o quadro doloroso
provada a hipó tese de que a fib romialgia possa ser uma são o sono não reparado r e a fadiga, presentes na grande
variante da doença depressiva(4)(C). O estresse psicológico m aio ria dos pacientes. Têm sido relatados diversos tip os
po de determinar quem se to m ará um paciente. Os diag- de distú rbios de so no, resultando ausência de restauração
nósticos diferenciais que geralmente são considerados no de energia e conseqü ente cansaço, qu e aparece logo pela
espectro da fib romialgia são as doenças som atofo rmes, m anhã. A fa diga pode ser bastante signifi cativa, com se n-
especialmente o distúrbio de som atização e distúrbio de sação de exaustão fácil e dificuldade para realização de
do r, co mo definidos no DSM - IV. D o ponto de vista tera- tarefas labo rais o u d o m ésti cas. Se nsações pares tésicas
pêutico, raram ente é útil caracterizar a fibromialgia com o habitualmente se fazem presentes. É imp ortante ressaltar
sendo um problem a puramente psicológico o u puram ente qu e as parestesias n estes pacientes não respeitam uma
orgânico. Considerando to dos os estudos apo ntando para distribuição dermatômica(7) (D).
uma disfunção do processam ento senso rial, pode- se infe rir O utro sinto ma geralmente presente é a "sensação" de
que a do r desses pacientes é real, e qu e os sinto mas psico- inchaço, particularmente nas mãos, antebraços e trapézios,
lógicos podem ser secundários à do r. Vale a pena lembrar qu e não é observada pelo examinador e não está relacionada
que o diagnósti co de distúrbio som atoforme deixa de existir a qualquer processo inflam atório. Além dessas m anifestações
quando existe uma explicação fisiopatológica plausível; por músculo- esqueléticas, muitos se qu eixam de sintom as não
exemplo, a síndrome do intestino irritável não é considerada relacionados ao aparelho locom o tor. Entre esta variedade
um distúrbio som atoforme. de queixas, destaca- se cefaléia, to ntura, zumbido, dor to-
A alteração do sono mais comum co nsiste na intrusão rácica atípica, palpitação, dor abdominal, constipação, diar-
de o ndas alfa em o ndas delta de so no p rofundo, levando a réia, dispepsia, tensão pré-menstrual, urgência miccional,
um sono não reparado r(5) (D). Isto é encontrado em várias dific uldade de concentração e falta de mem ória(8) (C).
o utras doenças com dor crô ni ca, incluindo artrite reuma- Cerca de 30% a 50% dos pacientes possuem depressão.
tóide e neoplasia terminal. Outros achados são diminuição Ansiedade, alteração do humo r e do comp o rtam ento,
do sono tipo REM , m ovimentos periódicos dos m embros, irritabilidade ou outros distúrbios psicológicos acompanham
sín drom e das pernas inquietas, fadiga matutina e dor ao cerca de 1/ 3 destes pacientes, embora o m odelo psicopato-
despertar. lógico não justifique a presença da fi bromialgia(9)(B).
O exam e fisico fo rnece poucos achados. Eles apresentam
QUADRO CLíNICO bom aspecto geral, sem evidência de doen ça sistêmica, sem
sinais inflamató ri os, sem atrofia m uscular, sem alterações
O quadro clinico desta síndro me costu ma ser polimorfo, neurológicas, com boa amplitude de movimentos e com
exigindo anamnese cuidadosa e exam e fisico detalhad o. O força muscular preservada, apesar dos sintom as m encio-
sintom a prese nte em todos os pacientes é a dor difusa e nados. O único achado clínico importante é a presença de
crônica, envolvendo o esqueleto axial e periférico. Em sensibilidade dolorosa em determi nados sítios anatô micos,
geral , os pac ientes têm dificuldade para localizar a do r, cham ados de tender p oints. Faz-se importante ressalta r que
muitas vezes apo ntando sítios peri-articulares, sem espe- estes "pontos dolorosos" não são geralm ente conhecidos
cificar se a origem é mu scular, óssea ou articular. O caráter pelos pacientes, e n o rmalmente não se situ am na zona
da do r é bastante variável, podendo ser qu eimação, po ntada, central de do r por eles referida. De acordo com os critérios
peso, " tipo cansaço" o u com o unu contusão. É conlum a atu ais, deve m se r p es qui sad os os seguint es p ares d e
referência de agravam ento pelo frio, umidade, m udança pontos(1) (A) :
climática, tensão em ocio nal ou por esforço fisico(6) (D). 1. Subocciptal - na inserção do m úsculo subocciptal;
Uma propo rção dos pacientes lembra qu e a do r é de 2. Cervical baixo - atrás do terço inferior do esternoclei-
início mais localizada em uma determinada região, prin- dom astoideo, no ligam ento intertransverso C 5-C6;
cipalmente na coluna cervical, envolvendo o u não os tra- 3. T rapézio - ponto médio do bordo superior, numa
pézios, outras vezes ini ciando-se co mo uma cervicobra- parte firme do músculo;
quialgia ou com o uma cervicodorsalgia. Uma o utra parte 4. Supra- espinhoso - acima da escápula, próxim o à borda
dos pacientes alega que o qu adro doloroso iniciou-se j á de m ediaI, na origem do m úsculo sup ra-espinhoso;
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Fi bro mia lgia

5. Segunda j unção costo- condral - lateral à j unção , na o tratam ento tem como o bj etivos o alívio da dor, a m elhora
origem do músculo grande peitoral; da qualidade do sono , a manutenção ou restabelecimento
6. Epicôndilo lateral - 2 a 5 em de distância do epicôn- do equilíbrio em ocional, a melhora do condicionam ento
dilo lateral; 6sico e da fa diga e o tratam ento específi co de desordens
7. Glúteo m édio - na parte m édia do quadrante súpero- associadas . Inicialmente, edu car e informar o paciente e os
externo na po rção anterior do músculo glúteo m édio ; seus familiares, proporcionando-lhes o m áxim o de infor-
8. Trocantérico - posterio r à proeminência do grande mações sobre a síndro m e e assegurando-lhes qu e se us
trocanter; sinto m as são reais. A atitude do paciente é um fator deter-
9. J oelho - no coxim gorduroso, pouco acima da linha minante na evolução da doença. Por isso, procuramos fazer
média do j oelho. com que este assuma Ul11.a atitude positiva frente às propostas
A dígito-pressão de um examinador experiente dispensa terapêuticas e seus sintomas.
o emprego do aparelho de pressão de super6cie do tipo
algôm etro ou dolorímetro . O critério de resposta dolorosa
em pelo m enos 11 desses 18 pontos, são recom endados TRATAMENTO FARMACOLÓGICO
com o proposta de classificação, m as não devem ser consi-
derados com o essencial para o diagnóstico(! )(A). AN T IDEPR E SSIVOS TRICÍ CL I COS

N ão existem exam es subsidiários, tanto de laborató rio Estes fá rmacos agem alterando o m etabolism o da serotonina
co mo de imagem , qu e tenham utilidade diagnóstica para a e a noradrenalina, e nos nociceptores periféricos e mecâ-
síndrom e, exceto quando outras enfermidades estiverem nico-recepto res, promovendo analgesia periférica e central,
presentes concomitantemente. potencializando o efeito analgésico dos opióides endógenos,
N o diagnóstico diferen cial, as seguintes condições devem aumentando a duração da fase 4 do sono n-REM, melho-
ser lembradas(I )(A): rando os distúrbios de so no e diminuindo as alterações de
1. Síndrome da dor miofascial; humo r destes pacientes.
2. R eumatism o extra- articular afetando várias áreas; A amitriptilina de 12,5-50m g, ministrada normalmente
3. Polimialgia reumática e artrite de células gigantes; 2 a 4 ho ras antes de deitar, dem onstra m elhora na fadiga,
4. Polimiosites e dermato polimiosites; no quadro dolo roso e no sono destes pacientes(!Q) (B).
5. Mioparias endócrinas - hipotiroidismo, hipertiroidismo, A ciclobenzaprina, um agente tricíclico com estrutura
hiperparatiroidismo, insuficiência adrenal; similar à da amitriptilina, é uma droga qu e não apresenta
6. Miopatia m etabólica por álcool; efeitos antidepressivos, sendo utilizada co mo miorrelaxante.
7. N eoplasias; D oses de 10 a 30 mg, tomadas 2 a 4 ho ras antes de deitar,
8. D oença de Parkinson; apresentam eficácia significativa no alívio da maioria dos
9. Efeito colateral de drogas - corticosteróide, cimeti- sintom as da fibromialgia. A eficácia e a tolerabilidade da
dina, estatina, fibratos, drogas ilícitas . amitriptilina e da ciclobenzaprina no tratam ento da fibro-
D entre todas as enfermidades qu e necessitam de diag- mialgia podem ser consideradas semelhantes(II )(A).
nóstico diferencial com a fibromal gia, a síndrome da dor
miofascial deve estar em destaque devido a sua maio r seme-
B L OQUEADORES SEL ETIVOS DE RECAP TAÇÃ O DE
lhança clínica com a fib romalgia. Esta é uma síndrome de
SER O TON I NA
dor regional. Apresenta área localiza da de dor cham ada
Bloqu eado res seletivos de recaptação de seroto nina, espe-
de trigger p oints, qu e algumas vezes é acompanhada, pela
cialmente a fluo xetina, podem ser utilizados na síndrome.
palpação da musculatura, de nódulos fibró ticos ou bandas
A fluo xetina, quando usada em conjunto com um derivado
musculares tensas. Apresenta também zona referencial de
tricíclico, pode amplifi car a ação destes últimos no alívio
dor profunda característica, que é agravada pela palpação
da do r, do sono e bem -estar global. D eve ser administrada
dos trigger points e qu e deve ser completam ente extensiva
pela m anhã em doses entre 10 a 40 mg(!2) (B).
e localizada em uma considerável distância desses pontos.

BENZ ODIAZEPÍ NICOS


TRATAMENTO
A maioria dos benzodiazepínicos altera a estrutura do sono
A fibromialgia permanece ainda voltada às manifesta ções e diminui a duraçã o d e o nd as delta durante o so n o
clínicas, com m edidas farmacológi cas e não farmacológicas. profundo(! 3)(C). O alprazolam em doses entre 0, 5 e 3 mg
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Provenza et a I.

aumenta a efetividade da resposta terapêutica quando asso- um tratamento alternativo e aceitável<zO) (C), demonstrando
ciado ao antiinflamatório não hormonal(l4) (C). Os benzo- melhora importante dos sintomas.
diazepínicos não devem ser utilizados em pacientes com
fibromialgia de maneira rotineira devido ao aparecimento SUPORTE PSICOLÓGICO
de dependência química. Entre 25% a 50% destes pacientes apresentam distúrbios
psiquiátricos concomitantes, que dificultam a abordagem
ANALGÉ SICOS e a melhora clínica destes, necessitando muitas vezes de
O paracetamol(15) (B) e a dipirona constituem alternativas para um suporte psicológico profissional. A abordagem cogni-
analgesia, como tratamento coadjuvante. A utilização do tivo-comportamental também é efetiva, desde que com-
cloridrato de tramadol associado ao paracetamol contribui binada com técnicas de relaxamento, ou exercícios aeró-
para a melhora da dor nos pacientes com fibromialgia(l 6) (A), bicos, alongamentos e educação familiar. Esta última é
mas não para a redução do número de tender points. extremamente importante, em especial por se tratar de uma
enfermidade de longa duração, com queixas persistentes.
OUTROS Por outro lado, o apoio psicológico dos familiares conduz,
O tratamento com hornlônio de crescimento recombinante com certeza, à melhor qualidade de vida.
pode ser útil no alívio dos sintomas de pacientes com
fibromialgia(l7)(D). BIOFEED-BACK E HIPNOTERAPIA

OS estudos de biofeed-back têm demonstrado efeitos bené-


TRATAMENTO NÃO-FARMACOLÓGICO ficos, mesmo seis meses após o término do tratamento,
com significativa melhora no número de tender points, na
Os exercícios são importantes e fazem parte do tratamento dor generalizada e na rigidez matinal<z l)(B).
desta síndrome. Os exercícios mais adequados são os A hipnoterapia tem igualmente demonstrado alguma
aeróbicos, sem carga, sem grandes impactos para o aparelho eficácia no controle da dor nos pacientes com fibromialgia.
osteoarticular, como dança, natação e hidroginástica, auxi- Em estudo comparado com terapia fisica, oito sessões de
liando tanto no relaxamento como no fortalecimento mus- hipnoterapia promoveram significativa melhora de pa-
cular, reduzindo a dor e em menor grau melhorando a cientes resistentes a outros tratamentos(22) (B).
qualidade do sono. A princípio, qualquer atividade fisica
aeróbica, e de baixo impacto, tal qual natação, caminhada
ACOMPANHAMENTO CL í NICO
ou hidroginástica, é a mais recomendada. Em geral, uma
caminhada, ao passo normal do paciente, durante 30 A grande subj etividade dos sintomas e sinais, associada à
minutos a 1 hora todos os dias proporciona efeitos tera- falta de marcadores biológicos para os mecanismos fisio-
pêuticos. A orientação de exercitar-se três vezes por semana patológicos atualmente conhecidos, torna o atendimento
tem sido eficaz e possibilita maior adesão ao trata- do paciente, e em particular a avaliação do impacto das inter-
mento(l 8)(D). Em alguns casos, esta atividade se torna a única venções terapêuticas, um grande desafio ao clínico{Z3)(D).
terapêutica necessária. Pode-se dizer, com grande segurança, que atender pa-
A atividade fisica apresenta um efeito analgésico; por cientes com fibromialgia é hoje um dos grandes modelos
estimular a liberação de endorfinas, funciona como antide- para a realização da prática médica tradicional que tanto
pressivo; e proporciona uma sensação de bem-estar global nos atraía para a medicina, ou seja, a coleta de dados através
e de autocontrole(1 9) (D). Esta deve ser bem dosada para que da observação clínica e sua análise através do raciocínio
não seja muito extenuante, seu início deve ser leve e a sua clínico<z4)(D). Por outro lado, a recente tendência da medi-
"intensidade" aumentada gradativamente. Deve ser bem cina em considerar entre os dados obtidos com o paciente
planejada para ser tolerada desde o início e para manter a qual a intensidade do impacto das doenças no cotidiano
adesão do paciente por um período prolongado. dos doentes, possibilitou a utilização dos questionários de
avaliação de qualidade de vida como instrumento de
ACUPUNTURA acompanhamento clínico.
Estudos mais recentes demonstram que um grupo de Considera-se o sintoma central e essencial para o diagnóstico,
pacientes pode melhorar da dor com a eletroacupuntura. de acordo com o Colégio Americano de Reumatologia, a
Portanto, para algumas situações, a acupuntura pode ser dor difusa ou dor generalizada, conforme definição proposta
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Fibromialgia

por esse organismo e com duração núnima de três meses. Em


relação ao acompanhamento clinico, também são muito
importantes os demais sintomas dessa síndrome, entre eles:
fadiga, distúrbios do sono, ansiedade e depressão(1) (A).
Em relação ao sintoma dor, há confiabilidade na utili-
zação de escalas analógicas, tanto na avaliação inicial como
na avaliação da evolução, como se pode depreender do
estudo com pacientes portadores de artrite reumatóide(25) (B).
Da mesma forma, essa metodologia tem sido utilizada no
acompanhamento dos demais sintomas (26) (B). A mais
freqüentemente citada é a escala analógica visual, abre-
viada pelo aerônimo V.A.S., composta por uma linha de
10 cm, sendo que uma das extremidades representa ausência
do sintoma e a outra a presença do sintoma intenso. Da
mesma forma, pode-se utilizar uma escala numérica de
sintomas, em que O é ausência do sintoma e 10 é a presença
do sintoma muito severo. Este método é particularmente
útil no cotidiano da prática médica.
Podem- se utilizar escalas analógicas visuais numéricas,
bem como as do tipo Likert, em que se atribui valor de O
a 5 às seguintes categorias de intensidade: ausência do FIGURA 1 - Pontos dolorosos pesquisados.
sintoma (O); muito leve (1); leve (2); moderado (3); intenso
(4) ou muito intenso (5). Ainda quanto ao sintoma da dor,
pode-se propor uma avaliação de distribuição da dor através o "índice l11.iálgico total" pode ser composto por várias
de um diagrama, composto por um desenho com o combinações de fonnas de avaliação do limiar de dor através
contorno corporal, onde o paciente pode assinalar os locais da pressão sobre os pontos dolorosos . Utilizando-se a
de dor. Porém, não há na literatura proposta de avaliação palpação digital pode-se obter escore de acordo com a
formal desses desenhos(27) (O) . seguinte escala: O- ausência de dor; 1 - dor leve; 2 - excla-
As delnais características clínico-propedêuticas da dor, mação verbal de dor; e 3 - movimento de retirada ou expres-
embora possam ser úteis ao diagnóstico, não são habitual- são facial de dor. Nessa escala, os pontos dolorosos estabe-
mente referidas como métodos de acompanhamento lecidos pelo Colégio Americano de Reumatologia são
clínico. No exame fisico, a única alteração evidente é a avaliados, e o escore máximo a ser obtido é 54, resultante
pesquisa da alodínea, através da avaliação das áreas hipersen- da multiplicação dos 18 pontos pelo número 3, que corres-
síveis à palpação, conhecidas na literatura internacional ponde à avaliação máxima(28) (C).
como pontos dolorosos(3) (C). Duas formas de avaliação estão A avaliação do limiar da dor pode ser realizada através
disponíveis: a contagem simples dos pontos dolorosos ou de dolorimetria, pouco utilizada no nosso meio. O escore
o índice miálgico total. é de O para valores maiores que 4 kg/ cm 2; 1 para maiores
A palpação digital é a técnica mais utilizada. Nesse que 3,2 kg/cm 2, 2 para maiores que 2,3 kg/ cm 2; e 3 quando
método, a força necessária para tornar pálido o leito ungueal 2 kg/ cm2 é o valor inferior(28) (C).
do primeiro dedo é a pressão apropriada nos locais dos
pontos dolorosos para se estabelecer o que constitui um
IMPACTO NA QUALIDADE DE VIDA
estímulo doloroso(28) (C).
Os locais de pontos dolorosos pesquisa dos são aqueles Qualidade de vida é a "a percepção do indivíduo de sua
estabelecidos pelo critério de classificação do Colégio Ame- posição na vida no contexto da cultura e sistema de valores
ricano de Reumatologia(1) (A), mostrados na Figura 1: nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expec-
A utilização de pontos-controle, tais como região média tativas , padrões e preocupações" , avaliada por exemplo pelo
do braço (bíceps) ou região frontal, é de utilidade para se questionário WHOQOL da Organização Mundial da Saúde,
estabelecer a positividade ou não dos pontos dolorosos(28) (C). validado em nosso país(29) (B).
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Provenza et aI.

A avaliação da qualidade de vida ou do impacto das Levando-se em conta a capacidade dos instrumentos
doenças pode ser feita através de outros questionários genéricos de detectar mudanças, eles devem merecer a
padronizados, nos quais são designados escores para as várias preferência quando das avalia ções evolutivas. O questio-
questões envolvidas. Esses instrumentos podem ser classi- nário conhecido como FibromyaJgia Impact Questionnaire
ficados em genéricos ou específicos. São questionários ou, simplesmente, FIQ é o instrumento específico para a
genéricos aqueles desenvolvidos com a finalidade de refletir avaliação do impacto na qualidade de vida. É composto de
o impacto de uma doença sobre a vida de pacientes em questões relacionadas à influência da doença nas atividades
uma ampla variedade de população. Avaliam aspectos do dia-a-dia, nas atividades profissionais e questões relacio-
relativos à função, à disfunção e ao desconforto fisico e nadas à intensidade dos principais sintomas. O FIQ tem
emocional(24 l(D) boa confiabilidade, comparado com as escalas relevantes
São específicos aqueles capazes de avaliar de forma indi- do Arthritis Impact Measurement Scales- AIMS(3 ll (C).
vidual determinados aspectos da qualidade de vida, propor- A literatura ainda mostra a utilização de questionários
cionando uma maior capacidade de detectar melhora ou relacionados a determinados aspectos da 6brornialgia, como
piora do aspecto específico em estudo. Sua principal carac- por exemplo capacidade funcional no Health A ssessment
terística é seu potencial de ser sensível às alterações após Questionnaire - HAQ, depressão no Beck Depression
uma determinada intervenção(23 l(D). Questio11113Íre, qualidade do sono no Post-Sleep lnventOly,
A fibromialgia provoca um impacto negativo importante entre outros(32l (D). O questionário genérico que apresenta
na qualidade de vida dos pacientes(30l(B). O impacto global maior número de referência de uso na 6bromialgia é o Medicai
envolve aspectos pessoais, profissionais, familiares e sociais. Outcome Survey 36 itens Short FOl1JJ Study-SF36(33 l (B).
O impacto na qualidade de vida correlaciona-se fortemente Os autores recomendam que o paciente seja acompa-
com a intensidade da dor, fadiga e decréscimo da capacidade nhado utilizando-se os seguintes instrumentos: 1 - escalas
funcional. Dessa forma, a utilização desses instrumentos analógicas numéricas, de O à 10, para os principais sintomas
enquanto método de acompanhamento clínico é bastante que incluem a dor, fadiga, qualidade do sono, ansiedade e
interessante, quando associada às medidas de avaliação dos depressão; 2 - o FIQ, instrumento específico de impacto
sintomas. da doença sobre a qualidade de vida.

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