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4037 19324 1 PB
4037 19324 1 PB
Editorial..........................................................................................................................22
Márcia Dieguez Leuzinger e Solange Teles da Silva
A análise do mecanismo Redd+ com vistas à mitigação dos efeitos das mudanças climá-
ticas e à proteção da diversidade biológica florestal...................................................76
Diogo Andreola Serraglio e Heline Sivini Ferreira
Killing the Green goose: legal limits to develop and sell biodiversity goods........ 146
José Augusto Fontoura Costa e Liziane Paixão Silva Oliveira
Mining CBD...................................................................................................................275
Claire Lajaunie e Pierre Mazzega
O que o caso Estados Unidos vs. Texas nos dirá sobre o direito de imigração nos Es-
tados Unidos?.................................................................................................................409
Danielle Anne Pamplona
Clóvis Beviláqua e a justiça internacional: entre o sim e o não a Rui Barbosa. .......422
Paulo Emílio Vauthier Borges de Macedo
Dignity, ubuntu, humanity and autonomous weapon systems (AWS) debate: an Afri-
can perspective...............................................................................................................460
Thompson Chengeta
Resumo
Abstract
Pergunta-se: qual o real papel da Amazônia no ce- 1 CAUBET, Christian G. As grandes manobras de Itaipu: energia, di-
plomacia e direito na Bacia do Prata. São Paulo: Acadêmica, 1991;
nário da integração sul-americana? Quais elementos e PEREIRA, Osny Duarte. Itaipu: prós e contras: ensaio sobre a local-
atores favorecem e/ou dificultam a discussão conjunta ização, no Brasil, da maior barragem do mundo e suas implicações
em nossa política continental. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974.
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NUNES, Paulo Henrique Faria. A organização do tratado de cooperação amazônica: uma análise crítica das razões por trás da sua criação e evolução. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 13, n.
e forçou a diplomacia brasileira a voltar-se para a região de uma negociação da qual participariam dois países
amazônica. com os quais tinha problemas territoriais (Colômbia e
Guiana). Além do mais, interessava ao governo vene-
Brasil e Peru começaram os primeiros entendimen-
zuelano ampliar sua zona de intercâmbio comercial e o
tos relativos a um projeto de cooperação amazônica2 e,
mercado brasileiro não podia ser desprezado. Em julho
em 1975, firmaram acordos bilaterais sobre zonas fron-
de 1977, o presidente Carlos Andrés Pérez deu sinais
teiriças, cooperação técnico-científica e um Acordo para
positivos à cooperação pan-amazônica e, em novembro,
a Conservação da Flora e da Fauna dos Territórios Amazônicos.
concordou, formalmente, em participar da negociação
Em novembro de 1976, os presidentes Geisel e Bermú-
do tratado.
dez se encontraram e assinaram vários tratados, alguns
deles relacionados à Hileia: Acordo para a Constituição de Existem certas questões globais que favoreceram
uma Subcomissão Mista Brasileiro-Peruana para a Amazônia, o diálogo amazônico. Citam-se, em primeiro lugar, as
Acordo para Utilização de Estações Costeiras e de Navios na preocupações manifestadas em tom alarmista com o
Região Amazônica, Acordo para a Constituição de um Grupo meio ambiente. A Conferência de Estocolmo, as pre-
Técnico Destinado a Estudar o Estabelecimento de um Sistema visões sobre os limites do crescimento – amplamente
de Auxílio à Navegação no Rio Amazonas. difundidas pelo Clube de Roma – e o discurso de me-
didas internacionais de proteção ambiental despertaram
A criação do Comitê Intergovernamental para a
temores nos governantes da região. Para Julio Portillo,
Proteção e o Manejo da Flora e da Fauna Amazônicas –
esse foi o principal elemento que levou o governo bra-
instituído por Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru
sileiro a tomar a iniciativa pan-amazônica4.
e Venezuela em 1975 – favoreceu a discussão de temas
concernentes à Pan-Amazônia. Pouco depois, em mar- Soma-se à reação ao discurso ambientalista a inquie-
ço de 1977, o governo brasileiro consultou os demais tação a respeito da soberania sobre os recursos naturais
países amazônicos sobre a viabilidade de um acordo e o interesse em garantir a continuidade dos projetos
regional. econômicos na Amazônia.
A Venezuela não demonstrou entusiasmo inicial- Apesar do sucesso na negociação do TCA, o en-
mente, pois era o país sul-americano de maior tradição tusiasmo não foi o mesmo após a assinatura. O Pacto
democrática e considerava temerário se juntar a um gru- Andino ainda era o projeto regional prioritário para a
po de governos majoritariamente ditatoriais3. Caracas, maior parte dos seus membros, que buscaram afirmar
também, desconfiava dos verdadeiros interesses brasi- sua identidade na política regional.
leiros e temia uma manobra do Itamaraty que pudesse
Conclui-se que as razões fundamentais para a assina-
legar aos demais negociadores um papel secundário,
tura do TCA foram as seguintes: o anseio de afirmação
não condizente com sua condição de membro da Or-
de soberania sobre o território e os recursos naturais, a
ganização dos Países Exportadores de Petróleo. Não
fim de garantir a continuidade dos projetos econômicos
obstante, a boa receptividade da proposta pelos demais
na região e afastar o fantasma da internacionalização;
países amazônicos colocava a Venezuela em uma posi-
o desejo de apresentar à sociedade internacional um
ção delicada e não era conveniente manter-se distante
documento que resguardasse a exclusividade da gestão
dos problemas amazônicos em sintonia com a proteção
2 ROMÁN, Mikael. The implementation of international regimes: the
ambiental; e, finalmente, a preocupação brasileira com
case of the Amazon Cooperation Treaty. Uppsala: Uppsala Univer-
sity, 1998. um possível isolamento em virtude da construção da
3 “President Pérez followed the same month US President Jimmy barragem de Itaipu.
Carter’s example and condemned the Brazilian military regime for
its nuclear policies and violation of human rights. This statement Dentre os principais fatos que favoreceram um am-
was by most observers regarded as an attempt to gain a favorable biente propício ao diálogo e à diplomacia amazônica,
position with the United States and commented on by the Brazilian
mencionam-se: os litígios territoriais pendentes entre
military regime as highly opportunistic. The Venezuelan aspirations
vários países negociadores; a crise energética mundial –
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mentation of international regimes: the case of the Amazon Coopera- volvimento entre as Partes Contratantes, para elevar o nível de vida
tion Treaty. Uppsala: Uppsala University, 1998; SILVEIRA, Edson de seus povos e a fim de lograr a plena incorporação de seus terri-
Damas da. Direito socioambiental: Tratado de Cooperação Amazônica. tórios amazônicos às respectivas economias nacionais”.
Curitiba: Juruá, 2002. 8 “Artigo X. As Partes Contratantes coincidem na conveniência de
6 FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. Relações de trabalho na criar uma infraestrutura física adequada entre seus respectivos países,
Pan-Amazônia: a circulação de trabalhadores. São Paulo: LTr, 1996. especialmente nos aspectos de transportes e comunicações. Conse-
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NUNES, Paulo Henrique Faria. A organização do tratado de cooperação amazônica: uma análise crítica das razões por trás da sua criação e evolução. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 13, n.
No tocante à cooperação, optou-se por eliminar o partamento de Pando, la provincia Iturralde del depar-
adjetivo “regional”. É claro que a prioridade é a coo- tamento de La Paz y las provincias Vaca Díez y Ballivián
peração entre os Estados contratantes. No entanto, o del departamento del Beni” (parágrafo II do art. 390 da
tratado não restringe a participação de outros organis- Constituição de 2009). A Amazônia Legal colombiana
mos internacionais. Os artigos IX (parágrafo segundo9) é constituída pelos departamentos de Caquetá, Putu-
e XV10 preveem a possibilidade de ações conjuntas com mayo, Amazonas, Guainía, Guaviare e Vaupés (art. 1.º
outras entidades, com especial destaque a organizações do decreto 3.083/1986). A Região Amazônica Equato-
latino-americanas. A Organização dos Estados Ameri- riana inclui as províncias de Sucumbíos, Francisco de
canos (OEA) tem desenvolvido ações em parceria com Orellana, Napo, Pastaza, Morona-Santiago e Zamora-
os países amazônicos e programas específicos foram -Chinchipe (decreto legislativo 41, de 5 ago. 1980). Na
criados, a exemplo do Projeto Plurinacional de Coope- Venezuela, a porção do território abrangida pelo TCA
ração Amazônica e do Projeto Desenvolvimento Sus- corresponde ao Estado do Amazonas. No Peru, a Lei
tentável de Áreas Fronteiriças na América do Sul. 27.037/1998 faz uma minuciosa descrição da Amazônia
nacional (art. 3.1):
A área de abrangência espacial do tratado depende
de determinação legal autônoma. A Amazônia Pactual Para efecto de la presente Ley, la Amazonía
comprende:
é a soma da área de Amazônia Legal de cada Estado-
-parte (art. II), de modo que se extrapolou a dimensão a) Los departamentos de Loreto, Madre de Dios,
Ucayali, Amazonas y San Martín.
da Bacia Amazônica e/ou da Floresta Tropical, isto é,
a Amazônia sensu stricto. No entanto, ainda hoje, nem b) Distritos de Sivia y Ayahuanco de la provincia
de Huanta y Aina, San Miguel y Santa Rosa de la
todos os Estados-partes dispõem de normas internas provincia de La Mar del departamento de Ayacucho.
que definem com clareza a porção do território que cor-
c) Provincias de Jaén y San Ignacio del departamento
responde à Amazônia nacional.11 de Cajamarca.
No Brasil, a Amazônia Legal “[...] abrange os Esta- d) Distritos de Yanatile de la provincia de Calca, la
dos do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Ron- provincia de la Convención, Kosñipata de la provincia
de Paucartambo, Camanti y Marcapata de la provincia
dônia, Roraima, Tocantins, Pará e do Maranhão na sua de Quispicanchis, del departamento de Cusco.
porção a oeste do Meridiano 44º” (art. 2.º da lei comple-
e) Provincias de Leoncio Prado, Puerto Inca,
mentar 124/2007).12 Na Bolívia, “[...] la totalidad del de- Marañon y Pachitea, así como los distritos de
Monzón de la provincia de Huamalíes, Churubamba,
quentemente, comprometem-se a estudar as formas mais harmôni- Santa María del Valle, Chinchao, Huánuco y
cas de estabelecer ou aperfeiçoar as interconexões rodoviárias, de Amarilis de la provincia de Huánuco, Conchamarca,
transportes fluviais, aéreos e de telecomunicações, tendo em conta Tomayquichua y Ambo de la provincia de Ambo
os planos e programas de cada país para lograr o objetivo prioritário del departamento de Huánuco.
de integrar plenamente seus territórios amazônicos às suas respecti- f) Provincias de Chanchamayo y Satipo del
vas economias nacionais”. departamento de Junín.
9 “As Partes Contratantes poderão, sempre que julgarem necessário
e conveniente, solicitar a participação de organismos internacionais g) Provincia de Oxapampa del departamento de
na execução de estudos, programas e projetos resultantes das formas Pasco.
de cooperação técnica e científica definidas no parágrafo primeiro
h) Distritos de Coaza, Ayapata, Ituata, Ollachea
do presente artigo”.
y e San Gabán de la provincia de Carabaya y San
10 “As Partes Contratantes se esforçarão por manter um intercâm-
Juan del Oro, Limbani, Yanahuaya, Phara y Alto
bio permanente de informações e colaboração entre si e com os
Inambari, Sandia y Patambuco de la provincia de
órgãos de cooperação latino-americanos, nos campos de ação que se
Sandia, del departamento de Puno.
relacionam com as matérias que são objeto deste Tratado”.
11 NUNES, Paulo Henrique Faria. Dificuldade de demarcação da i) Distritos de Huachocolpa y Tintay Puncu de
Pan-Amazônia e dos territórios indígenas na região. Textos e Debates, la provincia de Tayacaja del departamento de
Boa Vista, v. 2, n. 26, p. 7-28, 2015. Huancavelica.
12 A Amazônia brasileira, conforme a lei 1.806/1953 era menor
do que a atual, pois não contemplava toda a área correspondente a j) Distrito de Ongón de la provincia de Pataz del
departamento de La Libertad.
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(dezembro de 1995).
25 Em 13 de julho de 2006, realizou-se, em Bogotá, a primeira
22 Art. III do Regimento da Reunião dos MRE. cúpula de Ministros de Defesa e Segurança. Discutiu-se, nessa re-
23 Em Quito foi realizada a V Reunião Ordinária e I Reunião Ex- união, problemas como crime transnacional, comércio ilícito de
traordinária do CCA, organizada por iniciativa do governo equato- flora e fauna e possibilidade de criação de um sistema de vigilância
riano. e monitoramento.
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NUNES, Paulo Henrique Faria. A organização do tratado de cooperação amazônica: uma análise crítica das razões por trás da sua criação e evolução. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 13, n.
Na Declaração de Lima, aprovada na V Reunião dos de atividades. As metas, projetos e ações têm sido es-
MRE, em dezembro de 1995, decidiu-se formalmente tudadas e incluídas em planos estratégicos plurianuais.
pela criação de uma Secretaria Permanente a ser insta-
O Secretário-Geral é auxiliado por dois diretores –
lada na capital brasileira no futuro próximo. Aos 14 de
Executivo e Administrativo – e um Assessor Jurídico.
dezembro de 1998, a estrutura formal da cooperação
Além desses, existem quatro coordenações que se de-
amazônica sofreu uma alteração substancial. Adotou-se
dicam a áreas específicas: Saúde; Assuntos Indígenas;
nesse dia, em Caracas, o Protocolo de Emenda ao TCA
Meio Ambiente; Transportes, Infraestrutura e Comuni-
por meio do qual se criou a Organização do Tratado de
cações e Turismo; Ciência, Tecnologia e Educação.
Cooperação Amazônica (OTCA), entidade dotada de
personalidade jurídica e competente para celebrar tra- Além da SP, um órgão permanente de função re-
tados com Estados e organismos intergovernamentais. levante é a Comissão de Coordenação do CCA. Esse
órgão de função consultiva e auxiliar é formado, pre-
O protocolo, que entrou em vigor em agosto de 2002,
ferencialmente, por agentes diplomáticos dos Estados-
alterou a redação do art. XXII do TCA. Substituiu-se a
-membros da OTCA lotados em Brasília.
SPT por uma Secretaria Permanente sediada em Brasí-
lia26. Essa nova não é um órgão meramente administrati- Embora a instância máxima decisória da OTCA
vo, trata-se de um órgão de competência executiva pois seja a Reunião dos MRE, três reuniões de Presidentes
ela é “encarregada de implementar os objetivos previstos já foram realizadas (maio de 1989; fevereiro de 1992;
no Tratado em conformidade com as resoluções emana- novembro de 2009). A cidade brasileira de Manaus rece-
das das Reuniões de Ministros de Relações Exteriores e beu todos os encontros dos chefes de Estado.
do Conselho de Cooperação Amazônica”27. Pode-se apontar como razão principal para um pra-
À frente da Secretaria Permanente está o Secretário- zo tão longo entre a segunda e a terceira cúpula presi-
-Geral. Conforme o regimento do órgão, seu dirigente dencial as prioridades incluídas na agenda das políticas
deve ser nacional de um dos países-membros, mas o externas dos países sul-americanos nos anos 1990 e
sucessor não pode ser conterrâneo de quem ocupou 2000. Na última década do século XX, o MERCOSUL
previamente o cargo. A escolha é feita pela Reunião dos e a CAN foram projetos prioritários; no primeiro de-
MRE por unanimidade. O mandato do Secretário-Geral cênio do século atual, as discussões sobre a criação e
é de três anos, admitida uma reeleição. consolidação de um bloco sul-americano ofuscaram os
debates sobre a cooperação amazônica. Entre 2000 e
O boliviano Sergio Sánchez Ballivian foi nomeado,
2009, foram realizadas sete cúpulas de chefes de Esta-
extraordinariamente, Secretário-Geral Interino – em de-
do da América do Sul: Brasília (2000); Guaiaquil (2002);
zembro de 2002, em Brasília – para um mandato de um
Cusco (2004); Brasília (2005); Cochabamba (2006); Bra-
ano. Em 2004, a eleição da equatoriana Rosalía Arteaga
sília (2008); Bariloche (2009). Embora as entidades não
inaugurou uma nova etapa administrativa28.
mantenham uma relação de competição, não se pode ig-
A instituição de um órgão permanente veio acom- norar que suas agendas entram em conflito e muitas ve-
panhada de uma nova forma de planejamento das ações zes há necessidade de colocar uma em primeiro plano.
de cooperação. Além das funções previstas no art. XXII
Na primeira declaração presidencial, a Declaração da
do TCA, a Secretaria Permanente elabora juntamente
Amazônia, estabeleceu-se que os encontros dos chefes de
aos Estados-partes seus planos de trabalho e programas
Estado seriam anuais. Porém, acompanhando a praxe das
reuniões de MRE, a periodicidade jamais foi respeitada.
26 A OTCA é o único organismo internacional sediado na capital Outras reuniões não previstas no TCA foram pro-
brasileira. A Secretaria Permanente (SP/OTCA) funcionou provi- movidas a fim de tratar de assuntos específicos: Reunião
soriamente no Ministério de Relações Exteriores do Brasil, sua sede
definitiva foi inaugurada em janeiro de 2005 (Cf. Boletim OTCA, ano de Ciência e Tecnologia (Lima, 26 ago. 2005); Reunião
1, n. 3, dez./fev., 2004/2005). A SP/OTCA também conta com um de Propriedade Intelectual (Rio de Janeiro, 30 jun. e 1.º
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momento de baixa produtividade e diálogo nos projetos Laura; ARROYO, Mónica (Org.). Questões territoriais na América Lati-
na. Buenos Aires: CLACSO; São Paulo: USP, 2006. p. 210.
de cooperação e integração na América do Sul. A crise
33 NUNES, Paulo Henrique Faria. Internacionalização da
da dívida externa e um grave processo inflacionário cas- Amazônia: agentes e perspectivas. Textos e Debates, Boa Vista, v. 1, n.
tigaram as economias latino-americanas. 27, p. 161-176, 2015.
34 A distância entre Brasília (DF) e Rio Branco (AC) é de 3.123 Km.
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NUNES, Paulo Henrique Faria. A organização do tratado de cooperação amazônica: uma análise crítica das razões por trás da sua criação e evolução. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 13, n.
linha demarcatória alcança 2.995 km. Além disso, sobre- das discussões sob o amparo do Tratado de Coopera-
tudo no tocante à Bolívia, trata-se de uma área frontei- ção Amazônica. O tráfico ilícito de entorpecentes e de
riça com maior densidade demográfica. pessoas, assim como problemas concernentes a crimes
internacionais estiveram em evidência nas Nações Uni-
Antes das negociações do TCA os diálogos com
das no mesmo período. Alguns importantes instrumen-
Colômbia, Venezuela e Equador tinham uma posição
tos internacionais foram adotados sob os auspícios da
secundária. As zonas fronteiriças do Brasil com os dois
Assembleia Geral da ONU nos anos 1980, 1990 e 2000:
primeiros países ainda hoje constituem grandes vazios
Convenção contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e
demográficos, embora possua um centro regional na
Substâncias Psicotrópicas (1988), Convenção sobre o
tríplice fronteira Brasil-Colômbia-Peru, a cidade de Ta-
Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Es-
batinga35 – contígua a Letícia36, na Colômbia. O Equa-
trangeiros em Transações Comerciais Internacionais
dor não dispõe de áreas limítrofes com o Brasil, embora
(1997), Convenção Internacional para a Supressão do
esteja na rota de um dos prováveis corredores de acesso
Financiamento do Terrorismo (1999), Convenção das
ao Oceano Pacífico37.
Nações Unidas contra o Crime Organizado Transna-
Com a Guiana e o Suriname, obviamente, o número cional (2000), Convenção das Nações Unidas contra a
de tratados é bem mais resumido. Em primeiro lugar, Corrupção (2003). As mesmas questões estiveram pre-
porque são Estados de emancipação recente; em se- sentes nas discussões de entidades regionais como Or-
gundo, porque a situação retratada no parágrafo ante- ganização dos Estados Americanos, União Europeia e
rior, referente a Colômbia e Venezuela, é ainda mais União Africana. Insiste-se, portanto, que o aumento de
dramática. instrumentos aparentemente relacionados à Amazônia
Nota-se que, conquanto as relações com alguns paí- não é, necessariamente, fruto da evolução do TCA; seus
ses sejam prioritárias pelas mais diversas razões, há um membros estiveram atentos aos assuntos que ocuparam
“pacote” de acordos genéricos de temas variados firma- os principais fóruns internacionais e, naturalmente, es-
dos com a maioria dos parceiros: comércio, energia nu- tes foram inseridos nas relações bilaterais. Lista-se um
clear, medidas sanitárias, cooperação técnica e científica, conjunto de países com os quais o Brasil celebrou tra-
recursos naturais e infraestrutura. Muitos desses temas tados sobre tráfico ilícito de entorpecentes no mesmo
são pertinentes ao Pacto Amazônico. período: Paraguai (1988), Cuba (1994), Rússia (1994),
África do Sul (1996), Espanha (1999), Romênia (1999),
Na parte final da década de 1980 e nas décadas se- Líbano (2003), integrantes da Comunidade dos Países
guintes, as matérias preponderantes são entorpecentes, de Língua Portuguesa (1997).
infraestrutura e energia, segurança e defesa, questões
penais. Esses temas, entretanto, não são consequência No tocante à produção de normas dentro do arca-
bouço institucional do TCA, a década de 1980 é uma
35 A população estimada no fim de 2013 era de 58.314 (Fonte: fase altamente improdutiva. A criação da UNAMAZ38
BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. IBGE: (1987) e das primeiras comissões especiais (1988) é o
cidades: Amazonas: Tabatinga. Brasília, [2016?]. Disponível em: primeiro sinal mais evidente do anseio de aproximar os
<http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?codmun=355270>).
36 A população estimada no fim de 2013 era de 40.673 (fonte:
objetivos do tratado da realidade. O período de inércia
COLOMBIA. Departamento Administrativo Nacional de Estadís- do Pacto Amazônico é interrompido em 1989, ano de
tica. Demografia y población. Bogotá, [2016?]. Disponible en: <http:// realização da primeira Reunião de Presidentes39.
www.dane.gov.co/index.php/estadisticas-por-tema/demografia-y-
poblacion>).
37 Cf. AMAYO ZEVALOS, Enrique. La Amazonía y el Pací-
fico: la problemática de su vinculación a través de una carretera. 38 A UNAMAZ é uma rede de instituições de ensino superior dos
In: PAVAN, Crodowaldo (Coord.). Uma estratégia latino-americana para países amazônicos voltada para a cooperação científica intelectual. A
a Amazônia. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos entidade não possui caráter intergovernamental e seu bom funciona-
Hídricos e da Amazônia Legal; São Paulo: Memorial, 1996. v.3. p. mento depende, sobretudo, das políticas educacionais desenvolvi-
142-151; BARA NETO, Pedro; SÁNCHEZ, Ricardo J.; WILMS- das nos países-membros da OTCA que, na maioria das vezes, deixa
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MEIER. Hacia un desarrollo sustentable e integrado de la Amazonía: los muito a desejar. A Secretaria-Executiva da UNAMAZ está instalada
corredores de transporte en la cuenca amazónica central-occidental na cidade de Belém (Brasil)
y sus afluentes principales en Brasil, Colombia, Ecuador y Perú. CE- 39 Em 1989, criou-se o Parlamento Amazônico, sediado na capital
PAL: Santiago de Chile, 2006; VAN DIJCK, Pitou; DEN HAAK. peruana. Assim como a UNAMAZ, ele não dispõe de uma estrutura
Construcción problemática: IIRSA y las asociaciones público-privadas en intergovernamental formal nem possui personalidade jurídica inter-
la infraestructura vial. Amsterdam: CEDLA/UVA, 2007. nacional.
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NUNES, Paulo Henrique Faria. A organização do tratado de cooperação amazônica: uma análise crítica das razões por trás da sua criação e evolução. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 13, n.
Ao final do primeiro encontro presidencial, apro- mais áspera em relação ao modelo econômico prepon-
vou-se a Declaração da Amazônia, um texto sucinto – di- derante e ao papel dos países desenvolvidos. Os pará-
vidido em dez parágrafos – que reafirma alguns dos grafos 4 ao 8 da Declaração representam bem a posição
princípios elementares do TCA: soberania, conservação defendida pelos países amazônicos:
ambiental e cooperação. O documento apresenta uma 4. Reafirmamos nossa convicção que os padrões de
redação em sintonia com o conceito de desenvolvimen- produção, consumo e distribuição internacionais
to sustentável, amplamente difundido com a publicação estão na raiz dos problemas de meio ambiente
dos países em desenvolvimento, especialmente, a
do Relatório Brundtland em 198640. deterioração do ecossistema e a pobreza a que tem
condenada a maioria dos seres humanos.
A primeira declaração presidencial destaca que a
adoção de medidas de proteção do meio ambiente na 5. É reconhecida a maior responsabilidade dos
países desenvolvidos na deterioração progressiva
Amazônia só é possível com a melhoria das condições do meio ambiente, razão suficiente pela qual não
econômicas e sociais de seus povos. Também chama podem pretender impor controles ecológicos e
a atenção para os problemas decorrentes da crise da condicionantes aos países em desenvolvimento.
dívida externa e para a disparidade entre os países de- 6. O subdesenvolvimento é, por sua vez, causa
senvolvidos e em desenvolvimento. A Declaração da fundamental e grave efeito da deterioração do
meio ambiente. Portanto, a solução dos problemas
Amazônia ainda atribui parte da responsabilidade pela
ambientais está estreitamente vinculada a uma nova
conservação da Amazônia aos Estados desenvolvidos, atitude em relação à cooperação internacional, que
os quais deveriam promover ações de cooperação finan- se traduza na expansão dos recursos financeiros, no
ceira e tecnológica. Um último ponto que merece ser maior acesso a tecnologias, na ampliação dos fluxos
comerciais e em medidas para resolver o problema
ressaltado é a preocupação com a questão nuclear (pros- da dívida externa.
crição das armas nucleares e uso da energia nuclear para
7. Medidas internas de urgência serão insuficientes
fins exclusivamente pacíficos), com o desarmamento e para eliminar a pobreza se não contam com o apoio
com a transferência internacional de resíduos radioati- da cooperação internacional baseada em novos
vos e tóxicos. princípios.
8. A superação da problemática atual do meio
A segunda Reunião de Presidentes foi convocada ambiente requer, ademais, um esforço consciente e
no intuito de definir posições conjuntas que seriam dis- decidido por parte dos Estados e dos indivíduos,
cutidas na Conferência das Nações Unidas sobre Meio que deverá transcender a simples lógica das forças
Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD)41. Dois do- do mercado.
cumentos foram aprovados aos 11 de fevereiro de 1992: Nota-se que a Declaração de Manaus sobre a CNU-
a Declaração de Manaus sobre a CNUMAD e o Do- MAD prioriza, sobretudo, o princípio da responsabilidade
cumento de Posição Conjunta dos Países Amazônicos comum mas diferenciada e o respeito à soberania.
com Vistas à CNUMAD.
A terceira Reunião de Presidentes da OTCA acon-
A declaração presidencial de 1992 reafirma e apro- teceu em um contexto, aparentemente, semelhante ao
funda muitos dos temas da sua antecessora: desen- da segunda. O encontro foi convocado pelo Brasil em
volvimento sustentável; livre direito de utilização dos outubro de 2009 para que fossem definidas posições
recursos naturais na consecução do bem-estar e do conjuntas a serem apresentadas pelos países amazôni-
progresso; promoção da educação e da consciência cos na 15.ª Conferência das Nações Unidas sobre Mu-
ambiental; direitos dos povos indígenas e sua participa- dança Climática (COP15), realizada entre os dias 7 e 18
ção na formulação de políticas públicas; dívida externa. de dezembro em Copenhague.42
Todavia, o segundo documento apresenta uma redação
O encontro, realizado em Manaus, no dia 26 de no-
vembro, também contou com a presença do presidente
40 COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E francês43. Apesar de anteceder uma conferência global,
DESENVOLVIMENTO. Nosso futuro comum. 2 ed. Rio de Janeiro:
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manente. En este sentido, debe tomarse en cuenta que los proyectos contribuições dos Estados-partes, a OTCA poderia administrar
sean de interés regional, tengan valor agregado y sean atractivos para outras fontes de financiamento. Idealizou-se à época a criação de
las fuentes de financiamiento internacional.La reunión ministerial um fundo que garantiria a execução das atividades e projetos da or-
también debe ser propicia para expresar un público agradecimiento ganização, no entanto as dificuldades financeiras permanecem um
a todos aquellos países que han contribuido con recursos financieros desafio a ser superado.
o técnicos a consolidar los trabajos en el marco del Tratado.” Na VI Reunião de MRE, (Caracas, abril de 2000), foi aprovado
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NUNES, Paulo Henrique Faria. A organização do tratado de cooperação amazônica: uma análise crítica das razões por trás da sua criação e evolução. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 13, n.
da OTCA, o que prejudica o dinamismo da entidade47. Ao se analisar a evolução do sistema de cooperação
amazônica – antes somente um tratado, hoje uma or-
O momento de elaboração da terceira declaração
ganização internacional – nota-se que os avanços são
presidencial é marcado por uma grave crise econômi-
mais retóricos do que práticos, mesmo após a criação
ca mundial, considerada a pior desde 1929. Apesar da
da OTCA. Cita-se, por exemplo, a proposta do Peru de
instabilidade, o Brasil obteve à época uma significativa
negociação de uma Carta Amazônica, apresentada duran-
projeção mundial, afirmou-se como um dos pontos de
te a IX Reunião dos MRE (novembro de 2005). Desde
maior solidez da América Latina e chegou a contribuir
então, várias reuniões do CCA e dos MRE, ordinárias e
para o Fundo Monetário Internacional. Infere-se que
extraordinárias, já discutiram o tema; no entanto, pouco
a questão da captação de recursos nos próprios países
se realizou em termos práticos.
amazônicos pode ser, ao mesmo tempo, uma cobrança
por parte dos países de menor desenvolvimento e uma Conforme registrado anteriormente, os anos que se
forma do governo brasileiro dar continuidade à valori- seguiram à entrada em vigor do Pacto foram marcados
zação de sua imagem no âmbito regional. Resta saber se pela inércia do regime de cooperação. No fim da déca-
as intenções vão se converter efetivamente em medidas da de 1980, esse ambiente sofreu profundas alterações,
concretas. todavia deve-se fazer um importante questionamento:
quais as razões para o relançamento do TCA, cujo mar-
co maior foi a primeira cúpula presidencial em 1989?
A reconstrução do modelo democrático em muitos
7. Análise crítica da evolução normativa e dos países sul-americanos contribuiu, mas não pode
institucional ser apontada como o principal fator. Os diálogos que
levariam à criação do MERCOSUL e as conversações
Nas sociedades humanas, normalmente, um siste- no âmbito da CAN também são elementos importantes
ma normativo surge e se consolida antes ou junto com mas não devem ser sobrevalorizados.
o desenvolvimento da estrutura organizacional. Na
OTCA existe uma lógica inversa: diante da ausência de A negociação e a assinatura do TCA foi um movi-
um marco normativo eficiente, investe-se no fortaleci- mento mais reativo do que propositivo. O relançamento
mento da estrutura institucional. Questiona-se, contu- do projeto de cooperação amazônica, embora acompa-
do, se a expansão da burocracia pan-amazônica sem um nhado de uma revisão crítica do quadro institucional,
marco normativo satisfatório gere bons resultados. foi igualmente reativo. No fim dos anos 1980, a questão
ecológica estava na ordem do dia dos principais foros
internacionais e em dezembro de 1989 convocou-se a
um orçamento anual de US$ 1.139.600,00 para a instalação e ma- Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente
nutenção da SP. O quinhão de responsabilidade de cada Estado não e Desenvolvimento (CNUMAD)48. Algumas medidas
foi proporcional ao seu território, mas à capacidade contributiva. importantes foram adotadas, a exemplo da criação da
Para compor o montante referido, os Estados contribuíram com os
seguintes valores: Bolívia e Equador: US$ 74.074,00 (6,5%); Brasil:
UNAMAZ e do Parlamento Amazônico; todavia essas
US$ 398.860,00 (35%); Colômbia, Peru e Venezuela: US$ 182.336,00; iniciativas não receberam o devido cuidado das auto-
Guiana e Suriname: US$ 22.792,00 (2%). De maio de 2004 a setem- ridades governamentais, sobretudo a primeira. Desde
bro de 2005, a SP administrou um orçamento de US$ 1.218.193,64. o estabelecimento da OTCA, são constantes os apelos
No mesmo período, a captação de recursos provenientes de organ-
ismos intergovernamentais foi superior ao orçamento da OTCA, pela “reativação” dessas duas instituições.
o que evidencia a dependência do financiamento externo: US$
380.000,00 (FAO); US$ 700.000,00 (Global Environment Fund –
Os problemas ambientais e a Amazônia, em especial,
GEF); US$ 200.000,00 (UNCTAD); US$ 1.900.000,00 (BID).Os também alcançaram os meios de comunicação de mas-
dados foram colhidos in AMAZON COOPERATION TREATY sa e foram difundidos mundialmente. O assassinato do
ORGANIZATION. Integrating the Continental Amazon: management re- líder seringueiro Chico Mendes em dezembro de 1988
port: may 2004 to october 2005. Brasília: PS/ACTO, 2005.
47 Argemiro Procópio tem sido uma das principais vozes a criti- e as lutas pela demarcação das terras dos índios Ianomâ-
mi49 – dispersos em áreas pertencentes a Brasil e Vene-
2, 2016 p. 220-243
peciais ou de caráter emergencial; V - acompanhar a implementação 63 BRASIL. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, DOS RE-
da política nacional integrada para a Amazônia Legal no âmbito fed- CURSOS HÍDRICOS E DA AMAZÔNIA LEGAL. Política nacional
eral; VI - opinar sobre projetos de lei relativos à ação do Governo integrada para a Amazônia legal. Brasília: CONAMAZ, 1995.
Federal na Amazônia Legal; VII - deliberar e propor medidas sobre 64 BRASIL. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, DOS RE-
situações e fatos que exijam imediata e coordenada ação do Gov- CURSOS HÍDRICOS E DA AMAZÔNIA LEGAL. Política nacional
erno Federal” (art. 1.º). integrada para a Amazônia legal. Brasília: CONAMAZ, 1995. p. 15. Cf.
239
NUNES, Paulo Henrique Faria. A organização do tratado de cooperação amazônica: uma análise crítica das razões por trás da sua criação e evolução. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 13, n.
Apesar da existência de dois órgãos, tanto um quan- aproximação do Brasil com os países da CAN, de modo
to outro exibe uma ação pouco dinâmica65. Seria mais que houve um favorecimento ao ambiente necessário à
coerente investir em uma estrutura político-administra- realização da primeira Cúpula Sul-americana em 200067.
tiva mais leve e eficiente, mas, em vez disso, propôs-se a
Segurança e defesa são temas discutidos prioritaria-
criação de um Ministério da Amazônia Legal66.
mente na UNASUL, embora cooperação regional e so-
As intenções apresentadas nas discussões que ante- berania sejam princípios norteadores da iniciativa pan-
cedem o estabelecimento de órgãos e projetos nacio- -amazônica68. A discussão de problemas e tensões entre
nais e intergovernamentais são positivas. Contudo, na os países da Amazôna Pactual no âmbito da UNASUL
maioria das vezes, elas não saem do papel. Uma leitura – a exemplo dos atritos de Colômbia com Venezuela e
detalhada dos principais documentos aprovados nas Equador e do uso de instalações militares colombianas
reuniões do CCA ou nas reuniões de MRE revela que pelos EUA – acaba por relegar à OTCA uma importân-
expressões como “ações concretas”, “projetos concre- cia secundária.
tos”, “medidas efetivas”, “tornar realidade” são cons-
A integração física sul-americana também dispõe de
tantemente repetidas, o que demonstra a dificuldade dos
um foro específico, a Iniciativa para a Integração da In-
Estados-membros no alcançar dos objetivos propostos.
fraestrutura Regional Sul-americana (IIRSA).
Em relação à sua função no contexto regional, a
Chama-se a atenção para o fato que integração física,
OTCA passa por uma crise de identidade. Nesse ema-
complementação econômica e um foro para discutir a
ranhado de conferências, declarações e siglas que com-
defesa da integridade da Amazônia eram assuntos que
põem as relações sul-americanas, o que ela representa
apareciam no Anteprojeto do TCA, porém foram su-
exatamente para seus países-membros? A conciliação
primidos ou mitigados no decorrer das negociações69.
de desenvolvimento e preservação ambiental se tornou
A IIRSA, os diálogos entre MERCOSUL e CAN e o
lugar-comum nos documentos aprovados no seio dos
Conselho de Defesa Sul-americano demonstram que o
dois principais projetos de integração do subcontinente
governo brasileiro conseguiu a reinserção de tais maté-
(MERCOSUL e CAN); e o mesmo pode ser dito em
rias nas suas relações regionais.
relação à UNASUL. Ao se fazer uma análise comparada
do período que antecede a assinatura do TCA e do seu Constata-se, portanto, que os diversos projetos de
Protocolo de Emenda, duas décadas depois, percebe-se cooperação e integração sul-americanos começam a
que a cooperação amazônica tende a ser colocada na sufocar uns aos outros e que possuem agendas coinci-
ordem do dia do governo brasileiro quando suas rela- dentes e concorrentes. Para o Brasil, principal potência
ções com os vizinhos do Cone Sul sofrem algum abalo. amazônica, a OTCA serve de instrumento geopolítico
Foi assim quando das discussões relativas à construção regional e global, pois reforça sua capacidade de mano-
da barragem de Itaipu na década de 1970; no fim dos bra perante os países das bacias Platina e Amazônica e
anos 1990, o MERCOSUL passava por uma grave crise se revela um bom argumento contra as pressões motiva-
e a OTCA, mesmo que indiretamente, contribuiu para a das na inaptidão dos Estados da Hileia para implemen-
tar uma política socioambiental eficiente.
As ações da SP/OTCA ainda são dependentes do
também o item n. 6 da Concepção Básica e o item 10 das Diretrizes
Gerais. auxílio financeiro externo; formalmente os países exer-
65 Em maio de 2008, o senador Tião Viana – membro do mesmo
partido do Presidente da República, representante do Acre, Estado
localizado na porção mais ocidental da Amazônia brasileira – de- 67 “De fato, a crise no Mercosul começou com a desvalorização
fendeu na tribuna do Senado a reativação do CONAMAZ. O parla- do real diante do dólar, em janeiro de 1999. Com o peso atrelado
mentar reclamou da ausência de políticas públicas para a Amazônia, ao dólar, a Argentina viu suas vendas para o Brasil caírem. Pediu
fato que contribui para o questionamento da capacidade gerencial medidas do Governo brasileiro para compensar o desequilíbrio e
do país e para o surgimento de discursos sobre a internacionalização não foi atendida. Daí em diante, criou empecilhos às exportações
da área (Cf. Diário do Senado Federal, 20 mai. 2008). brasileiras”. SILVA, André Luiz Reis da. Do otimismo liberal à globali-
2, 2016 p. 220-243
Em 1999 o senador Jefferson Peres, representante do Amazonas, zação assimétrica: a política externa do governo Fernando Henrique
já havia feito questionamentos semelhantes na tribuna do Senado Cardoso (1995-2002). Curitiba: Juruá, 2009. p. 155.
Federal. 68 CARVALHO, Leonardo Arquimimo de; GARAY VERA, Cris-
66 Em 2 de agosto de 2005, o Senador Valdir Raupp apresen- tián; CAYÓN PEÑA, Juan (Org.). Segurança e defesa na América Latina.
tou o Projeto de Lei 264, que autoriza a criação do Ministério da Curitiba: Juruá, 2009.
Amazônia. 69 Cf. os artigos VIII, IX, X e XII do Anteprojeto do TCA.
240
NUNES, Paulo Henrique Faria. A organização do tratado de cooperação amazônica: uma análise crítica das razões por trás da sua criação e evolução. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 13, n.
cem soberania sobre seus respectivos territórios e recur- da sua floresta tropical ao controle de uma entidade go-
sos naturais, mas grande parte dos empreendimentos vernamental em novembro de 2007, bem como o litígio
mineiros e dos registros de patentes na Pan-Amazônia territorial com a Venezuela, são fatos que comprome-
são realizados por sucursais de grupos estrangeiros. O tem um apoio explícito por parte dos vizinhos. O silên-
Pacto Amazônico prioriza a colaboração com órgãos la- cio das agências de notícias da maior parte dos países
tino-americanos (art. XV), mas as ações realizadas sob o amazônicos diante do reconhecimento do presidente da
marco do TCA são, muitas vezes, dependentes de auxí- Guiana é um indício razoável da disputa velada entre os
lio financeiro de países e organismos não pertencentes membros da OTCA.
à América Latina (GEF, UNCTAD, FAO).
A cooperação pan-amazônica é um tema que pos-
O Brasil dispõe do Fundo Amazônia70, vinculado sibilita inúmeros debates e propostas de interesse dos
ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e países em desenvolvimento. Os países da região, à épo-
Social (BNDES). Esse fundo – criado por meio do De- ca da negociação do TCA, poderiam ter contribuído
creto 6.527, de 1.º mai. 2008 – é constituído de doações positivamente com abordagens originais para o direito
e se destina a “ações de prevenção, monitoramento e internacional72,73. No entanto, nota-se um descompas-
combate ao desmatamento e de promoção da conser- so entre a intenção dos idealizadores do TCA e ou-
vação e do uso sustentável no bioma amazônico” (art. tras Abordagens do Terceiro Mundo ao Direito Internacional
1.º, caput). Espera-se que uma parte considerável dessas (TWAIL – Third World Approaches to International
doações seja proveniente de governos estrangeiros71. Law) a ele contemporâneas.
A falta de continuidade dos diálogos e das ações de Muitas dessas abordagens estão relacionadas a dis-
proteção e de utilização ambientalmente correta dos re- cursos libertários ou anti-imperialistas e buscam legiti-
cursos naturais revela a dificuldade de implementação e midade na autodeterminação dos povos, no direito ao
atualização da cooperação amazônica. Afirmou-se, mais desenvolvimento ou no princípio da responsabilidade
de uma vez neste trabalho, que, quando as pressões comum mas diferenciada. Os governos amazônicos re-
internacionais pela conservação da Floresta Tropical – futavam a relação colonial entre Estados, mas a tolera-
bem como as propostas de internacionalização – dimi- vam – mesmo que não abertamente – entre povos ou
nuem, o Tratado de Cooperação Amazônica tende a cair entre classes sociais internamente. Assim, as questões
no esquecimento. Todavia, as estratégias de apropriação ambientais e indígenas ficaram mais restritas ao domí-
da Amazônia desenvolvidas por agentes externos não nio retórico.
passam por um processo de arrefecimento; na verdade,
Duas áreas estratégicas que a OTCA deveria prio-
os instrumentos mais aparentes são substituídos e o slo-
rizar são o desenvolvimento científico e a definição de
gan “Patrimônio Comum da Humanidade” deixa de ser
políticas de garantia de preço mínimo para os produtos
repetido tão frequentemente, mas as incursões estran-
amazônicos (madeira, minérios, produtos derivados do
geiras continuam.
extrativismo e seus derivados), preferencialmente com
O modo como cada Estado recorre à questão am- a industrialização dos mesmos pois isso permitiria ele-
biental e indígena como meio de projeção e de busca var o número e a qualidade dos empregos gerados. Para
de apoio no cenário mundial é outro ponto controverso isso, contudo, seria necessário um intenso processo de
nas relações pan-amazônicas. Em abril de 2010, o presi- criação e valorização de universidades e institutos de
dente da Guiana – Bharrat Jagdeo – recebeu um dos seis pesquisa científica e um minucioso inventário dos re-
Champion of the Earth Awards do Programa das Nações cursos naturais. A rica biodiversidade amazônica pode-
Unidas para o Meio Ambiente. A premiação poderia ser ria, dentre outras possibilidades, alavancar uma indús-
algo que daria respaldo à diplomacia pan-amazônica; tria farmacêutica regional forte.
não obstante, a proposta da Guiana de submeter parte
72 FRANCO, Fernanda Cristina de Oliveira. Oportunidades e de-
2, 2016 p. 220-243
dação de 15 indicadores priorizados de sustentabilidade da floresta grande floresta estava na ordem do dia; seria ingênuo ig-
amazônica. Brasília: MMA, 2006. p. 47.
76 Sobre a constituição de associação de países exportadores de
norar o impacto das propostas de gestão da Pan-Amazô-
matéria-prima, sugere-se FANTA, Alma. Países exportadores de materias nia e de utilização de seus recursos naturais concebidas
primas: el derecho a organizarse: las asociaciones de productores en e desenvolvidas por nações e entidades alienígenas. Mas
el derecho internacional. Buenos Aires: Latinoamericano, 1991.
242
NUNES, Paulo Henrique Faria. A organização do tratado de cooperação amazônica: uma análise crítica das razões por trás da sua criação e evolução. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 13, n.
à medida que esses temores se tornam mais distantes, os afluentes nascem nos países vizinhos. O mesmo pode
problemas, essencialmente amazônicos, perdem espaço ser dito sobre povos indígenas e recursos naturais trans-
na agenda da política externa dos signatários do TCA. nacionais; de nada vale uma política nacional eficiente
de combate à biopirataria e um ambiente de desordem
Igualmente importante mencionar o interesse de
do outro lado da fronteira.
integrar as respectivas “Amazônias” às economias na-
cionais. Quando da negociação do TCA, parcela consi- Lamentavelmente, diante da postura dos governos,
derável dos negociadores possuía projetos de desenvol- não se vislumbra uma mudança substancial em relação
vimento econômico voltados para a Floresta Equatorial à cooperação amazônica no futuro próximo. Tudo in-
que incluíam a associação do capital nacional ao estran- dica que a entidade permanecerá como uma instituição
geiro no incremento da agropecuária e da extração mi- secundária na América do Sul. A OTCA foi concebi-
neral. Esses projetos entravam em atrito com o discurso da dentro de um paradigma acentuadamente retórico
verde já em voga na década de 1970, de modo que o e rompê-lo depende mais de ações e enfrentamentos
Pacto Amazônico foi uma resposta aos discursos pre- endógenos do que de medidas direcionadas contra ele-
servacionistas mais radicais. O conservacionismo visava, mentos externos.
antes de qualquer outra coisa, assegurar a continuidade
dos grandes empreendimentos mineiros, agropecuários
e industriais. Curiosamente, assim como os Estados
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É certo que o TCA é um tratado guarda-chuva, isto
tégia latino-americana para a Amazônia. Brasília: Ministério
é, um instrumento cuja eficácia depende da celebração
do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazô-
de acordos futuros, mas até o momento o que pôde ser
nia Legal; São Paulo: Memorial, 1996. v. 3. p. 142-151.
constatado é que a sigla é invocada quando identificada
alguma provável ameaça de retomada do discurso de in- AMAZON COOPERATION TREATY ORGANI-
ternacionalização da Amazônia. As ações concretas são ZATION. Integrating the Continental Amazon: manage-
poucas e de resultado questionável. Uma vez que as dis- ment report: may 2004 to October 2005. Brasília: PS/
cussões sobre internacionalização diminuem, a OTCA ACTO, 2005.
é colocada novamente no refrigerador.
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