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INSTRUMENTOS DO APRENDIZ

1 - O AVENTAL

A TERRA DOS FILÓSOFOS


(Constância no Labor)

O Avental tem numerosas correspondências analógicas, que são as


clássicas do elemento Terra. Damos a seguir as mais comuns, dentro do quadro
da classificação esotérica medieval, classificação em que ninguém deve se
admirar (tendo em vista o modo de pensar na época) de ver vizinharem com os
sentidos os dons do Espírito Santo, decorrentes das Virtudes Cardinais,
Teologais, Filosofais, e em oposição aos Pecados Capitais. O Maçom habituado
a esta forma particular de ‘tradução da antiga escolástica que é a analogia (velha
regra hermética), verá logo a relação entre a vida corrente e a vida iniciática.

O Avental é, em primeiro lugar, o símbolo da Prudência, especialmente no


exercício dos sentidos em geral. Outrora se dizia erguer o avental para expressar
que uma donzela se preparava para sacrificar a sua virtude. Chamava-se avental
uma espécie de toalha que se amarrava ao abdômen do carneiro para impedir
que cobrisse as ovelhas; e esse nome era dado a um prolongamento exagerado
dos grandes lábios vulvares de determinadas mulheres negras do Sul da África.

Era, no antigo Companheirismo, o símbolo da passagem do Aprendiz ao


grau de Companheiro; ele pagava então o direito do Avental, ou direito de
passagem.

Esta palavra designa o tabuleiro de uma ponte levadiça ou de uma ponte


comum, e é então a imagem da passagem. Está ligada às três letras L. D. P., que
figuram sobre determinadas alfaias dos altos graus maçônicos, associadas ao
mito do retorno ao mundo inicial (abandono do mundo profano) com o simbolismo
da reconstrução do Templo por Zorobabel. Estas três letras significam Liberdade
de Passagem.

Chama-se tabuleiro (tablier) o lado do jogo de damas ou de xadrez sobre o


qual se desenrola a partida, e que é dividido em casas pretas e brancas. Ê a
lembrança do Pavimento de Mosaicos da Maçonaria Simbólica, quadriculado de
modo semelhante. O adágio as brancas jogam e ganham exprime simplesmente
a fé e a esperança maçônicas em um futuro indefinidamente perfectível, no
triunfo final da Luz sobre as Trevas. O Pavimento de Mosaicos deve ter 108
casas: 9 x 12.

A palavra francesa tablier (avental) deriva do latim tabula: table em francês


(mesa), que é encontrada também nas palavras tabelião: (latim: tabellio) escriba,
escrivão, notário, e no árabe tabel: escrivão público.

O tabardo era uma espécie de capa, de casula curta, geral mente


armoriado, e que revestiam os arautos de armas como distintivo de sua função.
Portadores do tabardo, os arautos eram inatacáveis, um pouco à maneira dos
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embaixadores. Seu avental (tabardo) era a sua armadura moral e diplomática,
assim como o Avental Maçônico é para o Maçom.

O Tabernáculo (latim taber naculum: armário sagrado) vem igualmente de


table (mesa), assim como o Tablier (Avental). A esse título o Avental maçônico
exprime esotericamente um caráter sagrado e misterioso. Aproximamo-nos do
sentido secreto com a palavra Tableau (Quadro em francês), que significa
imagem, e com o verbo tabular: embasar, apreciar, fundamentar.

Como o latim tabula significa igualmente prancha, não nos surpreendamos


por encontrar o Avental (Tablier) no início da hierarquia maçônica, com o
Aprendiz, e reencontrá-lo no fim dessa mesma hierarquia com o Mestre
trabalhando sobre a Prancha de Traçar. Ele abre e fecha todo o ciclo do trabalho
maçônico. Mais ainda, sobre um Tabuleiro (Tablier) sábia e corretamente talhado
e cortado, se poder desenvolver traçados e rebatimentos geométricos do mais
alto interesse, e muito significativos dos mistérios da Ordem 1.

O Avental do Aprendiz possui cinco lados (abeta levantada). Aqui são


enfatizados os cinco sentidos, fonte de conhecimento material e dos erros que
daí decorrem. Tornando-se Companheiro (abeta baixada), ele reproduz no seu
avental quatro lados, e quatro é o número denominado poder divino no
simbolismo numérico tradicional.

Eis as correspondências analógicas do Avental:


Sentido .............................. O Tato
Vício Capital ....................... A Avareza
Cor do Prisma ..................... O Índigo
Forma Ascética ................... O Silêncio 2
Virtude Cardinal ................ A Prudência
Faculdade Espiritual ............. O Dom de Conselho
Carisma Secundário .............. Dom da Interpretação
Artes Liberais ........................ A Geometria
Elemento ........................... A Terra ( Matéria Prima )
Temperamento ................... Melancólico
Humor .................................. A Melancolia ou Bílis Negra
Qualidades Elementares ..... Combinação do Frio e do Seco

* * *
O TATO

1
Há séculos, quando a Maçonaria Operativa detinha ainda algumas tradições mágicas, era um
Avental pentagramático que servia de toalha de altar, de Mesa Operativa.

2
Note-se a relação que a expressão esotérica estabelece entre a abeta (bavette) do Aprendiz,
que deve ficar levantada, e a tagarelice (bavardage) que lhe é proibida por sua qualidade... Diz-
se tailler une bavette (conversar) , e a expressão figura nos dicionários. Tailler une bavette é
portanto, estar liberado da regra do silêncio. Note-se a analogia com o uso militar da Idade
Média em que se cortava as duas pontas da flama que ornava a lança do cavaleiro, quando este
passava à qualidade de senhor de pendão, cujo emblema era um estandarte quadrado. De igual
modo, tornando-se Companheiro, o Aprendiz adquire o direito de fazer perguntas aos mestres
em Loja aberta, e também o de baixar a abeta triangular de seu Avental.

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Mortificação sobre a qual pouco há que dizer. O sentido do Tato, no
domínio profano, só é perigoso quando desperta em nós os elementos
passionais, ou contatos suscetíveis de alterar nossa saúde ou nossa vida. Neste
primeiro caso, estão: o contato de uma arma colocada na mão de um
adolescente e que pode despertar nele o desejo de poder, e até de violência
criminal; na mão de um apaixonado cego de ciúme, o desejo de se vingar e de
matar. As carícias por vezes constituem apelo à volúpia dos sentidos, e podem
levar a desvarios degradantes. Observa-se, em alguns avaros, que o contato do
ouro, do dinheiro, das cédulas ou de títulos financeiros suscita uma espécie de
febre de poder, ainda que não empregado. No segundo caso, o Tato pode levar a
imprudentes contatos que, por infecção microbiana, são suscetíveis de alterar
gravemente nossa saúde. De qualquer maneira, se deve ter cuidado para não
sofrer, sob vagos pretextos iniciáticos, toques em determinadas regiões do corpo,
toques que possam despertar em nós centros sutis de forças que, ainda muito
mal conhecidas, devem, como medida de prudência, continuar adormecidas.
Nada mais perigoso do que os chamados despertamentos psíquicos, efetuados
por ignorantes que não conhecem seu incalculável alcance, ou que,
dissimuladamente, tomam seu discípulo como objeto de experiências.

A AVAREZA

Sabe-se em que consiste este vício: no amor desordenado pelos bens aqui de
baixo, bens que se deseja conservar para si só. Ora, é importante distinguir entre
estes bens. Uns são necessários, para o presente e para o futuro. É pois, um dever
adquiri-los por meio de trabalho honesto. Outros são úteis somente para aumentar
gradualmente os nossos recursos, assegurar o nosso bem-estar e o dos outros,
contribuir para o bem público favorecendo as ciências e as artes. Ninguém está
proibido de adquiri-los, nem mesmo de desejá-los, para uma finalidade beneficente,
honesta, e é bom que nos lembremos do pobre e do indigente.

A Avareza existe de três maneiras:


- na intenção. Deseja-se apaixonadamente as riquezas por si mesmas, como
um fim em si. É uma espécie de idolatria, culto do bezerro de ouro; viver em
função do dinheiro.

- na maneira de adquirir os bens materiais. Procura-se com avidez, por


quaisquer meios, em detrimento dos direitos de outrem, às vezes mesmo em
detrimento da própria saúde ou da dos seus.

- na maneira de usar. Gasta-se com remorso, considera-se o seu uso como um


esbanjamento, ignoram-se os pobres, recusa-se o auxílio a outrem. Capitalizar,
isto é o que importa 3 .
Mas existe igualmente uma Avareza espiritual. Ela impulsionará o Maçom,
embora advertido, a um isolamento total e estéril. Desvelar, revelar, ensinar,
3
A Avareza suscitou no século passado essa forma odiosa de exploração da mão-de-obra por
uma classe cúpida e sem ideal, que permitia legalmente, sob a monarquia orleanista de 1830,
fazer trabalharem crianças de seis anos doze horas por dia nas fiações, e fazer outras descerem
às minas aos dez anos! Será sempre um título de honra ao mérito das Lojas do Rito de
Memphis-Misraim terem, em 1876, solicitado aos poderes públicos que limitassem em oito horas
a jornada dos trabalhadores.

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transmitir tudo o que ele próprio recebeu ou aprendeu de seus predecessores
será para ele sempre uma coisa dolorosa e chocante. Ele amontoará livros e
manuscritos, documentos e iniciações, mas jamais conceberá que é apenas um
instrumento de transmissão, um elo na Cadeia secular. As filiações iniciáticas
extra-maçônicas às quais ele se tenha ligado, ele as fracionará novamente,
multiplicando as provas, os graus, as classes, com a única finalidade de retardar
o mais possível o instante em que será obrigado a terminar seu próprio papel, e
do aluno de ontem fazer o seu igual de hoje, talvez o seu superior de amanhã.

Em Loja ele sistematicamente se recusará a conceder qualquer aumento


de salário aos seus Irmãos. Seus trabalhos serão sempre incompletos, não por
ignorância, mas por exagero do segredo, argumento muito cômodo para
dissimular sua recusa em transmitir, sua avareza intelectual.

O SILÊNCIO

Para o Aprendiz, o silêncio da língua consiste evidentemente em não


reclamar presunçosamente a palavra (visto que não tem direito a ela), e em
escutar simplesmente as trocas de idéias entre seus Irmãos mais antigos.

Para todo Maçom, isto consiste na abstenção de falar inutilmente, pelo


simples prazer de tomar a palavra e de manifestar a sua presença, terminando
por nada relatar de interesse a respeito do assunto tratado. Consiste também no
silencio do coração, que é fazer calar suas paixões e seus jogos de imaginação,
em fazer calar qualquer pensamento que não esteja relacionado com os seres e
as coisas criados, e com o que lhes seja útil. O Silêncio é o primeiro elemento
constitutivo de um conhecimento pessoal.

A PRUDÊNCIA

O Avental, destinado a proteger o Aprendiz contra as lascas da Pedra que


ele se esforça em desbastar, está legitimamente associado à Prudência.

A Prudência é um princípio de ação moral que aperfeiçoa a razão prática


do homem com a finalidade de que, em cada uma de suas ações, ele disponha e
ordene as coisas com convém, impondo-se a si mesmo (ou àqueles cuja ação
está subordinada à sua e que dela dependem) aquilo que convém fazer a cada
instante para a realização perfeita da tarefa empreendida ou do objetivo
procurado.

A Prudência, em suas aplicações correntes é constituída de diversos


aspectos, a saber:

a) a lembrança atenta das coisas passadas, ou memória,


b) uma clara visão dos princípios de toda ação, geral ou particular, assim como
de suas conseqüências,
c) a reverência a respeito do que determinaram os Irmãos mais sábios, que nos
precederam,
d) a sagacidade para descobrir aquilo que seria impossível exigir subitamente de
alguém outro e que poderia ofendê-lo,

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e) o são exercício da razão, aplicada a cada ação,
f) a previdência ou a determinação quanto à substância de um ato exigida no
momento da ação,
g) a circunspecção a respeito de tudo o que acompanha dito ato,
h) a precaução contra tudo o que poderia colocar um obstáculo ou comprometer
o resultado.

A Prudência é propriamente a virtude do domínio:


- domínio sobre si mesmo, ou prudência individual,
- domínio na família, ou prudência familiar,
- domínio na Sociedade, maçônica ou profana, denominada outrora prudência
real.

O DOM DE CONSELHO

Se negligenciarmos o aspecto particular sobre o qual insistia (no


cristianismo medieval) a antiga escolástica, podemos definir sob este termo uma
disposição superior e transcendente que aperfeiçoa a razão prática do homem,
em virtude de uma Iniciação real.

Esta disposição particular a torna então pronta e dócil para encarar tudo o
que é necessário para a sua iluminação final, que todo verdadeiro Maçom
considerará como o único fim da Arte Real.

Esta disposição vem em socorrer da razão humana sempre que


necessário. Pois, ainda que provido de todas as virtudes, adquiridas ou
infundidas desde o nascimento, a razão humana continua sempre sujeita ao erro
ou à surpresa, na infinita complexidade das circunstâncias que afetam sua ação,
em si mesma, ou em relação a outrem. São as armadilhas que a Prudência
freqüentemente pode evitar. Como essencial ao desenvolvimento futuro, ela é,
pois, a primeira a ser adquirida, e com ela o dom de Conselho. Ambos são
obtidos pela prática do Silêncio, que corresponde à Terra Filosófica, e as três
constituem um dos primeiros Instrumentos do Aprendiz

O DOM DE INTERPRETAÇÃO

Respeitador da regra do Silêncio que lhe e imposta pela Tradição


maçônica, o Aprendiz tem o direito de ser socorrido por urna espécie de dom
particular, incluído na Iniciação do primeiro grau, e ligado ao choque da Luz. Este
dom é aquele que a antiga escolástica medieval religiosa denominava:
interpretatio sermonum ou dom de interpretação.

Consiste na faculdade de compreender intuitivamente, ou por via


imaginativa, e quase instantaneamente, aquilo que os Irmãos da Loja e
particularmente os Oficiais exprimem através dos Rituais (tanto de Abertura e de
Fechamento dos Trabalhos, como de Iniciação) de um lado, ou pela leitura das
Instruções, dos Catecismos ou pelo estudo dos Sinais e ‘Palavras’, que lhe foram
ensinados.

Para os Maçons que ultrapassaram os dois graus seguintes (Companheiro

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e Mestre), esse dom de Interpretação consistirá no fato de interpretar exatamente
e de acordo com a Tradição Maçônica os Rituais, Catecismos, Instruções, etc., e
não cometer erros em sua aplicação. Igualmente em transmitir tudo isso exata e
claramente aos Aprendizes que estão a seu cargo.

A GEOMETRIA

É indiscutivelmente a ciência do Aprendiz, mas é também a de todo o


Maçom que quer verdadeira e exatamente se tornar um obreiro do Templo.
Que ninguém entre aqui se não for geômetra... tal era a regra imprescritível
imposta por Pitágoras em seus centros iniciáticos. É lamentável constatar o
quanto o estudo desta ciência, essencial para o Maçom especulativo, é
negligenciada em nossos dias nas diversas Obediências.

No entanto, nada é mais filosoficamente esotérico do que a Geometria, e


aquele que quiser lançar-se ao trabalho de procurar em seus teoremas
essenciais a Metafísica que está secretamente contida neles, descobrirá um
maravilhoso jardim.

Se duvidarmos, bastará nos lembrarmos que a palavra teorema vem do


grego theoria; este termo deriva oficialmente de théôrein: examinar, considerar.
Mas podemos observar que esta palavra exprime preferencialmente a idéia de
teoria. Ora, teoria vem também do grego theoria, que significa procissão de
deuses, cortejo religioso.

Assim, o prefixo theôs, que significa em grego divino, é a raiz do nosso


teorema, e a Geometria é então a ciência do Divino; no sentido platônico da
palavra.

O Avental do Aprendiz, cuja silhueta pentagramática permite, sobre o seu


próprio esquema, tantos traçados secundários plenos de esoterismo, está assim
intimamente associado à Geometria.

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