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TRADUÇÃO REVISTA 2002

R. AMBELAIN
Grão-mestre do Rito de Memphis-Misraim
Grão-mestre de Honra do Grande Oriente do Brasil

SCALA PHILOSOPHORUM

ou

A SIMBÓLICA DOS INSTRUMENTOS

NA ARTE REAL

“A Ciência Maçônica é o espírito


informador das Ciências, ela é a Gnose
no sentido exato do termo; não se detém
nos fenômenos, vai até a essência; dos
atributos e das qualidades ela infere a
natureza própria dos seres e das
coisas...”

C. Chevillon: “Le Vrai Visage de la


Franc-Maçonnerie”.

1965
SCALA PHILOSOPHORUM

ÍNDICE

Introdução (Parte 1) 3
Prefácio 4
A Arte Real 8
A Escada Filosófica 12
As Origens da Franco Maçonaria 19
Noções Gerais de Alquimia (Parte 2) 29
Da Alquimia a Androquimia 32

A Escolástica Exotérica (Parte 3) 38


A Escolástica Esotérica 44

OS INSTRUMENTOS DO APRENDIZ (Parte 4) 47


O Avental 47
As Luvas brancas (Parte 5) 53
O Maço (Parte 6) 59
O Cinzel (Parte 7) 66
A Alavanca (Parte 8) 76

OS INSTRUMENTOS DO COMPANHEIRO (Parte 9) 84


O Nível 85
A Perpendicular (Parte 10) 92
O Esquadro (Parte 11) 100

AO INSTRUMENTOS DO MESTRE (Parte 12) 107


O Compasso 108
A Régua (Parte 13) 119
A Trolha (Parte 14) 131
O Gnômon (Parte 15) 142
Conclusão 144
A Gnose Maçônica 146
O Tetragrama dos Veneráveis 152
Coma Raciocinar Maçonicamente (Parte 16) 158

2
INTRODUÇÃO

O presente método de formação maçônica repousa sobre a Tetractys


alquímica dos Rosa-Cruzes Do Oriente.

Uma primeira vez aplicamos este “esquema” iniciático na formação moral e


espiritual de Cabalistas operativos 1.

Urna segunda aplicação, no plano místico puro, foi dada em intenção de


Martinistas desejosos de seguir a via Interior de Louis Claude de Saint-Martin, o
“filósofo desconhecido” 2.

Damos aqui uma terceira aplicação, unicamente intelectual e moral,


destinada aos Maçons das Lojas Simbólicas. A via que seguimos aqui é muito
diferente da precedente. Na “Alquimia Espiritual”, a aplicação deste esquema à via
mística implicava, de acordo com o próprio uso alquímico (or et labor), no emprego
de uma técnica de oracão segundo um método especial.

Na presente obra é bem diferente. As “virtudes” ( do latim virtus: força) não


têm exatamente o mesmo significado. A franco-maçônica não é a fé religiosa! A
vida em Loja faz com que o Maçom desenvolva formas e usos diferentes dos da
via interior e solitária do iniciado martinista.

Além disso, estritamente intelectual e moral, a formação maçônica


comentada nesta obra se interessa pelas ciências tradicionais e desenvolve
faculdades que não têm tanto interesse para o místico. Em uma palavra, o caráter
universal desse “quadro” se apresenta de maneira muito diferente nesses três
métodos.

Contudo, o Maçom espiritualista, e crente, poderá ulteriormente e de modo


útil completar a presente técnica, estritamente maçônica, com aquela, ainda que
muito diferente, dada na obra precedente. Particularmente quando ele alcançar o
grau da hierarquia maçônica escocesa em que surgirá a questão da misteriosa
“Palavra Perdida”.

O caráter universal desse esquema rosacruciano permite evidentemente


aplicá-lo à solução de problemas iniciáticos os mais diversos: alquimia material,
alquimia espiritual, formação intelectual, moral, mística, etc.

É justamente nisso que reside o seu profundo valor.

1
La Kabbale Pratique (Niclaus éditeur, Paris 1951).
2
L’Alchimie Spirituelle (La Difusion Scientifique éditeur, Paris 1963)

3
PREFÁCIO

“A Ciência Maçônica está totalmente contida no


simbolismo dos Instrumentos...”

(J. Corneloup, Grande Comendador de. Honra do


Grande Oriente de França.)

Prefaciando a sexta edição de “O Homem na Descoberta de sua Alma”, do


saudoso C. G. Jung , o doutor Roland Cahen nos diz o seguinte:

“Um dos horizontes mais importantes que nos abre esta obra é o das
projeções. A projeção é este fenômeno singular, singular mas original, pelo qual
um indivíduo imprime sobre um objeto ou um ser do mundo ambiente um conteúdo
ou uma tonalidade psíquica que é em si mesma em verdade um traço da sua vida
interior. A projeção revelou-se de uma importância igual à percepção. Hoje em
dia é necessário afirmar-se que o indivíduo tem duas ligações com o mundo: a
percepção e a projeção. Estes dois liames, embora se exercendo em direção
inversa, têm igual importância e também igual irracionalidade”

Mais adiante ele nos precisa a natureza dos arquétipos estudados por Jung:

“Os arquétipos são, no plano das estruturas mentais e das representações,


os corolários dinâmicos daquilo que são os instintos no plano biológico, modelos
de ação e de comportamento”3.

Vê-se o quanto a técnica milenar da Franco-maçonaria, no domínio da


formação intelectual e moral, é válida em vista da psicologia contemporânea e
seus modos de atividade.

Realmente, constituir um instrumental 4 que repouse sobre uma enéada


emblemática (a exemplo dos antigos e tradicionais sistemas agrupados no seio da
Gnose) e atribuir-lhes um simbolismo iniciático tão coerente quanto sutil, é confiar
a arquétipos a missão de exprimir de maneira tão imprescritível quanto imutável, é
aplicar o método de Jung antes que ele o definisse, é anteci par de muitos séculos
a ciência oficial no domínio da psicologia aplicada.

Dissemos “a técnica milenar”. Isto talvez surpreenda os Maçons e os


profanos insuficientemente documentados, e para quem a Maçonaria Especulativa
remonta ao décimo oitavo século. Nós nos limitaremos a sublinhar alguns fatos e
documentos históricos. Eles nos demonstram, sem contestação possível, que a
antiga Maçonaria Operativa dos Companheiros, carpinteiros e cortadores de
pedra, sempre possuiu uma interpretação iniciática de seus instrumentos. E é bem
provável que muitos séculos antes da nossa era já houvesse Maçons Aceitos,
assim como no décimo sétimo e décimo oitavo séculos, recrutados nos meios
3
C.G.Jung: “O Homem na Descoberta de sua Alma” (Payot édíteur, 1963).
4
Instrumenta: instrumentos, em latim.

4
intelectuais, e provavelmente condutores ocultos das corporações operativas que
neles haviam depositado confiança.

Citaremos antes de mais nada esta inscrição iraniana, cuja idade deve estar
perto dos vinte e cinco séculos:

“Submete-te ao Esquadro, a fim de servir. Uma pedra que pode encontrar


lugar na parede jamais ficara sem ser usada ...” 5

Em um grande edifício da ilhota V da primeira região de Pompéia, no curso


das escavações descobriu-se, no meio do triclínio, um mosaico que apresentava
emblemas maçônicos e pitagóricos. Esse mosaico foi reproduzido na pagina 105
(prancha IX) do segundo tomo do “Número de Ouro” de Matila G. Ghyka. Ele
representa uma roda de seis raios sobre a qual está pousada uma borboleta.
Acima, um crânio descarnado, e coroando o conjunto, bem no alto, o nível
triangular com seu fio a prumo. Quando lembramos que o termo grego psykhê é
sinônimo de alma e também de borboleta, compreende-se por que a borboleta está
sobre a roda, símbolo das transmigrações. Tanto mais que o termo psíquico era
aplicado, no mundo antigo, e sobretudo no seio da Gnose, aos profanos ligados ao
mundo terrestre e material por suas imperfeições e por seus desejos. O
simbolismo desse mosaico é evidente: o profano (borboleta) , ligado à roda das
transmigrações, só escapará por uma morte total (crânio), morte que o integrará
no Pleroma inicial, simbolizado pelo Nível, imagem da igualdade original
reconquistada e do Retorno à Unidade Primordial.

Nessa mesma época encontramos esta frase insólita, da pluma de Platão,


no Filebo:

“O que eu entendo aqui por beleza das formas não é o que o profano
entende geralmente por esse nome, mas sim aquilo que reside no sábio e
judicioso emprego do Compasso, do Cordel e do Esquadro ...

Sobre este simbolismo puramente iniciático dos instrumentos Maçônicos, um


esquadro metálico descoberto perto de Limerick, na Irlanda, e tendo gravada a
data de 1517, vai nos esclarecer através de uma inscrição que afirma a perenidade
de seu significado:

“Eu me esforço por levar uma vida amorosa e sábia, guiando-me pelo Nível
e o Esquadro...” 6

O que pensar ainda deste mesmo Esquadro, sempre de metal, descoberto


perto de Mogúncia, tendo gravada a data de 1546, com uma inscrição também
significativa: “Custodi animam meam”, ou seja, “Guarda minha alma”, segundo
versículo do Salmo 86?

Será necessário lembrar as tumbas templárias, sobre cuja pedra a cruz


habitual é flanqueada, em um dos seus ângulos superiores, por um Esquadro,
5
Cfe. C.W.Leadbeater: “O Lado Oculto da Franco Maçonaria” (Paris 1950).
6
Citado por C.W.Leadbeater em seu livro “O Lado Oculto da Franco Maçonaria” (Adyar éditeur,
Paris 1930)

5
associando o Instrumento da salvação e o símbolo da retidão moral 7?

Bernard Fay (o escritor anti-maçom que se ilustrou durante a ocupação


alemã na Biblioteca Nacional!) afirmava em uma carta a Albert Lantoine, em 1930,
ter tido em mãos, nos Estados Unidos, as provas da existência de uma Maçonaria
especulativa desde o 15º século.

De que a terminologia maçônica neste terreno (o dos Instrumentos) se


refere aos Arquétipos evocados por C.G.Jung, nós queremos por prova somente
as tão numerosas passagens da Bíblia, documento cuja antigüidade certa ninguém
negará, e onde estão mencionados o Arquiteto, o Templo , as Colunas, o Cordel, a
Régua, o Nível, o Côvado, etc... , considerados em seus aspectos celestes e não
terrestres. Essas passagens são muito numerosas para serem citadas aqui. O
leitor que se interessar as encontrará facilmente em qualquer Chave Bíblica. Elas
contêm a prova do interesse do simbolismo maçônico expresso em seus
Instrumentos tradicionais e justificam o presente trabalho 8.

Para concluir, precisemos ainda o seguinte: este livro é de caráter


estritamente maçônico, conforme às nossas tradições, mas sobretudo ao
pensamento daqueles que as codificaram há mais de três séculos: os Rosa-
Cruzes.

Portanto quem procurar nele os elementos do um materialismo cômodo e


fácil, ou de um ateísmo tranqüilizador fechará o livro, decepcionado. É em suas
significações rosacrucianas, altamente espiritualistas, que os nove I nstrumentos
da Franco-maçonaria Especulativa são aqui analisados.

Nós ainda nos permitiremos fazer observar a alguns Maçons franceses que
talvez o ignorem, que é somente em França que as Obediências Maçônicas de
tendência racionalista representam maioria considerável. No plano internacional é
bem diferente. A Franco-maçonaria dita espiritualista constitui imensa e
esmagadora maioria. Não nos cabe absolutamente tirar disso conclusões ou fazer
julgamento. Limitamo-nos a constatar, e isto implica evidentemente em que esta
obra tenha isso em conta na natureza e na escolha das citações. Antecipadamente
pedimos desculpas aos nossos leitores.

Mas, para sermos eqüitativos, devemos frustrar os nossos adversários


permanentes. Para ser espiritualista um Maçom Franco não vai por isso a
Canossa, ou a Genebra. Na época da grande ofensiva anti-maçônica em 1934,
que preludiava as perseguições, pilhagens e seqüestros de 1940 a 1944 (tornados
tão fáceis em vista da presença do invasor alemão), um adversário de nossa

7
Citados por Louis Lachat: “A Franco Maçonaria Operativa” (Figuière éditeur, Paris
1934).
8
Convém observar que a versão vétero-testamentária que possuímos foi estabelecida por Esdras
após o Cativeiro na Babilônia e de memória . Não será impossível supor que tenham sido
estabelecidos contatos entre as corporações judaicas e as da Babilônia. Mas isto implica
igualmente em relações entre a casta sacerdotal de Israel e essas mesmas corporações judaicas.
E aí voltamos à possibilidade de existência de “membros aceitos”, já naquela época, em Israel. O
que é confirmado pelo fato de que todo israelita, inclusive os levitas e os doutores da Lei, deviam
praticar um ofício manual, e portanto pertencer a uma corporação. Não era Jesus companheiro
carpinteiro, e filho de companheiro carpinteiro?

6
Ordem escrevia: “A Franco- Maçonaria é o homem, livre em seu pensamento e em
sua consciência, que forma para si sua moral e a impõe a si mesmo como um
imperativo categórico...” 9

Que homenagem mais bela, ainda que involuntária, esta definição tão exata
vinda de um adversário...

Retenhamos apenas desta declaração tão nítida que querer ser “livre em
seu pensamento e em sua consciência” é, aos olhos desse católico, um erro
imperdoável. A oposição permanece pois, total, irredutível, entre os que querem a
sociedade sob seus absolutos dogmáticos e aqueles que se recusam a impor
qualquer entrave à introspecção humana.

Toda organização religiosa (Igreja, Judaísmo, Islam, etc.) se quer e se diz


infalível e perfeita. “Mas, dirá o Maçom cartesiano, quem me prova que vós sois
uma sociedade infalível e perfeita?...” “As santas escrituras, ditadas por Deus a
tal profeta, afirmam isto...”, responderá a Igreja. “Mas enfim, dirá o Maçom
cartesiano, quem me prova que estas santas escrituras tenham sido de fato
ditadas pelo próprio Deus?...” Eu mesma, responde a Igreja, so ciedade infalível e
perfeita, eu atesto que assim o foram...” “E quem me prova que sois uma
sociedade infalível e perfeita?” “As santas escrituras, ditadas por Deus mesmo, o
ensinamento...” etc., etc.

O célebre “Romance de Muguet”, que embalou nossa infância, repousava


sobre silogismos muito próximos destes!

A não ser que o próximo Concílio promulgue sabiamente enfim esta


liberdade de consciência na ordem do dia de sua próxima sessão, dando assim, e
finalmente, um desmentido às palavras do papa Pio XII: “A liberdade de
consciência, esse delírio?... 10”

9
Citado por Antônio Cohen e Michel Dumesnil de Grammont, antigos grão-mestres da Grande
Loja de França, em “A Franco-maçonaria Escocesa” (Figuière éditeur, Paris 1934).
10
Os anticlericais fazem geralmente suas críticas apenas contra a Igreja Romana, mas parecem
muito indulgentes para com o Islam, o Judaísmo ou as Igrejas Reformadas. Nós o seremos
menos! Por volta de 1950, em Aden, tendo um jornalista árabe rompido, por um dia, o jejum
ritual do Ramadan, foi condenado a vinte e quatro chibatadas, à confiscação de seus bens, e a
cinco anos de prisão. Ele havia comido em público, ao meio dia, um sanduíche. Uma
condenação tão severa equivale praticamente ali a uma condenação à morte. Na Europa
ninguém se comoveu.
Em alguns estados protestantes (ignoramos a seita exata) dos Estados Unidos, leis arcaicas,
redigidas há três séculos por imigrantes puritanos, recalcados e pudibundos, pretendem
controlar e dirigir a vida sexual e mais secreta de casais legítimos. Toda infração a essas leis,
revelada, conhecida e demonstrada, leva à justiça o homem e a mulher culpados...
Na Grã Bretanha, nos Países Baixos, toda infração ao repouso dominical é sancionada por leis,
leis tendo em conta o papel privilegiado de uma religião de estado.

7
A ARTE REAL

No silêncio do Templo o malhete do Venerável acaba de bater um golpe.

- “Meu irmão, de onde vindes?

- Muito Venerável Mestre, da Loja de São João.

- O que se faz na Loja de São João?

- Elevam-se Templos à Virtude e cavam-se masmorras aos vícios.

- O que vindes fazer aqui?

- Vencer minhas paixões, submeter minha vontade e fazer novos


progressos na Maçonaria.

- O que entendeis por Maçonaria?

- O estudo das Ciências e a prática das Virtudes”.

Tais são as frases rituais do “Catecismo do Aprendiz” em um manuscrito


clássico do décimo oitavo século: “Compilação da Maçonaria Adonhiramita”.
Frases muito precisas e claras.

A Maçonaria é, pois, a arte de construir em si mesmo um novo homem, no


qual as virtudes desabrocharão, e os vícios desaparecerão na proporção inversa
do desenvolvimento das primeiras. E a técnica descrita na presente obra repousa
totalmente sobre este princípio.

Por uma espécie de geração psíquica misteriosa, à medida que se


expandir a clássica série das quatro Virtudes Cardinais da antiga escolástica
medieval (Prudência - Tolerância - Justiça - Força) , criar-se-á no subconsciente
do Maçom uma espécie de “clima” interior que favorecerá a gênese, o
desenvolvimento e a expansão das três Virtudes Teologais (FÉ, ESPERANÇA E
CARIDADE). E, por sua vez, estas serão as geratrizes de um “clima” superior
análogo que, no mesmo Maçom, permitirá a gênese, o desenvolvimento e a
expansão das duas Virtudes Filosofais: Inteligência e Sabedoria. Ambas
constituirão o último e real desabrochar da Luz no Maçom, que assim terá
atravessado a fronteira misteriosa que separa a Iniciação do Adeptado 11 .

Paralelamente a essas elaborações sucessivas das faculdades espirituais


e morais no Homem-Interior, também misteriosas, nascerão faculdades que
serão sua conseqüência prática. A própria escolástica medieval lhes dava a
11
Iniciado deriva do Latim — initium — começo, inicio. Adepto deriva de Adeptus - aquele que
adquiriu... O Iniciado é o Companheiro, o Adepto é o Mestre. O Aprendiz é apenas o
Aspirante do antigo Companheirismo.

8
denominação de “dons”. Esta palavra vem do Latim “Donum” e tem por sinônimo
no próprio latim “facultas”, significando capacidade, talento, meio, força de ação,
faculdade. A imprensa católica fez predominar, na Idade Média, o termo DOM,
subentendido “do Espírito Santo”. Observemos todavia que a palavra VIRTUDE
deriva do latim virtus: força, poder.

E, ligadas a estas faculdades por um esoterismo secular, nove ciências


tradicionais levarão ao maçom a matéria prima geral sobre a qual e pela qual
será ele capaz de utilizar esta “arte de construir” que o Catecismo do Aprendiz,
citado acima, chama tão justamente de maçonaria.

Tais são os nove Instrumentos que permitirão ao maçom construir em si


um verdadeiro Templo Interior e tornar-se seu próprio “rei”, segundo a feliz
expressão de Louis-Claude de Saint-Martin, o “Filósofo Desconhecido” da
Tradição Martinista 12 . Por isso a Maçonaria Especulativa foi denominada a Arte
Real, o termo real deriva do latim regalis, que forneceu a velha expressão
realengo, outro sinônimo de real. A água régia é a água com que se experimenta
o Ouro, o rei dos Metais.

Mas os familiarizados com a misteriosa linguagem dos pássaros, isto é, a


cabala fonética utilizada pelos alquimistas rosacrucianos de outrora, observarão
imediatamente o quanto o latim regula está próximo de regalis.... No latim,
efetivamente, regula significa “régua, esquadro, preceito, princípio, lei”.
(conforme Henri Goelzer: Dicionário Latino. Garnier Editora. Paris. 1937). E, de
fato, o princípio de um estado, sua lei, são formulados pelo rei, no mundo antigo.

Assim, pois, praticando a Maçonaria, o Homem é a sua própria RÉGUA,


ele se identifica com o Esquadro. Ele se torna esses instrumentos. É por esta
razão que as três maneiras de entrelaçamento do Esquadro (imagem do Homem)
e do Compasso (símbolo do Grande Arquiteto) expressam a tríplice etapa da
identificação do primeiro com o segundo. Que os antimaçons incorrigíveis, que se
sobressaltarão quando lerem esta passagem, se tranqüilizem, a teologia católica
conhece uma divinização progressiva do Homem (por outro caminho, bem
entendido).

Esta Régua, nós a reencontraremos no decorrer deste estudo da simbólica


dos Instrumentos. Compreenderemos por que a Maçonaria Especulativa no
décimo oitavo século, e os Rosa-Cruzes, seus codificadores, a substituíram por
um “Livro Sagrado”, compêndio de Princípios e de Leis morais.

Mas compreenderemos também por que, numa época em que por


seiscentos anos, do Concílio de Toulouse em 1229 até a Revolução Francesa (o
período do édito de Nantes colocado à parte), nenhum leigo podendo ter o antigo
ou o novo testamento, os maçons operativos se limitaram a associar a Régua ao
Compasso e ao Esquadro, de preferência a um livro...

O que poderiam fazer? E como? A maioria não sabia ler. O Evangelho ou o


Antigo Testamento eram acessíveis somente como manuscritos, tão raros quanto

12
Sabe-se que foi Louis Claude de Saint-Martin, um dos criadores do Martinismo, quem deu à
Franco-maçonaria do XVIII século a célebre divisa: “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”, que.
depois se tornou a da França!!

9
dispendiosos. A invenção da imprensa nada lhes deveria facilitar nesse domínio.
As Bíblias impressas eram raras, de alto custo, volumosas e incômodas. Se sua
posse e sua leitura eram acessíveis às pessoas instruídas e opulentas, isto
acontecia somente nos Estados totalmente afeiçoados à Reforma. As nações
católicas (França, Itália, Espanha, Alemanha, Áustria) eram obrigadas a respeitar
a interdição romana, formulada e apoiada pelo braço secular.

Acrescentemos que a Maçonaria Operativa tinha uma dupla razão para


preferir a Régua à Bíblia. Antes de mais nada, associada ao Compasso e ao
Esquadro, dispostos os três de uma determinada maneira, ela permitia as
operações mais secretas do Mestrado, notadamente aquelas relativas à
orientação dos monumentos em construção.

E nisto o Livro mais “sagrado” não teria podido substituí-la. Não


esqueçamos que a bússola, por mais conhecida que fosse pelas Cruzadas,
permaneceu um instrumento raro e dispendioso durante séculos, e que numa
época em que a instrução não era obrigatória, não existiam livros, jornais, rádio,
nem televisão, o povo, a burguesia e a nobreza ficaram durante séculos fora do
conhecimento científico mais elementar. As vésperas da Revolução, numerosas
são as filhas de nobres que não sabiam ler nem escrever no momento de seu
casamento.

Um segundo aspecto do interesse que os Mestres de Obra e os


Companheiros poderiam atribuir à Régua, era o fato de que ela representava,
antes de mais nada um elemento de medida, mas certos significados
permaneceram secretos durante quarenta e cinco séculos aproximadamente, pois
algumas dessas medidas esotéricas subentendiam a existência de
conhecimentos, uma boa parte dos quais era apanágio de um reduzido número
de Iniciados. Em seguida veremos quais eram elas. Mas independente do seu
papel de padrão, a Régua, disposta sobre o Compasso e o Esquadro de
determinada maneira, implicava no conhecimento de elementos de Adivinhação e
de Magia, vindos da China, por intermédio dos hindus, gregos, árabes e persas .
Isto implicava em segredo ainda mais severo se recordarmos as condenações
contra o Companheirismo expressas por diversas Universidades. Não
esqueçamos que a “muito santa Inquisição” condenava sem ouvir, nem mesmo
interrogar, salvo pela tortura, e que o braço secular sucedia o braço sacerdotal
quando o interrogatório estava concluído. A Inquisição nasceu somente no século
XI, porém já no século IV o imperador Graciano, um dos sucessores de
Constantino, autorizou a pena de morte contra os heréticos: Gnósticos,
Hermetistas, Platônicos, Pitagóricos, etc.

Mas se admitirmos que do conhecimento destes ele mentos de Adivinhação


e de Magia, compreendidos por determinado simbolismo da Régua colocada
sobre o Compasso e o Esquadro, decorria uma doutrina metafísica
absolutamente estranha à tradição cristã banal, e por este fato justificava a
própria interdição destas ciências, compreender-se-á que os raros iniciados que
velavam pela Maçonaria Operativa dessas épocas, foram obrigados a observar o
mais rigoroso segredo 13 . Assim, pois, a Régua é verdadeiramente o emblema

13
Uma tradição da Idade Média diz que um bispo alemão do Reno, tendo conseguido
aprender do filho de um Mestre de Obra o essencial de alguns ritos e operações secretos que
haviam sido praticados à meia-noite dois dias antes no canteiro de uma nova catedral, pelos
Companheiros - Construtores, este bispo foi misteriosamente executado por eles algumas
10
desta Arte Real que constitui a Maçonaria Especulativa, e veremos logo que a
Alquimia é o seu esquema de aplicação no plano espiritual, moral e intelectual.

A tradição secular do segredo, que constitui o elemento essencial incluído


no Juramento Maçônico, este segredo que tanto irrita nossos adversários, apóia
contudo seu princípio na própria aplicação da palavra das Escrituras: “Se é coisa
honrosa revelar e proclamar as obras de Deus, é bom manter oculto o segredo
real” (Tobias XII, 7).

O que quer que pensem os Maçons, este segredo existe. Ele tem relação
com diversos aspectos do pensamento e do conhecimento esotérico, e com
diversas aplicações destes. Foi uma das armas essenciais da Rosa-Cruz no
décimo sétimo século. E continua sendo!

Enfim, por que o juramento de Segredo do Maçom seria imoral, se o Bispo,


no início da cerimônia de sua sagração presta um idêntico (juramento canônico)
“Quanto ao s egredo que eles me teriam confiado (os Papas), por eles mesmos,
por seus Núncios, ou por escrito, não o revelarei conscientemente a ninguém em
seu prejuízo ...“ (parágrafo 2 do juramento, que se compõe de 12).

horas mais tarde. Sem dúvida, a sua tagarelice punha em perigo a liberdade e provavelmente
a vida desses Maçons Operativos.

11
A ESCADA FILOSÓFICA

Antes de subir a enigmática escada de três, cinco e sete degraus, no


decorrer de sua vida maçônica, o profano candidato à Iniciação, é convidado a
descer a uma espécie de “in-pace”, denominado “Câmara de Reflexões”.
Observemos de passagem que não se trata de reflexões no sentido dos verbos
refletir, meditar, mas sim de realizar uma espécie de análise de si mesmo, de se
refletir, reproduzir a imagem como em um espelho.

Convidado a redigir seu testamento filosófico (que nenhuma relação tem


com o testamento profano, nem com suas últimas vontades), ele se esforça por
definir seu pensamento no que concerne a três problemas que lhe são
apresentados pela Franco-maçonaria de Tradição:

a) quais são seus deveres para com um Ser Supremo, que o mundo profano
denomina Deus, e que a Maçonaria qualifica de Grande Arquiteto do Universo,

b) quais são seus deveres para com o Universo, considerado como o conjunto
das criaturas que desenvolvem sua existência própria paralelamente à sua,

c) quais são seus deveres para consigo mesmo, considerado como um


microcosmo que reflete, de maneira infinitesimal, o Macrocosmo.

Nesse reduto que é a sinistra “Câmara de Reflexões” as paredes são


pintadas de negro. Uma mesa de madeira tosca, espessa e pesada, sobre a qual
estão diversos objetos:

- um Crânio humano, colocado por vezes sobre duas tíbias,

- um pedaço de pão,

- uma vasilha com água,

- um recipiente contendo sal grosso,

- um recipiente contendo Enxofre,

- uma lanterna acesa,

- uma Ampulheta, que limitará o tempo de sua permanência e o fará


perceber, diante das dificuldades que terá para expressar seus
sentimentos quanto às três questões, o quanto a vida do Homem é curta
em vista da tarefa que lhe incumbe,

- material de escrita (caneta, papel)

- um tamborete sem encosto, igualmente de madeira tosca, completa o


mobiliário. Frente à mesa, pintados em branco sobre o negro da parede,
diversos emblemas e sentenças:

- um galo,

12
- uma foice,

- a palavra “V.I.T.R.I.O.L.U.M”,

- diversas sentenças:

“Se a curiosidade te conduziu aqui, vai-te:”

“Se o teu coração está invadido pelo medo, não vás adiante”

“Aquele que souber vencer os horrores da Morte, saíra vivo do seio da terra e
tomará lugar entre os Deuses” 14

Ali, e geralmente sem que ele saiba, o Profano é colocado em presença de


um simbolismo vindo das mais distantes idades, simbolismo introduzido na
Maçonaria Operativa e, sem que o soubessem, na época em que os Rosa-Cruzes
nela penetraram e a reformaram, nos séculos XVII e XVIII. Este simbolismo é o
da Alquimia, tanto operativa como especulativa.

O Galo, pássaro atribuído a Hermes, a Thot e a Mercúrio, todos nomes que


designam a força misteriosa condutora das almas no mundo dos mortos (a Igreja
latina os substituiu por São Miguel), força que provavelmente não é senão uma
vasta corrente psíquica, polarizada pelas próprias ALMAS. Corrente positiva e
ascendente, e corrente negativa e involutiva, o Galo é, em Alquimia, a imagem do
Fogo Secreto.

O Sal e o Enxofre comuns colocados na Câmara, evocam o Sal e o Sulfur


dos Filósofos, que estudaremos em outros capítulos. O crânio é o “caput-
mortum”, o resíduo, a terra-danada dos Hermetistas.

Quanto à palavra “V.I.T.R.I.O.L.U.M.”, pelo fato de ela tradicionalmente


estar pontuada, nos diz que cada uma das nove letras de sua composição deve
ser a letra inicial de uma palavra. E de fato assim é; a palavra Vitriolum é apenas
a sigla que exprime a máxima rosacruciana: — “Visita Interiora Terrae Rectifican -
do Invenies Occultum Lapidem Veram Medicinam”, ou seja, “V isita o interior da
terra e retificando, descobrirás a pedra oculta, verdadeira medicina” 15 .

* * *

Quando o candidato tiver sido recebido Aprendiz e depois de ter efetuado


as três simbólicas Viagens de purificação a través da Água, do Ar e do Fogo, que
sucedem a meditação no seio da Terra, ele terá finalmente recebido o choque da
Luz, ele terá sido colocado em presença dos Quatro Elementos e da Quinta-
essência que disto resulta.

14
Esta máxima encontra sua explicação na página 156, com o comentário sobre a obtenção da
Integridade póstuma.

15
Ou ainda: medicina de verdade.

13
Ele receberá então, e antes de qualquer outra coisa, um Avental de pele
absolutamente branca, cuja abeta triangular ele de verá conservar levantada
enquanto for Aprendiz. E os cinco lados desse Avental lhe lembrarão as cinco
fases essenciais da sua Recepção.

A ele serão confiados Instrumentos, dos quais alguns lhe serão


simbolicamente entregues em sua recepção de Aprendiz, outros na de
Companheiro. Esses Instrumentos são em número de nove, ou seja, três vezes
três.

São esses nove Instrumentos que constituem os Símbolos essenciais de


sua Iniciação Maçônica, e é bastante lamentável que o esquecimento ou a
negligência das Chaves Esotéricas que os Rosa-Cruzes inseriram outrora nos
Rituais da Franco-maçonaria Especulativa tenham aos poucos diminuído
consideravelmente a profundidade dessa mesma iniciação.

Aqueles que codificaram, há muitos séculos, os rituais da Franco


Maçonaria Especulativa limitaram em nove o número dos instrumentos
destinados a servir de suporte às meditações filosóficas do Franco-maçom, pois
nove é o número que simboliza “a extrema multiplicidade fazendo retornar à
unidade o número da solidariedade cósmica, da redenção, da reintegração
final...”, nos diz o Dr.Allendy em seu “Simbolismo dos Números”.

É também um símbolo de plenitude, pois dez é apenas o retorno à


Unidade associada ao nada (zero). “Sabe que todo número, qualquer que seja,
nos diz Avicena, nada mais é do que o número nove, ou seu múltiplo, mais um
excedente. Pois estes signos que exprimem os números têm somente nove
caracteres e valores, com o zero...”

É por isto que a Franco-maçonaria de Tradição fez dele o símbolo da


imortalidade humana, expressa pelos nove Mestres que encontram o túmulo de
Hiram e levam-no de volta à vida, pela incorporação do novo iniciado...

Notre-Dame de Paris, maravilhosa jóia de arte gótica, mas também


assombroso Livro de Pedra, nos oferece a imagem desta necessária enéada
iniciática, e Fulcanelli a interpretou magistralmente em seu livro “O Mistério das
Catedrais”:

“Franqueemos o pórtico, e comecemos o estudo da fachada pelo grande


portal, dito pórtico central ou do Julgamento”.

O pilar, que divide em dois o vão da entrada, oferece uma série de


representações alegóricas das ciências medievais. Frente ao Átrio, em lugar de
honra, a Alquimia está representada por uma Mulher cuja fronte toca as nuvens.
Sentada sobre o trono, ela tem na mão esquerda um cetro - insígnia da soberania
- enquanto que a direita sustenta dois livros: um fechado (esoterismo) e outro
aberto (exoterismo). Mantida sobre os seus joelhos e apoiada contra seu peito se
levanta a Escada de Nove Degraus — scala philosophorum — hieróglifo da
paciência que devem possuir seus fiéis ao longo das nove operações sucessivas
do labor hermético 16 ...

16
Fulcanelli, cujo nome verdadeiro era Jean-Julien Champagne (ele acrescentou o prenome
Hubert em um período de sua vida) , ilustrador do “Mistério das Catedrais” e das “Mansões
14
Assim, pois, com seus nove Instrumentos, a Franco--Maçonaria
Especulativa oferece aos seus filiados sua Matéria Prima e um Instrumental que
devem, judiciosamente utilizados, levá-los a uma luz interior, de que a luz
elementar ofuscante da cerimônia da sua recepção como Aprendiz foi um pálido
reflexo.

* * *

Antes de abordarmos o simbolismo tradicional dos Instrumentos (sua


significação superior e esotérica será abordada nos capítulos ulteriores) convém
lembrar o do Avental que, com estes mesmos nove Instrumentos, constitui a
Década, a partir da qual só existe a volta para trás, a renovação, a passagem por
formas de pensamento análogas, embora em pontos diferentes da espiral.

O Avental, que para o Aprendiz tem sua abeta levantada, protege ao


mesmo tempo o baixo-ventre e o epigástrio, isto é, a parte do corpo de onde
provém os sentimentos e as emoções (coração) e as paixões e os desejos
(órgãos genitais). Assim, pois, esse Avental de pele absorve pouco a pouco e
naturalmente, por uma espécie de osmose simpática, as radiações físico-
psíquicas que poderiam perturbar a harmonia e a paz profundas que devem
reinar em um Templo Maçônico. É um condensador e um isolador ao mesmo
tempo.

Neste último aspecto ele é um vetor. Ele absorve e igualmente condensa


as radiações físico-psíquicas que provierem de outros participantes, ele protege
seu portador. O Avental permite assim aos membros de uma Loja permanecerem
eles mesmos, e sem perturbarem as tentativas de expressão dos outros Maçons.
Convém observar que as Lojas (ou simplesmente os Maçons) que abandonam o
uso (que é imprescritível na Tradição Maçônica) do Avental de pele ou de seda
(igualmente perfeito isolante) e se contentam simplesmente com o porte do Colar
ou Faixa, perdem quase sempre o sentido iniciático da verdadeira Maçonaria.
Como diz o antigo adágio : “É o Avental que faz o Maçom ...”

O Avental, primeira alfaia maçônica conferida ao Iniciado depois de sua


passagem pela Câmara de Reflexões, é igualmente o seu primeiro Instrumento.
Mas é um Instrumento passivo, uma simples proteção. Praticamente destinado a
proteger o talhador de pedras das lascas que se desprendem no decorrer do
corte (eles trabalhavam outrora com o peito nu, e no mundo antigo quase
totalmente nus, apenas com um pedaço de pano ao redor da cintura), o Avental
lembra a materialidade terrestre, ele é o símbolo do elemento Terra.

Símbolo insubstituível da qualidade maçônica, usado necessariamente


tanto pelo Aprendiz, como pelo Companheiro e pelo Mestre, ele é a imagem de
um trabalho permanente.

Filosofais”, é também o autor. Foi ele quem redigiu os prefácios iniciais, que foram assinados
por um de seus alunos, M.E.Canseliet. A vida de Jean-Julien Champagne foi publicada, ilustrada
com fotografias, no numero IX dos “Cadernos da Torre Saint-Jacques” consagrados à
parapsicologia, em 1962. Nasceu em 23/01/1877, morreu em 26/8/1932. Seus dois únicos
discípulos foram M.E. Canseliet e Jules Boucher (autor da “Simbólica Maçônica” e do “Manual
de Magia Prática”). Possuímos uma série de documentos e de fotografias atestando a
veracidade desta identificação de Fulcanelli e de Champagne, não publicados.

15
Sua significação é pois: “constância no labor”. Deve-se notar ainda que os
Maçons que abandonam o uso do Avental para usar simplesmente o Colar ou a
Faixa reconhecem que o fazem por negligência ou por esquecimento.

O abandono do Avental tem um significado mais pro fundo do que se possa


imaginar. Provém destes gestos inconscientes, cuja importância jamais escapou
a psicanalistas do valor de Freud ou de Jung. “Não menosprezemos os
pequenos sinais, nos diz Freud em sua “Introdução à Psicanálise”, eles podem
conduzir-nos a coisas mais importantes.”

O Maçom sem avental é sempre um Maçom “exterior”...

* * *

O significado classicamente atribuído a cada um dos nove Instrumentos é o


seguinte:

MAÇO - Vontade na aplicação. }

CINZEL - Discernimento na investigação } APRENDIZ

ALAVANCA - Esforço na realização }

PRUMO - Profundidade na observação }

NÍVEL - Serenidade na aplicação } COMPANHEIRO

ESQUADRO - Retidão na ação }

COMPASSO - Exatidão na realização }

RÉGUA - Regularidade na aplicação } MESTRE

TROLHA - Perfeição e unificação }

Vê-se por esta distribuição que cada um dos três graus da Franco-
maçonaria Especulativa tem por símbolos próprios três Instrumentos.

O Aprendiz desbasta a Pedra Bruta. Para isso ele utiliza o Cinzel, cuja
ação é aplicada ou amplificada com o auxílio do Maço. A Alavanca lhe é
indispensável se ele quiser desbastar o bloco informe em suas diferentes
superfícies, o que exige virá-la e revirá-la.

O Companheiro trabalha na Pedra assim desbastada pelo Aprendiz. Sua


finalidade é a obtenção de uma Pedra perfeitamente cúbica. Está bem evidente
que os mesmos Instrumentos do Aprendiz lhe são necessários: Cinzel, Maço e
Alavanca, se ele quiser obter a transformação desse bloco grosseiramente
esquadrejado em uma Pedra Cúbica perfeitamente regular. E não é menos
16
evidente que a Perpendicular (Fio de Prumo), o Nível e o Esquadro lhe serão
absolutamente indispensáveis, se ele deseja obter faces regulares e de iguais
valores.

O Mestre trabalha, segundo a Tradição Maçônica, sobre a Prancha de


Traçar. Possuindo a arte da geometria, pois que chegou ao Mestrado, só tem de
fato necessidade de dois instrumentos:

- a Régua, necessária para a obtenção de uma linha reta perfeita, e para toda a
medição linear retilínea;

- o Compasso, que lhe permitirá obter perpendiculares sobre toda a reta obtida
pela Régua, realizar toda linha curva de que ele tenha necessidade para a obra
à qual se dedica, trasladar toda medida sobre qualquer linha, reta ou curva, e
traçar toda figura poligonal. O Compasso, usando-se um de seus braços, servirá
como ponta de traçar e pode ser usado sobre a Pedra cúbica talhada pelo
Companheiro, cada uma de suas seis faces servindo como prancha de traçar.

A Trolha tem por significado “proteção e unificação”. Efetivamente, é dela


que se servirá o Mestre para unificar e harmonizar o conjunto da sua Loja. Assim
como a Trolha permite desfazer os excessos de cimento, do mesmo modo, por
sua benevolência e por sua serenidade, o Mestre de Loja poderá manter a
harmonia entre os membros de sua Oficina, desfazendo eventuais diferenças e
hostilidades. Daí a expressão “passar a Trolha”, significando retornar à harmonia.

“A Trolha, nos diz Plantagenet, é o símbolo do amor fraternal que deve unir
todos os Maçons, único cimento que os obreiros podem empregar na edificação
do Templo...”

A Trolha não é apenas o símbolo de um apagar de toda irregularidade sobre


a face da Pedra Cúbica. Ela é ainda a lembrança, a imagem do cimento que une
as pedras entre si, e sabe-se que as pedras do Templo simbolizam os próprios
Franco-maçons.

E nas mãos desse Mestre particular que é o Venerável de uma Loja, ela é,
por sua forma triangular, a imagem do Delta Luminoso ao Oriente do Templo,
símbolo da Causa Primeira não precisada e indefinida, segundo o verdadeiro
costume maçônico, e que é designada pelo nome de Grande Arquiteto do
Universo.

Vê-se que o Aprendiz trabalha em um mundo informal, simbolizado pela


Pedra Bruta. O Companheiro trabalha em um Universo em parte organizado e
que ele colocará em três dimensões, mundo simbolizado pela Pedra Cúbica. O
Mestre trabalha em um Mundo extraformal, mundo de duas dimensões,
simbolizado pela Prancha de Traçar. É o Mundo das Imagens, o plano das
“Idéias Eternas” de Platão.

Estes três mundos correspondem ao Corpo (o Soma dos gregos), à Alma


(Psique) e ao Espírito (Nous). Remontamos assim do plano da Forma ao da
Imagem, refazendo em sentido inverso a rota que permitiu aos Arquétipos
Eternos do Pleroma se refletirem e se multiplicarem em todos os seus aspectos
polimorfos constitutivos do tenebroso Kenoma.

17
Tal deve ser, cremos nós, e à luz das correspondências analógicas
tradicionais, a repartição dos nove Instrumentos através dos três graus. Todas
as divisões modernas destes são tão pouco racionais e lógicas que os três Ritos
mais difundidos: Escocês, Francês e Memphis-Misraim divergem entre si quanto
às divisões no que diz respeito à recepção ao Grau de Companheiro.

Não é absolutamente necessário fazer figurar o que quer que seja dentro do
Triângulo Luminoso (Delta) radiante, ao Oriente da Loja, acima da Cadeira do
Venerável. Ele se basta a si mesmo e é diminuir a grandeza deste símbolo
acrescentar-lhe as quatro letras hebraicas do Tetragrama (Jehovah), ou inserir
nele um olho. Pois, lembremos aos Maçons ligados a um Rito que impõe a
presença da Bíblia sobre o Altar, a luz é a própria imagem de DEUS nas
Escrituras:, “Por tua luz, nós vemos a luz...” (Salmo XXXVI, 10), “Eu sou a luz do
mundo...” (JOÃO VIII, 12) e “a vida era a luz dos homens...” (João 1: 4).

Quanto à palavra God, significando Deus em língua inglesa, sua


transcrição no seio do Delta tenderia a tomar aquela por uma língua hierática e
sagrada. Afirmamos, nesta grande confusão, que nos recusamos a considerar
qualquer língua viva e moderna como tal. Lembramos simplesmente que estas
três letras G, O e D (em hebraico: Guimel, Vau e Dalet) são as iniciais das três
palavras hebraicas: Gomer, Hoz e Dabar, que significam respectivamente
Sabedoria, Força e Beleza, designação das três Colunas tradicionais do Templo
Maçônico. É, por outro lado, interessante lembrar que estas três letras, bem
como o Gama grego, representam um Esquadro, sendo o Guimel hebraico
completado por um traço horizontal inferior, evocador do Nível. Desejando-se
efetivamente fazer figurar esta sigla God dentro do Delta, convém então
transcrevê-la em hebraico: Guimel — Vau - Dalet. Acontece a mesma coisa com
a palavra INRI, cujas traduções latinas são bastante numerosas, mas que tendem
a fazer esquecer que são as iniciais (ainda aqui uma sigla!) das quatro palavras
hebraicas: Iammim (Água), Nour (Fogo), Ruah (Ar) e Iebeschah (Terra). A Cruz
dos Elementos, sustentando em seu centro a Rosa, imagem da Crisopéia, é
assim um verdadeiro símbolo alquímico, sem por isto revestir a menor
significação sacrílega em vista do instrumento da Paixão do Cristo. A Cruz é, de
fato, o símbolo hermético do crisol, o qual é chamado em latim Crucibulum.

18
AS ORIGENS DA FRANCO-MAÇONARIA

O exame dos Rituais do antigo Companheirismo operativo (talhadores de


pedra, carpinteiros, ferreiros, etc.) mostra que as suas cerimônias e seu
simbolismo eram bastante diferentes dos da Franco-maçonaria clássica que, no
entanto, sem contestação possível saiu desse mesmo Companheirismo. A razão
é muito simples.

Em 1507, Henri Cornelíus Agrippa, cavaleiro da Milícia de Ouro, médico do


Imperador Carlos V, autor da célebre obra “De Occulta Philosophia”, constitui
segundo os conselhos de seu mestre e amigo Jehan Trithème, abade de
Spanheim e de Würzburg, uma organização que agrupa os hermetistas europeus,
chamada “Associação da Comunidade dos Magos”. Os membros possuíam
palavras e sinais de reconhecimento.

Em 1536, Paracelso (Aureolus Phllippus Theophrastus Bombastus von


Hohenheim, dito Paracelso) publica a sua celebre “Prognosticação”, em que
revela, pela primeira vez, o símbolo da rosa sobre a cruz, e nos fala de Elias
Artista 17 .

Em 1570, na Alemanha, aparece uma associação, que provavelmente saiu


da precedente, chamada, nos diz Míchel Maier, os “IRMÃOS DA ROSA-CRUZ DE
OURO”. Quatro anos mais tarde, em 1574, o conde de Falkenstein, bispo de
Trêves, é citado como um dos chefes da Rosa-Cruz. O prestigioso vocábulo
começa a se espalhar e inquietar a Igreja.

Em 1586, em Lunéville, cidade então situada na Alta-Lorena, como feudo da


casa de Vaudémont, tem lugar a primeira assembléia capitular da “Milícia
Crucífera Evangélica”. Aí se fala de um Templo Místico, da Rosa e da Cruz, da
Reintegração do Homem Cósmico, da regeneração do Universo. Em Londres é o
apogeu do movimento rosacruciano inglês, que vem de lançar Jacques VI da
Escócia (ele não é ainda Jacques I da Inglaterra); é a época das reuniões
rosacrucianas na taverna “A Sereia” 18 .

Em 1593, o mesmo Jacques VI de Escócia constitui a “Rosa-Cruz Real”,


com 32 cavaleiros 19 da Ordem do Cardo de Santo André, saída primitivamente
das comendadorias templárias desse Estado, em 1314, no final da batalha de
Banneckburn.

Em 1598, em Nüremberg, Simon Stubion constitui a “Milícia Crucífera


Evangélica”, que rapidamente se reunirá aos Rosa-Cruzes.

Em 1603, Jacques VI da Escócia, tornando-se Jacques I da Inglaterra, deixa


o Grã-mestrado dos maçons operativos escoceses, e se torna o grão-mestre dos
maçons operativos ingleses. Lord William Sinclair de Roslin o sucede como Grão-

17
R. Ambelain: “Templários e Rosa—Cruzes” (Adyar Editores, Paris 1955).

18
R. Ambelain: “Templários e Rosa—Cruzes” (Adyar Editores, Paris 1955).
19
Em relação com as XXXII Vias da Sabedoria, da Cabala.
19
Mestre dos maçons operativos do reino de Escócia.

Em 1609, Maurício de Hesse-Cassel, filho de Guilherme IV, o Sábio,


landgrave de Hesse-Cassel (protetor e amigo de Tycho de Brahé e dos
hermetistas europeus em geral) , constitui o famoso “Capítulo Rosacruciano” de
Cassel.

Em 1610, no ano seguinte portanto, em Londres, nascimento da “Rosae


Crucis”, que constituirá um pouco mais tarde o “Invisível Colégio”, e este último
dará nascimento em seguida à “Real Sociedade”.

Em 1611, em Londres, nascimento da “Aurea-Crucis”, saída dos “Irmãos da


Cruz de Ouro”, associação rosacruciana da Alemanha.

Em Ratisbona, em 1614, primeira e oficial manifestação dos Rosa-Cruzes,


por intermédio da “Fama Fraternitatis” e da “Confissão Fratrum Rosae Crucis”.

Em 1615, Maurício de Hesse-Cassel modifica a constituição do “Capítulo


Rosacruciano” dessa cidade. Os príncipes e os iniciados ai se reúnem: príncipe
Frederico Henrique, stadhouder dos Países—Baixos; landgrave Luiz de Hesse-
Darmstadt, marquês de Brandenburg, Eleitor Frederico III, príncipe cristão de
Anhalt, Valentim Andreae (autor das célebres “Nolces Chymiques”) , Michel Maier
(médico do Imperador Rodolpho II, ele próprio hermetista e alquimista em Praga)
, Raphael Eglinus (de seu verdadeiro nome Goëtz, autor, entre outras obras, da
“Disquisitio de Helia Artista” e de “Assertio Fraternitatis R.C. quam Rosae-Crucis
vocant”) , Antonio Thys, Jungmann, etc.

No ano seguinte, Míchel Maier, vai tomar contato em Londres com Robert
Fludd e sir Francis Bacon representando os rosacrucianos ingleses (1616)

Em 1622, em Haia, assembléia dos Rosa-cruzes no palácio do príncipe


Frederico Henrique, stadhouder dos Países Baixos.

Em 1644 morre J. B. Van Helmont, artesão da união entre os Rosa-cruzes


naturalistas (hermetistas puros de tendências racionalistas), e os Rosa-cruzes
místicos (de tendências teúrgicas, cabalistas cristãos em sua maioria)

Ainda em 1644, o célebre Elias Ashmole (autor de diversas obras sobre a


Rosa-Cruz) é recebido por William Backhouse no seio da “Rosae-Crucis”.

Londres em 1645, Boyle, Locke e sir Wren constituem o “Invisível Colégio”,


saído da “Rosae Crucis” como dito acima.

Em 1646, (e não em 1644 como erroneamente escrevemos em nossa obra


rosa-cruzes e Templários), Elias Ashmole é recebido pelos Maçons Operativos
(Companheirismo inglês), como “Maçom Aceito”. Ele não é o primeiro intelectual
admitido no seio da Franco-maçonaria operativa, outros já o haviam precedido.
Ele nos diz o seguinte em seu “Jornal”, pagina 603:

“1646, 16º dia de outubro, 4 horas e 30 minutos após o meio dia, fui feito
Franco-maçom em Warrington, no Lancashire, com o coronel Henry Mainwring,
de Karticham (condado de Chester). Os que se encontravam então na Loja eram:
Sir Ríchard Penkett Warden, Sir James Colher, Sir Richard Stankey, Henry Littler,

20
John Elam e Hugh Brewer”.

Além desses Maçons Aceitos, mais antigos que ele, havia um núcleo de
Maçons Operativos que havia recebido estes outros? Não o sabemos. Mas é
possível. Elias Ashmole de fato toma o cuidado de distinguir as categorias sociais
entre aqueles que cita como seus predecessores na Loja. O “Sir” que precede os
três primeiros nomes realmente significa de uma forma particular a polidez
inglesa: “SENHOR” 20 , que Elias Ashmole não emprega para os últimos três
Maçons Aceitos. Estes eram, sem dúvida, plebeus. Também nada há de estranho
no fato de que ele não mencione os nomes dos verdadeiros Maçons da Loja
primitiva.

Como quer que seja, é aproximadamente nessa época que devemos situar a
penetração insidiosa e silenciosa das Lojas da Franco-maçonaria Operativa
inglesa pelos rosacrucianos.

Discretamente Lojas Maçônicas exclusivamente especulativas vão se


constituir ao redor dos Stuards, principalmente entre os oficiais e os gentis-
homens da casa real. Essa Maçonaria especulativa, a mais antiga, será,
documentos incontestáveis o provam, de obediência religiosa católica. O
juramento hipoteca a fidelidade do recipiendário para com Deus “e a Santa
Igreja”.

E será então, em 1717, a 24 de junho, festa de São João de Verão, que


quatro Lojas de Maçons Aceitos (excluindo qualquer membro operativo) se
reunirão em Londres para aí constituir a Grande Loja de Londres, a qual se
tornará mais tarde a Grande Loja da Inglaterra. Essa Maçonaria será de
Obediência Protestante e, em oposição à que a precedeu, ela não mais será
stuardista, mas orangista 21 . Os rituais serão modificados, todo alto grau de
caráter cavaleiresco será repudiado. Mas o simbolismo iniciático será, no
entanto, cuidadosamente respeitado em seu conjunto.

* * *

Compreender-se-á facilmente que se, desde aproximadamente dois séculos,


hermetistas, alquimistas, cabalistas, gnósticos, adeptos da Magia, da Teurgia, da
Astrologia, reunidos no seio das grandes organizações rosacrucianas evocadas
acima, tomam o cuidado de penetrar e de se apropriar pacientemente de uma
organização tão antiga como a Maçonaria Operativa, é porque tem suas razões.

O que eles querem é “unir o esquadro e o compasso”, o primeiro


representando a Terra e o segundo representando o Céu. Os rosa-cruzes têm
uma filiação espiritual: a filiação apostólica recebida de Bispos que secretamente
aderiram às suas idéias, desde o século XVI.

Por meio desses bispos (secretamente heréticos do ponto de vista de


20
N.T. – “Sir” – título que precede o nome de batismo de baronetes e cavaleiros.
21
Observaremos aqui que a “regularidade” maçônica, tão cara à Maçonaria anglo-saxônica. se
perde por efeito do cisma. Ora, a Grande Loja da Inglaterra, orangista e protestante, é um
cisma da precedente, stuardista e católica... Ela queimou os arqui vos e os rituais da
precedente. Sua pseudo “regularidade” é uma brincadeira...

21
Roma!), nossos rosa-cruzes remontam aos Apóstolos, por filiações das quais a
Igreja Católica e a Igreja Ortodoxa mantém cuidadosamente em dia a seqüência
oficial. E pelos Apóstolos esses “poderes” remontam ao Cristo, que se diz
“pontífice segundo a ordem de Melchisedek”, unindo assim a iniciação que partiu
de Abraham (oferenda do pão e do vinho - Gênesis: 14:18) com a dos sacrifícios
sangrentos da Antiga Aliança. Tudo isso é muito importante aos olhos de nossos
rosa-cruzes, imbuídos do misticismo bíblico. E Abraham se situa, segundo os
historiadores e os exegetas, lá pela décima segunda dinastia, quanto à história
do Egito, em pleno Médio-império, e pouco depois da época heracleopolitana.
Isto nos leva a mais ou menos dezenove séculos antes da nossa era, ou seja, há
quase quatro mil anos...

Mas essa filiação espiritual, tão antiga quanto seja, não lhes basta. Se eles
têm objetivos muito ambiciosos: regeneração espiritual do Homem, da Criação
toda, restituição da Matéria Universal ao seu estado sutil inicial, etc., também têm
um problema político muito claramente colocado.

E eles não dissimulam esse programa: destruição do poder temporal de


Roma, destruição das monarquias hereditárias e absolutas, com a finalidade de
constituir um vasto estado universal, retorno a um cristianismo despojado de
suas imagens exotéricas e liberado dos interesses sórdidos das oligarquias, tanto
religiosas como dinásticas ou financeiras da época.

Para a realização deste plano gigantesco, eles terão o apoio de soberanos


inteligentes, ou interessados em alguma parte do seu programa. Henrique IV, e
seu “grande plano”, que lhe inspirara o rosacrucíano Irineu Filaleto, Jacques VI
da Escócia, ligado a Guilherme IV, o Sábio, landgrave de Hesse-Cassel, e a
Tycho de Brahé, e também numerosos pequenos príncipes alemães.

Mas o golpe decisivo chegará, rápido como um raio. Ravaillac assassinara


Henrique IV, e os historiadores modernos acabarão por encontrar nesse
assassinato a responsabilidade da Liga do Bem Público, da Sociedade de Jesus,
e da rainha de França: Maria de Médicis.

Mas não será somente aos poderes temporais que os rosa-cruzes pedirão
assistência para a realização de seu plano gigantesco, com alcance de vários
séculos. Não esqueçamos que eles recorrerão a todo o conjunto das ciências
ditas ocultas: alquimia, astrologia, magia, etc.

E se os “poderes” misteriosos da sucessão apostólica os religaram ao Céu,


é necessário que possuam também os da Terra... Nossos rosa-cruzes se voltarão
para o que subsiste das antigas iniciações de caráter “terrestre”; e eles os
pedirão à Maçonaria Operativa. Somente quando tiverem entrado na posse dessa
filiação iniciática é que terão “unido o esquadro e o compasso”.

De fato, a Maçonaria Operativa de sua época é cristã, e tem por patrono o


próprio São João.

Contudo seria vão supor que sua fonte iniciática o fosse! Muito antes, a
tradição maçônica havia sido veiculada pelos Collegia greco-romanos, que
repousava sobre o mito dos Cabires, ou o de Hércules e de seus “trabalhos”. E
antes destes Collegia, os depositários da tradição maçônica haviam constituído
as célebres e antigas corporações fenícias de construtores, então colocadas sob
22
a proteção de Kousor, o Hefaisto de Filon de Biblos. Muito provavelmente estes
deram a iniciação às corporações judaicas. E nós reencontramos um eco da
presença destas últimas na célebre visão de Ezequiel (capítulos XL a XLIV),
onde se vê o Arquiteto Celeste, portador da cana de medir e do cordel de linho,
tomar todas as medidas para a realização da Jerusalém do Alto. Aliás é provável
que o patrono dessas corporações judaicas fosse o Metatron da Cabala, o
“Mediador” de quem fala São Paulo, Sar-ha-Olam (Príncipe do Mundo), ainda
chamado El Acher (o Outro Deus).

E todas essas organizações bem diversas: talhadores de pedra,


carpinteiros, ferreiros, sobretudo, provieram das que se encontram já constituídas
em Madian, quinze séculos antes da nossa era. De fato, os ferreiros e mineiros
medianitas haviam se agrupado em torno do Sinai, com as outras tribos de
Madian vindas de outras regiões. Nos flancos do monte, ferreiros e artesãos de
cobre vizinhavam com os cortadores de pedra e os mineiros das minas de
turquesa e de cobre. E, sempre nos flancos do monte, no cume do qual Moisés,
unificador do Israel e seu libertador, evocará Metatron, já nessa época, existe um
templo, e este templo é consagrado a Hator.

De fato, já então uma mesma repulsa misteriosa do mundo profano e uma


tradição esotérica comum situam ferreiros e mineiros fora das populações
comuns, portanto fora do dito mundo profano. Conseqüentemente nesse tempo
(há quase quatro mil e quinhentos anos), nem São João, nem Hércules, nem os
Cabires, nem Kousor, nem Melkart, nem mesmo Salomão ou Hiram, eram a alma
e encobriam o segredo dessas tradições, e sim Hator, a deusa dos “olhos de
turquesa”, a “Dama da Tarde , a “Dama do Poente”, com o diadema de cornos de
antílope ou de vaca, deusa guerreira e de rigor (como Ishtar). Era considerada a
mãe de Horus (assim como a Virgem Maria, mãe do Verbo), era a “deusa
distante” e também a “deusa gata”. Portado ra da máscara de leão, era a
“guerreira”, e assentada sobre um leão, ela prefigurava Cibele a Terra-Mãe. Era
por vezes a Natura Naturata, outras a Natura Naturanda.

Ao amor da deusa pelos humanos responde o amor de seus fiéis. Os títulos


mais doces lhe são dados. Ela é a “deusa”, a “dama”, a “mãe misericordiosa”, “a
que ouve as preces”, “a que intercede junto aos deuses irritados”, “a que os
apazigua”, ela é a autora “do Universo e da Humanidade”. Um profundo
sentimento de ternura anima os hinos e as preces que lhe são dirigidas. Os
devotos de Ísís não encontraram expressões mais tocantes. Ela é exaltada acima
de tudo, ela se torna a “Deusa das deusas”, “a Rainha de todos os deuses”, “a
Soberana do Céu e da Terra”. Aqueles que tiverem seguido a discussão conciliar
do Vaticano II sobre a Virgem Maria, “Rainha dos Anjos”, “Mediadora”,
“Redentora”, saberão reencontrar aqui o arquétipo da “Mãe Eterna”, guardiã dos
mortos e resgatadora dos vivos, que o inconsciente fetal do homem traduz
ulteriormente por Deusa-Mãe, mãe dos Iniciados, e que os leva para fora da
Caverna (útero), pelas Águas sagradas (águas amnióticas), para a Luz esperada
(a Vida)...

É provavelmente a lembrança, inconsciente mas tenaz, desse avatar da


Grande Isis egípcia, protótipo de nossas “Mães” gaulesas e das Virgens Negras
que as sucederam, que faz com que inconscientemente o “azul” seja o termo pelo
qual são designados comumente os três graus da Maçonaria simbólica,
sobretudo se considerarmos que o azul é tradicionalmente, o azul turquesa, ou o
23
azul celeste (e não o azul-marinho da Maçonaria moderna anglo-saxônia). É
ainda por uma reminiscência, à qual a Maçonaria simbólica não poderia se
subtrair, que a Estrela Pentagramática, chamada “flamejante”, evocando tanto a
Ishtar assíria como a Astarté fenícia (duas palavras cuja raiz comum significa
estrela), brilha ao Ocidente do Templo para a quinta e última “viagem” do
Companheiro, bem como para guiar a marcha para trás do candidato ao
Mestrado... Assim, ao Ocidente do Templo, está imutavelmente sublinhado seu
papel de “Stella Vespertina”, outro nome da “Dama da Tarde” e da “Dama do
Poente”, da “Dama das Turquesas”, condutora dos Iniciados. E até mesmo a
China antiga conhece Si-Wang-Moû, a “Dama Rainha do Ocidente”, que reina em
um país fabuloso, sobre a simbólica Montanha de Jade...

Assim sendo (e o leitor nos perdoará esta colocação), por que aureolar com
um ambiente religioso, particular e absoluto, um esoterismo que se apresenta de
fato como um universalismo iniciático? Assim como não poderia existir uma
geometria protestante, uma gramática católica, uma matemática judaica, uma
física islâmica, o esoterismo maçônico não poderia ser aprisionado dentro de
uma crença particular e codificada.

É, aliás, bastante estranho constatar que ao longo de tantos séculos


humildes artesãos, provenientes de religiões tão diversas, souberam conservar
intuitivamente, não esta noção de deus criador comum a todos os povos, mas
uma outra, tão particular, de deus construtor, ordenador de um Caos pré-
existente; o que é muito diferente. De fato, um deus criador é sempre criador ex
nihilo, ao passo que o deus construtor ou ordenador utiliza uma matéria prima já
existente.

Essa teoria leva a uma outra. Assim como a Alma constrói sua morada de
carne no decorrer dos nove meses de gestação, e (talvez...) transmigra de
formas em formas, também se pode imaginar que o Espírito Universal, ordenador
de sua própria morada, este universo, transmigra do mesmo modo de criações
em criações, e de universo para universo...

Em resumo, os artesãos de todas as raças e de todas as épocas, filiados às


confrarias esotéricas, ou acreditavam depender apenas de um Demiurgo, deus
secundário a serviço de um Deus Supremo (e talvez desconhecido do Homem) ,
ou então proclamavam que, em seu sistema metafísico, a Matéria era
considerada como eterna e portanto coexistente com seu Ordenador. Isto implica
(muito antes de Orígenes), na crença em uma Criação eterna como seu
Ordenador (isto e, seu Criador), na qual os Universos sucedem aos Universos,
com a diferença, todavia, de que a Criação é impermanente enquanto que
permanente é o Criador, de quem ela seria assim apenas o Inconsciente. Notar-
se-á que a Eva bíblica, desdobramento de Adam, guardião do Éden, significa em
hebraico “sonho, sono”.

Então somos levados a considerar, subjacente à enéada dos Instrumentos


emblemáticos da Franco-maçonaria, os Arquétipos, isto é, os símbolos de
entidades metafísicas secundárias, os Demiurgi. Isto nos conduz inevitavelmente
às nove Sefiroth da Cabala, que emanam de Kether, “o Umbral da Eternidade”,
aos nove Coros Angélicos, mais ou menos densificados devido ao seu
afastamento do Criador, aos nove Eons da Gnose, etc...

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O aspecto inferior dos demiurgi em relação ao Demiurgo, o Ordenador
supremo, perpetuou-se na linguagem artesanal com o termo pejorativo de
“instrumento”, que os bons obreiros aplicam aos aprendizes e aos companheiros
tecnicamente “insuficientes”...

Seja como for, compreende-se agora porque, possuindo a filiação apostólica


e de Melquisedek, os rosa-cruzes quiseram possuir a filiação da Maçonaria
Operativa. Eles haviam intuitivamente compreendido que toda iniciação, para ser
realmente potencial e virtual, deveria compor-se de uma dupla polaridade. É
muito certamente um dos aspectos iniciáticos das duas colunas JAKIN e BOOZ,
que flanqueavam a entrada do Templo de Salomão, em Jerusalém, e que nossos
Templos conservaram cuidadosamente.

Mas é evidente que tais concepções, tão heterodoxas e inquietantes quanto


à disciplina católica e protestante, terminaram por insinuar-se fora dos núcleos
estritamente rosacrucianos. O número nunca trouxe qualidade. E pouco a pouco,
assim como a Franco-maçonaria Operativa havia sido penetrada pela Rosa-Cruz
e havia se tornado a Franco-maçonaria Especulativa, esta última foi penetrada
por elementos diversos, estranhos ou hostis ao vasto plano rosacruciano.

Nobres empolgados, ou cansados de sua nobreza, e que vinham para a


Maçonaria à busca de títulos e futilidades novas, burgueses ambiciosos,
encantados por estabelecerem relações com gentis-homens e serem por eles
chamados de “meu irmão”, todas estas pessoas não desejavam figurar como
conspiradores e “mágicos”. Incapazes de adivinhar nos altos conhecimentos
esotéricos vindos do fundo dos séculos as aplicações práticas de uma verdadeira
física transcendental, todas estas ciências misteriosas, que eles adivinhavam
existir nos altos graus dos Cenáculos os mais fechados, faziam com que
atraíssem sobre si a cólera real, a ira romana e, por fim, a danação de sua
alma...

E, é claro, a reação veio violenta, intolerante, antifraternal, contrária aos


juramentos de fraternidade e de fidelidade. E foi o Rito Templário, esquecido de
suas origens e de suas finalidades, que deu o sinal !

Era 1763, na Convenção de Altenberg, perto de Iena, o Regime conhecido


sob a denominação de Retificação do Dresde foi submetido a uma severa
reforma e todos os Maçons suspeitos de serem cabalistas, hermetistas,
alquimistas, teurgos, etc., foram excluídos. Isso ocorreu por incitação de
fidalgotes alemães ignorantes, que acabavam de tomar em suas mãos a
organização templária renovada, e dos quais alguns eram cavaleiros teutônicos,
ordem então severamente católica.

Essa exclusão turbulenta havia sido precedida de uma outra, mais discreta.
Na Convenção de Kholo, em 1742, uma série de expulsões havia tido lugar,
pelos mesmos motivos.

A hostilidade da Maçonaria aristocrática alemã contra as altas ciências


esotéricas suscitou de imediato uma reação involuntária. Na Rússia, desde 1741,
vemos a Estrita Observância Templária servir de antecâmara à Rosa-Cruz 22 (1) .

22
Até o XIX século, na Rússia, o Martinismo, a Maçonaria Templária, a Rosa-Cruz, constituíram
a hierarquia clássica do encaminhamento iniciático tradicional, em três etapas principais.
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Em França rapidamente aparecerão as Obediências de um caráter iniciático
muito marcante: os Elu-Cohen de Martinez de Pascuallis; os “Rosa-Cruzes do
Grande Rosário” do Rito Primitivo, fundado pelo marquês de Chefdebien, cuja
fonte eram os Rosa-Cruzes de Praga, e que serviu de Obediência de base ao
Rito Primitivo de Memphis-Misraim; os Philalèthes, de Savalette de Lange; os
“Iluminados de Avignon”, de Dom Pernety, etc., todas Obediências altamente
esotéricas, e que repousam agora no seio desse Rito de Memphis-Misraim.

Mas ao passo que se desenvolvia e sobretudo que aumentava o


recrutamento da Franco-maçonaria Especulativa, na Europa, os segredos
iniciáticos se diluíam, perdiam sua precisão; os ensinamentos se deformavam, se
truncavam, se esqueciam. Por sua vez a Rosa-Cruz era engolfada na torrente
vitalizadora.

Todavia, que seus .membros tenham considerado a Maçonaria como uma


ciência real, verdadeiro compendium dos conhecimentos ocultos, e
principalmente da alquimia, tanto material como espiritual, não é coisa de
duvidar. Queremos por provas não mais que extratos do gênero : — “Os antigos
faziam da Medicina Universal um ato de religião, e a ocultavam sob mistérios
sagrados. Eis ai a verdadeira Maçonaria...” (Conforme o “Diadema dos Sábios”,
por Filantropos, cidadão do mundo ( sic), pagina 148, Paris, 1781). “... era
necessário a muitos homens este vil adorno exterior que, em seguida, levou à
verdadeira maçonaria toda essa superficialidade que lhe era estranha. Se a
verdadeira Maçonaria houvesse subsistido, os Irmãos falariam bem alto, e o
mistério teria subsistido somente na Obra...” (Conforme “Le Denier du Pauvre”,
por Etteila,. página 55, Paris, 1785).

“O tempo desta grande e importante operação é de aproximadamente dois


anos comuns. E quando ele termina, o aprendizado de nossa Maçonaria, pois
não existe senão esta verdadeiramente, este aprendizado concluído, dá lugar ao
companheirismo, cujas provas são muito menos longas e menos rudes...” 23
(“Recreações Herméticas”, manuscrito atribuído a Jean Vauquelin des Yvetaux,
1651-1716).

Na verdade é bem anterior à infiltração dos Rosa-Cruzes na Maçonaria


Operativa a utilização que faziam de alguns símbolos maçônicos, tais como o
Compasso e o Esquadro.

No “Tripus aureus, hoc est Tres Tractatus chymici selectissimi”, publicado


em Frankfurt em 1618, o autor, o monge Basílio Valentin, está representado na
página do titulo como um monge com suas vestimentas, e segura contra o peito
um livro grande. Ora, o braço faz o sinal do esquadro.

No “Azoth Philosophorum,” do mesmo autor, há uma ilustração repleta de


simbolismo maçônico. Vê-se um globo alado, inscrito com um triângulo em um

23
Encontra-se o texto completo das “Recreações Herméticas” na bela obra de Bernard Husson:
“Dois Tratados Alquímicos do XIX século: Curso de Filosofia Hermética”, por Cambriel, e
“Hermes Desvelado”, por Cyliani (Omnium Littéraire, Paris 1964). As “ Recreações
Herméticas” aparecem como aditivo, ao fim da obra. As duas primeiras obras, esgotadas,
encantaram nossa juventude, e Jules Boucher, assim como seu mestre Fulcanelli, as tinham
em alta estima.

26
quadrado. Um dragão repousa sobre o globo, e sobre ele se apóia uma forma
humana tendo duas mãos e duas cabeças. A forma humana está. rodeada pelo
sol, a lua e cinco estrelas representando os sete planetas. Uma das cabeças é a
de um homem, e a outra a de uma mulher. A mão que se encontra do lado
masculino da figura segura um Compasso, e a que se encontra do lado feminino
segura um Esquadro.

Essa obra é anterior em cinco anos à precedente, e foi editada em Frankfurt


em 1613. Observa-se que o simbolismo tradicional é respeitado: o Compasso é
masculino, designa o Céu, e o Esquadro é feminino e designa a Terra. Eis ai a
imagem e a evocação dessa dupla filiação iniciática que os rosa-cruzes
procuraram associar em uma única filiação...

Aqui podemos, portanto, entender a formulação lapidar do saudoso Grão-


mestre Chevillon:

“A Ciência Maçônica e o espírito informador das ciências, ela é a Gnose no


sentido próprio do termo; ela não se detém nos fenômenos, vai até a essência;
dos atributos e das qualidades ela infere a própria natureza dos seres e das
coisas...” (Conforme C. Chevillon em “O Verdadeiro Rosto da Franco-maçonaria”,
página 25, Deram Editores, Lyon, 1939).

Acrescentemos que ela não está ligada a qualquer mística religiosa


particular, pois ela as veicula todas: conforma-se à Moral absoluta para poder se
expressar de acordo com a Tradição Iniciática Universal, apresentando
simplesmente ao Homem os nove Instrumentos simbólicos da Franco-maçonaria
de Tradição.

É necessário que essa Tradição Iniciática Universal não seja


sistematicamente atacada e sufocada por sectários e ignorantes que, tendo
orientação intelectual ou espiritual oposta, nem por isso são menos destruidores
e adversários do Espirito.

Lembremo-nos de que para compreender um interlocutor é absolutamente


necessário conhecer a sua linguagem. Ora, os Rosa-cruzes substituíram alguns
elementos da ritualística operativa por elementos novos, que melhor
expressavam a sua doutrina geral. Sabe-se que eles foram os criadores e os
codificadores do grau de Mestre, pois a Maçonaria Operativa conhecia apenas os
graus de Aprendiz e de Companheiro. Foram os Rosa-cruzes que introduziram a
Lenda de Hiram, que a Bíblia ignora, mas que é certamente de origem oriental
(Oriente Médio). Sabe-se que eles introduziram na Maçonaria Operativa uma
simbólica que lhe era desconhecida e estranha. Sabe-se o quanto a Alquimia,
material e espiritual, tinha lugar entre eles. Sabe-se que eles usaram todos os
conhecimentos esotéricos que possuíam (cabala, mística e prática, gnose, magia,
teurgia, astrologia, geomancia, espagíria, medicina hermética, arte metálica, etc.)
para sustentar seu combate.

De todas essas coisas fica o essencial, no mais profundo de nossos


costumes e de nossos rituais. Mas se quisermos compreender, se desejarmos
chegar à herança, ao “tesouro oculto”, é necessário traduzirmos o grimório, é
necessário assimilarmos seu modo de pensar, fazer nossas as suas teorias,
ainda que alguns de nós tenham que abandona-las em seguida. É necessário
nos impregnarmos delas...
27
Em algumas correntes maçônicas, particularmente suscitadas e inspiradas
por elementos políticos conservadores, mesmo reacionários, estranhos à Ordem
em si mesma, a grande preocupação é de sufocar o “grande projeto” dos Rosa-
cruzes. Por isso, se quisermos nos beneficiar com a indulgência dessas
correntes, é inadequado nos preocuparmos com os interesses da Cidade, da
Nação, no seio da Loja. E toda alusão política está interditada. Neutralidade
relativa, diremos nos.

Em outras correntes maçônicas, freqüentemente as mesmas, toda alusão


aos problemas religiosos contemporâneos está interditada, do mesmo modo que
a precedente. Mas os meios religiosos, tão bem protegidos por estas correntes,
não se privam de interferir na vida maçônica, sem nenhum pudor nem reserva, e
por vezes mesmo de combatê-la por diversos meios. Não se viu já profanos se
permitirem julgar e censurar determinados rituais maçônicos?...

Em uma terceira categoria de correntes maçônicas, oposta às precedentes,


só há preocupações de ordem política e antiespiritualista, confundindo anti-
clericalismo e anti-religião, praticando sectarismo e intolerância, por medo do
sectarismo e da intolerância. E nessas mesmas correntes existe o hábito de
misturar em uma mesma reprovação aqueles que há apenas dois séculos
pudessem ter sido inquisidores, e aqueles que na mesma época possam ter sido
vítimas!

Que ninguém se assombre, pois, se a Franco-maçonaria atual. não se


parece em nada com a do décimo oitavo século. O presente estudo não tem
outro objetivo que o de fazer os maçons contemporâneos refletirem, e de coloca-
los em presença dos Objetos simbólicos que lhes são familiares, sob um ângulo
ao qual não estão acostumados. Fazê-los entrever, através da própria banalidade
desses Objetos, a possibilidade de alcançar, pelo manejo de um esoterismo bem
codificado, uma visão do Mundo e de si próprios com a qual não estão
habituados.

Há muitos maçons modernos, espalhados pelo mundo, que não sabem “nem
ler, nem escrever”, e freqüentemente apenas “soletrar”...

* *

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