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18º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas

Transversalidades nas Artes Visuais – 21 a 26/09/2009 - Salvador, Bahia

FORMAÇÃO DOCENTE E ARTE NA EDUCAÇÃO INFANTIL:


UMA EXPERIÊNCIA DIALÓGICA

Gilvânia Maurício Dias de Pontes


FACED/UFRGS

RESUMO

Atualmente a Educação Infantil tem sido alvo de diferentes análises que versam sobre
propostas pedagógicas para o atendimento às crianças de 0 a 6 anos. Ressalta-se o
papel de diferentes linguagens no desenvolvimento das crianças e na ação do
educador. No entanto, a maioria das propostas tem enfatizado a linguagem oral e
escrita e abordado, apenas superficialmente, a presença de outras linguagens, entre
as quais as linguagens artísticas. Este texto trata de uma experiência de formação de
um grupo de educadores de criança em encontros/diálogos sobre os saberes docentes
para o ensino de arte na infância.

Palavras chave: artes; formação; Educação Infantil.

ABSTRACT

TEACHING FORMATION AND ART ON CHILDHOOD EDUCATION:


AN DIALOGICAL EXPERIENCE

At present the childlike education has been a target of different analyses that are about
pedagogic proposals for the service to the children from 0 to 6 years. The paper of
different languages is emphasized in the development of the children and in the action
of the educator. However, most of the proposals have been emphasizing the language
oral and written and boarded, you punish superficially, the presence of other
languages, between which the artistic languages. This text treats an experience of
formation of a group of child's educators in meetings / dialogs on knowing them
teachers for the teaching of art in the childhood.

Key – words: arts; formation; childhood educations

Pesquisas recentes acerca da formação do professor da infância apontam


para a necessidade da abordagem dos saberes que constituem as suas
práticas junto às crianças. Somos levados a pensar a relação entre os saberes
docentes e os processos formativos e, conseqüentemente, a nos questionar
sobre os contextos formativos onde são gestadas as identidades docentes.
Assim, nos perguntamos sobre o que é imprescindível – necessário ao trabalho
com crianças. Ou sobre o que os professores acreditam ser necessário e como
explicam o porquê de tais demandas – necessidades. Neste texto relatamos
um momento de formação continuada, em contexto, tendo como foco os
saberes do campo da Arte.

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Perspectivas acerca da formação docente - No Brasil, desde as duas últimas


décadas do séc. XX, a Educação Infantil tem sido alvo de diferentes análises
que versam sobre políticas e propostas pedagógicas para o atendimento à
infância. Tais análises têm apontado a formação dos profissionais que atuam
junto às crianças como um diferencial fundamental para a melhoria da
qualidade desse atendimento. Durante a década de 80 e 90 do século passado
vivenciou-se a efervescência do debate sobre a obrigatoriedade do
atendimento à crianças de 0 a 6 anos em instituições educativas. Atribuir ao
trabalho em creches e pré-escola o caráter educativo significou contrapor-se a
idéia do atendimento a infância apenas como assistencialismo e da concepção
da natureza do trabalho dessas instituições de atendimento como lugares onde
as crianças são “guardadas”, “cuidadas” enquanto os pais estão trabalhando.
Tornou-se consenso, entre os estudiosos do assunto, que o atendimento
à infância, em creches e pré-escolas, não deveria ter, apenas, o objetivo de
suprir as necessidades dos pais trabalhadores, mas observar que a criança,
como “sujeito de direito”, deve ter acesso situações educativas voltadas para
as suas peculiaridades como seres humanos de 0 a 6 anos: vulnerabilidade
que demanda cuidados específicos, convivência com outros culturais- crianças
e adultos para troca de afetos e significados culturais, possibilidade de
construção e ampliação do seu repertório de linguagens em vivências dos usos
sociais de tais linguagens.
A afirmação da legalidade da Educação Infantil como primeira etapa da
Educação Básica (LDB – 1996), trouxe a tona questionamentos sobre o modelo
pedagógico que deveria ser adotado em creches e pré-escolas e
consequentemente sobre as concepções de formação do educador da infância
(FORMOSINHO, 2002). Em decorrência desse debate, a formação inicial e a
qualificação dos educadores da infância passaram a ser o centro de atenções
de pesquisadores e organizações que defendiam o direito das crianças
freqüentarem creches e pré-escolasi de qualidade.
As discussões sobre formação docente, contemporâneas das reflexões
sobre a legalidade e qualidade do atendimento à infância, sugeriam, sobretudo,
mudanças nas perspectivas de formação dos professores. Afirmavam o caráter
sócio históricoii da formação e apontaram para a necessidade de constituição
de uma identidade profissional que exigia dos educadores ampla compreensão

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da realidade do seu tempo, postura crítica e propositiva de intervenção e


transformações das condições da escola e da educação, e posicionamento
frente às questões sociais e políticas do seu entorno (ALTET, 2001).
Portanto, é no contexto de atuação e na relação que o educador
estabelece entre teoria e prática que se situam as possibilidades de
transformação do fazer docente, mas para isso o professor precisa ter acesso
aos conhecimentos culturalmente construídos nos diferentes campos e precisa,
sobretudo, saber e desejar estabelecer relação entre estes em sua ação
pedagógica. Urge que consiga estabelecer relações entre saberes e fazeres,
perceber nuances contextuais e propor alternativas aos desafios que emergem
de sua sala de aula e da sociedade na qual ele e a escola são partícipes.
Neste sentido, a formação continuada deve ser concebida como um
processo contínuo, e em construção, da prática docente e da afirmação da
identidade profissional do professor, tendo o exercício da docência como o
cerne de onde partem as demandas de formação e para onde voltariam as
proposições dos professores.
Assim, apesar da diversidade de fatores que circulam a educação
escolar, acredita-se atualmente que o contexto particular de cada escola e de
cada professor pode apontar as possibilidades de transformação nos rumos da
qualidade do ensino.
Um caso de formação em contexto - Em pesquisa anterior (PONTES, 2001),
estruturamos estudos acerca da presença da arte na Educação Infantil a partir
da relação entre as especificidades do ensino de arte, a organização curricular
de uma escola para crianças e os aspetos pertinentes ao desenvolvimento
infantil, especialmente no que se refere à construção de linguagens. A
realização de tal pesquisa evidenciou que as atividades com linguagens
artísticas podem ser significadas de formas diversas dependendo da relação
entre a intencionalidade do professor, contexto em que são propostas e as
peculiaridades do grupo de crianças para o qual se destinam.
A análise dos relatos de práticas de professores polivalentesiii com crianças
de faixa etárias diferentes apontou para a relação entre as vivências estéticas e
artísticas das crianças e o desenvolvimento das possibilidades de leitura e
expressão em linguagens artísticas. Nesse sentido, concebemos a arte na
educação infantil enquanto um campo de conhecimento composto por

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linguagens que são significadas pelas crianças em situações de leituras das


representações artísticas nas – artes visuais, literatura, teatro, música, dança,
circo, entre outras - de contextualização e de fazer prazeroso e criativo de
atividades que envolvem tais linguagens/conhecimentos.
Os significados atribuídos às linguagens artísticas no contexto da escola
investigada apontaram para a necessidade de considerar outros
desdobramentos que nos permitiriam construir um referencial, mais amplo, de
leitura de práticas docentes para o ensino de arte na infância em que a
dinâmica da escola precisa ser observada como ponto de partida para entender
as intenções subjacentes às intervenções dos professores para o trabalho com
artes na infância.
O posicionamento da instituição, contexto particular de atuação dos
professores em relação aos saberes do campo da Arte, influencia as
intervenções dos professores e, ao mesmo tempo, o conjunto de professores
também pode influenciar os posicionamentos da instituição. Nos momentos de
reflexão compartilhada sobre a prática, enquanto o diálogo se desenvolve os
saberes docentes são ressignificados, em um processo possibilitado pelo
próprio discurso e/ou pela mediação feita por pesquisadores e profissionais da
área de Arte e pelas interlocuções com teóricos de outras áreas.
Na dinâmica pedagógica da escola estudada, a formação continuada é,
também, garantida pela promoção de encontros sistemáticos sobre temas de
estudos definidos pela equipe de professores e coordenação pedagógica, tais
temas emergem das necessidades/desejos surgidos do trabalho com as
crianças. Assim, ao longo de um semestre o grupo decidiu abordar como tema
de estudo a estética e a arte no trabalho com crianças de 2 a 7 anos. A
demanda para tal tema pautava-se na necessidade e desejos dos professores
em ampliar o seu repertório de saberes acerca dos conceitos que envolvem a
proposição de atividades artísticas na Educação Infantil para que pudessem
articular processos de mediação com consciência e intencionalidade
Para organizar os encontros de formação partimos das reflexões sobre a
Arte e seu ensino na contemporaneidade. Nossos estudos nos levaram a olhar
para três dimensões da Arte, que na prática de sala de aula, se tornarão
complementares - Arte como linguagem; Arte como expressão da cultura e Arte
como conhecimento.

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Arte como linguagem – os conhecimentos do campo da Arte são


vivenciados como linguagem que têm em comum com outras linguagens
constituírem-se como processos comunicativos cujos múltiplos sentidos são
estabelecidos em experiências dialógicas de acesso às representações
artísticas em suas variadas formas. As linguagens artísticas têm uma estrutura
que lhes dá significação e faz com que possam ser diferenciadas de outras
linguagens. Realizar leituras e estabelecer sentidos para as manifestações
artísticas significa entrar em contato com a forma como estas se constituem e
relacionar-se com elas significando as combinações que a Arte incita. Esse
processo significante é, ao mesmo tempo, cultural e pessoal. Cultural porque
estamos imersos em referências, vivências e experiências que acessamos
quando estamos diante da Arte. Pessoal porque cada um o faz de forma única,
subjetivamente individual. Além do aspecto comunicativo, o que há de comum
entre as linguagens artísticas é a sua pertença ao campo estético.

Arte como expressão da cultura – revela a preocupação com a influência


cultural presente no entorno da produção artística, seja no momento da
produção, da distribuição ou da apreciação. Ao favorecer o contato das
crianças com as manifestações artísticas é possível possibilitar experiências
com a diversidade cultural do mundo contemporâneo, possibilitando-lhes o
envolvimento em processos de construção de sua identidade cultural e o
conhecimento dos códigos culturais - estéticos artísticos seus e de outros
povos.

Arte como um campo de conhecimento – a Arte entendida como


qualquer outro campo de conhecimento humano, com história e repertório
próprios que podem ser vivenciados pelas crianças, em situações de ensino
mediadas pelo professor.

Assim, nos questionamos sobre o lugar da Arte na Educação Infantil


enquanto construção de linguagens mediada pelo acesso a produções culturais
e enquanto um campo de conhecimento com conteúdos próprios. Nesse
sentido, com os professores, elegemos 5 sub -temas para refletir
coletivamente: 1- Estética e Arte na contemporaneidade; 2- Leitura e Releitura
na Educação Infantil; 3- Organizadores do trabalho com linguagens artística:
conteúdo de arte X desenvolvimento infantil; 4- Fotografia como expressão

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contemporânea da arte: construindo caminhos didáticos pedagógicos para


trabalhar fotografias com criança pequenas; 5- Pintura: processos de leitura e
criação.

O grupo de professores desta escola, embora já viesse repensando os


rumos do ensino de Arte no cotidiano do trabalho com crianças há alguns anos,
neste momento, se deparava com outras questões e desafios para os quais se
fazia necessário construir alternativas coletivamente. Um desses desafios
configurava-se no entendimento conceitual de estética e arte na
contemporaneidade. Assim, no primeiro encontro abordamos a relação entre o
entendimento contemporâneo de estética e de Arte e a proposição de
situações de aprendizagem da arte na infância, pois, o que concebemos como
estética e como arte perpassa as nossas ações enquanto educadores da
infância. Tal relação que, geralmente, não é vislumbrada, conscientemente,
está subjacente às escolhas dos temas e metodologias.
Rocha (2005, p. 31) referindo-se representações da Arte e ensino de
arte contemporâneo afirma que,

Muito da produção artística tem sido deixada de lado, não


por questões de mérito ou valor, mas por razões de
preconceitos sociais e políticos, uma vez que as
estruturas do poder político e social atingem as artes da
mesma forma que as demais instituições culturais. No que
se refere ao valor estético, como tal, pois, sujeito a
transformações ao longo de sua história, ele assume
diferentes diretrizes ideológicas que exigem serem
situadas no seu tempo e devidamente explicitadas.

É salutar ressaltar que os outros temas foram sugeridos pelos


professores, com clareza, e em primeiro plano, pois emergiam da ação em sala
de aula, explicitamente. Quando foi indagada qual a intencionalidade por trás
dessas ações construiu-se com o grupo a necessidade de refletir sobre o
entendimento contemporâneo acerca de Arte e estética como “decorrente de
um processo histórico e da forma como se deu a inserção da Arte na educação
escolar” (ROCHA, 2005, p. 31).
Para abordar o tema de arte e estética propusemos situações de
aprendizagem para os professores em que expressassem as percepções e

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conhecimentos de seu repertório, entrassem em contato com imagens


problematizadoras e com as formulações de estudiosos a esse respeito.
Como situação desencadeadora, pedimos que relembrassem coisas as
quais atribuíam o status de arte, o que nos forneceu uma listagem de objetos
artísticos identificados pelos professores no seu cotidiano. Com a citação de
objetos os professores entraram em conflito sobre atribuir o status de artístico
ou não aos mesmos, pois os julgamentos foram diversificados. Neste
momento, incentivamos a olhar com intencionalidade estética para os objetos
sensíveis do seu entorno: a arquitetura do ambiente, vestuário, fotografias da
história de vida de cada um. Dessa forma, buscamos abordar a presença do
leitor significando esteticamente os objetos sensíveis, inclusive atribuindo a
estes o status de objetos artísticos.
Em seguida foram apresentada imagens de objetos do cotidiano
deslocados do seu uso habitual e transformados em objetos de arte.
iv
Fundamentamos esse momento com a exibição do DVD “Isto é Arte?” em
que o professor Celso Favareto, ao discorrer sobre a concepção de Arte na
contemporaneidade afirma que para compreender o fazer artístico atual é
preciso observar as mudanças que ocorreram na passagem do campo
moderno para o campo contemporâneo da arte: no entendimento de arte; na
figura do artista; na imagem da criação artística; e no modo da arte ser
apresentada socialmente.
Finalizamos o encontro refletindo sobre a influência do olhar estético do
professor no encaminhamento dos temas e experiências de acesso a arte na
infância.
Em “Leitura e Releitura em arte”, refletimos sobre as estratégias de
leitura de arte com crianças em faixas etárias diferentes e em contextos
diferentes de contato com as representações artísticas. Para abordar tal tema
retomamos os pressupostos de estética e arte, pois propor situações de leitura
de arte para crianças também envolve os posicionamentos estéticos artísticos
dos professores. Esse tema nos possibilitou também pensarmos a arte
enquanto linguagem culturalmente construída e que pode e deve ser
significada pela criança – leitores de arte e produtores de novas
representações simbólicas.

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As novas representações, produzidas pelas crianças, não devem ser


“cópias” do material de arte ao qual tiveram acesso, mas fruto do diálogo
estabelecido entre elas e o objeto de arte. Dessa forma, as experiências de
leitura e releituras de arte podem significar para crianças e professores
situações discursivas de construção de sentidos para arte e de exercício de
criação em linguagens artísticas.
Para pensar a releitura nos remetemos à intertextualidade presente na
obras de alguns artistas e para as citações/intertextos presentes em algumas
músicas da MPB. Dessa forma, a concepção de releitura estendeu-se das artes
visuais para uma transposição de linguagens em que é possível transformar o
texto visual em dança, música, teatro, entre outras linguagens. Pois, com
ressalta Pillar (1999) quando reflete sobre “Releitura, citação e
intertextualidade”:

Vários artistas, tanto em outras épocas como


contemporâneos, incluem citações em seus trabalhos. As
maneiras de citar é que podem ser interessantes. As
citações são jogos intertextuais que os artistas faz para
se amparar, para gozar, para legitimar-se. Os cientistas
citam muito para legitimar-se. O artista quando cita, o faz
para criar.

No 3º encontro - Organizadores do trabalho com linguagens artísticas:


conteúdo de arte X desenvolvimento infantil – elaboramos um panorama do
ensino de arte nesta escola, elegendo pontos importantes para mediação do
professor por turma (crianças de 2 a 7 anos, agrupadas por faixa etária em
cinco grupos/turmas).
Neste momento coube fazer algumas considerações a respeito da
relação entre arte e o atendimento à infância em suas possibilidades de acesso
a cultura. As crianças vivenciam os fazeres expressivos que compõem as
linguagens artísticas desde bem pequenas quando vivenciam o prazer de
imprimir marcas e/ou dialogam corporalmente com música, dançando em
resposta aos sons que ouvem, ou ao imitarem gestos e falas para presentificar
outrem. Dessa forma, as crianças, mesmo as menores, interagem com a arte
do seu entorno e estabelecem diálogos, lúdicos, que lhes são possíveis

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naquele momento. Diálogos que precisam ser compreendido pelos adultos


como produção de sentido das crianças.
Após esse exercício que possibilitava observar, ainda que de forma
superficialv, a relação entre conteúdos das linguagens artísticas e aspectos do
desenvolvimento infantil em contextos específicos de cada turma, comparamos
tal levantamento com a análise de práticas trazidas pelos professores. Análise
que nos remeteu as dimensões da arte como linguagem e como um
conhecimento que tem especificidades. Essas duas grandes entradas para
explicar as situações de aprendizagem das linguagens artísticas , nesta escola,
se constituem como fatores de decisão que desencadeiam o movimento da
prática docente, ou seja, constituem-se enquanto organizadores que fazem a
prática assumir determinados rumos e não outros.
Na sua dimensão linguagem, como as demais linguagens, as linguagens
da Arte são constituidoras do pensamento infantil e, nesse sentido, veículos e
conteúdos para as mais variadas relações. Enquanto campo de conhecimento,
a Arte tem um repertório cultural socialmente construído, marcado por
especificidades estéticas e artísticas que nem sempre fazem parte do cotidiano
das crianças e as quais elas poderão ter acesso através da mediação do
professor e da escola.
Na prática dos professores, esses organizadores estão envolvidos por
outras relações entre: Arte e outros campos de conhecimentos; atividades
artísticas e organização espaço temporal da escola; a organização de
situações de aprendizagem e os atores das demandas para tais atividades –
crianças, professores, família e a organização curricular da escola.
Dessa forma, refletir sobre as situações de trabalho com linguagens
artísticas na Educação Infantil implicou em observar que o conhecimento de
Arte pode assumir diferentes dimensões, que embora não sejam em sua
essência assim fragmentadas, podem ser focalizadas de forma diferente
dependendo do contexto de vivências e ou experiências com linguagens
artísticas na escola.
No 4º e 5ª encontro - Fotografia como expressão contemporânea da
arte: construindo caminhos didáticos pedagógicos para trabalhar fotografias
com criança pequenas; Pintura: processos de leitura e criação – nosso intento
foi o de proporcionar aos professores experiências estéticas que os fizessem

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refletir sobre o entendimento de estética e arte a partir de situações de criação


em arte e da reflexão acerca da adequação das experiências para as crianças.
Nesses dois encontros foi possível refletir sobre a proposição de
“experiências estéticas na Educação Infantil” e abordar questões referentes a
construção do olhar estético e artístico no trabalho com crianças.
Ferraz e Fusari (1993), ao tratar de situações de acesso às linguagens
artísticas na escola apontam pra a necessidade do professor ter consciência do
seu posicionamento quanto à estética e quanto à arte. O seu entendimento e
posicionamento, acerca dessas duas questões, estarão influenciando a forma
como ele propõe as situações de ensino e de aprendizagem dessa área. Para
essas autoras:

O estético em arte diz respeito, dentre outros aspectos, à


compreensão sensível-cognitiva do objeto artístico
inserido em um determinado tempo – espaço sócio
cultural. Todavia a experiência estética pode ser mais
ampla e não necessariamente deriva da arte, embora a
arte seja uma das principais fontes de aplicação [...] A
concepção do artístico relaciona-se diretamente com o
ato de criação da obra de arte, desde as primeiras
elaborações de formalização dessas obras até em seu
contato com o público. O fazer artístico (a criação) é a
mobilização de ações que resultam em construções de
formas novas a partir da natureza e da cultura; é ainda o
resultado de expressões imaginativas provenientes de
sínteses emocionais e cognitivas (FERRAZ & FUSARI
1993, p. 53 -54).

Para Hume (1994, p. 128) os objetos sensíveis estão dispostos na


ambiência, mas para serem, vistos como “fenômeno estético” é necessário que
o sujeito receptivo lance sobre ele olhares estéticos.

Fenômeno (phainomenom) é aquilo que se mostra, no


caso, aquilo que aparece, se manifesta e é percebido.
Portanto o fenômeno estético é objeto sensível enquanto
portador de latentes qualidades e valores que exigem,
para serem percebidos, de um sujeito receptivo.

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Dessa forma, os objetos sensíveis estão dispostos na ambiência da


criança, mas para serem percebidos esteticamente é preciso olhar com
intencionalidade estética. Isso significa atuar sobre esses fenômenos
estabelecendo relações que interligam sensações, percepções, imaginação e
conhecimento estético. Sobre a natureza do saber estético Hume (1994, p.
128) acrescenta:

Não se trata de um conhecimento científico, mas de um


tipo de conhecimento que exige recursos diferentes da
razão científica, tais como intuição, memória e
imaginação, que nos fazem descobrir outros dados
presentes às obras [...] Embora a obra de arte seja a
obra mais aberta à recepção estética, qualquer obra,
enquanto portadora de possibilidade criativas pode ser
usufruída esteticamente.

Portanto, a intencionalidade do “olhar” envolve a construção de saberes


e ampliação do repertório estético das crianças e dos adultos – mediadores na
aproximação das crianças aos objetos culturais.
Na experiência estética atribuímos significados aos fenômenos sensíveis
a partir da articulação entre as nossas vivências individuais e os saberes
culturais já produzidos acerca daquele fenômeno; para isso, contamos com a
mediação cultural do outro. Mediação cultural aqui está sendo entendida como
a tarefa de educadores em sua ação de aproximar indivíduos ou grupos de
indivíduos às obras da cultura, potencializando a experiência estética e a
formação cultural (MARTINS, 2007).

E, se pensarmos no professor como mediador cultural, perceberemos que


a escola deve incentivar não só a criação artística das crianças, mas também,
o exercício da expressividade do professores em diferentes linguagens
artísticas, pois se ele tem como função mediar a construção do “olhar estético”,
em situações de leitura e criação de objetos artísticos, deve ele próprio buscar
o contato/acesso às produções artísticas num universo mais amplo.

Dessa forma, é importante que o professor participe de atividades


artísticas, como produtor de arte e, especialmente, como ser cultural que
precisa colocar em jogo seus saberes estéticos e possibilidades expressivas,

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relacionando vivências anteriores aos novos conhecimentos, desejos e estudos


sobre a produção artística - procedimentos que possibilitam a aquisição de
conhecimentos nas linguagens da arte. Assim, ele estará exercendo a
interligação entre as ações de leitura, contextualização e fazer artístico,
proposta por Ana Mae Barbosa (1998) na Abordagem Triangular de Ensino de
Arte.
Ampliar as experiências estéticas das crianças envolve, entre outras
coisas, coloca-las em contato com artistas, trazendo-os até a escola ou
levando as crianças aos lugares onde vivem/viveram e produzem/produziram.
Mas, para isso se faz necessário que o olhar estético do professor também se
sensibilize para as manifestações da Arte.
Assim nos últimos encontros os professores vivenciaram experiências de
formação do olhar fotográfico e produção de imagens e o exercício de leituras
de obras e criação de suas próprias representações na pintura.
Um diálogo que continua - O dialogo iniciado produziu algumas sínteses e
novos questionamentos que conduziram a ações diferenciadas no trabalho com
as crianças e nos temas de estudo do grupo de professores. Esse momento de
formação desencadeou a organização de outras reflexões sobre o ensino de
arte na infância. Estudos mais específicos, sobre linguagens artísticas: jogo
teatral, música e, dança. Assim, o diálogo iniciado continua e é realimentado
pelas relações que os professores estabelecem quando do seu encontro com
as crianças, com outros professores e com a arte presente no seu entorno.

i
Crianças de 0 a 3 anos atendidas em creches e de 4 a 6 em pré-escolas.
ii
Esse novo olhar sobre a formação dos profissionais da educação representou uma ruptura com a
abordagem tecnocrática de formação, predominante no Brasil nas décadas de 60 e 70 do século XX, que
priorizava o modelo da “racionalidade técnica” e cujo intento erro o de promover o acesso dos professores
aos conteúdos e fazeres necessários a sua prática sem observar esse profissional e sua docência como
imersos em um contexto histórico cultural.
iii
O Referencial Curricular para Educação Infantil RCNEI (BRASIL, 1998, p. 41) explicita que “ser
polivalente significa que ao professor cabe trabalhar conteúdos de naturezas diversas que abrangem
desde os cuidados básicos essenciais até conhecimentos específicos provenientes de diversas áreas”.
Assim o termo “professor polivalente” na Educação Infantil significa que o professor deve estar atento,
além dos aspetos gerais do desenvolvimento infantil, aos conteúdos culturais específicos das diversas
áreas de conhecimento, entre elas a área de Arte. A formação das equipes nos contextos de cada escola
pode ser uma das formas de estabelecimento de relações entre a “necessária” polivalência do trabalho do
educador de infância e o também necessário acesso aos saberes específicos das áreas. A troca entre
pares com interesses e formações diferentes pode tornar possível tal diálogo, bem como a busca de
aprofundamento para as especificidades das linguagens artísticas. Assim a polivalência colocada nos
documentos oficiais sobre Educação Infantil pode ganhar outros contornos em escolas em que a equipe
se torna multidisciplinar, pela busca de respostas para os desafios colocados no cotidiano do trabalho dos
professores quanto e pela ousadia destes em entendê-los, explicá-los e explicitá-los.

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iv
Conferência sobre Arte e seu cotidiano promovida e registrada pela Itaú Cultural.
v
Essa escola tem sido palco de pesquisas sobre Arte na Infância desde 1997. Nessas pesquisas foram
produzidos trabalho (monografias de finais de cursos de graduação e especialização, dissertações e
teses) que versam sobre diferentes aspectos do ensino de Arte na infância : arte e currículo, arte e
formação de professores, música na educação infantil, jogo teatral na educação infantil, ensino de dança
para crianças, mediação do professor em artes visuais, entre outros.

REFERÊNCIAS:

ALTET, M. As competências do professor profissional: entre conhecimentos,


esquemas de ação e adaptação. In: PAQUAY, L. et. al. Formando professores
profissionais: quais estratégias? Quais competências? Porto Alegre: Artemed, 2001.
p. 23-35.
BRASIL, Parâmetros Curriculares Nacionais: arte. Brasília: MEC/SEF, 1997. 130p.
(Parâmetros Curriculares nacionais de 1ª a 4a série). v.6.
BRASIL, Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil: conhecimento de
mundo. Brasília: MEC/SEF, 1998. 243p. (Referencial Curricular Nacional para
Educação Infantil). v.3.
BARBOSA, Ana Mae. Tópicos Utópicos. Belo Horizonte: C/Arte, 1998.
FERRAZ, Heloisa & FUSARI Maria F. Resende de. Arte na educação escolar. São
Paulo: Cortez, 1993.
FORMOSINHO, Júlia Oliveira; KISHIMOTO, Tizuco Mochiba. Formação em
contexto: uma estratégia de integração. São Paulo: Pioneira, 2002.
HUME, Leda Miranda (Org.). Fazer Filosofia. Rio de Janeiro: UAPÊ, 1994.
MARTINS, Mirian Celeste; SCHULTZE, Ana Maria; EGAS, Olga. Mediando [com]
tatos com arte e cultura. Paulo: Universidade Estadual Paulista, 2007.
PILLAR, Analice Dutra (Org.). A Educação do Olhar no ensino das artes. Porto
Alegre: Mediação, 1999.
PONTES, Gilvânia Maurício Dias de. A presença da Arte na Educação Infantil:
olhares e intenções. 2001. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2001.
ROCHA, Vera. Construindo Caminhos: linguagens artísticas na formação de
professores. 2000. 178f. Tese (Doutorado em Educação) – Centro de Ciências Sociais
Aplicadas, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal.
ROCHA, Vera. Arte, estética, conhecimento e ensino. In: PONTES, Gilvânia Maurício
Dias de; CAPISTRANO, Naire Jane; MELO, José Pereira. O ensino de Artes e
Educação Física na Infância. Natal: UFRN/PAIDÉIA/MEC, 2005.

Currículo Resumido
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRGS.
Integrante do Grupo de Pesquisa em Educação e Arte (GEARTE/CNPq).
Professora do Núcleo de Educação Infantil da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte – NEI/UFRN. Participa de equipe de coordenação e produção
de materiais do Paidéia – Núcleo de Formação Continuada para Professores
de Artes e Educação Física da UFRN.

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