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Compreensão do Fenômeno Psicótico por meio das Imagens do

Inconsciente
Uma Nova Perspectiva

O fenômeno psicótico sempre despertou o interesse do homem normal pela compreensão de seus
mecanismos de funcionamento, da forma como se estrutura e das causas que o originam. Baseado
nos princípios da razão, o homem buscou traduzi-lo para a sua linguagem racional a fim de
atribuir-lhe um significado, como uma tentativa coerente de classificar o que lhe soa incoerente.
Contudo, apesar dos vários intentos ao longo dos dois últimos séculos de estudos, a razão pura e
simples, dentro de seus limites, não conseguiu encontrar uma definição absoluta e plenamente
satisfatória para um fenômeno de tal ordem, o que se mostra na dificuldade de se estabelecer um
diálogo entre a linguagem racional e a linguagem do psicótico. Diversas abordagens existentes
acerca do assunto dedicam seus olhares racionais ao fenômeno, o que, muitas vezes, acaba por não
permitir uma apreensão mais acurada do sentido que lhe é inerente.

Entretanto, a evolução que se faz, cada vez mais, evidenciar no meio intelectual, iniciada já no
século passado, nos permite uma ampliação da própria capacidade de visualização e de
compreensão das experiências pelas quais passamos. Avanços teóricos e tecnológicos na área da
Física - como a teoria quântica, as descobertas a nível microfísico e a teoria da relatividade de
Einstein, por exemplo – demonstram que certa dualidade outrora cristalizada na visão de mundo que
se possuía já não se faz mais valer de forma tão absoluta. Quando se fala em uma aproximação
entre matéria e energia, cabe rever os conceitos anteriormente formulados para se explicar a
realidade. Nesse sentido, não cabe à realidade ser considerada como apenas sendo aquilo que se
dá a nível dos sentidos, nem àquilo que não se pode apreender sensorialmente como pertencendo à
ordem do sub-real. É considerando essas novas possibilidades de entendimento que Carl Gustav
Jung estabelece sua concepção de realidade e, assim, fundamenta uma nova psicologia.

Não sei de nada que diga respeito a uma super-realidade. A realidade contém tudo quanto posso
conhecer, pois qualquer coisa que atue sobre mim é real e presente. Se uma coisa não age sobre
mim, não noto nada e, portanto, nada sei sobre ela. Só poderei fazer afirmações sobre coisas reais,
e nunca sobre coisas irreais, super-reais ou sub-reais. A menos que ocorra a alguém limitar o
conceito de realidade de tal maneira que o atributo ‘real’ seja aplicado somente a um segmento
particular da realidade do mundo (...) à chamada realidade material ou concreta de objetos
percebidos pelos sentidos (Jung apud Silveira, 1992)

Para o estudioso da psicologia profunda, a maneira como a realidade é concebida na perspectiva do


inconsciente difere da concepção intelectual da consciência. Sob essa perspectiva, psique e matéria
não são vistas separadamente, mas, sim, consideradas como aspectos diferentes de uma mesma
realidade. Conceitos, como o de sincronicidade, podem ilustrar essa visão, ao estabelecerem a
existência de uma unidade psicofísica subjacente a fenômenos que, sob a perspectiva da
causalidade, não estariam relacionados. Para o autor, a esfera inconsciente abarca conteúdos que
podem ser expressos por meio de variadas manifestações psíquicas, como sonhos, visões, símbolos
e, até mesmo, por meio das produções artísticas. Por ser sua linguagem diferente daquela do
consciente e por se expressar de forma livre dos racionalismos exigidos por ele, as manifestações do
inconsciente encontram dificuldades em serem compreendidas por uma interpretação racional – o
que acaba por distorcer seu sentido genuíno. Dessa forma, Jung afirma que os conteúdos oriundos
do inconsciente – os símbolos, por exemplo – apresentam-se à consciência desprovidos de
quaisquer máscaras, necessitando serem observados com a devida atenção para que se apreendam
seus significados, diferentemente da perspectiva freudiana que postula serem os sonhos e os
símbolos apenas disfarces para os conteúdos do inconsciente, que seriam de origem sexual. O
psicótico, sob essa óptica, vive de acordo com a realidade de seu inconsciente – tanto o pessoal
quanto o coletivo – e se comunica segundo à sua linguagem, sendo que suas produções
imaginativas, sejam delírios ou pinturas em uma tela, traz à tona, das profundezas, uma mensagem
que deve ser compreendida à luz de uma linguagem que vai além das palavras.

O Significado da Imagem

Conforme escreveu a psiquiatra brasileira Nise da Silveira (1991), “a imagem não é a simples cópia
psíquica de objetos externos, mas uma representação imediata, produto da função imaginativa do
inconsciente (...) Na qualidade de experiência psíquica, a imagem interna será mesmo, em muitos
casos, mais importante que as imagens das coisas externas”. Sua concepção de imagem baseia-se
na teoria junguiana, segundo a qual as manifestações da psique trazem consigo uma representação
daquilo que está ocorrendo a nível inconsciente, sendo de sua natureza representar suas atividades
por meio de imagens. Sendo assim, a própria energia psíquica transforma-se em imagem. Essas
imagens provenientes do inconsciente distinguem-se em dois tipos, conforme aquilo a que se
relacionam seus conteúdos. Elas podem ser da ordem do inconsciente pessoal, o qual abarca
vivências, emoções e sentimentos do próprio indivíduo ao longo de sua história, ou podem provir dos
estratos mais profundos da psique, nos quais estão as vivências primordiais da humanidade como
um todo, inerentes ao psiquismo de cada ser humano e que constituem o chamado inconsciente
coletivo. De acordo com Jung, é nessa segunda dimensão do inconsciente que se encontra a fonte
da imaginação criadora, que se exprime nas imagens arquetípicas presentes nas mitologias de todos
os tempos.

Considerando-se a existência de um tipo de pensamento constituído, basicamente, por essas


imagens e símbolos provenientes do inconsciente, inerentes ao indivíduo e que difere do
pensamento racional, é necessário que esses conteúdos sejam integrados à própria personalidade
para que o psiquismo se desenvolva de forma saudável. Esse processo consiste na individuação,
isto é, o desenvolvimento pleno do psiquismo, que se dá devido à integração entre o ego (centro da
consciência) e o self (centro da psique total) rumo à completude. Do contrário, “(...) se o homem se
afasta de suas raízes, se não mantém contato consciente com elas, se a sociedade onde vive
também as renega, poderão de súbito ocorrer reativações violentas” (Silveira, 1991) e, logo, tem-se
um terreno fértil para o surgimento de um processo psicótico. Na psicose, os conteúdos mais
profundos da psique irrompem no consciente portando uma carga energética muito intensa,
produzindo, assim, efeitos bastante notáveis, como delírios e alucinações. “Jung descreve a
esquizofrenia como a inundação do campo do consciente por conteúdos do inconsciente coletivo, ou
seja, por imagens arquetípicas”(Silveira, 1991). Foi após observar, atentamente, pacientes
esquizofrênicos que Jung chegou à conclusão de que, na psicose, de certa forma, as portas para os
campos mais profundos do inconsciente permanecem abertas, ficando seus conteúdos livres e
permitindo, assim, a apreensão dos seus processos arcaicos de funcionamento.

Nesse sentido, o trabalho com as imagens produzidas pela capacidade criadora da psique
configura-se como uma possibilidade de acesso ao que se passa no mais profundo do inconsciente
do psicótico, uma vez que essas representações denotam, por si mesmas, o próprio significado.
Tanto na pintura quanto no desenho e na escultura, podem ser encontradas as imagens e os
símbolos arquetípicos que povoam o inconsciente coletivo e que, na condição de psicose, dominam
o psiquismo em vez de serem integrados à sua totalidade. Tendo em vista a história do processo
evolutivo da espécie humana, assim como os órgãos do corpo, a psique também apresenta
considerável evolução desde os tempos primordiais da humanidade. A respeito do inconsciente e de
seus arquétipos, escreve Jung (apud Santos, 2006):

(...) o inconsciente, enquanto totalidade de todos os arquétipos, é o repositório de todas as


experiências humanas desde os seus mais remotos inícios: não um repositório morto – por assim
dizer um campo de destroços abandonados – mas sistemas vivos de reações e aptidões, que
determinam a vida individual por caminhos invisíveis e, por isto mesmo, são tanto mais eficazes. Mas
é também da fonte viva dos instintos que brota tudo o que é criativo; por isto, o inconsciente não é
somente determinado historicamente, mas também gera o impulso criador(...)

Ao se expressar por meio de imagens, o psicótico está comunicando, na linguagem peculiar de seu
inconsciente, o que ele vivencia no momento, como está experienciando a realidade. Ao terapeuta,
cabe estabelecer as conexões entre essas imagens e a vivência emocional do paciente, a fim de
conseguir compreender o significado de sua situação e, dessa forma, trabalhar no sentido de
ajudá-lo. Vale ressaltar que a relação, a ser estabelecida, da imagem com o conteúdo inconsciente
não consiste numa interpretação, pois esta acabaria por distorcer o verdadeiro sentido já expresso
nos próprios símbolos.

O Atelier do Inconsciente

Partindo desse pressuposto da função imaginativa e criadora do inconsciente, a psiquiatra Nise da


Silveira desenvolveu seu trabalho com pacientes esquizofrênicos utilizando o princípio da terapêutica
ocupacional em ateliers de pintura e de modelagem no Centro Psiquiátrico Pedro II na década de
1940. Como uma forma de revolucionar os métodos de tratamento desumanos, frutos de uma
concepção de homem e de mundo que se mostrava ultrapassada, tais como aplicação de
eletrochoques, psicocirurgia e a contenção química, Nise passou a utilizar as produções plásticas de
seus pacientes como uma forma de se aproximar de suas realidades intrapsíquicas. Sobre essa
aproximação, escreve:

Será preciso partir do nível não-verbal. É aí que se insere com maior oportunidade a terapêutica
ocupacional, oferecendo atividades que permitam a expressão de vivências não verbalizáveis por
aquele que se acha mergulhado na profundeza do inconsciente, isto é, no mundo arcaico de
pensamentos, emoções e impulsos fora do alcance das elaborações da razão e da palavra(1992).

A psiquiatra deu preferência à pintura e à escultura por serem meios que facilitam a expressão do
psicótico, visto que, pela palavra, seria muito complicada qualquer transmissão de impressões
internas dada a cisão do ego e, consequentemente, a incapacidade da consciência de encadear as
idéias de forma lógica e coerente. Em seu trabalho, verificou a propriedade terapêutica de tais
recursos, uma vez que são um meio pelo qual as emoções perturbadoras podem se expressar sem
proporcionar desconforto ao paciente, na medida em que são despotencializadas e, assim, ele
próprio tem a oportunidade de se voltar à sua consciência. “Retendo sobre cartolinas fragmentos do
drama que está vivenciando desordenadamente, o indivíduo dá forma a suas emoções,
despotencializa figuras ameaçadoras”(Silveira, 1992).

Com base nessas verificações, foi desenvolvido um método para a análise das produções dos
pacientes que consiste no agrupamento de seus trabalhos em séries que, quando examinadas
atentamente pelo terapeuta, revelam o desdobramento dos processos intrapsíquicos e permitem a
identificação de uma continuidade no fluxo de imagens do inconsciente. Também é possível
identificar temas míticos e representações arquetípicas que consistem na emergência de conteúdos
arcaicos própria da condição psicótica e, utilizando o recurso da pesquisa histórica de mitos e de
símbolos, é possível compreender o valor de tais representações dos psicóticos. Contudo, é
necessário lembrar que a linguagem dos símbolos é arcaica e que possui uma gramática própria,
colocando o seu interlocutor em posição de aprendiz.

As diversas modalidades de expressão dos esquizofrênicos são muito ricas em símbolos que
condensam profundas significações, constituindo linguagem arcaica de raízes universais (...) Não
nos preocupamos em dissecar intelectualmente a imagem simbólica. Nós nos esforçamos para
entender a linguagem dos símbolos, colocando-nos na posição de quem aprende ou reaprende um
idioma. (Silveira, 1992).

A função criadora se mostra benéfica também após o término do tratamento, o que se verificou junto
aos vários ex-internos que retornavam ao atelier apenas para trabalhar em novas produções. Tal fato
constitui-se numa ação preventiva, uma vez que o equilíbrio conquistado por eles encontra-se
ameaçado por situações que propiciem uma ativação intensa do inconsciente. Jung utiliza a
metáfora do terreno que, após a guerra, encerra explosivos encapsulados em seu subsolo, para
descrever essa condição delicada de quem já experienciou o desequilíbrio psicótico. Expressando-se
artisticamente, o indivíduo encontra uma possibilidade de aceitação social e, também, um recurso
para alcançar o equilíbrio psíquico, considerando-se que não há doença, propriamente dita, mas sim
“tropeços no caminho de volta á realidade cotidiana” (Silveira, 1992). Essas consistem nas metas do
trabalho pioneiro de Nise da Silveira, que pôde ampliar os horizontes da psicopatologia em geral,
proporcionando maior dignidade no tratamento de psicóticos, não só por respeitar a sua condição
humana essencial, mas também por caminhar em direção a um novo paradigma.

Arteterapia

Atualmente, seguindo o caminho aberto pelo trabalho de Nise da Silveira, vem-se desenvolvendo o
campo da Arteterapia, que tem como base a utilização terapêutica da expressão artística no auxílio a
pessoas que apresentam distúrbios psíquicos, emocionais ou de aprendizagem e que encontra
respaldo teórico na Psicologia Analítica de Jung. É uma disciplina que associa a área das artes em
suas diversas possibilidades de expressão (pintura, escultura, música) aos saberes terapêuticos
como a psicologia, a medicina e a terapia ocupacional com uma finalidade que se direciona ao
processo curativo. Segundo Santos (2006), essa disciplina in status nascendinão deve ser
considerada sob o ponto de vista da dimensão estética e de valor a que o termo arte se refere, pois
sua finalidade principal não é a produção de obras de arte, mas sim, atuar como um meio de
compreensão, de aproximação do universo psíquico daqueles que por ela se expressam. “Torna-se
mister que possamos, então, direcionar o estudo e o trabalho do arteterapeuta para formas
específicas de reflexão e, consequentemente, de ação, dentro das práticas terapêuticas diversas”
(Santos, 2006). Uma dessas formas de reflexão, que fundamenta a arteterapia, consiste na
concepção junguiana da natureza da psique.

(...) a psique é constituída essencialmente de imagens. A psique é feita de uma série de imagens, no
sentido mais amplo do termo; não é, porém, uma justaposição ou uma sucessão, mas uma estrutura
riquíssima de sentido e uma objetivação das atividades vitais, expressa através de imagens(Jung,
1984 apud Santos).

Expressar o conteúdo que habita o inconsciente por meio de imagens é uma forma de trazê-los para
a consciência e, assim, compreender-lhes o significado. No caso dos psicóticos, de poder
compreender as emoções que lhe atormentam, como uma forma de comunicação no processo
terapêutico. Este seria a o princípio fundamental da Arteterapia: dar forma aos conteúdos por meio
das imagens, proporcionar um reencontro com o mundo interior e, possivelmente, encontrar
respostas a muitas questões não respondidas pela pura razão.

Por Mabel Caroline Gouveia


GOUVEIA, Mabel Caroline. Compreensão do Fenômeno Psicótico por meio das Imagens do Inconsciente. Disponível em:
https://www.ufrgs.br/psicopatologia/wiki/index.php?title=Imagens_do_inconsciente; modificado em 05/05/2011 às 12:04. Acessado em: 08/10/2021 às
17:48
Os Mitos: Fontes Simbólicas
Os mitos e imagens simbólicas têm ganhado importância histórica por conta dos estudos
arqueológicos que buscam compreendê-los e interpretá-los, transmitindo um saber simbólico há
muito esquecido pelas sociedades ditas civilizadas. Tais pesquisas foram de suma relevância para
desmistificar o pensamento corrente que concebe os povos antigos como aculturados.
Os Mitos: Fontes Simbólicas da Psicologia Analítica de C.G. Jung
O presente texto tem como objetivo discorrer sobre a importância do estudo dos mitos e de outras
produções simbólicas para a Psicologia Analítica de C.G. Jung.
Desde o princípio do pensamento humano, o mito era compreendido como “o conteúdo próprio de
tudo o que se pensava ou sentia e a sua descrição em termos pré-metafísicos era legein
(dando origem à palavra grega mytho-legein = mitologia)”.
O “simbolismo mítico tem sido tem sido amplamente utilizado nas interpretações da Psicologia
Analítica e Psicanálise, constituindo uma das bases dos conceitos junguianos de inconsciente
arcaico (arquétipos, imagem primordial etc.)”.
O símbolo pode ser definido como “sinal, signo ou marca num sistema de relações significativas,
cujas aplicações e operações são governadas por leis e convenções […]”.
Ao comparar o homem arcaico com o homem civilizado, Jung concluiu que, tanto um quanto outro
sente e percebe o mundo da mesma forma. Ou seja, o homem primitivo não enxerga o mundo de
forma diferente do moderno. Segundo ele, a diferença entre ambos são suas hipóteses, isto é, a
forma como compreendem os eventos da natureza.
Desta forma, Jung conclui que, para o homem moderno, os eventos podem ser explicados por meio
da percepção de relações causais. Entretanto, o homem primitivo, que possui uma visão “mágica”
do mundo, explica estes mesmos eventos por meio de termos não-perceptíveis, isto é,
sobrenaturais.
Nas sociedades arcaicas, a crença nos poderes sobrenaturais deve-se, de certa forma e/ou em
parte, ao que se projeta do inconsciente sobre o mundo físico, de tal forma que não existe distinção
entre as projeções e o mundo objetivo, pois nas sociedades tribais os mitos são vivos e cumprem
sua função de dar sentido ao mundo.

Enquanto o homem arcaico insere-se física e psiquicamente no seu mundo, o homem moderno
crê estar desassociado da natureza, pois enxerga o mundo de forma objetiva, o que nega a sua
realidade psíquica, em outras palavras, nega o que Jung concebe por suas projeções arcaicas do
inconsciente. Para Jung, a grande relevância dada à objetividade no mundo moderno em
detrimento dos mitos constitui um risco ao mundo psíquico, pois os mitos fazem parte do
inconsciente coletivo e atuam na mediação entre o consciente e o inconsciente.
Como percebemos, o homem arcaico dava sentido ao mundo por meio dos mitos. Com o advento
da modernidade o homem perdeu a capacidade de produzir símbolos, passando esta a ter uma
relevância psíquica, uma vez que o inconsciente mantém essa capacidade. Sendo assim, a
relação entre os mitos arcaicos e os símbolos do inconsciente é de grande importância para o
trabalho analítico, pois permite interpretar os símbolos tanto em seu aspecto histórico universal
como no sentido psicológico.

A Psicologia Junguiana foi a que mais contribuiu para o aprofundamento do conhecimento do


material simbólico da humanidade. Ao longo de sua vida, Jung várias
vezes viajou. Nestas viagens teve a oportunidade de conhecer várias culturas e, através do sonho
e da fantasia é possível o reencontro do homem com a atmosfera mítica das imagens arcaicas,
herança psicológica que conecta a humanidade como um todo.
Como vimos anteriormente, o pensamento junguiano afirma que, é a partir da análise dos sonhos
que temos a possibilidade do acesso ao material arquetípico do
inconsciente humano que, de tão arcaico, não faz, na maioria das vezes, sentido para o homem
moderno. Sendo assim, esta análise constitui-se de grande relevância para
resgatarmos o simbólico, para compreendermos as imagens dos sonhos (oníricas) e,
consequentemente, para compreendermos, de forma mais profunda a nós mesmos. Para
tanto, aquele que analisa deve possuir um conhecimento ampliado acerca da origem e do sentido
dos símbolos, para, a partir disto, fazer analogias entre os mitos arcaicos e o material dos
sonhos do paciente.
Ao ampliarmos a imagem onírica, a tornamos acessível à interpretação, haja vista que,
possibilita-se com isto, uma visão mais profunda da imagem por meio de paralelos com toda a
produção simbólica do ser humano, presentes na mitologia, na religião, na arte, etc. Desta forma,
para Jung, o mito possibilita a amplificação da situação vivida pelo paciente, e isto possibilita sua
melhor compreensão, pois seus sonhos e fantasias têm a mesma raiz dos mitos arcaicos.
Como percebemos, o pensamento de Jung é de fundamental importância estudar o material
mitológico, presente na história da humanidade para adquirirmos um olhar
mais profundo do ser humano. A causa disso é o fato do mito ter a capacidade de expressar
conteúdos simbólicos que transmitem imagens significativas, que expressam e lidam com as
verdades dos homens de todos os tempos. A partir disso torna-se possível afirmar que Jung
compreende que ao se “mitologizar” a psique, possibilitamos uma melhor compreensão dos
processos psíquicos, pois o mito traz uma ampliação da situação existencial vivida pelo paciente
em análise.
ssim, enfatizaremos o mito do herói e sua relação com a estruturação da consciência, através do
desenvolvimento do ego. Em especial, abordaremos a imagem arquetípica do herói no mito de
Perseu e sua luta contra a Medusa. (Algo exclusivo da Mitologia Grega).
O estudo dos mitos na Psicologia Analítica
Os mitos e imagens simbólicas têm ganhado importância histórica por conta dos estudos
arqueológicos que buscam compreendê-los e interpretá-los, transmitindo um saber simbólico há
muito esquecido pelas sociedades ditas civilizadas. Tais pesquisas foram de suma relevância para
desmistificar o pensamento corrente que concebe os povos antigos como aculturados. (Jung,
1977).

Além disso, a partir dos estudos antropológicos podemos perceber muitos mitos da sociedade
moderna e contemporânea que encontram uma raiz paralela com as sociedades antigas. Um
exemplo disso é o mito do herói que passa por provações para alcançar um objetivo heróico. Os
heróis das mitologias arcaicas muito se assemelham aos heróis contemporâneos da indústria
cinematográfica (Homem de Ferro, Thor, etc.), o que demonstra que os mitos antigos não deixaram
de ter importância simbólica nos dias atuais.
A Psicologia Analítica de C.G. Jung foi a psicologia que mais contribuiu para o estudo do material
simbólico da humanidade. Jung fez várias viagens, conheceu várias culturas e com isso pôde
vislumbrar uma conexão universal entre os homens, uma herança psicológica construída ao longo
da evolução humana.

A herança psicológica universal é denominada por Jung de inconsciente coletivo.


Os conteúdos do inconsciente coletivo são denominados de arquétipos (tipos arcaicos) que surgem
na consciência como imagens simbólicas.

Através da concepção de inconsciente coletivo, Jung concebe que todos os homens, primitivos ou
modernos, compartilham de um conhecimento arquetípico universal. O inconsciente coletivo rompe
com a linearidade espaço-tempo, ampliando a visão do psiquismo para além da simples
causalidade.
A partir da análise onírica é possível o acesso ao material arquetípico do inconsciente, que de tão
arcaico não tem, muitas vezes, sentido para o homem moderno.

Deste modo, a análise é de grande importância para o resgate simbólico, para compreensão das
imagens oníricas e consequentemente para uma compreensão mais profunda de si mesmo. Para
tanto o analista deve ter um conhecimento amplo acerca da origem e do sentido dos símbolos,
para assim, fazer analogias entre os mitos arcaicos e o material onírico do paciente.
A metodologia da análise Junguiana é simbólico-analógica, ou seja, busca amplificar a imagem
simbólica, traçando relações de semelhança com outros símbolos, para melhor interpretá-los.

A amplificação da imagem onírica a torna acessível à interpretação, uma vez que promove uma
visão mais profunda desta por meio de paralelos com toda a produção simbólica da humanidade
(mitologia, religião, arte, etc). Assim, o mito possibilita a amplificação da situação vivida pelo
paciente, possibilitando sua melhor compreensão, uma vez que seus sonhos e fantasias têm a
mesma raiz dos mitos arcaicos. (Boechat, 2008).
O Homem e a Questão Simbólica
Jung ao estudar o homem arcaico em comparação ao homem civilizado, concluiu que ambos
sentem e percebem o mundo da mesma forma. O homem primitivo não vê o mundo de maneira
diferente do moderno, na verdade o que os difere são suas hipóteses, a forma como consideram
os eventos da natureza.

Para o homem moderno, os eventos podem ser explicados através de relações causais
perceptíveis. Já o homem primitivo, que tem uma visão mágica do mundo, explica tais eventos
através de termos não perceptíveis, sobrenaturais.

A crença nos poderes sobrenaturais, nas sociedades arcaicas, é devida, em parte, às projeções do
inconsciente sobre o mundo físico, de tal maneira que não há distinção entre as projeções e o
mundo objetivo.
Deste modo, enquanto o homem arcaico está inserido física e psiquicamente no seu mundo, o
homem moderno acredita estar apartado da natureza. O homem moderno enxerga o mundo de
maneira objetiva, negando sua realidade psíquica, ou seja, negando as projeções arcaicas do
inconsciente.

Nas sociedades tribais os mitos são vivos, pois cumprem sua função de dar sentido ao mundo como
nos explica:
“Os trabalhos de Malinowski deixaram clara a noção fundamental do mito vivo nas
sociedades tribais. Há uma importância essencial da mitologia na organização da vida diária
dessas culturas. Sem o mito, essas sociedades simplesmente não se organizariam. O
nascimento, a infância, o casamento, a caça e a guerra, o comércio e a morte, todas as
atividades, enfim, são ritualizadas e mitologizadas para ganharem sentido.” (Boechat, 2008, p.
19)
A grande importância dada à objetividade no mundo moderno em detrimento dos mitos constitui,
segundo Jung, um perigo ao mundo psíquico, uma vez que aqueles fazem parte do inconsciente
coletivo e agem como mediadores entre o consciente e o inconsciente.

Sobre a importância do mito como guia e auxilio para lidar com os conflitos, escreve:

“No mundo pré-moderno, a mitologia era indispensável. Ela ajudava as pessoas a encontrar
sentido em suas vidas, além de revelar regiões da mente humana que de outro modo
permaneceriam inacessíveis. Era uma forma inicial de psicologia. As histórias de deuses e
heróis que descem às profundezas da terra, lutando contra monstros e atravessando
labirintos, trouxeram à luz os mecanismos misteriosos da psique, mostrando as pessoas
como lidar com as crises íntimas. Quando Freud e Jung iniciaram a moderna investigação da
alma, voltaram-se instintivamente para a mitologia clássica para explicar suas teorias, dando
uma nova interpretação aos velhos mitos.” (Armstrong, p.15, 2005)
O homem antigo dava sentido ao mundo através dos mitos. Com a modernidade o homem perdeu
sua capacidade de produção simbólica, passando esta a ter uma importância psíquica, uma vez que
o inconsciente conserva essa capacidade. Deste modo, ligação entre os mitos arcaicos e os
símbolos do inconsciente é de grande valor para o trabalho analítico, uma vez que permite
interpretar os símbolos tanto em seu aspecto histórico–universal como no sentido psicológico,
como veremos na relação simbólica entre a saga do herói e o desenvolvimento egóico.
O Desenvolvimento do Ego e o Mito do Herói
O arquétipo do herói é algo muito presente na contemporaneidade. Nos filmes, novelas, livros, etc.,
as sagas heróicas são a todo tempo contadas e recontadas, o que demonstra seu aspecto
estruturador da psique. Os desafios do herói representam a luta do desenvolvimento do ego
frente às forças regressivas do inconsciente, como explica:

“Na luta travada pelo homem primitivo para alcançar a consciência, este conflito se exprime
pela disputa entre o herói arquetípico e os poderes cósmicos do mal, personificado por
dragões e outros monstros. No decorrer do desenvolvimento da consciência individual, a
figura do herói é o meio simbólico através do qual o ego emergente vence a inércia do
inconsciente, liberando o homem amadurecido do desejo regressivo de uma volta ao estado
de bem-aventurança da infância, em um mundo dominado por sua mãe.” (Henderson, p. 118,
1977).
Neumann (2000), em seus estudos sobre o desenvolvimento da consciência e sua emergência,
fala da condição primordial da totalidade, que seria o caos indiferenciado, onde não há
diferenciação entre a criança e a mãe, ou seja, o ego está contido no inconsciente, como a criança,
na mãe.

Assim, Neumann aborda a importância do vínculo mãe-filho, principalmente durante o primeiro


ano de vida da criança, pois nesse período, denominado de estado urobórico pós-uterino, o self
(a totalidade psíquica) da criança ainda está simbolicamente contido na mãe. Qualquer ruptura na
relação primal mãe-filho perturba a separação normal e oportuna do self da criança daquele da mãe
e resulta no desenvolvimento de um ego ferido, frágil e dependente.
O ego frágil, com insuficiente apoio interno da força organizadora e reguladora do self, é uma
presa fácil do narcisismo, da neurose e da psicose. Somente com um self positivamente ativado é
que pode haver suficiente apoio interno para permitir o desenvolvimento de um ego autêntico,
capaz de separar-se psicologicamente da mãe (e também do pai) e estabelecer um relacionamento
adequado e individual, tanto com o mundo interior quanto com o mundo exterior.

O self (o si mesmo), diferentemente do ego, que é o sujeito da consciência, é o sujeito de toda a


psique inconsciente. É também o arquétipo que representa a totalidade e o centro regulador da
psique, sendo frequentemente simbolizado por uma mandala ou uma união de opostos (como
seria o Tao na filosofia oriental). É do self, da totalidade psíquica, que emerge a consciência
individualizada do ego, à medida que o indivíduo se desenvolve.
Com isso, Jung define:
“O Self não só é o centro, mas também a circunferência inteira que abraça a consciência e o
inconsciente; é o centro desta totalidade, da mesma maneira que o ego é o centro de
consciência.” (JUNG, C.W. Vol. XXII, § 44, apud SHARP, 1997, p. 142)

Desse modo, o verdadeiro contato com o self seria obtido através do processo de individuação,
que é único para cada ser humano. O processo de individuação tem como objetivo desenvolver a
personalidade individual, o potencial que cada um tem dentro de si, a fim de conseguir discernir as
mensagens vindas do self que o guiarão à auto realização.
Segundo Von Franz:
“A experiência dessa extremidade mais elevada, ou centro, traz ao indivíduo um senso de
significado e de realização, na presença do qual ele pode aceitar a si mesmo e encontrar um
caminho intermediário entre os opostos presentes na natureza interior. Em vez de ser uma
pessoa fragmentada, obrigada a apegar-se a apoios coletivos, o indivíduo torna-se um ser
humano inteiro, autoconfiante, que já não precisa viver como um parasita do seu ambiente
coletivo, mas que enriquece e fortalece esse mesmo ambiente com sua presença.” (Von Franz,
1997, p. 63).

Assim, o ego frágil sente-se pressionado pelo mundo externo e busca meios de lidar com isso
agindo defensivamente, se desvirtuando do processo de individuação, apegando-se a apoios
coletivos. Pode recolher-se num estado exageradamente introvertido, retirando-se para o mundo
da fantasia, como perigo de ser inundado pelo inconsciente, ou pode perder o senso de interior por
um ajustamento exageradamente extrovertido, cedendo às pressões ambientais no seu agir.
(Weinrib, 1993).
Jung sugere em sua teoria uma relação simbólica entre o arquétipo materno e o inconsciente,
pois, como a mãe é fonte da vida física, também o inconsciente é a fonte da vida psicológica.
Portanto, a mãe e o inconsciente podem ser vistos como símbolos femininos equivalentes. O
impulso de retorno à mãe pode ser visto como um impulso de volta ao inconsciente. Sob certas
circunstâncias, isso pode ser regressivo, levando à neurose e à psicose; doença psicológica ou
morte. Em outras circunstâncias, ou seja, no processo de individuação, a regressão pode ser
temporária e em prol da renovação psicológica e do renascimento simbólico (“recuar para
saltar melhor”).
Sobre a regressão e o processo de cura, Jung diz:
“Parece que o processo de cura mobiliza essas forças para alcançar os seus objetivos. É que
as representações míticas, com seu simbolismo característico, atingem as profundezas da
alma humana, os subterrâneos da história, aonde a razão, a vontade e a boa intenção nunca
chegam. Isso porque elas também provêm daquelas profundezas e falam uma linguagem,
que, na verdade, a razão contemporânea não entende, mas mobilizam e põem a vibrar no
íntimo do homem. A regressão que poderia assustar-nos à primeira vista é, portanto, muito
mais um ‘reculer pour mieux sauter’, um concentrar e integrar forças, que no decorrer da
evolução vão constituir uma nova ordem.” (Jung, C.G. , 2007, p. 13).

Assim, a diferenciação do ego do inconsciente, não se dá de forma absoluta, uma vez que o ego
necessita recuar para restabelecer suas relações com o self, de modo a preservar sua saúde
psíquica. Em alguns mitos o herói deve passar continuamente pelas trevas, por provações, para
posteriormente vencer o monstro.
As provações do herói representam sua morte simbólica para posterior renascimento, pois
permitem ao “ego-herói”, o contato com sua sombra, os aspectos ocultos, reprimidos da
personalidade. Através da morte simbólica (katábase ou rito iniciático), o herói passa a ter maior
conhecimento de suas forças e fraquezas, alcançando a maturidade necessária para transpor os
desafios de sua jornada.

Deste modo, o símbolo do herói representa uma tentativa do inconsciente de levar a libido
regressiva para um ato criativo, mostrando assim o caminho para a solução do conflito. Assim, o
arquétipo do herói está associado aos ritos de passagem, fundamentais para estruturação da
consciência, através do mitologema do herói que mata o monstro, como veremos no mito de
Perseu que mata a Medusa.
O Mito de Perseu: Uma Visão Mítica Acerca do Desenvolvimento do Ego.
Na perspectiva Junguiana, o estudo do material mitológico, presente na história da humanidade, é
fundamental para um olhar mais profundo do ser humano. Isso se deve ao fato do mito expressar
estórias simbólicas que transmitem imagens significativas, que tratam das verdades dos homens
de todos os tempos. (Boechat, 2008).

Jung compreende que ao se “mitologizar” a psique, possibilitamos uma melhor compreensão dos
processos psíquicos, uma vez que o mito traz uma ampliação da situação existencial vivida pelo
paciente em análise.

Assim, seguindo essa proposta analisaremos o mito de Perseu e sua luta contra a Medusa, que
simboliza o desenvolvimento do ego frente os aspectos regressivos do inconsciente.

Neste mito, Perseu é incumbido de trazer para o rei Polidectes, seu padrasto, a cabeça de
Medusa, ser monstruoso com cabelos de serpente. Esta, por transformar em pedra todos que a
olham, representa o arquétipo da mãe devoradora e sua influência regressiva que aprisiona seus
filhos.

O rei Polidectes pretendia se livrar de Perseu enviando-o para tal missão. Polidectes, com medo de
ser destronado por Perseu, propôs um torneio no qual o vencedor seria quem trouxesse a cabeça
da Medusa, e o instinto aventureiro de Perseu não o deixou recusar.

O herói representa a natureza humana, que muitas vezes em sua imperfeição, é dominado pela
vaidade, pelo orgulho (hybris), lançando-se em missões sobre-humanas, muito além de sua
capacidade. Daí surgir seres superiores, divinos, para proteger e auxiliar o herói em sua jornada.
Esses seres divinos são representações do self que possibilitam ao ego o alcance de um novo
estado de consciência.

No mito em questão, Perseu foi vitorioso graças à ajuda de Atena, Hades e Hermes, seus deuses
tutelares. Atena deu a ele um escudo tão bem polido, que podia se ver o reflexo ao olhar para ele,
Hades lhe deu um capacete que torna invisível quem o usa, e Hermes deu a ele suas sandálias
aladas, objetos que foram definitivos para a vitória de Perseu.

O escudo de Atena, semelhante a um espelho, foi o instrumento fundamental no confronto com a


Medusa, uma vez que simboliza a reflexão, aspecto necessário a Perseu.

Atena (Minerva, na mitologia romana) na mitologia grega era filha de Zeus, nascida de sua cabeça.
Ela é conhecida como a deusa da inteligência e sabedoria (além de ser a deusa que preside as
artes e os trabalhos manuais). No mito Atena representa o arquétipo da anima de Perseu, sua
contraparte feminina, sua guia ou mediadora entre o mundo interior e o self.

Atena representa a mãe superior ou espiritual que auxilia seu filho na passagem da infância para
a vida adulta. Assim, podemos perceber no mito de Perseu os dois aspectos do arquétipo materno:
devorador (Medusa) e o transformador (Atena). (WOOLGER, 1987).

Medusa representa a mãe terrível, devoradora, que paralisa seus filhos, permanecendo em estado
caótico e inconsciente. Desse modo, a luta contra a Medusa nos alude ao processo de integração
do ego, através da saída do estado urobórico, onde não há diferenciação entre a consciência e o
inconsciente. A petrificação da Medusa nos remete aos estados psicóticos de extrema regressão
presentes nas formas graves de esquizofrenia (estupor catatônico). (Boechat,W., 2008).

Por fim, a deusa Atena representa os aspectos transformadores do self, pois cede o instrumento
capaz de vencer a petrificação, através do olhar indireto do reflexo do espelho.

O escudo de Atena possibilita o movimento, a criatividade, a reflexão, ou seja, é o instrumento


que mobiliza a transformação psíquica, para um novo estado de ser, mais consciente e
diferenciado.

Considerações Finais
Na perspectiva Junguiana o conhecimento dos mitos é importante para melhor compreensão do
material arquetípico que irrompe ao longo do trabalho analítico. Assim, o propósito da Psicologia
Analítica não é valer-se dos mitos para explicar a clínica de um paciente, ou pior, de vários
pacientes.
Na verdade, a Psicologia Analítica propõe uma amplificação dos símbolos em análise, através do
método simbólico-analógico. Este método orienta-se a partir da percepção do material que provém
do inconsciente do analisando, através de símbolos oníricos, da expressão plástica ou, por outras
técnicas terapêuticas, não se restringindo as interpretações gerais e deterministas.

Afirmamos isso por compreendermos que este método orienta-se a partir da percepção do material
provindo do inconsciente daquele que está em análise, através de símbolos oníricos, da expressão
plástica ou, por outras técnicas terapêuticas, não se restringindo as interpretações gerais e pior,
deterministas.
Deste modo, o estudo dos mitos e dos símbolos do inconsciente é, para Jung, a chave que abre a
porta que nos dá acesso a um conhecimento profundo do ser humano, que vai além do sensível e/ou
palpável e do racional, que possibilita o religar do homem consigo mesmo e com a humanidade
como um todo.

CARVALHO, Flávio de. Os Mitos: Fontes Simbólicas. Disponível em: https://www.jungnapratica.com.br/os-mitos/; Modificado em 11 de
outubro de 2017; acessado em 08/10/2021 às 18:04
Psicologia analítica
Psicologia analítica, também conhecida como psicologia junguiana ou psicologia complexa, é um
ramo de conhecimento e prática da Psicologia, iniciado por Carl Gustav Jung. Ela enfatiza a
importância da psique, do inconsciente, dos arquétipos e do processo de individuação.[1][2] Ela se
distingue da psicanálise, iniciada por Freud, e da psicologia de Adler e seus contemporâneos, por
uma noção diferenciada e abrangente da libido, a conceituação do inconsciente coletivo e o
surgimento da função transcendente.[3]

Conceitos importantes no sistema de Jung são individuação, símbolos, o inconsciente pessoal, o


inconsciente coletivo, arquétipos, sincronicidade, complexos, a persona, a sombra, a anima e o
animus, e o Self.[3]

A psicologia analítica foi desenvolvida com base na experiência psiquiátrica de Jung, nos estudos de
Freud e no amplo conhecimento que Jung tinha das tradições da alquimia, da mitologia e do estudo
comparado da história das religiões, as quais ele veio a compreender como autorrepresentações de
processos psíquicos inconscientes.

Costuma-se dizer que diferentemente de Freud, Jung via o inconsciente não apenas como um
repositório das memórias e das pulsões reprimidas, mas também como um sistema passado de
geração em geração, vivo, em constante atividade, contendo todo o esquecido e também
neoformações criativas organizadas segundo funções coletivas e herdadas. O inconsciente coletivo
que propõe não é, apesar das incessantes interpretações de seus críticos, composto por memórias
herdadas, mas sim por predisposições funcionais de organização do psiquismo (comparáveis às
condições a priori da experiência, de Kant).[3]

As teorias de Jung foram investigadas e elaboradas por Toni Wolff, Marie-Louise von Franz, Jolande
Jacobi, Aniela Jaffé, Erich Neumann, James Hillman, Anthony Stevens e Nise da Silveira.

História

Jung iniciou sua carreira como psiquiatra em Zurique, Suíça. Lá, ele realizou uma pesquisa para o
Experimento de Associação de Palavras na Clínica Burghölzli. A pesquisa de Jung lhe rendeu uma
reputação mundial e inúmeras honras, incluindo um diploma honorário da Universidade Clark,
Massachusetts, em 1904; outro diploma honorário da Universidade de Harvard em 1936;
reconhecimento da Universidade de Oxford e da Universidade de Calcutá; e nomeação como
membro da Royal Society of Medicine, Inglaterra.

Quando Jung conheceu a obra de Freud, identificou-se com grande parte de suas ideias e logo quis
conhecê-lo. Em 1907, Jung conheceu Freud em Viena, Áustria, e a admiração foi mútua, pois Freud
rapidamente recebeu o jovem como seu colaborador e um dos defensores de suas ideias. Por seis
anos, os dois estudiosos trabalharam juntos e, em 1911, fundaram a Associação Psicanalítica
Internacional, da qual Jung foi o primeiro presidente. Devemos lembrar que Freud enfrentava grande
resistência do mundo científico às suas ideias e, em contrapartida, Jung já tinha reconhecimento no
mundo acadêmico pelos seus estudos com associações de palavras que deram origem ao polígrafo
e foram a base teórica experimental para a comprovação dos complexos. Freud, em sua obra, atribui
este termo a Jung. No entanto, no início da colaboração, Jung observou que Freud não toleraria
ideias diferentes das suas. A parceria durou pouco, pois Jung mostrava-se insatisfeito com algumas
das posições de Freud, especialmente a teoria da libido e sua relação com os traumas. Em 1912, a
Psicologia do Inconsciente de Jung (Wandlungen und Symbole der Libido) foi publicada (reeditada
como Símbolos da Transformação em 1952) (C.W. Vol. 5). As ideias inovadoras da obra
contribuíram para uma nova base em psicologia, bem como para o fim da amizade entre Jung e
Freud em 1913. Os dois estudiosos continuaram seu trabalho sobre desenvolvimento da
personalidade de forma independente: a abordagem de Jung é chamada de Psicologia Analítica (em
alemão: analytische Psychologie) e a abordagem de Freud é chamada de Escola Psicanalítica
(psychoanalytische Schule), que ele fundou.

Ao contrário da maioria dos psicólogos modernos, Jung não acreditava que experimentos usando
ciências naturais fossem o único meio de obter uma compreensão da psique humana. Ele viu como
evidência empírica o mundo dos sonhos, mitos e folclore como o caminho promissor para uma
compreensão e um significado mais profundos. A escolha desse método está relacionada à escolha
do objeto de sua ciência. Como Jung disse: "A beleza do inconsciente é que ele é realmente
inconsciente."[4] Portanto, o inconsciente seria 'intocável' por pesquisas experimentais, ou mesmo
qualquer tipo possível de alcance científico ou filosófico, precisamente porque é inconsciente.

Embora o inconsciente não possa ser estudado usando abordagens diretas, é, de acordo com Jung,
pelo menos, uma hipótese útil. Seu inconsciente postulado era bem diferente do modelo proposto
por Freud, apesar da grande influência que o fundador da psicanálise exercia sobre Jung. A
diferença mais conhecida é a suposição do inconsciente coletivo (ver também arquétipos
junguianos), embora a proposta de Jung de inconsciente coletivo e arquétipos tenha sido baseada
na suposição da existência de padrões psíquicos (mentais). Esses padrões incluem conteúdos
conscientes - pensamentos, memórias etc. - da experiência de vida. Eles são comuns para todos os
seres humanos. Sua prova do vasto inconsciente coletivo era seu conceito de sincronicidade, uma
conexão inexplicável e misteriosa que todos compartilharíamos.

O objetivo primordial da psicologia junguiana é a conquista do eu (Self) através da individuação.


Jung define "Self" como o "arquétipo da totalidade e o centro regulador da psique". Central para esse
processo é o encontro do indivíduo com sua psique e a introdução de seus elementos na
consciência. Os seres humanos experienciam o inconsciente através de símbolos encontrados em
todos os aspectos da vida: nos sonhos, na arte, na religião e nos dramas simbólicos que
representamos em nossos relacionamentos e atividades de vida. Essencial para esse encontro
numinoso é a fusão da consciência do indivíduo com a consciência coletiva por meio dessa
linguagem simbólica. Ao trazer consciência atenta para o que não é consciente, os elementos
inconscientes podem ser integrados à consciência quando "emergem".

A "neurose" resulta de uma desarmonia entre a (in)consciência do indivíduo e seu Self superior. A
psique é um sistema adaptativo autorregulador. Os seres humanos são sistemas energéticos e, se a
energia é bloqueada, a psique fica presa ou doente. Se a adaptação é impedida, a energia psíquica
para de fluir e regride. Esse processo se manifesta em neurose e psicose. O conteúdo psíquico
humano é complexo e profundo. Eles podem cismar, dividir e formar complexos que assumem a
personalidade de um indivíduo. Jung propôs que isso ocorre através de uma adaptação inadequada
às realidades externas ou internas. Os princípios de adaptação, projeção e compensação são
processos centrais na visão de Jung da capacidade de adaptação da psique.

O objetivo da psicoterapia é ajudar o indivíduo a restabelecer um relacionamento saudável com o


inconsciente: nem inundado por ele (característica da psicose, como a esquizofrenia), nem
desequilibrado em relação a ele (como na neurose, um estado que resulta em depressão, ansiedade
e distúrbios de personalidade).
Para passar pelo processo de individuação, os indivíduos devem estar abertos para as partes de si
mesmos além do próprio ego. O indivíduo moderno cresce continuamente na consciência psíquica
por meio da atenção aos sonhos, da exploração da religião e da espiritualidade e questionando as
suposições do mundo social operante, ao invés de apenas cegamente viver a vida de acordo com as
normas e suposições dominantes.

Definição

A teoria da energia psíquica de Jung se pretende ao mesmo tempo diacrônica e sincrônica, causal e
final, introvertida e extrovertida, redutiva e construtiva, etc. Mas na fenomenologia dos complexos
apresenta o contexto de forças entre as exigências do individual e do coletivo a qual somos
submetidos e que apontam para um lado de cada uma das oposições elencadas há pouco. São
específicos à psicologia analítica ainda a introdução de conceitos como arquétipo, complexo,
símbolo, tipos psicológicos, inconsciente pessoal, inconsciente coletivo, sincronicidade e
individuação.[5] Sua prática clínica não vê os sonhos como via régia do inconsciente (como já
postulou Freud um dia em relação à psicanálise) e sim nos complexos um caminho privilegiado aos
conteúdos do Inconsciente e, segundo Carl Jung, seria a única psicologia que levou adiante dois
legados de Freud, a saber: a pesquisa sobre os resíduos arcaicos e a sexualidade.

De um ponto de vista epistemológico, segundo Paolo Francesco Pieri, a Psicologia Analítica é uma
"denominação que Jung atribui em 1911 à psicologia das relações entre consciência e inconsciente,
e em particular à reflexão sobre o método e sobre a verdade da psicanálise. Para Jung existe
psicologia analítica quando no exercício da psicanálise existirem contemporaneamente as seguintes
condições teórico-práticas, que se remetem entre si:

1. todo processo cognoscitivo deve evidenciar as funções autocognoscitivas peculiares, isto é,


todo conhecimento psicológico do outro deve mostrar ligação circular com o conhecimento de
si próprio;

2. todo conhecimento (tanto de si como do outro e do mundo) deve ser positivamente crítico não
apenas do sujeito que o pronúncia, mas também da cultura em que pode ser pronunciado;

3. todo processo de verificação da verdade deve estar consciente não apenas do enunciador e
da cultura na qual, e pela qual, as coisas foram tornadas pronunciáveis, mas deve empenhar
em primeiro lugar e eticamente, o sujeito particular que o veicula".[6]

Fundamentos
A suposição básica é que o inconsciente pessoal é uma parte potente - provavelmente a parte mais
ativa - da psique humana normal. A comunicação confiável entre as partes consciente e inconsciente
da psique é necessária para a totalidade.
Também crucial é a crença de que os sonhos mostram ideias, crenças e sentimentos que os
indivíduos não estão prontamente conscientes, mas precisam estar, e que esse material é expresso
em um vocabulário personalizado de metáforas visuais. Coisas 'conhecidas mas desconhecidas'
estão contidas no inconsciente, e os sonhos são um dos principais veículos para o inconsciente
expressá-las.
A psicologia analítica distingue entre um inconsciente pessoal e um inconsciente coletivo. O
inconsciente coletivo contém arquétipos comuns a todos os seres humanos. Ou seja, a individuação
pode trazer à tona símbolos que não se relacionam às experiências de vida de uma única pessoa.
Esse conteúdo é mais facilmente visto como respostas às questões mais fundamentais da
humanidade: vida, morte, significado, felicidade, medo. Entre esses conceitos mais espirituais podem
surgir e ser integrados à personalidade.

Inconsciente coletivo
O conceito de inconsciente coletivo de Jung muitas vezes tem sido mal compreendido, e é
relacionado aos arquétipos junguianos. O termo apareceu pela primeira vez em 1916 no ensaio de
Jung "A Estrutura do Inconsciente".[7] O ensaio distingue entre o inconsciente "pessoal", freudiano,
repleto de fantasias e imagens reprimidas, e o inconsciente "coletivo", abrangendo a alma da
humanidade em geral.[8]
Em "A Significância da Constituição e Hereditariedade em Psicologia" (Novembro de 1929), Jung
escreveu:
“E o essencial, psicologicamente, é que, em sonhos, fantasias e outros estados mentais
excepcionais, os motivos e símbolos mitológicos mais absurdos podem aparecer de forma autóctone
a qualquer momento, muitas vezes, aparentemente, como resultado de influências particulares,
tradições e excitações trabalhando no indivíduo, mas mais frequentemente sem nenhum sinal delas.
Essas "imagens primordiais" ou "arquétipos", como eu os chamei, pertencem ao estoque básico da
psique inconsciente e não podem ser explicadas como aquisições pessoais. Juntos, eles formam o
estrato psíquico que foi chamado de inconsciente coletivo. A existência do inconsciente coletivo
significa que a consciência individual é tudo menos uma tabula rasa e não é imune a influências
predeterminantes. Pelo contrário, é no mais alto grau influenciado por pressuposições herdadas,
além das influências inevitáveis exercidas sobre ele pelo meio ambiente. O inconsciente coletivo
compreende em si a vida psíquica de nossos ancestrais, desde os primórdios. É a matriz de todas as
ocorrências psíquicas conscientes e, portanto, exerce uma influência que compromete a liberdade de
consciência no mais alto grau, pois está continuamente se esforçando para levar todos os processos
conscientes de volta aos velhos caminhos.[9]”

Arquétipos
O uso de arquétipos psicológicos foi avançado por Jung em 1919. Na estrutura psicológica de Jung,
os arquétipos são protótipos universais inatos de ideias e podem ser usados para interpretar
observações. Um grupo de memórias e interpretações associadas a um arquétipo é um complexo, p.
ex. um complexo mãe associado ao arquétipo mãe. Jung tratou os arquétipos como órgãos
psicológicos, análogos aos físicos, pois ambos são dados morfológicos que surgiram através da
evolução.
Os arquétipos são coletivos bem como individuais, e podem crescer por conta própria e se
apresentar de várias maneiras criativas. Jung, em seu livro Memórias, Sonhos, Reflexões, afirma
que ele começou a ver e conversar com uma manifestação de sua anima e que ela o ensinou a
interpretar sonhos. Assim que ele conseguiu interpretar sozinho, Jung disse que ela parou de falar
com ele porque não era mais necessária.

Autorrealização e neuroticismo
Uma necessidade inata de autorrealização leva as pessoas a explorarem e integrarem essas partes
renegadas de si mesmas. Esse processo natural é chamado de individuação, ou o processo de se
tornar um indivíduo.
Segundo Jung, a autorrealização é alcançada através da individuação. A dele é uma psicologia
adulta, dividida em duas camadas distintas. Na primeira metade de nossas vidas, nos separamos da
humanidade. Tentamos criar nossas próprias identidades ("eu", "eu mesmo"). É por isso que existiria
tal necessidade de homens jovens serem destrutivos e que pode ser expressa como animosidade
por parte dos adolescentes direcionados aos pais. Jung também disse que temos uma espécie de
"segunda puberdade" que ocorre entre os 35 e 40 anos: as perspectivas mudam da ênfase no
materialismo, na sexualidade e em ter filhos para preocupações com a comunidade e a
espiritualidade.
Na segunda metade de nossas vidas, os humanos se reúnem com a raça humana. Eles se tornam
parte do coletivo mais uma vez. É quando os adultos começam a contribuir para a humanidade
(tempo de voluntariado, construção, jardinagem, criação de arte etc.) em vez de destruição. Eles
também são mais propensos a prestar atenção aos seus sentimentos inconscientes e conscientes.
Os rapazes raramente dizem "sinto raiva" ou "estou triste". Isso ocorre porque ainda não voltaram à
experiência coletiva humana, comumente restabelecida em seus anos mais velhos e sábios, de
acordo com Jung. Um tema comum é que os jovens rebeldes "busquem" seus verdadeiros eus e
compreendam que uma contribuição para a humanidade é essencialmente uma necessidade para
um self integral.
Jung propõe que o objetivo final do inconsciente coletivo e da autorrealização é nos levar à
experiência mais elevada. Isso, é claro, é espiritual.
Se uma pessoa não procede ao autoconhecimento, podem surgir sintomas neuróticos. Os sintomas
são amplamente definidos, incluindo, por exemplo, fobias, psicose e depressão.
Sombra
A sombra é um complexo inconsciente definido como as qualidades reprimidas, suprimidas ou
repudiadas do eu consciente. Segundo Jung, o ser humano lida com a realidade da sombra de
quatro maneiras: negação, projeção, integração e/ou transmutação. Segundo a psicologia analítica,
a sombra de uma pessoa pode ter aspectos construtivos e destrutivos. Em seus aspectos mais
destrutivos, a sombra pode representar as coisas que as pessoas não aceitam sobre si mesmas. Por
exemplo, a sombra de alguém que se identifica como sendo gentil pode ser dura ou cruel. Por outro
lado, a sombra de uma pessoa que se considera brutal pode ser suave. Em seus aspectos mais
construtivos, a sombra de uma pessoa pode representar qualidades positivas ocultas. Isso tem sido
referido como o "ouro na sombra". Jung enfatizou a importância de estar ciente do material das
sombras e incorporá-lo à consciência para evitar projetar qualidades das sombras nos outros.
A sombra nos sonhos é frequentemente representada por figuras sombrias do mesmo sexo que o
sonhador.[10]
A sombra também pode estar relacionada a grandes figuras na história do pensamento humano ou
mesmo mestres espirituais, que se tornaram grandes por causa de suas sombras ou por sua
capacidade de viver suas sombras (ou seja, suas falhas inconscientes) por completo sem
reprimi-las.[11]

Anima e animus
Jung identificou a anima como sendo o componente feminino inconsciente dos homens e o animus
como o componente masculino inconsciente nas mulheres. No entanto, isso raramente é tomado
como uma definição literal: muitos praticantes junguianos modernos acreditam que toda pessoa tem
uma anima e um animus, e Jung considerou por exemplo um "animus da anima" em homens, em
sua obra Aion e em uma entrevista em que ele diz:
"Sim, se um homem realiza o animus de sua anima, então o animus é um substituto para o velho
homem sábio. Veja, o ego dele está em relação ao inconsciente, e o inconsciente é personificado por
uma figura feminina, a anima. Mas no inconsciente há também uma figura masculina, o velho sábio,
e essa figura está relacionada à anima como seu animus, porque ela é uma mulher. Assim, alguém
poderia dizer que o velho sábio estava exatamente na mesma posição que o animus para uma
mulher."[12]”
Jung afirmou que a anima e o animus atuam como guias para o Self unificado inconsciente, e que
formar uma consciência e uma conexão com a anima ou o animus é um dos passos mais difíceis e
gratificantes do crescimento psicológico. Jung relatou que ele identificou sua anima quando ela falou
com ele, como uma voz interior, inesperadamente um dia.
Frequentemente, quando as pessoas ignoram os complexos anima ou animus, a anima ou o animus
competem por atenção, projetando-se nos outros. Isso explica, de acordo com Jung, por que às
vezes somos imediatamente atraídos por certos estranhos: vemos nossa anima ou animus neles. O
amor à primeira vista é um exemplo de projeção de anima e animus. Além disso, pessoas que se
identificam fortemente com seu papel de gênero (por exemplo, um homem que age agressivamente
e nunca chora) não reconheceram ou envolveram ativamente sua anima ou animus.
Jung atribui o pensamento racional humano à natureza masculina, enquanto o aspecto irracional é
considerado uma mulher natural (sendo racional definido como envolvendo julgamento, irracional
sendo definido como envolvendo percepções). Consequentemente, o humor irracional é a progênie
da sombra da anima masculina e as opiniões irracionais da sombra do animus feminino.
Velho sábio/velha sábia
"Após o confronto com a imagem da alma, o aparecer do velho sábio, a personificação do princípio
espiritual, pode ser distinguido como o próximo marco do desenvolvimento interior."[13] Como
arquétipos do inconsciente coletivo, tais figuras podem ser vistas como, "em termos psicológicos,
uma personificação simbólica do Self".[14]
Psicanálise
A análise é uma maneira de experimentar e integrar o material desconhecido. É uma busca pelo
significado de comportamentos, sintomas e eventos. Muitos são os canais para alcançar esse maior
autoconhecimento. A análise dos sonhos é a mais comum. Outros podem incluir expressar
sentimentos em obras de arte, poesia ou outras expressões de criatividade.
Dar uma descrição completa do processo de interpretação e individuação dos sonhos é complexo. A
natureza da complexidade está no fato de o processo ser altamente específico para a pessoa que o
realiza.
Enquanto a psicanálise freudiana pressupõe que o material reprimido escondido no inconsciente é
dado por instintos sexuais reprimidos, a psicologia analítica tem uma abordagem mais geral. Não há
suposição pré-concebida sobre o material inconsciente. O inconsciente, para analistas junguianos,
pode conter impulsos sexuais reprimidos, mas também aspirações, medos etc
Tipos psicológicos
A psicologia analítica distingue vários tipos ou temperamentos psicológicos.

 Extravertido

 Introvertido
Segundo Jung, a psique é um aparato para adaptação e orientação e consiste em várias funções
psíquicas diferentes. Entre elas, ele distingue quatro funções básicas:[15]

 Sensação - Percepção por meio dos órgãos dos sentidos

 Intuição - Perceber de maneira inconsciente ou percepção de conteúdos inconscientes

 Pensamento - Função da cognição intelectual; a formação de conclusões lógicas

 Sentimento - Função de estima subjetiva


As funções de pensamento e sentimento são racionais, enquanto as funções de sensação e intuição
são irracionais.
Nota: Há ambiguidade no termo "racional" que Carl Jung atribuiu às funções de
pensamento/sentimento. Tanto o pensamento quanto o sentimento, independentemente da
orientação (ou seja, introvertido/extrovertido), empregam/utilizam/são direcionados por terminologia
flexível, por um construto/processo 'lógico' subjacente, do tipo SE/ENTÃO (como em SE X, ENTÃO
Y), para formar julgamentos. Esse constructo/processo subjacente não é diretamente observável em
estados normais de consciência, especialmente quando envolvido em pensamentos/sentimentos.
Pode ser entendido meramente como um conceito/abstração durante uma reflexão ponderada.
Sensação e intuição são funções "irracionais" simplesmente porque não empregam o
processo/construto lógico subjacente mencionado acima.
Complexos
No início da carreira de Jung, ele cunhou o termo e descreveu o conceito de "complexo". Jung afirma
ter descoberto o conceito durante seus experimentos de livre associação e resposta galvânica da
pele. Freud obviamente adotou esse conceito em seu complexo de Édipo, entre outros. Jung parecia
ver os complexos como partes bastante autônomas da vida psicológica. É quase como se Jung
estivesse descrevendo personalidades separadas dentro do que é considerado um único indivíduo,
mas equiparar o uso de complexos de Jung a algo semelhante ao transtorno de personalidade
múltipla seria um passo fora dos limites.
Jung viu um arquétipo como sempre sendo a estrutura organizadora central de um complexo. Por
exemplo, em um "complexo mãe negativo", o arquétipo da "mãe negativa" seria visto como central
para a identidade desse complexo. Isto é, nossas vidas psicológicas são modeladas em experiências
humanas comuns. Jung viu o Ego (sobre o qual Freud escreveu em alemão literalmente como o
"eu", a experiência consciente de si mesmo) como um complexo. Se o "eu" é um complexo, qual
pode ser o arquétipo que o estrutura? Jung, e muitos junguianos, podem dizer "o herói", aquele que
se separa da comunidade para, finalmente, levar a comunidade adiante.
Teorias clínicas
Os escritos de Jung foram estudados por pessoas de muitas origens e interesses, incluindo teólogos,
pessoas das humanidades e mitólogos. Jung muitas vezes parecia procurar fazer contribuições para
vários campos, mas ele era principalmente um psiquiatra praticante, envolvido durante toda a sua
carreira no tratamento de pacientes. Uma descrição da relevância clínica de Jung é abordar o núcleo
de seu trabalho.
Jung iniciou sua carreira trabalhando com pacientes hospitalizados com grandes doenças mentais,
principalmente esquizofrenia. Ele estava interessado nas possibilidades de uma "toxina cerebral"
desconhecida que poderia ser a causa da esquizofrenia. Mas a maior parte e o cerne da carreira
clínica de Jung foram ocupados com o que poderíamos chamar hoje de psicoterapia psicodinâmica
individual, em grosso modo muito na linha da prática psicanalítica formada pela primeira vez por
Freud.
É importante afirmar que Jung parecia muitas vezes ver seu trabalho não como uma psicologia
completa em si, mas como sua contribuição única para o campo da psicologia. No final de sua
carreira, Jung afirmou que apenas por um terço de seus pacientes ele usou a "análise junguiana".
Por outro terço, a psicologia freudiana parecia atender melhor às necessidades do paciente e, no
terceiro, a análise adleriana final foi mais apropriada. De fato, parece que a maioria dos clínicos
junguianos contemporâneos fundem uma teoria fundamentada no desenvolvimento, como a
psicologia do Self ou o trabalho de Donald Winnicott, com as teorias junguianas, a fim de ter um
repertório teórico "completo" para o trabalho clínico real.
O "eu" ou ego é tremendamente importante para o trabalho clínico de Jung. A teoria da etiologia da
psicopatologia de Jung quase poderia ser simplificada como sendo declarada como uma atitude
consciente muito rígida em relação a toda a psique. Ou seja, um episódio psicótico pode ser visto de
uma perspectiva junguiana como o "resto" da psique dominando a psique consciente, porque a
psique consciente estava efetivamente bloqueando e reprimindo a psique como um todo.
Pós-junguianos
A Psicologia Analítica conheceu, depois da estruturação por C. G. Jung, um grande desenvolvimento
nos chamados pós-junguianos, os quais ampliaram a visão de Jung. Merece destaque neste
desenvolvimento a Escola Desenvolvimentista que estudou o desenvolvimento humano desde o
nascimento até a fase adulta e que tem como fonte a Escola Junguiana de Londres e a pessoa de
Michael Fordham com sua obra "A criança como indivíduo" e também a pessoa de Erich Neumann
com a obra "A criança". Além desta, há também a psicologia arquetípica que é fruto do trabalho de
James Hillman, o qual, explora e desenvolve ao máximo a importância dos arquétipos na vida das
pessoas. Ainda no contexto da escola arquetípica, autores contemporâneos, como Fragoso
Guimarães e Rocha Filho [1], têm relacionado a Psicologia Analítica à Física, na linha de pesquisa
Física e Psicologia, introduzida em nível de pós-graduação em muitos cursos avançados de
psicologia analítica e transpessoal. Marie-Louise von Franz foi uma das mais importantes
colaboradoras de Jung, e após sua morte desenvolveu um amplo trabalho abordando temas como a
alquimia, a interpretação psicológica dos sonhos e dos contos de fadas. Franz colaborou com o
trabalho da esposa de Jung, a também analista, Emma Jung.[16] Outra importante analista foi Nise
da Silveira, psiquiatra brasileira contrária ao tratamento agressivo nos hospitais psiquiátricos de sua
época. Nise criou o Museu de Imagens do Inconsciente, o qual possuía obras de arte manuais e
plásticas de pacientes psiquiátricos, relacionando-os com a teoria do seu tutor, Jung.
_________. Psicologia Analítica. Acessível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Psicologia_analítica. Modificada em 18/04/2021 às 02:54. Acessada
em 08/10/2021 às 18:44.
Arquétipo
Arquétipo (do grego ἀρχή - arché: "ponta", "posição superior", "princípio", e τύπος - tipós:
"impressão", "marca", "tipo") é um conceito que representa o primeiro modelo de algo, protótipo, ou
antigas impressões sobre algo.[1] É explorado em diversos campos de estudo, como a filosofia,
psicologia e a narratologia.
Na filosofia, o termo archetypos é usado por filósofos neoplatônicos, como Plotino, que segundo a
concepção de Platão, designa as ideias como modelos originários de todas as coisas existentes.[1]
Ele é recorrente também entre médio platônicos, como nas cartas de Cícero e em Plutarco.[2][3] Na
filosofia teísta (crença em Deus) e vertentes, através da confluência entre neoplatonismo, ou
platonismo cristão, e o cristianismo (aspectos espirituais e cosmológicos platônicos) o termo indica
ideias da mente de um Deus.[1] Difundido por Santo Agostinho, provavelmente por influência dos
escritos do filósofo neoplatônico Porfírio de Tiro, discípulo de Plotino.
Na psicologia analítica, é um conceito criado pelo suíço Carl Gustav Jung para se referir a conjuntos
de imagens psicoides primordiais que dão sentido aos complexos mentais e às histórias passadas
entre gerações, formando o conhecimento e o imaginário do inconsciente coletivo;[4] agem como
estruturas inatas, imateriais, com que os fenômenos psíquicos tendem a se moldar, e servem de
matriz para a expressão e desenvolvimento da psique. Também é associado a experiências
universais, como nascimento e morte.[4] Jung cita precedentes do uso do termo entre Plotino, Fílon,
Ireneu, Dionísio Areopagita e o Corpus Hermeticum.[5]
Platonismo
As origens da hipótese arquetípica datam de Platão. As ideias de Platão ou os chamados eidos
platônicos eram formas mentais puras que foram impressas na alma antes de nascer no mundo.
Alguns filósofos também traduzem o arquétipo como "essência", a fim de evitar confusão com
relação à conceitualização das Formas por Platão.[6] Embora seja tentador pensar nas Formas
como entidades mentais (ideias) que existem apenas em nossa mente, o filósofo insistiu que elas
são independentes de quaisquer mentes (atuais).[6] As Ideias seriam coletivos no sentido de
incorporarem as características fundamentais de uma coisa (qualidade universal) e não suas
peculiaridades específicas (particulares).
No diálogo Parmênides de Platão, as Ideias primordiais são chamadas na narrativa por Sócrates de
"paradigmas" (paradeigmata):[7]
“São como padrões (παραδείγματα) estabelecidos na natureza e outras coisas assemelham-se a
eles e são semelhanças; e essa participação das Formas é, por outras coisas, simplesmente estar
modelado nelas." -Parmênides 132d
Plotino utiliza tanto paradeigma (παράδειγμα) quanto archetypos (ἀρχέτυπον) para se referir às
Formas.[7] No século XVII, Sir Thomas Browne e Francis Bacon empregam a palavra "arquétipo" em
seus escritos; Browne em The Garden of Cyrus (1658) tentou descrever arquétipos ao usar nomes
próprios simbólicos.
Carl Gustav Jung identificou as ideias platônicas como a versão filosófica daquilo que ele incorporou
como arquétipos do inconsciente.[8]
Psicologia analítica
Para Jung, arquétipo é uma espécie de imagem primordial - apriorística - incrustada profundamente
no inconsciente coletivo da humanidade, refletindo-se (projetando-se) em diversos aspectos da vida
humana, como sonhos e até mesmo narrativas. Ele explica que "no concernente aos conteúdos do
inconsciente coletivo, estamos tratando de tipos arcaicos - ou melhor - primordiais, isto é, de
imagens universais que existiram desde os tempos mais remotos".[9]
Jung deduz que as "imagens primordiais" - outro nome para arquétipos - se originam de uma
constante repetição de uma mesma experiência, durante muitas gerações. Eles são as tendências
estruturantes e invisíveis dos símbolos. Por serem anteriores e mais abrangentes que a consciência
do ego, os arquétipos criam imagens ou visões que balanceiam alguns aspectos da atitude
consciente do sujeito. Funcionam como centros autônomos que tendem a produzir, em cada
geração, a repetição e a elaboração dessas mesmas experiências. Eles se encontram entrelaçados
na psique, sendo praticamente impossível isolá-los, bem como a seus sentidos. Porém, apesar desta
mistura, cada arquétipo constitui uma unidade que pode ser apreendida intuitivamente.[10]
É importante ressaltar, todavia, que os arquétipos não possuem formas fixas ou pré-definidas.
Segundo Jung:[10]
“ Nenhum arquétipo pode ser reduzido a uma simples fórmula. Trata-se de um recipiente que nunca
podemos esvaziar, nem encher. Ele existe em si apenas potencialmente e quando toma forma em
alguma matéria, já não é mais o que era antes. Persiste através dos milênios e sempre exige novas
interpretações. Os arquétipos são os elementos inabaláveis do inconsciente, mas mudam
constantemente de forma.”
Na primeira parte de seu O Homem e seus Símbolos ele afirma:
Minhas visões sobre os "remanescentes arcaicos", que chamo de "arquétipos" ou "imagens
primordiais", têm sido constantemente criticadas por pessoas que carecem de conhecimento
suficiente da psicologia dos sonhos e da mitologia. O termo "arquétipo" é muitas vezes mal
interpretado como significando certas imagens ou motivos mitológicos definidos, mas nada mais são
do que representações conscientes. Tais representações variáveis não podem ser herdadas. O
arquétipo é uma tendência a formar essas representações de um motivo - representações que
podem variar bastante em detalhes sem perder seu padrão básico.
Embora haja uma variedade de categorizações de arquétipos, a configuração de Jung é talvez a
mais conhecida e serve como base para muitos outros modelos. Os quatro principais arquétipos a
emergir de sua obra, que Jung denomina originalmente imagens primordiais, incluem a
anima/animus, o Si-mesmo, a Sombra e a Persona. Além disso, Jung se referiu às imagens do
Herói, do Espírito ou Velho Sábio, da Criança, da Mãe e da Donzela.[11] Ele acreditava que cada
mente humana retém esses entendimentos inconscientes básicos da condição humana e do
conhecimento coletivo de nossa espécie na construção do inconsciente coletivo. O núcleo de um
complexo é um arquétipo que atrai experiências relacionadas ao seu tema. Ele poderá, então,
tornar-se consciente por meio destas experiências associadas.
Tornaram-se popularizados também contemporaneamente os modelos neo-arquetípicos, como o dos
12 tipos propostos por Carol S. Pearson e Hugh Marr:[12]

Tipos de Ego Tipos da Alma Tipos do Self


Inocente Explorador Bobo da corte
Órfão/garoto ou garota comum Rebelde Sábio
Herói Amante Mágico
Cuidador Criador Governante

Autonomia
Embora todos os arquétipos possam ser considerados como sistemas dinâmicos autônomos, alguns
deles evoluíram tão profundamente que se pode justificar seu tratamento como sistemas separados
da personalidade, dentre eles a persona, a anima (lê-se "ânima" em português do Brasil), o animus
(lê-se "ânimus" em português do Brasil) e a sombra. Chamamos de instinto aos impulsos fisiológicos
percebidos pelos sentidos. Mas, ao mesmo tempo, estes instintos podem também manifestar-se
como fantasias e revelar, muitas vezes, a sua presença apenas através de imagens simbólicas. São
estas manifestações que revelam a presença dos arquétipos, os quais as dirigem. A sua origem não
é conhecida, e eles se repetem em qualquer época e em qualquer lugar do mundo - mesmo onde
não é possível explicar a sua transmissão por descendência direta ou por "fecundações cruzadas"
resultantes da migração.
Publicidade
Mais tarde, em 1900, um psicólogo vienense chamado Dr. Ernest Dichter pegou essas construções
psicológicas e as aplicou ao marketing. Dichter mudou-se para Nova York por volta de 1939 e enviou
a todas as agências de publicidade da Madison Avenue uma carta com sua nova descoberta. Ele
descobriu que a aplicação desses temas universais aos produtos promovia uma descoberta mais
fácil e uma maior lealdade às marcas.[13]
Crítica literária arquetípica
A crítica literária arquetípica argumenta que os arquétipos determinam a forma e a função das obras
literárias e que o significado de um texto é moldado por mitos culturais e psicológicos. Arquétipos
culturais são as formas básicas desconhecidas personificadas ou concretizadas por imagens,
símbolos ou padrões recorrentes (que podem incluir motivos como a "busca" ou a "ascensão
celestial"; tipos de personagens reconhecíveis, como o "trickster", o "santo", "mártir" ou "herói";
símbolos como a maçã ou a cobra; e imagens) e que foram carregados de significado antes de
serem incluídos em qualquer trabalho em particular.
Os arquétipos revelam papéis compartilhados entre sociedades universais, como o papel da mãe em
suas relações naturais com todos os membros da família. Esse arquétipo pode criar uma imagem
compartilhada, definida por muitos estereótipos que não se separaram da estrutura tradicional,
biológica, religiosa e mítica.[14]
Narratologia
Jung constatou que, além de elementos tipicamente ligados à psique, como os sonhos, os
arquétipos do inconsciente coletivo também se expressam através de narrativas, destacando e
estudando especialmente o mito e o conto de fada. Ele diz:[15]
“ Nos mitos e contos de fada, como no sonho, a alma fala de si mesma e os arquétipos se
revelam em sua combinação natural, como formação, transformação, eterna recriação do sentido
eterno. ”
Jung fez ampla análise literária com base em sua psicologia e imagens arquetípicas; destacam-se
sua interpretação de Nietzsche do Assim Falou Zaratustra e de diversos mitos, contando com cerca
de 900 entradas de diferentes citações.[16][17][18] Numerosos discípulos o seguiram nessas
leituras, por exemplo Marie-Louise von Franz em seus diversos estudos e interpretações sobre
contos de fadas.[3]
Não foi senão até o trabalho do crítico literário canadense Northrop Frye que a crítica arquetípica foi
teorizada em termos puramente literários. A principal obra de Frye para lidar com arquétipos é
Anatomia da Crítica (1957), mas seu ensaio "Os Arquétipos da Literatura" é um precursor do livro. A
tese de Frye em "Os arquétipos da literatura" permanece praticamente inalterada em Anatomia da
Crítica. O trabalho de Frye ajudou a substituir a Nova Crítica como o principal modo de analisar
textos literários, antes de dar lugar ao estruturalismo e à semiótica.[19][20][21]
As obras de Jung e Frye foram consideradas desbravadoras nos estudos literários. O impacto deles
estimulou o desenvolvimento de tipologias universais para heróis e marcos poéticos.[3] Outros
estudiosos, como Maud Bodkin (que escreveu em 1934 Padrões Arquetípicos de Poesia, a primeira
obra sobre crítica literária arquetípica), Morris Philipson, Joseph Campbell e Christopher Vogler,
considerando a definição junguiana, também sugerem interpretações a respeito da expressão dos
diversos arquétipos em uma narrativa, independente de seu caráter fantástico ou não, e
considera-se que críticos como Harold Bloom e Helen Vendler adaptaram as ideias arquetípicas.[3]
Para Campbell, os arquétipos fazem parte de todo ser humano, como órgãos de um corpo,
fenômenos biológicos.[22]
Vogler, por sua vez, influenciado pela obra de Vladimir Propp, que observa a narrativa a partir de
funções desempenhadas pelos personagens, sugere que os arquétipos sejam tomados como
máscaras das quais os personagens de uma história dispõem, utilizando-as temporariamente
conforme a necessidade do andamento do enredo.[23]
Outras perspectivas, também sugeridas por Vogler, são:[23]

 Enxergar os arquétipos como facetas da personalidade do herói, possibilidades (boas ou más)


para o protagonista;

 Entendê-los como personificações das diversas qualidades humanas.


_________. Arquétipo. Acessível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Arquétipo. Modificada em 27/07/2021 às 02:54. Acessada em 08/10/2021 às
18:56.
Complexo (psicologia)
Um complexo é um padrão central de emoções, memórias, percepções e desejos no inconsciente
pessoal organizado em torno de um tema comum, como poder ou status.[1] Principalmente um termo
psicanalítico, é encontrado extensivamente nas obras de Carl Jung e Sigmund Freud. Na
psicanálise, o termo foi usado como equivalente para uma estrutura de catexia da libido, Freud
chamava um grupo de ideias catexizado de complexo.[2] Na terceira onda da psicologia
cognitiva-comportamental, o conceito é semelhante ao de esquemas de pensamento proposto na
terapia do esquema por Jeffrey Young.[3][4]
Um exemplo de complexo seria o seguinte: se alguém tivesse uma perna amputada quando criança,
isso influenciaria profundamente a vida de uma pessoa, mesmo que ela superasse a deficiência
física. Uma pessoa pode ter muitos pensamentos, emoções, memórias, sentimentos de inferioridade,
triunfos, amargura e determinações centradas nesse aspecto de sua vida. Se esses pensamentos
fossem perturbadores e difundidos, Jung poderia dizer que ele ou ela tinha um complexo sobre a
perna.[5]
A realidade dos complexos é amplamente aceita na área da psicologia profunda, um ramo da
psicologia que afirma que a grande maioria da personalidade é determinada e influenciada por
processos inconscientes.[5] Complexos são características comuns do cenário psíquico, de acordo
com o relato da psique de Jung, e frequentemente se tornam relevantes na psicoterapia para
examinar e resolver, principalmente na jornada em direção à individuação ou totalidade. Sem
resolução, os complexos continuam a exercer influência inconsciente e desadaptativa em nossos
pensamentos, sentimentos e comportamento e nos impedem de alcançar a integração psicológica.
História e desenvolvimento da ideia
Carl Jung distinguiu entre dois tipos de mente inconsciente: o inconsciente pessoal e o inconsciente
coletivo.[5] O inconsciente pessoal era o acúmulo de experiências da vida de uma pessoa que não
podiam ser lembradas conscientemente. O inconsciente coletivo, por outro lado, era uma espécie de
herança universal dos seres humanos, uma "memória de espécie" transmitida a cada um de nós,
não muito diferente dos programas motores e instintos de outros animais. Jung acreditava que o
inconsciente pessoal era dominado por complexos.
O termo "complexo" (em alemão: Komplex; também "complexos emocionalmente carregados" ou
"complexo de ideias tonificado por sentimentos"), foi cunhado por Carl Jung quando ele ainda era um
associado próximo de Sigmund Freud.[6] Os complexos eram tão centrais às ideias de Jung que ele
originalmente chamou seu corpo de teorias de "psicologia complexa".[7] Historicamente, o termo se
originou com Theodor Ziehen, um psiquiatra alemão que experimentou o tempo de reação nas
respostas aos testes de associação de palavras. Jung descreveu um "complexo" como um "nó" no
inconsciente; pode ser imaginado como um nó de sentimentos e crenças inconscientes, detectáveis
indiretamente, através de um comportamento intrigante ou difícil de explicar.
Jung encontrou evidências de complexos muito cedo em sua carreira nos testes de associação de
palavras realizados no Burghölzli, a clínica psiquiátrica da Universidade de Zurique, onde Jung
trabalhou de 1900 a 1908.[7] Jung desenvolveu a teoria a partir de seu trabalho sobre o Teste de
Associação de Palavras. Nesses testes de associação, um pesquisador lê uma lista de 100 palavras
para cada sujeito, sendo este solicitado a dizer, o mais rápido possível, a primeira coisa que veio à
mente em resposta a cada palavra, e o tempo de reação do sujeito era medido em quintos de
segundo. (Sir Francis Galton inventou o método em 1879.) Os pesquisadores notaram reações
incomuns - hesitações, lapsos de linguagem, sinais de emoção. Jung estava interessado nos
padrões que detectou nas respostas dos sujeitos, sugerindo sentimentos e crenças inconscientes.
Na teoria de Jung, os complexos podem ser conscientes, parcialmente conscientes ou
inconscientes.[5] Os complexos podem ser positivos ou negativos, resultando em consequências
boas ou ruins.[8] Existem muitos tipos de complexos, mas o núcleo de qualquer complexo é um
padrão universal de experiência, ou arquétipo.[9] Dois dos principais complexos sobre os quais Jung
escreveu foram a anima (um nó de crenças e sentimentos inconscientes na psique de um homem
em relação ao gênero oposto) e o animus (o complexo correspondente na psique de uma mulher).
Outros complexos importantes incluem mãe, pai, herói e, mais recentemente, irmão e irmã. Jung
acreditava que era perfeitamente normal ter complexos, porque todo mundo tem experiências
emocionais que afetam a psique. Embora sejam normais, complexos negativos podem nos causar
dor e sofrimento.
A estrutura do complexo consiste em imagens associadas e memórias congeladas de eventos, que
podem por exemplo ter sido traumáticos e reprimidos no inconsciente. A "cola" que tece e mantém
os elementos associados ao complexo é a emoção. O elemento nuclear é a imagem e experiência
que compõe o complexo. Este núcleo, por sua vez, é composto por duas partes:
1. Uma imagem ou impressão psíquica da experiência original.
2. Uma peça inata ou arquetípica ligada a essa experiência.
O núcleo dual do complexo vai crescendo ao acumular associações ao longo da vida.[10]
Ao investigar os fenômenos de associação, mostrei que existem certos grupos de elementos
psíquicos em torno de conteúdos sentimentalmente tonificados, chamados complexos. O conteúdo
sentimentalmente tonificado, o complexo, consiste em um elemento nuclear e um grande número de
associações secundárias. O elemento nuclear tem dois componentes: primeiro, uma condição que é
dada pela experiência, ou seja, uma experiência que está causalmente ligada ao meio ambiente;
segundo, uma disposição natural imanente ao caráter individual.[11]
Na psicanálise, complexo passou a designar o agregado estruturado de desejos, ideias,
pensamentos e movimentos inconscientes que, quando percebidos como perturbadores, seriam
deslocados ou reprimidos e tendem a retornar de várias maneiras, permanecendo como complexos
psiquicamente ativos, porém, quase exclusivamente aplicados a conceitos de complexo de Édipo e
complexo de castração.[12] Na definição de J. Laplanche e Jean-Bertrand Pontalis, enfatiza-se
apontando para um «conjunto organizado de representações e memórias dotadas de intenso valor
afetivo, parcial ou totalmente inconscientes»..[13] Segundo essa descrição, os complexos são
formados na infância e constituem um produto da estruturação dos vínculos iniciais, cobrindo
diversas áreas do funcionamento psicológico (afetos e emoções, mas também atitudes e repertório
comportamental).
Para Freud, no entanto, o conceito de "complexo" logo se resultou impreciso. Já em 1914, ele afirma
que, embora possam ser reconhecidas a popularidade e a utilidade (mesmo o caráter essencial de
certas descrições) da introdução do conceito por parte de Jung, muitas vezes ele seria muito
insatisfatório de um ponto de vista teórico.[13] Freud aponta:
“Uma terceira contribuição da escola suíça, que pode ter que ser totalmente credenciada a Jung, não
posso avaliar tanto quanto muitas pessoas fora da disciplina. Faço alusão à doutrina dos complexos,
decorrente dos Diagnostischen Assoziationsstudien [Estudos de diagnóstico da associação]
(1906-09). Não resultou em uma teoria psicológica nem pôde ser articulada de maneira natural com
o trabalho de doutrinas psicanalíticas. Por outro lado, a palavra «complexo», um termo confortável e
muitas vezes indispensável para a síntese descritiva de fatos psicológicos, adquiriu uma carta de
cidadania na psicanálise. Nenhum outro nome e designação que a psicanálise deveu inventar para
suas necessidades alcançou tanta popularidade nem foi sujeito a um emprego abusivo em
detrimento de formações conceituais mais precisas. Na linguagem cotidiana dos psicanalistas, as
pessoas começaram a falar em "retorno do complexo" ao se referir ao "retorno do reprimido", ou
contraíram o hábito de dizer "eu tenho um complexo contra ele", onde a única coisa certa seria "uma
resistência"».[14]”
Entretanto, Freud pegou esse termo de Jung em 1906, usando-o como um conceito importante de
seu escrito A Investigação Forense e Psicanálise,[15] pelo que a divergência subsequente desse
termo deve ser entendida no contexto de uma separação mais profunda das posições teóricas entre
Freud e Jung que excedem o quadro dessa discrepância.
Uma das principais diferenças entre a teoria junguiana e freudiana é que o pensamento de Jung
postula vários tipos diferentes de complexo. Freud concentrou-se apenas no complexo de Édipo, que
refletia desafios de desenvolvimento que todos os jovens enfrentam. Ele não levou em consideração
outros complexos, exceto o complexo Electra, do qual falou brevemente (Carlini, 2005).
Depois de anos trabalhando juntos, Jung se separou de Freud, devido a divergências em suas
idéias, e cada um deles desenvolveu suas próprias teorias. Jung queria distinguir entre as
descobertas dele e de Freud, por isso chamou sua teoria de "psicologia analítica".[16]
A teoria dos complexos de Jung com citações-chave

Esquema de complexo de acordo com C. Jung. Archetype - arquétipo; Images - Imagens; Symbols -
símbolos; Emotions - emoções; Behavior - comportamento
Até que os complexos sejam tornados conscientes e trabalhados, como é comum na psicoterapia
neo-junguiana, eles operam "autonomamente e interferem nas intenções da vontade, perturbando a
memória e o desempenho consciente".[17]
O próprio ego pode ser pensado como um complexo, ainda não totalmente integrado a outras partes
da psique (a saber, o superego e o id, ou inconsciente). Conforme descrito por Jung, "por ego,
entendo um complexo de ideias que constitui o centro do meu campo de consciência e parece
possuir um alto grau de continuidade e identidade. Por isso, também falo de um complexo do
ego".[18]
Jung costumava usar o termo "complexo" para descrever um agrupamento parcialmente reprimido,
mas altamente influente, de material psíquico carregado, separado ou em desacordo com o "eu"
consciente.[19] Daniels (2010) descreveu os complexos como "aglomerações 'presas' de
pensamentos, sentimentos, padrões de comportamento e formas somáticas de expressão". Em
relação à sua natureza como tonificada por sentimento, Jung escreveu "[um complexo] é a imagem
de uma certa situação psíquica que é fortemente acentuada emocionalmente e, além disso, é
incompatível com a atitude habitual da consciência. Essa imagem tem uma coerência interna
poderosa, tem sua própria totalidade e, além disso, um grau relativamente alto de autonomia, de
modo que está sujeita ao controle da mente consciente apenas em uma extensão limitada e,
portanto, comporta-se como um corpo estranho animado na esfera da consciência."[20]
O caráter autônomo da psique parcial do complexo é visualizado na personificação dos sonhos ou
na forma de "vozes" em certas psicoses. No entanto, a origem mais frequente do complexo como
uma psique parcial dividida não reside na psicopatologia, mas no conflito moral derivado da aparente
impossibilidade de afirmar a totalidade da essência humana[21]
E definitivamente:
Os complexos são em verdade as unidades vivas da psique inconsciente, cuja existência e
natureza só podemos reconhecer graças a eles. De fato, se não houvesse complexos, o
inconsciente, tal como aparece na psicologia de Wundt, seria apenas um resíduo de ideias
moribundas "sombrias" ou a fringe of consciousness, como William James o chama..[13]
Jung, que adotou o termo de seu professor Pierre Janet, concebia o complexo como a via régia para
o inconsciente:[22]
No entanto, a via regia para o inconsciente não são sonhos, como ele pensa, mas complexos,
que são a causa de sonhos e sintomas. Essa rota é de natureza menos régia, pois o caminho
assinalado pelo complexo se assemelha a uma senda mais acidentada, com muitas revoltas, que
muitas vezes se perde na vegetação rasteira e quase nunca atinge o coração do inconsciente, mas
seus arredores.[13]
Em suas Considerações gerais sobre a teoria dos complexos (1934), ele introduz a consideração de
que todo mundo hoje sabe que alguém "possui complexos", mas que é menos conhecido que os
complexos podem nos possuir. Toda constelação de complexos deixa palpável um estado alterado
de consciência, uma ruptura da unidade da consciência, dificultando a vontade e a memória.
Consequentemente, o complexo é um fator psíquico cuja valência energética excede
temporariamente a da consciência. Um complexo ativo pode momentaneamente nos reduz a um
estado de falta de liberdade,[23] com alguns complexos podendo usurpar o poder do ego e causar
distúrbios e sintomas psicológicos resultantes do desenvolvimento de uma neurose, como
pensamentos e atos obssessivos.[19] Jung descreveu a natureza autônoma e autodirigida dos
complexos sentimentalmente carregados quando disse
"o que não é tão conhecido, mas muito mais importante teoricamente, é que os complexos podem
nos tomar. A existência de complexos lança sérias dúvidas sobre o ingênuo pressuposto da unidade
de consciência, que é equiparada com a "psique", e sobre a supremacia da vontade. Toda
constelação de um complexo postula um estado de consciência perturbado. A unidade da
consciência é rompida e as intenções da vontade são impedidas ou feitas impossíveis. Até mesmo a
memória é visivelmente afetada, como vimos. O complexo deve, portanto, ser um fator psíquico que,
em termos de energia, possui um valor que às vezes excede o de nossas intenções conscientes;
caso contrário, essas rupturas na ordem consciente não seriam possíveis. E, de fato, um complexo
ativo nos coloca momentaneamente sob um estado de coação, de pensamento e ação compulsivos,
para os quais, sob certas condições, o único termo apropriado seria o conceito judicial de
responsabilidade diminuída"[24]
Por outro lado, Jung falou das "funções diferenciadoras" como essencialmente o desenvolvimento
saudável de complexos úteis, mas não sem causar efeitos colaterais muitas vezes indesejáveis.
"É verdade que não nos referimos a isso [treinamento e desenvolvimento de funções] como
obsessão por um complexo, mas como unilateralidade. Ainda assim, o estado real é
aproximadamente o mesmo, com essa diferença, de que a unilateralidade é pretendida pelo
indivíduo e é promovida por todos os meios em seu poder, enquanto o complexo é considerado
prejudicial e perturbador. As pessoas geralmente não conseguem perceber que a unilateralidade
conscientemente voluntária é uma das causas mais importantes de um complexo indesejável e que,
inversamente, certos complexos causam uma diferenciação unilateral de valor duvidoso.[25]
Em Tipos Psicológicos, Jung descreve os efeitos das tensões entre as funções diferenciadoras
dominantes e inferiores, geralmente formando complexos e neuroses, em tipos altamente e até
extremamente extremamente unilaterais.
"Nas descrições anteriores, não desejo dar a meus leitores a impressão de que esses tipos
ocorrem com frequência de forma tão pura na vida real. São, por assim dizer, apenas retratos de
família galtonescos, que destacam os traços comuns e, portanto, típicos, enfatizando-os
desproporcionalmente, enquanto os traços individuais são igualmente desproporcionalmente
apagados.[26]
Constelação
No início de suas Considerações gerais sobre a teoria dos complexos (1934), Jung faz uma
apresentação do experimento de associação de palavras. Nele, ele aponta que a própria situação
experimental leva à constelação de complexos. Ou seja, que diferentes personalidades se afetam e
que em interação cria-se um campo psíquico que estimula complexos. O termo constelação
refere-se, assim, à criação de um momento psicologicamente carregado, em que a consciência é
perturbada por um complexo ou está prestes a ser.
Sob esse conceito, expressa-se que a situação externa provoca um processo psíquico que
consiste na recompilação e fornecimento de determinados conteúdos. A expressão "estar
constelado" significa que se adota uma atitude de prevenção expectante, a partir da qual reagirá de
maneira muito determinada. A constelação é um processo automático que surge involuntariamente,
pelo que ninguém pode evitá-la. Os conteúdos constelados são certos complexos que têm sua
própria energia específica.[27]
As reações a um complexo são bastante previsíveis quando os complexos específicos de um
indivíduo são conhecidos (erótico, infantil, materno, paterno, poder etc.).
_________. Complexo_(psicologia). Acessível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Complexo_(psicologia). Modificada em 27/07/2021 às 19:50.
Acessada em 08/10/2021 às 19:04.
Individuação
Individuação, princípio de individualização, ou "principium individuationis" (em latim, de individual,
que por sua vez proveniente de "individuus": indivisível),[1] descreve a maneira pela qual uma coisa
é identificada como distinta de outras coisas.[2] O conceito aparece em numerosos campos e é
encontrado em obras de Carl Jung, Gilbert Simondon, Bernard Stiegler, Friedrich Nietzsche, Arthur
Schopenhauer, David Bohm, Henri Bergson, Gilles Deleuze e Manuel DeLanda.
A palavra "individuação" é utilizada de forma diferente na filosofia em relação a psicologia junguiana.
Na filosofia
É expressada a ideia geral de o objeto referenciado sendo identificado como algo individual, logo
"não sendo outra coisa." Isso inclui como uma pessoa una é realizada para ser diferente dos outros
elementos do mundo e como ela se distingue de outras pessoas.
Na psicologia junguiana
Na psicologia junguiana, também chamada de psicologia analítica, expressa o processo em que o
“eu” individual se desenvolve a partir de um inconsciente indiferenciado. É um desenvolvimento do
processo psíquico durante o qual elementos inatos da personalidade, os componentes da imatura
psique e as experiências da vida da pessoa se integram ao longo do tempo em um todo, onde
funcione bem: centralizar as funções a partir do ego em direção à autorrealização do si-mesmo (ver
Self na psicologia junguiana).
Na sociologia, o conceito de "individuação" é utilizado pelo sociólogo Danilo Martuccelli, na sua
entrevista “Como os indivíduos se tornam indivíduos”, ele ressalta a importância de estudar os
fenômenos sociológicos através da ótica dos indivíduos, o que ele chama de "Teoria da
individuação". Segundo o mesmo, estudar a realidade segundo as vivências históricas particulares,
nos auxilia no processo de compreensão dos mecanismos responsáveis pela produção de sujeitos
em diversos contextos.[3] A individuação é um fenômeno que se mostra eficiente para desvendar os
problemas sociais, portanto, uma excelente ferramenta de estudo sociológico, podendo ser aplicada
a qualquer fenômeno. Dessa forma, o entendimento de cada problema ou manifestação social deve
ser analisado do micro para o macro, traduzindo a nível de experiências individuais os grandes
desafios coletivos de uma sociedade. A individuação dos sujeitos se desenvolve quando estes se
veem envoltos pelas forças dos processos de racionalização e aceitação social impostos. Todos os
sujeitos estão destinados a encarar as mesmas dificuldades, o que Martuccelli denomina de “prova”.
Porém a resposta de cada um será diretamente proporcional à sua própria identidade, posição
social, raça, gênero e recursos. Daí nasce a individuação. Esse processo também é derivado da
variação entre sociedades e também entre períodos históricos.
Ainda sobre o conceito de “provas”, segundo Martuccelli, estas são desafios estruturais que podem
variar. É importante ressaltar que tais provas não são determinantes, ou seja, não definem o futuro e
a identidade dos sujeitos, mas podem influenciá-los. E através de provas comuns é que se produzem
indivíduos singulares. A noção de prova possui quatro aspectos: o primeiro se refere à percepção
dos indivíduos frente a situações difíceis. O segundo, diz respeito às respostas ou reações dos
indivíduos frente a tais dificuldades. O terceiro aspecto menciona o caráter seletivo de tais provas. O
sujeito poderá obter sucesso ou falhar. E por último, cada sociedade possui um conjunto de provas
que podem ser mais ou menos pré-determinadas. Neste mesmo raciocínio, encontramos também,
nos textos de Martuccelli, a noção de “suporte”. Esse conceito está baseado no fato de que os
indivíduos necessitam se estruturar para se manterem firmes frente a sociedade, uma vez que ser
um indivíduo implica na soberania sobre si mesmo e na diferenciação em relação aos demais. Esses
suportes estarão diretamente relacionados às respostas que os indivíduos dão ao enfrentarem uma
prova, portanto, podem ou não garantir o sucesso do sujeito.[3]
Síntese
A individuação, conforme descrita por Jung, é um processo através do qual o ser humano evolui de
um estado infantil de identificação para um estado de maior diferenciação, o que implica uma
ampliação da consciência. Através desse processo, o indivíduo identifica-se menos com as condutas
e valores encorajados pelo meio no qual se encontra e mais com as orientações emanadas do
si-mesmo, a totalidade (entenda-se totalidade como o conjunto das instâncias psíquicas sugeridas
por Carl Jung, tais como persona, sombra, self, etc.) de sua personalidade individual.[4] Jung
entende que o atingir da consciência dessa totalidade é a meta de desenvolvimento da psique, e que
eventuais resistências em permitir o desenrolar natural do processo de individuação é uma das
causas do sofrimento e da doença psíquica, uma vez que o inconsciente tenta compensar a
unilateralidade do indivíduo através do princípio da enantiodromia.
Jung ressaltou que o processo de individuação não entra em conflito com a norma coletiva do meio
no qual o indivíduo se encontra, uma vez que esse processo, no seu entendimento, tem como
condição para ocorrer que o ser humano tenha conseguido adaptar-se e inserir-se com sucesso
dentro de seu ambiente, tornando-se um membro ativo de sua comunidade. O psicólogo suíço
afirmou que poucos indivíduos alcançavam a meta da individuação de forma mais ampla.
Um dos passos necessários para a individuação seria a assimilação das quatro funções (sensação,
pensamento, intuição e sentimento), conceitos definidos por Jung em sua teoria dos tipos
psicológicos. Em seus estudos sobre a alquimia, Jung identificou a meta da individuação como
sendo equivalente à "Opus Magna", ou "Grande Obra" dos alquimistas. A individuação também pode
ser compreendida em termos globais como o processo que cria o mundo e o leva a seu destino
(Rocha Filho, 2007)[vago], não sendo, por isso, uma exclusividade humana. A individuação, neste
contexto, se identifica com o mecanismo de autorrealização, ou primeiro motor do universo.
Já numa formulação próxima dos Estudos em Comunicação, de acordo com Samuel Mateus, "Tomar
o indivíduo segundo as formas de individuação significa, assim, a capacidade de incluir a
singularidade na pluralidade (e vice-versa), bem como de assimilar uma diversidade de
manifestações heterogéneas - por vezes incoerentes entre si - num todo aglutinante que molda a
auto-consciência individual. Significa também incorporar modos de interpretação do indivíduo
fundados nas relações tensionais, interdependentes e imprevisíveis operadas entre um indivíduo que
oscila entre a singularidade e a pluralidade, entre um pólo individual e um pólo social".[5] Esta última
perspectiva trabalha o conceito de individuação a partir da Sociologia tendo uma clara filiação nos
trabalhos de Georg Simmel e Norbert Elias.
A perspectiva da individuação segundo Martuccelli, ressalta a importância de estudar os fenômenos
sociológicos através da ótica dos indivíduos, o que ele irá chamar de "Teoria da individuação". De
acordo com o mesmo, estudar a realidade segundo as vivências históricas particulares, nos auxilia
no processo de compreensão dos mecanismos responsáveis pela produção de sujeitos em diversos
contextos.[3] A individuação é por ele considerada um fenômeno que se mostra eficiente para
desvendar os problemas sociais e é considerada uma excelente ferramenta de estudo sociológico
passível de ser aplicada a qualquer fenômeno.[3]
_________. Individuação. Acessível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Individuação. Modificada em 15/07/2021 às 18:40. Acessada em
08/10/2021 às 19:05.
Eu (psicologia)
Eu (do termo do latim vulgar eo) designa, em psicologia, a instância interna conhecedora ("eu" como
"conhecedor"), portadora de consciência, em oposição ao si mesmo, o conhecimento que o indivíduo
tem sobre si próprio ("si mesmo" como "conhecido").[1] Pode ser considerado um sinônimo de
personalidade.[2]
_________. Eu. Acessível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Eu_(psicologia). Modificada em 11/09/2019 às 15:29. Acessada em 08/10/2021 às
19:11.

Ego
Ego (do latim, "eu"), lugar em que se reconhece, eu de cada um[1] designa na teoria psicanalítica
uma das três estruturas do modelo triádico do aparelho psíquico: Id, Ego e Superego.[2] O ego
desenvolve-se a partir do Id, na medida que o bebê vai tomando consciência de sua própria
identidade, com o objetivo de permitir que seus impulsos sejam eficientes, ou seja, levando em conta
o mundo externo: é o chamado princípio da realidade. É esse princípio que introduz a razão, o
planejamento e a espera no comportamento humano. A satisfação das pulsões é retardada até o
momento em que a realidade permita satisfazê-las com um máximo de prazer e um mínimo de
consequências negativas.[3]
O Ego é lógico e racional. Sempre cumpre a função de lidar com a realidade externa (faz um meio
campo entre o mundo interno e externo), lidando com a estimulação que vem tanto da própria mente
como do mundo exterior.. Assim, o ego atua como mediador entre o id e o mundo exterior, tendo que
lidar também com o superego, com as memórias de todo tipo e com as necessidades físicas do
corpo. A sua energia é extraída do Id.

Psicologia do ego
Sob os auspícios dessa nova escola, influente desde a morte de Freud e hegemônica por décadas, a
psicanálise surge integrando múltiplas facetas, passando a se ordenar em torno de novos objetivos
terapêuticos, novos métodos de investigação dos processos psíquicos – o empírico no sentido
positivista –, novos conceitos, novas táticas e técnicas. Em função desta pluralidade de inovações,
os mentores desta escola julgaram mesmo procedente criar uma nova denominação psicanalítica,
passando a denominá-la de “psicologia psicanalítica do ego” (RAPAPORT, 1962, p. 42).
Nomeação deveras mais apropriada para o que lograram construir. O conceito de ego, que ordenou
todo o arcabouço teórico e técnico da “psicologia psicanalítica do ego”, forçou a metonímia, sem
dúvida feliz no que diz respeito à invenção freudiana: foi simplesmente como “psicologia do ego”
(sem psicanálise no nome) que esta escola passou a ser reconhecida. A homologação do ego à
função da consciência foi o grande equívoco praticado por toda uma geração de analistas que
sucedeu a Freud, convertendo-se numa rota de desvio cujos rumores se fazem ainda ouvir em
nossos dias. Esta virada teórica veio refletir-se de modo pontual no manejo técnico, ordenando no
campo analítico uma técnica calcada no fortalecimento do ego com vistas ao adestramento do
desejo inconsciente.
O inconsciente é definido por Freud como um sistema composto por representações instituídas por
meio do recalque. O recalque, ao instituir o campo das representações, institui em ato o próprio
inconsciente e confere a uma representação seu estatuto inconsciente, de modo que inconsciente e
recalque são conceitos indissolúveis e correlatos: “A teoria da repressão [recalcamento] é a pedra
angular sobre a qual repousa toda a estrutura da psicanálise”.
A principal função do Ego é procurar atender e aplacar as exigências constantes do Id e a realidade
do Superego, logo preservará a saúde, segurança e sanidade da psique.Há muitos conflitos entre o
Id e o Ego, pois os impulsos não civilizados do Id estão sempre querendo expressar-se. Freud
destacava que os impulsos do Id são muitas vezes reprimidos pelo Ego por causa do medo de
castigo. Ou seja, o Ego pode coibir os impulsos inaceitáveis do Id, por exemplo se uma pessoa te
fecha no trânsito, o ego te impede de perseguir o carro e agredir fisicamente o motorista infrator,
seria um impulso do id (que é totalmente inconsciente). Porém, visto que o indivíduo não pode
sobreviver obedecendo somente aos impulsos do Id, é necessário que ele reaja realisticamente a
seu ambiente de convívio. O conjunto de procedimentos que leva o indivíduo a comportar-se assim,
é o Ego. O Ego é, portanto, mais realístico do que o Id, visando sempre as consequências dos
impulsos inconscientes do Id.[4][5]
O Ego não é completamente consciente, os mecanismos de defesa fazem parte de um nível
inconsciente.
_________. EGO. https://pt.wikipedia.org/wiki/Ego. Modificada em 09/09/2020 às 13:46. Acessada em 08/10/2021 às 19:14.

Filosofia do si
A filosofia do si ou self, ou filosofia do eu, em referência ao eu essencial ou si mesmo, define, entre
outras coisas, as condições de identidade que tornam um sujeito da experiência distinto de todos os
outros. As discussões contemporâneas sobre a natureza do self não são, portanto, discussões sobre
a natureza da personalidade ou da identidade pessoal. O eu às vezes é entendido como um ser
unificado essencialmente conectado à consciência, autopercepção e agência (ou, pelo menos, com a
faculdade da escolha racional). Várias teorias sobre a natureza metafísica do eu foram propostas.
Entre elas, a natureza metafísica do eu foi proposta como sendo a de uma substância imaterial.
Definições do eu
A maioria das definições filosóficas do si - por Descartes, Locke, Hume e William James - são
expressas na primeira pessoa.[1] Uma definição de terceira pessoa não se refere a qualia mental
específica, mas busca objetividade e operacionalismo.
Para outra pessoa, o eu de um indivíduo é exibido na conduta e no discurso desse indivíduo.
Portanto, as intenções de outro indivíduo só podem ser inferidas a partir de algo que emana desse
indivíduo. As características particulares do eu determinam sua identidade.
Conceitos de si
O eu nas tradições orientais
Na espiritualidade, e especialmente nas tradições não-duais, místicas e orientais meditativas, o ser
humano é frequentemente concebido como estando na ilusão da existência individual e da
separação de outros aspectos da criação. Esse "senso de autoria" ou senso de existência individual
é a parte que acredita que é o ser humano e acredita que deve lutar por si mesma no mundo; é, em
última análise, despercebido e inconsciente de sua própria natureza verdadeira. O ego é
frequentemente associado à mente e ao sentido do tempo, que pensa compulsivamente para ter
certeza de sua existência futura, em vez de simplesmente conhecer o seu próprio eu e o presente.
O objetivo espiritual de muitas tradições envolve a dissolução do ego, em contraste ao Self
essencial,[2] permitindo que o autoconhecimento da própria natureza verdadeira se torne experiente
e atuado no mundo. Isso é conhecido como iluminação, nirvana, presença e "aqui e agora".
Autoconhecimento
Ambas civilizações ocidental e oriental se ocuparam com o autoconhecimento e ressaltaram sua
importância, citando particularmente a combinação paradoxal de disponibilidade imediata e
obscuridade profunda envolvida em sua busca.[3] Para Sócrates, o objetivo da filosofia era
"conhecer a si mesmo". Lao Tzu, em seu Tao Te Ching, diz: "Conhecer os outros é sabedoria.
Conhecer o eu é iluminação. Dominar os outros exige força. Dominar o eu exige força".[4] O caso é o
mesmo para os videntes dos Upanishads, que sustentavam que o conhecimento real último envolve
uma compreensão da essência do eu e da natureza de Deus.[5] Adi Shankaracharya, em seu
comentário sobre o Bhagavad Gita, diz que "somente o autoconhecimento erradica a miséria".[6] "O
autoconhecimento por si só é o meio para a maior felicidade".[7] "A perfeição absoluta é a
consumação do autoconhecimento."[8]
Uma teoria sobre o autoconhecimento descreve o conceito como a capacidade de detectar que as
sensações, pensamentos, estados mentais e atitudes são suas.[9] Está ligado a outras concepções,
como autoconsciência e autoconceito. A teoria racionalista, inspirada por Immanuel Kant, também
afirma que nossa capacidade de alcançar o autoconhecimento através da reflexão racional deriva
em parte do fato de nos vermos como agentes racionais. Esta escola rejeita que o autoconhecimento
seja meramente derivado da observação, pois reconhece o sujeito como autônomo devido à sua
capacidade como agente de moldar seus próprios estados.[10]
O eu como uma atividade
Aristóteles, seguindo Platão, definiu a alma como a essência central de um ser vivo, e, apesar de
afirmar que ela não existia separada do corpo,[11] considerava a sua parte denominada "intelecto"
como tendo característica imortal e perpétua,[12][13] em contraste às suas funções
vegetativa/nutritiva e perceptiva dependentes do organismo. Em sua teoria das causas e de ato e
potência, Aristóteles enfatiza os seres em relação à manifestação em ato deles, e por sua vez a alma
era também definida por seus efeitos atuais. Por exemplo, se uma faca tivesse uma alma, o ato de
cortar seria considerado essa alma, porque "cortar" faz parte da essência do que é ser uma faca.
Mais precisamente, a alma é a "primeira atividade" de um corpo vivo. Este é um estado, ou um
potencial para atividade real ou 'segunda'. "O machado tem uma vantagem para cortar" era, para
Aristóteles, análogo a "os seres humanos têm corpos para atividade racional", e o potencial para
atividade racional constituía, assim, a essência de uma alma humana. Ele afirma: "A alma é uma
realidade ou essência formulável de algo que possui uma potencialidade de ser animada", e também
"Quando a mente é libertada de suas condições atuais, ela aparece exatamente como é e nada
mais: só isso por si é imortal e eterno".[14] Aristóteles usou seu conceito de alma em muitas de suas
obras; sua obra principal sobre o assunto é De Anima (Sobre a Alma).[15][16]
Aristóteles também acreditava que havia quatro seções da alma: as partes calculativa e científica no
lado racional usadas para tomar decisões, e as partes desiderativa e vegetativa no lado irracional
responsável por identificar nossas necessidades. Uma divisão das funções e atividades da alma
encontra-se também na teoria tripartite de Platão. A problemática de um em muitos é também
lembrada por Aristóteles, no entanto:
“Se então a alma é de sua própria natureza divisível, o que a mantém unida? Não é o corpo,
certamente: muito pelo contrário, parece ser verdade que a alma mantém o corpo unido; pois quando
parte, o corpo expira e se decompõe. Se há algo que o torna único, esse outro é a alma. Alguém
então teria que perguntar, com relação a esse outro, se é uma ou várias partes. Se é um, por que
não chamá-lo de alma imediatamente? Mas se é divisível, a razão exige novamente, o que é que
mantém isso unido? E assim por diante ''ad infinitum''.[17]
Self independente dos sentidos
Enquanto ele estava preso em um castelo, Avicena escreveu seu famoso experimento mental
"Homem Flutuante" para demonstrar a autopercepção humana e a substancialidade da alma. Seu
experimento mental diz a seus leitores que se imaginem suspensos no ar, isolados de todas as
sensações, o que inclui nenhum contato sensorial com o próprio corpo. Ele argumenta que, nesse
cenário, ainda se teria autoconsciência. Assim, ele conclui que a ideia do eu não é logicamente
dependente de qualquer coisa física, e que a alma não deve ser vista em termos relativos, mas como
algo dado principal, uma substância. Mais tarde, esse argumento foi refinado e simplificado por René
Descartes em termos epistêmicos quando afirmou: "Posso abstrair da suposição de todas as coisas
externas, mas não da suposição de minha própria consciência".
Teoria do eu como feixe
David Hume apontou que tendemos a pensar que somos a mesma pessoa que éramos há cinco
anos. Embora tenhamos mudado em muitos aspectos, a mesma pessoa parece presente como
estava presente na época. Podemos começar a pensar sobre quais recursos podem ser alterados
sem alterar o eu subjacente. Hume, no entanto, nega que exista uma distinção entre as várias
características de uma pessoa e o eu misterioso que supostamente apresenta essas características.
Quando começamos a examinar, "nunca estamos intimamente conscientes de nada além de uma
percepção específica; o homem é um feixe (bundle) ou coleção de percepções diferentes que se
sucedem com uma rapidez inconcebível e estão em fluxo e movimento perpétuos".[18]
É claro que, no curso de nosso pensamento, e na constante revolução de nossas ideias, nossa
imaginação passa facilmente de uma ideia para outra que se assemelha a ela, e que essa qualidade
por si só é, para a fantasia, um vínculo e associação suficientes. É igualmente evidente que, como
os sentidos, ao mudar seus objetos, são necessários para alterá-los regularmente, e tomá-los
conforme eles permanecem contíguos, a imaginação deve, por muito tempo, adquirir o mesmo
método de pensamento e seguir as partes de espaço e tempo na concepção de seus objetos."[19]
Na visão de Hume, essas percepções não pertencem a nada. Em vez disso, Hume compara a alma
a uma comunidade, que mantém sua identidade não em virtude de alguma substância essencial
duradoura, mas por ser composta por muitos elementos diferentes, relacionados e, ainda assim, em
constante mudança. A questão da identidade pessoal passa a ser uma questão de caracterizar a
coesão solta da experiência pessoal. (Observe que, no apêndice do Tratado, Hume disse
misteriosamente que estava insatisfeito com seu relato do si, mas nunca voltou ao assunto.)
O paradoxo do navio de Teseu pode ser usado como uma analogia do eu como um feixe de partes
em fluxo.
Budismo
A posição de Hume é conhecida em inglês como "bundle theory", muito semelhante às teorias e
debates dos budistas indianos sobre o self, que geralmente consideram uma teoria de feixe para
descrever os fenômenos da mente agrupados em agregados (skandhas), tais como
sensopercepções, discriminação intelectual (saṃjñā), emoções e volição. Desde o início da filosofia
budista, várias escolas de interpretação assumiram que um self não pode ser identificado com os
agregados transitórios, pois eles são vazios de eu, mas algumas tradições questionaram além do
mais se poderia haver um solo de fundo imutável que defina uma identidade individual real e
permanente e que sustente os fenômenos impermanentes; conceitos como natureza de Buda são
encontrados na linhagem Maaiana, e de uma realidade última na tradição dzogchen, por exemplo em
Dolpopa[20] e Longchenpa.[21] Embora os budistas critiquem o ātman imutável do hinduísmo,
algumas escolas budistas problematizaram a noção de uma personalidade individual; mesmo entre
as primeiras, como a visão do Pudgala, ela foi levantada implicitamente em perguntas como "quem é
o portador do feixe?", "o que carrega os agregados?", "o que transmigra de um renascimento para
outro?" ou "qual é o sujeito do auto-aperfeiçoamento e da iluminação?".[22]
O Buda
O Buda, em particular, atacou todas as tentativas de conceber um eu fixo, enquanto ao mesmo
tempo afirmava que sustentar a visão de que "eu não tenho eu" também está errado. Este é um
exemplo do caminho do meio traçado pelo Buda e pela escola de budismo Madhyamaka. Essa
ausência de uma definição do self é direcionada para evitar o apego ao "eu", buscar-se a realidade e
alcançar o desapego,[23] e é encontrada em muitas passagens dos mais antigos sutras de Buda,
registrados no Cânone Páli, como este:
"Bhikkhus, a forma não é o eu ('é anatta', não-self). Se a forma fosse, então essa forma
não levaria à aflição, e poder-se-ia tomá-la assim: 'Seja minha forma assim, que minha forma
não seja assim.' E como a forma não é o eu, leva à aflição, e ninguém pode tê-la assim: 'Seja
minha forma assim, que minha forma não seja assim.'... Bhikkhus, o sentimento não é o eu...
Bhikkhus, a percepção não é o eu... Bhikkhus, as determinações não são o eu ... Bhikkhus, a
consciência (vijñāna) não é o eu... é a forma permanente ou impermanente?..."[24]
O eu como centro de gravidade narrativo
Daniel Dennett tem uma teoria deflacionária do "eu". Eus não são fisicamente detectáveis. Em vez
disso, são uma espécie de ficção conveniente, como um centro de gravidade, que é conveniente
como uma maneira de resolver problemas de física, embora não precisem corresponder a nada
tangível - o centro de gravidade de um aro é um ponto no ar. As pessoas constantemente se contam
histórias para dar sentido ao seu mundo, e aparecem nas histórias como personagem, e esse
personagem conveniente, mas fictício, seria o eu.[25][26]
O eu como uma construção sintática indispensável, não uma entidade
Aaron Sloman propôs que palavras como "eu", "eus", "ela mesma", "ela mesma", "isto mesmo", "eles
mesmos", "eu mesmo" etc. não se referem a um tipo especial de entidade, mas fornecem
mecanismos sintáticos poderosos para construir enunciados que se referem repetidamente à mesma
coisa sem repetição tediosa e obscura de nomes ou outras expressões referentes.[27]
_________. Filosofia do si. Acessível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Filosofia_do_si. Modificada em 26/10/2020 às 19:35. Acessada em
08/10/2021 às 19:21.

Si mesmo
Si mesmo (em inglês, self; em alemão, Selbst) é um termo que tem uma longa história na psicologia.
William James, um dos pais da psicologia, distingue em 1892 entre o "eu", como a instância interna
conhecedora (I as knower), e o "si mesmo", como o conhecimento que o indivíduo tem sobre si
próprio (self as known).[1] Carnotauros (2014), partindo da definição de James e do trabalho da S. N.
Cooley, propõe que o "si mesmo" se baseia em três experiências básicas do ser humano:[2]
 a consciência reflexiva, que é o conhecimento sobre si próprio e a capacidade de ter
consciência de si;

 a interpessoalidade dos relacionamentos humanos, através dos quais o indivíduo recebe


informações sobre si;

 a capacidade do ser humano de agir.


Esse conhecimento que o "eu" tem sobre "si mesmo" tem dois aspectos distintos: por um lado, um
aspecto descritivo chamado autoimagem e por outro, um aspecto valorativo, a autoestima.[3]
O Si-mesmo em Jung
Muito conhecido é o uso junguiano do termo. Segundo Carl Gustav Jung, o principal arquétipo é o si
mesmo (o Self), o centro de toda a psique. Dele, emana todo o potencial energético de que a psique
dispõe. É o ordenador dos processos psíquicos. Integra e equilibra todos os aspectos do
inconsciente, devendo proporcionar, em situações normais, unidade e estabilidade à personalidade
humana. Jung conceituou o Si mesmo da seguinte forma:
“ O Si mesmo representa o objetivo do homem inteiro, a saber, a realização de sua totalidade e
de sua individualidade, com ou contra sua vontade. A dinâmica desse processo é o instinto, que vigia
para que tudo o que pertence a uma vida individual figure ali, exatamente, com ou sem a
concordância do sujeito, quer tenha consciência do que acontece, quer não. ”
O arquétipo do si-mesmo, portanto, manifesta-se no ser humano principalmente pela via dos
instintos. No entanto, certos eventos aparentemente não instintivos e externos ao ser, como alguns
tipos de fenômenos psicocinéticos que foram registrados por Carl Jung, assim como as
sincronicidades, são também associados à quantidade energética do arquétipo envolvido, que,
invariavelmente, deriva de uma ou outra forma do arquétipo central. Deste modo, o si-mesmo pode
atuar diretamente sobre a estrutura material e espaço-temporal da natureza e, por este motivo, este
núcleo arquetípico se confunde com a fonte da ordem física da natureza.[4]
Os símbolos do Si mesmo geralmente ocorrem quando de alguma crise de vida, de um obstáculo
com o qual o indivíduo não sabe lidar. Então, ele pode ocorrer nos sonhos ou em outros eventos
simbólicos na forma de figuras geométricas, normalmente na forma de mandalas.
_________. Si mesmo. Acessível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Si_mesmo. Modificada em 09/02/2020 às 21:55. Acessada em 08/10/2021 às
19:24.

Nigredo
Nigredo é uma palavra em latim que significa escuro. Foi adotada pelos alquimistas para designar o
primeiro estado da alquimia: a morte espiritual, significando decomposição ou putrefação. É sucedido
pelos estados albedo (purificação), citrinitas (despertar) e rubedo (iluminação).[1] Os alquimistas
acreditavam que no primeiro passo para a Pedra Filosofal, todos os ingredientes tinham que ser
preparados até criarem uma matéria preta uniforme.[2]
Na psicologia analítica, o termo se tornou uma metáfora para "a noite escura da alma, quando um
indivíduo confronta a sua sombra interior"[3].
_________. Nigredo. Acessível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Nigredo. Modificada em 26/12/2019 às 18:30. Acessada em 08/10/2021 às 19:26.
Persona (psicologia)
Persona (do latim persona) é a instância psíquica responsável pela interação entre o ser e a
comunidade de forma geral[1]. Ela e constituída em paralelo com o ego e com a sombra, desde o
inicio da vida. Na psicologia analítica de Jung, é "uma espécie de máscara projetada, por um lado,
para fazer uma impressão definitiva sobre os outros, e por outro, dissimular a verdadeira natureza do
indivíduo", a face social que o indivíduo apresenta ao mundo. O termo persona vem do teatro grego
antigo, onde o ator usava uma mascara para amplificar a voz.[1][2] A persona também pode se
referir à identidade de gênero, a um estágio do desenvolvimento (como a adolescência), a um status
social, a um emprego ou profissão. Ao longo da vida, muitas personas serão usadas e muitas podem
ser combinadas a qualquer tempo.[3]
Persona
O Arquétipo Persona dá ao sujeito a possibilidade de criar um personagem que pode não ser de fato
ele mesmo.Dentro de cada persona existe um conjunto de ideias que se originam da sociedade, no
qual denominamos regras sociais. A Persona é muito importante para a sobrevivência humana.
Através dela, nos tornamos capazes de conviver com o outro, inclusive nos ajuda a conviver com
aquelas pessoas que nos são desagradáveis de maneira saudável e equilibrada. Este Arquétipo é
ideal quando ele é flexível, ou seja, não é unilateral.
Ela tem o compromisso em expressar a individualidade do individuo no contexto social rodeado por
códigos sociais e as variáveis de outras pessoas.
Inicia-se através da imitação, de maneira inconsciente, dos mais próximos e aos poucos, se torna
flexível e individualizado. Sua principal função é a interação de um individuo com o outro. Nossos
papeis sociais constituem aspectos da persona.
Sombra
A sombra é responsável por aquilo que o Ego não aceita, mantendo assim esses conteúdos em um
lugar do inconsciente, mas que há a possibilidade de se tornarem conscientes.
A Sombra no seu total é denominada como as qualidades negativas que todos possuem e que o ego
acaba por esconder. Também é composta por muitas qualidades e dons natos que acabam não se
desenvolvendo devido a condições externas. Ela é uma sombra arquetípica que pode ser
responsável pelos conteúdos humanos gerais, que não são assimiladas a cultura coletiva.
É a fonte de tudo que há de melhor e pior no homem.
A Sombra e a Persona são opostos, polaridades do ego e que provem do Self.
Aqueles traços que nós não gostamos, ou preferimos ignorar, se juntam para formar o que Jung
chamou de Sombra. Essa parte da psique, que também é fortemente influenciada pelo inconsciente
coletivo, é uma forma complexa e geralmente é o complexo mais acessível pela mente consciente.
Jung não acreditava que a Sombra não tivesse propósito ou mérito; ele sentiu que “onde há luz,
também deve haver sombra” - o que significa que a Sombra tem um papel importante a
desempenhar no equilíbrio da psique geral. Sem um lado sombrio bem desenvolvido, uma pessoa
pode facilmente tornar-se superficial e extremamente preocupada com as opiniões dos outros, uma
Persona ambulante. Assim como o conflito é necessário para avançar o enredo de qualquer romance
bom, claro e escuro são necessários para o nosso crescimento pessoal. Jung acreditava que, não
querendo olhar diretamente para as Sombras, muitas pessoas projetam-nas nos outros, o que
significa que as qualidades que muitas vezes não podemos suportar nos outros, temos em nós
mesmos e não queremos ver. Para realmente crescer como pessoa, é preciso cessar a cegueira
voluntária da Sombra e tentar equilibrá-la com a Persona.
Identificação
O desenvolvimento de uma persona social viável é uma parte vital da adaptação e preparação para
a vida adulta no mundo social externo. "Um ego forte se relaciona com o mundo exterior através de
uma persona flexível; identificações com uma persona específica (doutor, erudito, artista, etc.) inibe o
desenvolvimento psicológico. Assim, para Jung, "o perigo é que [as pessoas] se tornem idênticas a
suas personas — o professor com seu livro de ensino, o tenor com sua voz”. O resultado poderia ser
"o tipo de personalidade rasa, frágil e conformista que é 'todo persona', com sua preocupação
excessiva com "o que as pessoas pensam " - um estado de espírito irrefletido - no qual as pessoas
são totalmente inconscientes de qualquer distinção entre si e o mundo em que vivem. Eles têm
pouco ou nenhum conceito de si mesmos como seres distintos do que a sociedade espera deles. O
estágio foi estabelecido para o que Jung denominou enantiodromia - o surgimento da individualidade
reprimida de baixo da persona mais tarde na vida: "o indivíduo ou será completamente sufocado sob
uma persona vazia ou uma enantiodromia nos opostos ocultos ocorrerá".
Individuação
A individuação, para Jung, era a busca da inteireza que a psique humana invariavelmente
empreende, a jornada para se tornar consciente de si mesmo como um ser humano único, mas
única apenas no mesmo sentido que todos nós, não mais ou menos do que outras. Jung não tentou
fugir da importância do conflito para a psicologia humana; ele via isso como inerente e necessário
para o crescimento. Ao lidar com os desafios do mundo exterior e dos seus próprios muitos opostos
internos, a pessoa lentamente 2 se torna mais consciente, iluminada e criativa. O produto da
superação desses confrontos foi um "símbolo" que, segundo Jung, contribuiria para uma nova
direção em que se fizesse justiça a todos os lados de um conflito. Esse símbolo era visto como um
produto do inconsciente, e não do pensamento racional, e apresentava aspectos de ambos os
mundos, consciente e inconsciente, em seu trabalho como agente transformador. O desenvolvimento
que brota dessa transmutação, tão essencial à psicologia junguiana, é o processo de individuação.
Desintegração
"O colapso da persona constitui o momento tipicamente junguiano, tanto na terapia quanto no
desenvolvimento" - o "momento" em que "o excessivo comprometimento com os ideais coletivos
mascarando uma individualidade mais profunda - a persona - se decompõe ... se desintegra". A
visão de Jung de que "a persona é uma semelhança ... a dissolução da persona é, portanto,
absolutamente necessária para a individuação". No entanto, sua desintegração pode levar
inicialmente a um estado de caos no indivíduo: "um resultado da dissolução da persona é a liberação
da fantasia ... a desorientação ". À medida que o processo de individuação se inicia" a situação se
desfez da casca convencional e se desenvolveu em um encontro com a realidade, sem falsas veias
ou adornos de qualquer tipo ".
O colapso da persona constitui-se tipicamente no momento Jungiano tanto na terapia quanto em seu
desenvolvimento, e é quando o comprometimento excessivo à ideias coletivas passam a mascarar a
individualidade mais profunda. Dado que a visão de Jung era que a persona é uma semelhança, de
modo que sua dissolução é absolutamente necessária para a individuação.
Restauração negativa
Uma reação possível à experiência resultante do caos arquetípico foi o que Jung chamou de "a
restauração regressiva da persona", segundo a qual o protagonista "laboriosamente tenta remendar
sua reputação social dentro dos limites de uma personalidade muito mais limitada ... fingindo que ele
é como ele era antes da experiência crucial. "Da mesma forma no tratamento pode haver" a fase de
restauração de persona, que é um esforço para manter a superficialidade "; ou mesmo uma fase
mais longa destinada a não promover a individuação, mas trazer o que Jung caricaturou como "a
restauração negativa da persona" - isto é, uma reversão para o status quo.
Restauração
A recuperação, o objetivo da individuação, "não é apenas alcançada pelo trabalho nas figuras
interiores, mas também, como condição sine qua non, por uma readaptação na vida exterior" -
incluindo a recriação de uma nova e mais viável persona. "Desenvolver uma personalidade mais
forte ... pode parecer inautêntica, como aprender a" desempenhar um papel "... mas, se alguém não
puder desempenhar um papel social, sofrerá". Assim, um objetivo para a individuação é que as
pessoas "desenvolvam uma personalidade mais realista e flexível que as ajude a navegar na
sociedade, mas não colide nem esconda o seu eu verdadeiro". Eventualmente, "na melhor das
hipóteses, a persona é apropriada e de bom gosto, um verdadeiro reflexo da nossa individualidade
interior e do nosso sentido exterior do eu".
Ausência
A alternativa é suportar viver com a ausência da persona - e para Jung "o homem sem personalidade
... é cego para a realidade do mundo, que para ele tem apenas o valor de um playground divertido ou
fantástico". Inevitavelmente, o resultado do "fluxo do inconsciente para o reino consciente,
simultaneamente com a dissolução da 'persona' e a redução da força diretiva da consciência, é um
estado de equilíbrio psíquico perturbado". Aqueles presos em tal estágio permanecem "cegos para o
mundo, sonhadores sem esperança ... Cassandras espectrais temiam por sua falta de tato,
eternamente incompreendida".
_________. Persona. Acessível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Persona_(psicologia). Modificada em 22/09/2021 às 17:39. Acessada em
08/10/2021 às 19:30.
Self na psicologia junguiana
O ponto central é o Ego, enquanto o Self é ambos o todo e o ponto central.
O Self ou si mesmo na psicologia junguiana é um dos arquétipos junguianos, significando a
unificação do consciente e do inconsciente em uma pessoa e representando a psique como um
todo.[1]
O Self, de acordo com Carl Jung, é percebido como o produto da individuação, que na sua opinião é
o processo de integração da personalidade. Para Jung, o Self é simbolizado pelo círculo
(especialmente quando dividido em quatro quadrantes, chamado quaternidade),[2] o quadrado ou a
mandala.[3]

Centros gêmeos
A ideia de que existem dois centros da personalidade distingue a psicologia junguiana. O ego é visto
como o centro da consciência, enquanto o Self é definido como o centro da personalidade total, que
inclui a consciência, o inconsciente e o ego; o Self é o todo e o centro. Enquanto o ego é um centro
autônomo do círculo contido no todo, o Self pode ser entendido como o círculo maior.[3][4]
Emergência do Self
Jung considerou que, desde o nascimento, todo indivíduo tem um senso original de totalidade – do
Si mesmo – , mas que, com o desenvolvimento, uma consciência do ego separada se cristaliza a
partir do sentimento original de unidade.[5] Esse processo de diferenciação do ego fornece a tarefa
da primeira metade do curso da vida, embora os junguianos também considerassem a saúde
psíquica dependente de um retorno periódico ao sentido do Self, algo facilitado pelo uso de mitos,
cerimônias de iniciação e ritos de passagem.[5]
Retorno ao Self: individuação
Depois que a diferenciação do ego foi alcançada com sucesso e o indivíduo está firmemente
ancorado no mundo externo, Jung considerou que uma nova tarefa então surge para a segunda
metade da vida – um retorno e uma redescoberta consciente do Eu: individuação. Marie-Louise von
Franz afirma que "os processos reais de individuação – o consciente chegar a um termo com o
próprio centro interior (núcleo psíquico) ou o Self – geralmente começam com um ferimento na
personalidade".[6] O ego atinge um impasse de um tipo ou de outro; e precisa pedir ajuda para o que
ela chamou de "uma espécie de tendência oculta de regulação ou direção ... [um] centro
organizador" na personalidade: "Jung chamou esse centro de 'Self' e o descreveu como a totalidade
de toda a psique, para distingui-lo do 'ego', que constitui apenas uma pequena parte da psique".[7]
Sob a orientação do Self, surge uma sucessão de imagens arquetípicas,[8] gradualmente
aproximando cada vez mais seus aspectos fragmentários do Self da sua totalidade. O primeiro a
aparecer, e o mais próximo do ego, seria a sombra ou o inconsciente pessoal – algo que é ao
mesmo tempo o primeiro representante da personalidade total[9] e que às vezes pode, de fato, estar
em conflito com o Si mesmo.[10] A seguir, aparecerão a Anima e o Animus, a imagem da alma, que
novamente, por uma espécie de atalho psicológico, pode ser tomada como idêntica a todo o Self.[11]
Idealmente, no entanto, o animus ou anima passa a desempenhar um papel mediador entre o ego e
o Self.[12] O terceiro arquétipo principal a emergir é a figura de Mana do velho sábio/velha sábia[13]
– um representante do inconsciente coletivo ainda mais próximo do Self.[14]
Depois disso, vem o arquétipo do próprio Self – o último ponto no caminho para a autorrealização da
individuação.[15] Nas palavras de Jung, "o Self... abraça a consciência do ego, a sombra, a anima e
o inconsciente coletivo em extensão indeterminável. Como uma totalidade, o self é uma coincidentia
oppositorum; portanto, é brilhante e escuro e, no entanto, nenhum dos dois".[16] Alternativamente,
ele afirmou que "o Self é o homem total e atemporal ... que representa a integração mútua entre
consciente e inconsciente".[17] Jung reconheceu muitas imagens de sonho como representando o
eu, incluindo uma pedra, a árvore do mundo, um elefante e o Cristo.[18]
Perigos do Self
Von Franz considerou que "o lado sombrio do Self é a coisa mais perigosa de todas, precisamente
porque o Self é o maior poder da psique. Ele pode fazer com que as pessoas 'girem' fantasias
megalomaníacas ou outras fantasias ilusórias que as alcançam", de modo que a vítima "pensa com
entusiasmo crescente que compreendeu os grandes enigmas cósmicos; portanto, perde todo o
contato com a realidade humana."[19]
Na vida cotidiana, o Si mesmo pode ser projetado em figuras poderosas como o estado, Deus, o
universo ou o destino.[20][21] Quando essas projeções são retiradas, pode haver uma inflação
destrutiva da personalidade – um contrapeso potencial a isso sendo, no entanto, os aspectos sociais
ou coletivos do Self.[22]
Crítica ao conceito junguiano de Self
Young-Eisendrath e Hall escrevem que "no trabalho de Jung, o self pode se referir à noção de
individualidade subjetiva inerente, à ideia de um centro abstrato ou princípio de ordenação central e
à descrição de um processo que se desenvolve ao longo do tempo".[23]
Fritz Perls objetou que “muitos psicólogos gostam de escrever o self com um S maiúsculo, como se
o self fosse algo precioso, algo extraordinariamente valioso. Eles vão à descoberta do self como uma
escavação de tesouros. O self não significa nada além de algo como é definido pela alteridade”.[24]
_________. Self. Acessível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Self_na_psicologia_junguiana. Modificada em 01/09/2021 às 14:32. Acessada em
08/10/2021 às 19:30.
Sombra (psicologia)
Conceitos Junguianos
Carl Gustav Jung foi um dos maiores estudiosos da vida interior do homem e tomou a si mesmo
como matéria prima de suas descobertas - suas experiências e suas emoções estão descritas no
livro "Memórias, Sonhos e Reflexões"
Jung realizou um avanço teórico quando resolveu se dedicar a descrever a psique de um ponto de
vista mais dinâmico e menos estrutural. Na segunda década do século XX, desenvolveu o conceito
de energia psíquica e passou a focalizar funções e processos, sendo o mais importante deles o de
individuação. Sua ênfase recaiu, sobretudo, sobre a relação, sempre presente e muito dinâmica,
entre a consciência e o inconsciente. A consciência é definida de uma forma em que o aspecto
dinâmico e relacional passou a ser o central: “A consciência pode até ser igualada à relação entre o
eu e os conteúdos psíquicos”. Para Jung, o inconsciente é a matriz psíquica básica que oferece a
cada ser humano um manancial de possibilidades para constituição de sua personalidade, na
medida em que embasa suas maneiras de apercepção das situações que vive na relação com a
mãe, a família, o meio social, suas características físicas, elementos da cultura e, também, com suas
próprias ideias e emoções.
O inconsciente coletivo pode ser visto como a “mãe” da consciência, que a gesta e deixa nascer
depois de um processo em que o ego, seu centro, vai se formando pouco a pouco durante a infância,
a partir das experiências sendo vividas, no meio em que se desenvolve a criança. O próprio ego,
centro da consciência, é definido por Jung como um complexo, dada sua maneira de se constituir,
que é a mesma de todos os complexos. Tem de específico o fato de ter como arquétipo embasador
o próprio self, isto é, o arquétipo da totalidade psíquica, o que faz com que ele assuma um senso de
identidade pessoal e, uma vez constituído, possa dispor de certo livre-arbítrio, na medida em que
tem para si uma parcela própria de energia psíquica.
Paralelamente à constituição do campo da consciência e do complexo do ego, vai-se formando o
inconsciente pessoal, fruto do recalque de conteúdos incompatíveis com a consciência que está
sendo desenvolvida. O inconsciente pessoal corresponde ao que Jung posteriormente passa a
chamar de sombra pessoal.
Sombra
A sombra abarca além dos complexos, conteúdos esparsos que correspondem a percepções
subliminares, isto é, aqueles que compõem as situações vividas mas de maneira que não atingem o
patamar mínimo para serem assimilados pela consciência. A sombra é a companheira inevitável da
consciência, a qual é equiparada com a luz que ilumina e permite discriminações mais acuradas. A
sombra dá conta daquilo que o ego não assimila nas vivências pessoais, e mantém tais conteúdos a
uma certa distância dele, mas com a possibilidade de virem a se tornar conscientes no futuro.
Enquanto instância psíquica, ela é fundamental, em si um arquétipo, coadjuvante a todo momento do
funcionamento da consciência que é, inerentemente, limitado. Pode-se considerar, também, uma
sombra arquetípica, responsável pelos conteúdos humanos gerais, que a cultura não consegue
assimilar à consciência coletiva. Cada um de nós tem conteúdos que dificilmente alcançarão o limiar
da consciência. Além disso, a relação da sombra com o ego é intensamente dinâmica e presente ao
longo da vida. Embora ele não possa considerá-la de maneira a reconhecer seus conteúdos, ela se
mantém presente e operante o tempo todo.
Persona
Construída em paralelo ao ego e à sombra desde o início da vida, a persona é a instância psíquica
responsável pela interação com os outros e com o meio de maneira geral. O termo persona refere-se
à máscara usada no teatro grego antigo, através da qual o ator fazia sua voz amplificar-se e
espalhar-se pelo ambiente. Manifesta-se nos papéis que desempenhamos na vida, abrangendo
também nossas maneiras de fazê-lo. É um recorte que consiste, segundo Jung, num segmento mais
ou menos arbitrário da psique coletiva, mas havendo nele algo de pessoal. A persona é a estrutura
que tem o compromisso de expressar algo de nossa individualidade num contexto pautado por
códigos sociais e por variáveis das outras pessoas. Forma-se inicialmente por meio da imitação dos
mais próximos, de maneira inconsciente, podendo e sendo desejável que vá, pouco a pouco, sendo
conscientizada no maior número possível de seus aspectos, para que se torne flexível e adequada,
fruto também da escolha egoica, e sirva a cada momento às demandas do processo de individuação.
Nossos papéis sociais ilustram aspectos da persona. Cada profissão tem sua persona, pois a cultura
define, em grande medida, o que se espera dela enquanto maneira de ser e de interagir. A persona
consiste numa estrutura arquetípica, cuja principal função é possibilitar a interação do indivíduo com
os outros, atendendo, por um lado, a papéis socialmente estabelecidos, e, por outro, assumindo uma
expressão pessoal ao fazê-lo. Ela é dinâmica e constantemente requer atualizações.
Individuação
O que Jung descreve como processo de individuação frequentemente refere-se à possibilidade de
personificar elementos do inconsciente que se apresentam para facilitar o estabelecimento de uma
relação dialógica e dialética entre eles e a consciência. Por isso ele valorizava tanto os símbolos que
se configuravam nas vivências, e, também, a própria imaginação como faculdade psíquica, em prol
da individuação. Um caminho que leva a uma diferenciação crescente da personalidade e ao
desenvolvimento da dimensão pessoal de forma mais consistente.
Nesse caminho, a ideia de Jung é que a pessoa se torna mais completa, o que não significa ser mais
perfeita; mais ela mesma e autêntica, o que não significa ser mais egoísta; mais participante de
maneira ética, compromissada, singular e significativa em seu contexto e relações, o que não
significa ser mais conformada. Para percorrer esse caminho é preciso ego e self, determinação da
vontade e deliberação da consciência e, também, consideração pelo imponderável, irracional e
imprevisível. É preciso que ambos se ponham em uma relação criativa, de reconhecimento e
interação.
O self, como concebido por Jung, tem intrinsecamente a função de constituir um centro e promover a
autorregulação psíquica. O ego, por sua vez, precisa, antes de mais nada, ser formado, o que se dá
paulatinamente ao longo da infância, para depois continuar se transformando ao longo da vida, no
sentido de desempenhar o papel de importante referência psíquica, na medida em que se abre às
vivências simbólicas e busca formas de incluí-las, discriminá-las e assimilá-las. A relação entre as
duas instâncias torna-se o foco de atenção do terapeuta e de apoio ontológico e existencial da
pessoa. E ao ego resta, ainda, o desafio do sacrifício de si próprio em alguns aspectos, sempre que
esta se apresentar como a solução para a totalidade em processo de individuação.
_________. Sombra. Acessível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Sombra_(psicologia). Modificada em 14/09/2019 às 14:01. Acessada em
08/10/2021 às 19:36.
Anima e Animus
A anima e o animus são descritos na escola de psicologia analítica de Carl Jung como parte de sua
teoria do inconsciente coletivo. Jung descreveu o animus como o lado masculino inconsciente de
uma mulher, e a anima como o lado feminino inconsciente de um homem, cada um transcendendo a
psique pessoal. A teoria de Jung afirma que a anima e o animus são os dois principais arquétipos
antropomórficos da mente inconsciente, em oposição à função teriomórfica e inferior dos arquétipos
das sombras. Ele acreditava que eles são os conjuntos de símbolos abstratos que formulam o
arquétipo do Self (Si Mesmo).
Na teoria de Jung, a anima compõe a totalidade das qualidades psicológicas femininas inconscientes
que um homem possui e o animus as masculinas possuídas por uma mulher. Ele não acreditava que
eles fossem um agregado de pai ou mãe, irmãos, irmãs, tias, tios ou professores, embora esses
aspectos do inconsciente pessoal possam influenciar a anima ou o animus de uma pessoa. Para que
a personalidade fique bem ajustada é necessário um equilíbrio entre anima e animus, ou seja: o lado
feminino da personalidade do homem e o lado masculino da personalidade da mulher devem ser
integrados ser expressos na consciência e nas atitudes.
Jung acreditava que a sensibilidade de um homem costuma ser menor ou reprimida e, portanto,
considerada a anima como um dos complexos autônomos mais significativos. Jung acreditava que a
anima e o animus se manifestavam aparecendo nos sonhos e influenciavam as atitudes e interações
de uma pessoa com o sexo oposto. Jung disse que "o encontro com a sombra é a 'obra de aprendiz'
no desenvolvimento do indivíduo … aquele com a anima é a 'obra-prima'".[1] Jung via o processo da
anima como uma das fontes de capacidade criativa, sendo relacionada ao papel das musas na
poesia. Refletindo sobre experiências românticas e visões psíquicas de seu conteúdo inconsciente
ao longo de sua vida, Jung buscou explicar o sentimento do amor identificando esses conceitos
como imagens contrassexuais (do sexo oposto) internas ao ser humano, baseadas nas quais
desenvolvem-se a afinidade, projeção, transformação e integração do indivíduo, e ele associou a
anima e o animus a símbolos alquímicos de conjunção, encontrando sua presença também nas
imagens das mitologias e contos.[2]
Origem
Jung postulou uma estrutura inconsciente que representa a parte sexual oposta de cada indivíduo;
ele denomina tal estrutura de Anima no homem e Animus na mulher. Esta estrutura psíquica básica
funciona como um ponto de convergência para todo material psíquico que não se adapta à
auto-imagem consciente de um indivíduo como homem ou mulher. Portanto, na medida em que uma
mulher define a si mesma em termos femininos, seu animus vai incluir aquelas tendências e
experiências dissociadas que ela definiu como masculinas.[3] "Todo homem carrega dentro de si a
eterna imagem da mulher, não a imagem desta ou daquela mulher em particular, mas uma imagem
feminina definitiva. Esta imagem é...uma marca ou ''arquétipo'' de todas as experiências ancestrais
do feminino, um depósito, por assim dizer, de todas as impressões já dadas pela mulher...Uma vez
que esta imagem é inconsciente, ela é sempre inconscientemente projetada na pessoa amada e é
uma das principais razões ou aversões apaixonadas."[4]
Anima
Anima é uma palavra originada do latim e foi originalmente usada para descrever ideias como
respiração, alma, espírito ou força vital. Jung começou a usar o termo no início dos anos 20 para
descrever o lado feminino interno dos homens.[5]
''Um bom exemplo da Anima como uma figura interior da psique masculina é encontrado nos
feiticeiros e profetas (xamãs) dos esquimós e de outras tribos árticas. Alguns chegam mesmo a usar
roupas femininas, ou seios desenhados nas roupas, de modo a evidenciar o seu interior feminino,
que lhes vai permitir entrar em contato com “o país dos espíritos” (isto é, com o que chamamos
inconsciente)."[6]
Animus
Animus é originário do latim, em que era usado para descrever ideias como alma racional, vida,
mente, poderes mentais, coragem ou desejo.[7] No início do século XIX, animus era usado para
significar "temperamento" e era tipicamente usado em um sentido hostil. Em 1923, começou a ser
usado como um termo na psicologia junguiana para descrever o lado masculino das mulheres.
Níveis de desenvolvimento da anima
Jung acreditava que o desenvolvimento da anima possui quatro níveis distintos, os quais em "A
psicologia da transferência" ele nomeou Eva, Helena, Maria e Sofia. Em termos gerais, todo o
processo de desenvolvimento da anima em um homem é sobre o sujeito masculino que se abre à
emocionalidade e, dessa maneira, uma espiritualidade mais ampla, criando um novo paradigma
consciente que inclui processos intuitivos, criatividade e imaginação e sensibilidade psíquica em
relação a ele próprio e outros onde talvez não existisse anteriormente.
Eva
A primeira é Eva, nomeada segundo o relato de Gênesis sobre Adão e Eva. Ela se trata do
surgimento do objeto de desejo de um homem. A anima está completamente ligada à mulher como
fornecedora de alimento, segurança e amor, puramente biológica num sentimento de posse.[8]
O homem nesse nível de anima não pode funcionar bem sem uma mulher e é mais provável que
seja controlado por ela. Ele é frequentemente impotente ou não tem desejo sexual.[9]
Helena
A segundo é Helena, uma alusão a Helena de Troia na mitologia grega. Esta fase ainda é dominada
pelo Eros sexual, mas ganha dimensão romântica e estética e nela as mulheres são valorizadas em
sua individualidade, vistas como capazes de sucesso mundano e de serem auto-suficientes,
inteligentes e perspicazes, mesmo que não sejam totalmente virtuosas. Esta segunda fase pretende
mostrar um forte cisma nos talentos externos (negócios cultivados e habilidades convencionais) com
falta de qualidades internas (incapacidade para a virtude, falta de fé ou imaginação).[8]
Maria
A terceira fase é Maria, nomeada segundo o entendimento teológico cristão da Virgem Maria (mãe
de Jesus). O Eros passa a ser devocional e espiritualizado, atingindo valor religioso. Nesse nível, as
mulheres agora podem parecer como possuindo virtude pelo homem que as percebe (mesmo que de
maneira esotérica e dogmática), na medida em que certas atividades consideradas conscientemente
não-virtuosas não podem ser aplicadas a ela.[8]
Sofia
A quarta e última fase do desenvolvimento da anima é Sofia, nomeada segundo a palavra grega
para sabedoria. A integração completa ocorreu agora, o que permite que as mulheres sejam vistas e
relacionadas como indivíduos particulares que possuem qualidades positivas e negativas.[8] O
aspecto mais importante deste nível final é que, como sugere a personificação "Sabedoria", a anima
agora é desenvolvida o suficiente para que nenhum objeto possa conter total e permanentemente as
imagens com as quais está relacionada.
Níveis de desenvolvimento do animus
Jung se concentrou mais na anima do homem e escreveu menos sobre o animus da mulher. Jung
acreditava que toda mulher tem um animo análogo em sua psique, sendo este um conjunto de
atributos e potenciais masculinos inconscientes. Ele via o animus como sendo mais complexo que a
anima, postulando que as mulheres têm uma série de imagens de animus, enquanto a anima
masculina consiste apenas em uma imagem dominante.
Jung afirmou que existem quatro níveis paralelos de desenvolvimento do animus em uma
mulher.[10]
Homem de mero poder físico
O animus "aparece pela primeira vez como uma personificação do mero poder físico - por exemplo,
como um campeão atlético ou homem musculoso, como 'o herói fictício da selva Tarzan'".[11]
Homem de ação ou romance
Na próxima fase, o animus "possui iniciativa e capacidade de ação planejada...o homem romântico -
o poeta britânico do século XIX Byron; ou o homem de ação - o americano Ernest Hemingway, herói
de guerra, caçador, etc."[12]
Homem como professor, clérigo, orador
Na terceira fase "o animus se torna o verbo, aparecendo frequentemente como professor ou clérigo
... o portador da palavra - Lloyd George, o grande orador político".[12]
O homem como guia espiritual
"Finalmente, em sua quarta manifestação, o animus é a encarnação do significado. Nesse nível mais
alto, ele se torna (como a anima) um mediador da...profundidade espiritual".[13] Jung observou que
"na mitologia, esse aspecto do animus aparece como Hermes, mensageiro dos deuses; nos sonhos,
ele é um guia útil". Como Sophia, esse é o nível mais alto de mediação entre a mente inconsciente e
a consciente. No livro The Invisible Partners, John A. Sanford disse que a chave para controlar a
anima/animus é reconhecê-la quando ela se manifesta e exercitar nossa capacidade de discernir a
anima/animus da realidade.[14]
Anima e animus comparados
Os quatro papéis não são idênticos com os gêneros revertidos. Jung acreditava que, embora a
anima tendesse a aparecer como uma personalidade feminina relativamente singular, o animus pode
consistir em uma conjunção de múltiplas personalidades masculinas: "desse modo, o inconsciente
simboliza o fato de que o animus representa um elemento coletivo e não pessoal".[15]
O processo de desenvolvimento do animus lida com o cultivo de uma ideia de eu independente e
não socialmente subjugada, incorporando-se um verbo mais profundo (conforme uma perspectiva
existencial específica) e em se manifestando esse verbo. Para esclarecer, isso não significa que um
sujeito feminino se torne mais estabelecido em seus caminhos (já que esse verbo é rico em
emocionalidade, subjetividade e dinamismo, assim como uma anima bem desenvolvida), mas que
ela está mais consciente internamente do que ela acredita e sente e é mais capaz de expressar
essas crenças e sentimentos. Assim, o "animus em sua forma mais desenvolvida às vezes...a torna
ainda mais receptiva do que um homem a novas ideias criativas".[16]
Os estágios finais do desenvolvimento do animus e da anima têm qualidades dinâmicas
(relacionadas ao movimento e fluxo desse processo contínuo de desenvolvimento), qualidades
abertas (não há ideal aperfeiçoado estático ou manifestação da qualidade em questão) e qualidades
pluralistas (que transcendem a necessidade de uma imagem singular, pois qualquer sujeito ou objeto
pode conter vários arquétipos ou até papéis aparentemente antitéticos). Elas também formam pontes
para as próximas figuras arquetípicas a emergir, à medida que "o inconsciente muda novamente seu
caráter dominante e aparece em uma nova forma simbólica, representando o Eu".[17] - os arquétipos
da Velha Sábia/Velho Sábio.
Entre neojunguianos, pode ocorrer a afirmação de que ambos anima e animus são polaridades
presentes tanto em homens quanto em mulheres, com Jung tendo considerado um "animus da
anima" em homens, em sua obra Aion e em uma entrevista em que ele diz:
“ "Sim, se um homem realiza o animus de sua anima, então o animus é um substituto para o
velho homem sábio. Veja, o ego dele está em relação ao inconsciente, e o inconsciente é
personificado por uma figura feminina, a anima. Mas no inconsciente há também uma figura
masculina, o velho sábio, e essa figura está relacionada à anima como seu animus, porque ela é
uma mulher. Assim, alguém poderia dizer que o velho sábio estava exatamente na mesma posição
que o animus para uma mulher."[18]
Cuidados junguianos
Os junguianos alertaram que "toda personificação do inconsciente - a sombra, a anima, o animus e o
Eu - tem ambos aspectos claro e escuro....a anima e o animus têm aspectos duplos: podem trazer
desenvolvimento vivificante. e criatividade para a personalidade, ou podem causar petrificação e
morte física".[19]
Um perigo era o que Jung denominou "invasão" do consciente pelo arquétipo inconsciente -
"Possessão causada pela anima...mau gosto: a anima se envolve com pessoas inferiores".[20] Jung
insistiu que "um estado de possessão da anima ... deve ser evitado. A anima é assim forçada ao
mundo interior, onde ela funciona como o meio entre o ego e o inconsciente, assim como a persona
entre o ego e o meio ambiente".[21]
Alternativamente, o excesso de consciência da anima ou do animus poderia fornecer uma conclusão
prematura do processo de individuação - "uma espécie de curto-circuito psicológico, a identificar o
animus pelo menos provisoriamente com a totalidade".[22] Em vez de se contentar com uma posição
intermediária, o animus procura usurpar "o eu, com o qual o animus do paciente se identifica. Essa
identificação é uma ocorrência regular quando a sombra, o lado escuro, não foi suficientemente
realizada".
_________. Anima e Animus. Acessível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Anima_e_Animus. Modificada em 10/03/2020 às 01:47. Acessada em
08/10/2021 às 19:41
Teoria da personalidade
A teoria da personalidade tem por objetivo organizar o conhecimento a respeito da personalidade de
tal maneira que a grande quantidade de informação gerada pela pesquisa científica seja organizada
de maneira sistemática e coerente e novas hipóteses possam ser geradas para uma futura
comprovação.[1]
A personalidade é uma construção pessoal que decorre ao longo da nossa vida, e uma elaboração
da nossa história, da forma que sentimos e interiorizamos as nossas experiências, acompanha e
reflecte a maturação psicológica. Em suma, a personalidade é um processo activo e que intervém
em diferentes factores.
Diversos autores se dedicaram à pesquisa da personalidade, cada um com ênfases teóricas e
metodológicas diferentes, o que os levou muitas vezes a resultados completamente distintos. Apesar
de todas as diferenças, no entanto, todos os teóricos procuram oferecer resposta a algumas
perguntas básicas:[1]
1. Estrutura da personalidade: Como a personalidade é estruturada e pode ser estudada? Quais
são suas unidades básicas?
2. Processos da personalidade: Quais são e como funcionam os aspectos dinâmicos da
personalidade?
3. Crescimento e desenvolvimento da personalidade: Como a personalidade se desenvolve para
formar a pessoa que somos hoje?
4. Psicopatologia e modificação comportamental: Como as pessoas podem se modificar e
porque algumas pessoas têm mais dificuldades?
Estrutura da personalidade
A expressão "estruturas da personalidade" refere-se àquelas características estáveis da
personalidade. As diferentes teorias da personalidade se diferenciam quanto às estruturas
consideradas como base para o estudo:[1]
1. Traços ou disposições referem-se à consistência das reações de um indivíduo a diferentes
situações. Por exemplo, quando se diz que uma pessoa é "aberta", quer-se dizer que ela se
comporta dessa maneira em diferentes situações. Em geral os traços psicológicos são vistos
como dimensões contínuas, ou seja, todas as pessoas têm mais ou menos de determinada
característica; exemplos de modelos que se baseiam neles são a teoria pentafatorial do Big
Five e a divisão das dimensões de temperamento e caráter por C. Robert Cloninger no
Inventário de Temperamento e Caráter.[2]
2. Tipos psicológicos referem-se a um padrão estável de traços de personalidade. Tipos
psicológicos são considerados mais como categorias do que como dimensões. Por exemplo
os termos "introvertido" e "extrovertido" foram criados por Carl G. Jung como descrição de
dois tipos psicológicos, ou seja, algumas pessoas são extrovertidas e outras introvertidas.
Posteriormente os termos foram tomados por Hans Eysenck para descrever os dois extremos
de uma dimensão, de tal forma que qualquer pessoa pode ser classificada como mais ou
menos extrovertida. O construto de Eysenck, apesar de baseado em tipos psicológicos de
Jung, é na verdade um traço de personalidade.
3. Outros autores preferem ver personalidade como sistema ou conjunto de sistemas, ou seja,
eles não procuram características isoladas de uma pessoa (abertura, extroversão) mas
procuram observar como tais características, e mesmo a pertinência a determinado tipo
psicológico, são geradas através da interação entre diferentes processos mentais (emoções,
pensamento, cognições etc.). Tais autores, assim, não vêm "extroversão" como algo que uma
pessoa tem ou que uma pessoa é, mas uma descrição da forma como a pessoa se comporta
e é resultado da interação entre as formas de pensar e sentir do indivíduo.
As diferentes teorias da personalidade não se diferenciam somente quanto às unidades que tomam
como base, mas também quanto à relação que há entre elas. Alguns autores consideram, por
exemplo, que diferentes traços de personalidade se relacionam de maneira hierárquica. Existem
duas formas de relação hierárquica entre duas características: (1) característica A é um exemplo da
característica B (ex. ser "sociável", "conversador" são exemplos de "extroversão) ou (2)
característica A serve a característica B (ex. ser "pontual" está a serviço (é um caminho para) ser
"consciencioso"). Já outros autores como Albert Bandura consideram que as diferentes estruturas e
sistemas da personalidade podem se influenciar mutuamente sem necessariamente serem
organizadas hierarquicamente.
Processos da personalidade
As diversas teorias da personalidade diferenciam-se também quanto à maneira como explicam a
dinâmica da personalidade, ou seja, a motivação e outros aspectos que levam à ação observável.
Algumas teorias, ditas hedonistas, afirmam que o comportamento humano tem dois objetivos
principais: a busca de prazer e evitar sensações desagradáveis. Assim as necessidades humanas
surgem de um aumento da pressão interna (desagradável) que exige uma solução (ver pulsões) ou
ainda da busca de um estado de maior prazer, por exemplo, de fama, dinheiro, poder,
reconhecimento, etc. Outras teorias, pelo contrário, partem do princípio de que o ser humano busca
sobretudo sua autorrealização, ou seja, seu desenvolvimento pleno enquanto pessoa. Segundo tais
teóricos, o desenvolvimento de si-mesmo possui um valor tão importante para o ser humano, que ele
estaria disposto aceitar uma aumento de tensão e estresse para atingi-lo. Outras teorias dão ainda
maior ênfase aos processos cognitivos, ao esforço do indivíduo de compreender a si mesmo e ao
mundo que o cerca. Para tais autores o maior esforço do ser humano não está tanto direcionado ao
hedonismo ou à autorrealização, mas à busca de consistência interna e compreensão do mundo.
Isso significa aqui, que o ser humano está empenhado a construir (cognitivamente) uma autoimagem
e uma imagem do mundo que o cerca consistentes, mesmo que à custa de dores e desprazeres.[1]
No correr do desenvolvimento da psicologia da personalidade a pesquisa deu ênfase maior ora a
uma tipo de motivação ora a outro. No entanto a pesquisa recente parece apontar para um quadro
mais complexo, em que os diferentes tipos de motivação desempenham um papel de importância
variada, mas sempre em interação.
Crescimento e desenvolvimento
As diferentes teorias da personalidade se diferenciam também, quanto à maneira com que explicam
crescimento e desenvolvimento e ao valor que dão aos diferentes fatores que desempenham um
papel nesse processo:[1][3]
1. Fatores genéticos e biológicos
2. Fatores psicológicos - a história pessoal do indivíduo, experiências de vida, etc.
3. Fatores ambientais - cultura, classe social, família, contato com coetâneos, etc.
Quais são os fatores reais que influenciam a personalidade?
Psicopatologia e modificação comportamental
As primeiras teorias da personalidade surgiram em um contexto clínico e com um fim muito prático:
oferecer um fundamento teórico para os transtornos mentais e seu tratamento. As teorias
posteriores, mesmo não tendo se originado em um contexto clínico, oferecem também novas
possibilidades para a psicoterapia. A capacidade de determinada teoria de guiar e enriquecer a
prática terapêutica é um dos principais elementos para uma avaliação da relevância dessa teoria.[1]

Outros aspectos relevantes


Além de descrever a estrutura, os processos dinâmicos, o desenvolvimento e as possibilidades de
mudança da personalidade, uma teoria da personalidade termina, por sua própria natureza, tocando
e tendo de se posicionar em outros temas da maior relevância que, no entanto, ultrapassam o âmbito
da psicologia da personalidade. A resposta dada a essas perguntas são, muitas vezes, dependentes
do ambiente sócio-cultural do pesquisador e mostram como a cultura influencia o processo
científico:[1]
1. A imagem do ser humano - o ser humano é um ser livre, autodeterminado ou é um ser guiado
por pulsões? Ou ainda meros "supercomputadores"?
2. Os fatores determinantes do comportamento - o ser humano é impulsionado por fatores
internos (pulsões, como em Freud, ou a autorrealização, como em Rogers) ou externos
(reforço e castigo, como em Skinner)?
3. A consistência e a estabilidade da personalidade - Quão consistente é a personalidade em
diferentes momentos e situações? Qual é o limite da capacidade da personalidade de se
transformar, se modificar? Até quando a pessoa permanece "ela mesma"?
4. A unidade da experiência e o conceito de si mesmo - Como o ser humano é capaz de unir a
diversidade de experiências que faz em uma só pessoa? Como ele é capaz de se sentir uma
só pessoa, mesmo se comportando de maneira diferente em diversas situações?
5. A relação entre os diferentes estados de consciência e o conceito de inconsciente - O que é a
consciência? Qual sua função? Como são organizados os processos mentais inconscientes?
Qual sua importância para a formação da personalidade?
6. A importância da experiência temporal para o comportamento - como e de que forma as
experiências passadas, presentes e futuras (esperadas) influenciam o comportamento e,
assim, a personalidade?
7. Os limites do conhecimento científico - é o método científico capaz de representar a
complexidade do viver e da personalidade humana?
Como se vê, as teorias da personalidade refletem a própria complexidade do ser humano e,
oferecem, assim, sempre uma imagem parcial. Dessa forma, mais importante do que a pergunta
"quais teorias são corretas e quais são falsas?" é a questão "Quão útil é esta teoria para o
desenvolvimento do meu saber, para responder às questões postas pela ciência e pelas exigências
práticas". A história da psicologia e de outras ciências oferece numerosos exemplos de como mesmo
teorias em determinados aspectos erradas podem ter uma importância prática: apesar dos
problemas, tais teorias podem oferecer uma orientação tanto para a pesquisa futura quanto para a
prática.[1]
_________. Teoria da Personalidade. Acessível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_da_personalidade. Modificada em 22/08/2021 às 10:08.
Acessada em 08/10/2021 às 19:59
Teoria psicanalítica
A teoria psicanalítica foi desenvolvida pelo neurologista austríaco Sigmund Freud (1856-1939) e está
intimamente relacionada a sua prática psicoterapêutica. É uma teoria que procura descrever a
etiologia dos transtornos mentais, o desenvolvimento do homem e de sua personalidade, além de
explicar a motivação humana. Com base nesse corpo teórico Freud desenvolveu um tipo de
psicoterapia. Ao conjunto formado pela teoria, a prática psicoterapêutica nela baseada e os métodos
utilizados dá-se o nome de psicanálise.
Estrutura e dinâmica da personalidade
Freud imaginava a psique (ou aparelho psíquico) do ser humano como um sistema de energia: cada
pessoa é movida, segundo ele, por uma quantidade limitada de energia psíquica. Isso significa, por
um lado, que se grande parte da energia for necessária para a realização de determinado objetivo
(ex. expressão artística) ela não estará disponível para outros objetivos (ex. sexualidade); por outro
lado, se a pessoa não puder dar vazão à sua energia por um canal (ex. sexualidade), terá de fazê-lo
por outro (ex. expressão artística). Essa energia provém das pulsões (às vezes chamadas
incorretamente de instintos). Segundo o autor, o ser humano possui duas pulsões inatas, a de vida
(Eros) e a de morte (Tânato).[1] Essas duas pulsões opõem-se ao ideal da sociedade e, por isso,
precisam ser controladas através da educação, considerando que a energia gerada pelas pulsões
não é liberada de maneira direta. O ser humano é, assim, sexual e agressivo por natureza e a função
da sociedade é amansar essas tendências naturais do homem. A situação de não poder dar vazão a
essa energia gera no indivíduo um estado de tensão interna que necessita ser resolvido. Toda ação
do homem é motivada, assim, pela busca hedonista de dar vazão à energia psíquica acumulada.[2]
Os níveis da consciência ou modelo topológico da mente (1ª Tópica)
O ser humano, no entanto, não se dá conta de todo esse processo de geração e liberação de
energia. Para explicar esse fato, Freud descreve três níveis de consciência[2]:

 O consciente (al. das Bewusste), que abarca todos os fenômenos que em determinado
momento podem ser percebidos de maneira consciente pelo indivíduo;

 O pré-consciente (al. das Vorbewusster), refere-se aos fenômenos que não estão conscientes
em determinado momento, mas podem tornar-se, se o indivíduo desejar se ocupar com eles;

 O inconsciente (al. das Unbewusster), que diz respeito aos fenômenos e conteúdos que não
são conscientes e somente sob circunstâncias muito especiais podem tornar-se. (O termo
subconsciente é muitas vezes usado como sinônimo, apesar de ter sido abandonado pelo
próprio Freud.)
Freud não foi o primeiro a propor que parte da vida psíquica se desenvolve inconscientemente. Ele
foi, no entanto, o primeiro a pesquisar profundamente esse território. Segundo ele, os desejos e
pensamentos humanos produzem muitas vezes conteúdos que causariam medo ao indivíduo, se não
fossem armazenados no inconsciente. Este tem assim uma função importantíssima de estabilização
da vida consciente. Sua investigação levou-o a propor que o inconsciente é alógico (e por isso aberto
a contradições); atemporal e aespacial (ou seja, conteúdos pertencentes a épocas ou espaços
diferentes podem estar próximas). Os sonhos são vistos como expressão simbólica dos conteúdos
inconscientes.
Através da compreensão do conceito de inconsciente torna-se clara a compreensão da motivação na
psicanálise clássica: muitos desejos, sentimentos e motivos são inconscientes, por serem muito
dolorosos para se tornarem conscientes. No entanto esse conteúdo inconsciente influencia a
experiência consciente da pessoa, por exemplo, através de atos falhos, comportamentos
aparentemente irracionais, emoções inexplicáveis, medo, depressão, sentimento de culpa. Assim, os
sentimentos, sonhos, desejos e motivos inconscientes influenciam e guiam o comportamento
consciente.
Modelo estrutural da personalidade (2ª Tópica)
Freud desenvolveu mais tarde, (1923) um modelo estrutural da personalidade, em que o aparelho
psíquico se organiza em três estruturas:[2][3]

 Id (em alemão: es, "ele, isso"): O id é a fonte da energia psíquica, a libido. O id é formado
pelas pulsões, instintos, impulsos orgânicos e desejos inconscientes. Ele funciona segundo o
princípio do prazer (Lustprinzip), ou seja, busca sempre o que produz prazer e evita o
desprazer. Não faz planos, não espera, busca uma solução imediata para as tensões, não
aceita frustrações e não conhece inibição. Ele não tem contato com a realidade e uma
satisfação na fantasia pode ter o mesmo efeito de uma atingida través de uma ação. O id
desconhece juízo, lógica, valores, ética ou moral, sendo exigente, impulsivo, cego, irracional,
antissocial e dirigido ao prazer. O id é completamente inconsciente.

 Ego (ich, "eu"): O ego desenvolve-se a partir do id com o objetivo de permitir que seus
impulsos sejam eficientes, ou seja, levando em conta o mundo externo, por intermédio do
chamado princípio da realidade. É esse princípio que introduz a razão, o planejamento e a
espera ao comportamento humano. A satisfação das pulsões é retardada até o momento em
que a realidade permita satisfazê-las com um máximo de prazer e um mínimo de
consequências negativas. A principal função do ego é buscar uma harmonização inicialmente
entre os desejos do id e a supervisão/realidade/repressão do superego.

 Superego (Über-Ich, "super-eu", "além-do-eu"): É a parte moral da mente humana e


representa os valores da sociedade. O superego tem três objetivos: (1) reprimir, através de
punição ou sentimento de culpa, qualquer impulso contrário às regras e ideais por ele ditados;
(2) forçar o ego a se comportar de maneira moral, mesmo que irracional; e, (3) conduzir o
indivíduo à perfeição, em gestos, pensamentos e palavras. O superego forma-se após o ego,
durante o esforço da criança de introjetar os valores recebidos dos pais e da sociedade a fim
de receber amor e afeição. Ele pode funcionar de uma maneira bastante primitiva, punindo o
indivíduo não apenas por ações praticadas, mas também por pensamentos inaceitáveis; outra
característica sua é o pensamento dualista (tudo ou nada, certo ou errado, sem meio-termo).
O superego divide-se em dois subsistemas: o ego ideal, que dita o bem a ser procurado, e a
consciência (Gewissen), que determina o mal a ser evitado.
Os mecanismos de defesa
O ego está constantemente sob tensão, nas suas tentativas de harmonizar os impulsos do id no
mundo exterior e adequando-os à repressão do superego. Quando essa tensão (normalmente sob a
forma de medo) se torna grande demais, ameaça a estabilidade do ego, que pode fazer uso dos
mecanismos de defesa ou ajustamentos. Estas são estratégias do ego para diminuir o medo através
de uma deformação da realidade - dessa forma o ego exclui da consciência conteúdos indesejados.
Os mecanismos de defesa satisfazem os desejos do id apenas parcialmente, mas, para este, uma
satisfação parcial é melhor do que nenhuma.
Entre os mecanismos de defesa é preciso considerar, por um lado, os mecanismos bastante
elaborados para defender o eu (ego), e por outro lado, os que estão simplesmente encarregados de
defender a existência do narcisismo. Freud (1937)[4] diz que mecanismos defensivos falsificam a
percepção interna do sujeito fornecendo somente uma representação imperfeita e deformada.[5]
Freud descreveu muitos mecanismos de defesa no decorrer da sua obra e seu trabalho foi
continuado por sua filha Anna Freud; os principais mecanismos são:[6]

 Repressão é o processo pelo qual se afastam da consciência conflitos e frustrações


demasiadamente dolorosos para serem experimentados ou lembrados, reprimindo-os e
recalcando-os para o inconsciente; o que é desagradável é, assim, esquecido;

 Formação reativa consiste em ostentar um procedimento e externar sentimentos opostos aos


impulsos verdadeiros, indesejados;

 Projeção consiste em atribuir a outros as ideias e tendências que o sujeito não pode admitir
como suas;

 Regressão consiste em a pessoa retornar a comportamentos imaturos, característicos de fase


de desenvolvimento que a pessoa já passou;

 Fixação é um congelamento no desenvolvimento, que é impedido de continuar. Uma parte da


líbido permanece ligada a um determinado estágio do desenvolvimento e não permite que a
criança passe completamente para o próximo estágio. A fixação está relacionada com a
regressão, uma vez que a probabilidade de uma regressão a um determinado estágio do
desenvolvimento aumenta se a pessoa desenvolveu uma fixação por este;

 Sublimação é a satisfação de um impulso inaceitável através de um comportamento


socialmente aceito;

 Identificação é o processo pelo qual um indivíduo assume uma característica de outro. Uma
forma especial de identificação é a identificação com o agressor;

 Deslocamento é o processo pelo qual agressões ou outros impulsos indesejáveis, não


podendo ser direcionados à(s) pessoa(s) a que se referem, são direcionadas a terceiros.
As fases do desenvolvimento psicossexual
Uma importante parte da teoria freudiana é dedicada ao desenvolvimento da personalidade. Duas
hipóteses caracterizam sua teoria:[6]
Freud foi o primeiro a afirmar que os primeiros anos da vida são os mais importantes para o
desenvolvimento da pessoa e o desenvolvimento do indivíduo se dá em fases ou estádios
psico-sexuais. Freud foi, assim, o primeiro autor a afirmar que as crianças também têm uma
sexualidade.
Freud descreve quatro fases distintas, pelas quais a criança passa em seu desenvolvimento. Cada
uma dessas fases é definida pela região do corpo a que as pulsões se direcionam. Em cada fase
surgem novas necessidades que exigem satisfação; a maneira como essas necessidades são
satisfeitas determina como a criança se relaciona com outras pessoas e quais sentimentos ela tem
para consigo mesma. A transição de uma fase para outra é biologicamente determinada, de tal forma
que uma nova fase pode iniciar sem que os processos da fase anterior tenha se completado. As
fases se seguem umas às outras em uma ordem fixa e, apesar de uma fase se desenvolver a partir
da anterior, os processos desencadeados em uma fase nunca estão plenamente completos e
continuam agindo durante toda a vida da pessoa.[6]
A fase oral
A primeira fase do desenvolvimento é a fase oral, que se estende desde o nascimento até
aproximadamente dois anos de vida. Nessa fase a criança vivencia prazer e dor através da
satisfação (ou frustração) de pulsões orais, ou seja, pela boca. Essa satisfação se dá independente
da satisfação da fome, mas inicialmente por ela. Assim, para a criança sugar, mastigar, comer,
morder, cuspir etc. têm uma função ligada ao prazer, além de servirem à alimentação. Ao ser
confrontada com frustrações a criança é obrigada a desenvolver mecanismos para lidar com tais
frustrações. Esses mecanismos são a base da futura personalidade da pessoa. Assim, uma
satisfação insuficiente das pulsões orais pode conduzir a uma tendência para ansiedade e
pessimismo; já uma excessiva satisfação pode levar, através de uma fixação nessa fase, a
dificuldades de aceitar novos objetos como fonte de prazer/dor em fases posteriores, aumentando
assim a probabilidade de uma regressão.[6]
A fase oral se divide em duas fases menores, definidas pelo nascimento dos dentes. Até então a
criança se encontra em uma fase passiva-receptiva; com os primeiros dentes a criança passa a uma
fase sádica-ativa através da possibilidade de morder. O principal objeto de ambas as fases, o seio
materno, se torna, assim, um objeto ambivalente. Essa ambivalência caracteriza a maior parte dos
relacionamentos humanos, tanto com pessoas como com objetos.[6]
A fase oral apresenta, assim, cinco modos de funcionamento que podem se desenvolver em
características da personalidade adulta:[6]
1. O incorporar do alimento se mostra no adulto como um "incorporar" de saber ou poder, ou
ainda como a capacidade de se identificar com outras pessoas ou de se integrar em grupos;
2. O segurar o seio, não querendo se separar dele, se mostram posteriormente como
persistência e perseverança ou ainda como decisão;
3. Morder é o protótipo da destrutividade, assim do sarcasmo, cinismo e tirania;
4. Cuspir se transforma em rejeição e;
5. O fechar a boca, impedindo a alimentação, conduz a rejeição, negatividade ou introversão.
O principal processo na fase oral é a criação da ligação entre mãe e filho.[6]
A fase anal
A segunda fase, segundo Freud, é a fase anal, que vai aproximadamente do primeiro ao terceiro ano
de vida. Nessa fase a satisfação das pulsões se dirige ao ânus, ao controle da tensão intestinal.
Nessa fase a criança tem de aprender o controle dos esfincteres sobre o ato de defecar e, dessa
forma, deve aprender a lidar com a frustração do desejo de satisfazer suas necessidades
imediatamente. Como na fase oral, também os mecanismos desenvolvidos nesta fase influenciam o
desenvolvimento da personalidade. O defecar imediato e descontrolado é o protótipo dos ataques de
raiva; já uma educação muito rígida com relação à higiene pode conduzir tanto a uma tendência ao
caos, aos descuido, à bagunça quanto a uma tendência a uma organização compulsiva e
exageradamente controlada. Se a mãe faz elogios demais ao fato de a criança conseguir esperar até
o banheiro, pode surgir uma ligação entre dar (as fezes) e receber amor, e a pessoa pode
desenvolver generosidade; se a mãe supervaloriza essas necessidades biológicas, a criança pode
se desenvolver criativa e produtiva ou, pelo contrário, se tornar depressiva, caso ela não
corresponda às expectativas; crianças que se recusam a defecar podem se desenvolver como
colecionadores, coletores ou avaros.[6]
A fase fálica
A fase fálica, que vai dos três aos cinco anos de vida, se caracteriza segundo Freud pela importância
da presença (ou, nas meninas, da ausência) do falo ou pênis; nessa fase prazer e desprazer estão,
assim, centrados na região genital. As dificuldades dessa fase estão ligadas ao direcionamento da
pulsão sexual ou libidinosa ao genitor do sexo oposto e aos problemas resultantes. A resolução
desse conflito está relacionada ao complexo de Édipo e à identificação com o genitor de mesmo
sexo.[6]
Freud desenvolveu sua teoria tendo sobretudo os meninos em vista, uma vez que, para ele, estes
vivenciariam o conflito da fase fálica de maneira mais intensa e ameaçadora. Segundo Freud o
menino deseja nessa fase ter a mãe só para si e não partilhá-la mais com o pai; ao mesmo tempo
ele teme que o pai se vingue, castrando-o. A solução para esse conflito consiste na repressão tanto
do desejo libidinoso com relação à mãe como dos sentimentos agressivos para com o pai; em um
segundo momento realiza-se a identificação do menino com seu pai, o que os aproxima e conduz,
assim, a uma internalização por parte do menino dos valores, convicções, interesses e posturas do
pai. O complexo de Édipo representa um importante passo na formação do superego e na
socialização dos meninos, uma vez que o menino aprende a seguir os valores dos pais. Essa
solução de compromisso permite que tanto o ego (através da diminuição do medo) e o id (por o
menino poder possuir a mãe indiretamente através do pai, com o qual ele se identifica) sejam
parcialmente satisfeitos.[6]
O conflito vivenciado pelas meninas é parecido, contudo com mais possibilidades de solução. A
menina deseja o próprio pai, em parte devido à inveja que sente por não ter um pênis (al. Penisneid);
ela sente-se castrada e culpa à própria mãe por tê-la privado de um falo. Por outro lado, a mãe
representa uma ameaça menos séria, uma vez que uma castração não é possível. Devido a essa
situação diferente, a identificação da menina com a própria mãe é menos forte do que a do menino
com seu pai e, por isso, as meninas teriam uma consciência menos desenvolvida - afirmação esta
que foi rejeitada pela pesquisa empírica.[6] Freud usou o termo "complexo de Édipo" para ambos os
sexos; autores posteriores limitaram o uso da expressão aos meninos, reservando para as meninas
o termo "complexo de Electra", mas que foi rejeitado por Freud no texto "Sobre a Sexualidade
Feminina" de 1931.
A apresentação do complexo de Édipo dada acima é, no entanto, simplificada. Na realidade o
resultado da resolução do complexo de Édipo é sempre uma identificação como ambos os pais e a
força de cada uma dessas identificações depende de diferentes fatores, como a relação entre os
elementos masculinos e femininos na predisposição fisiológica da criança ou a intensidade do medo
de castração ou da inveja do pênis. Além disso, a mãe mantém em ambos os sexos um papel
primordial, permanecendo sempre o principal objeto da libido.[6]
O período de latência
Depois da agitação dos primeiros anos de vida segue-se uma fase mais tranquila que se estende até
a puberdade. Nessa fase a libido é desinvestida das fantasias e da sexualidade, tornando-as
secundárias, mas reinvestida em outros meios como o desenvolvimento cognitivo, aprendizado, a
assimilação de valores e normas sociais que se tornam as atividades principais da criança,
continuando o desenvolvimento do ego e do superego.[6]
A fase genital
A última fase do desenvolvimento psicossocial é a fase genital, que se dá durante a adolescência.
Nessa fase as pulsões sexuais, depois da longa fase de latência e acompanhando as mudanças
corporais, despertam-se novamente, mas desta vez se dirigem a uma pessoa do sexo oposto, ou
não (onde entra a questão da homossexualidade). Como se depreende da explanação anterior, a
escolha do parceiro não se dá independente dos processos de desenvolvimento anteriores, mas é
influenciada pela vivência nas fases anteriores. Além disso, apesar de continuarem agindo durante
toda a vida do indivíduo, os conflitos internos típicos das fases anteriores atingem na fase genital
uma relativa estabilidade conduzindo a pessoa a uma estrutura do ego que lhe permite enfrentar os
desafios da idade adulta.[6]
A teoria psicanalítica dos transtornos mentais
Os transtornos mentais caracterizam uma faixa que vai desde formas neuróticas leves até a loucura,
na plenitude do seu termo. "Normal" seria aquela personalidade com capacidade de viver
eficientemente, manter um relacionamento duradouro e emocionalmente satisfatório com outras
pessoas, trabalhar produtivamente, repousar e divertir-se, ser capaz de mensurar, julgar e lidar com
base realista suas qualidades e imperfeições, aceitando-as como são.
No início de sua obra, Freud dividiu os transtornos emocionais, que então ele denominava
psiconeuroses, em três categorias psicopatológicas: 1) As neuroses atuais. 2) As neuroses
transferenciais, também conhecidas como psiconeuroses de defesa (que eram as histerias, as fobias
e as obsessivas). 3) As neuroses narcisistas (que constituem os atuais quadros psicóticos). De lá
para cá, muita coisa modificou substancialmente. Os autores discutem a adequação ou não do termo
“perversão” para nomear uma determinada categoria de pacientes que apresentam uma série de
características comuns e típicas entre eles, levando em conta o fato de que essa denominação tem o
inconveniente de estar impregnada de “pré-conceitos”, especialmente os de ordem moral e ética, o
que nem sempre faz jus à seriedade e à profundidade com que tais pacientes merecem ser
compreendidos e analisados.[7]
Classificam-se os transtornos mentais em 3 grandes tipos básicos:[8]
Primeiro tipo: neuroses
É a existência de tensão excessiva e prolongada, de conflito persistente ou de uma necessidade
prolongadamente frustrada, é sinal de que na pessoa se configurou uma neurose. A neurose
determina uma modificação, mas não uma desestruturação da personalidade e muito menos de
perda de valores da realidade. Com o desenvolvimento da psicanálise, o conceito evoluiu, até
finalmente encontrar lugar no interior de uma estrutura tripartite, ao lado da psicose e da perversão.
Em consequência disso, do ponto de vista freudiano, classificam-se no registro da neurose a histeria,
a fobia e a neurose obsessiva, às quais é preciso acrescentar a neurose atual, que abrange a
neurose de angústia e a neurastenia, e a psiconeurose, que abarca a neurose de transferência e a
neurose narcísica.[8]
Costuma-se catalogar os sintomas neuróticos em certas categorias, como:
a) Histeria - Quando um conflito psíquico encontra saída através de conversões. Neste tipo de
neurose, a ideia conflitiva com o ego é convertida em sintomas físicos, como cegueira, mutismo,
paralisias, etc; que não têm origens orgânicas. Atualmente a histeria foi banida dos manuais
psiquiátricos, o que leva muitas pessoas da área de saúde, inclusive psicólogos, a acreditarem que a
histeria não existe mais. Porém, a histeria ainda existe e sempre existirá, mesmo que os sintomas
possam variar de acordo com a sociedade e o tempo a que se refere. Algo bastante específico da
histeria é sua referência ao corpo e à sexualidade, especialmente com questão à "o que é uma
mulher?".[carece de fontes]
b) de Ansiedade (de angústia) - a pessoa é tomada por sentimentos generalizados e persistente de
intensa angústia sem causa objetiva. Alguns sintomas são: palpitações do coração, tremores, falta
de ar, suor, náuseas. Há uma exagerada e ansiosa preocupação por si mesmo.[carece de fontes]
c) Fobias - uma área da personalidade passa a operar por respostas de medo e ansiedade. Na
angústia o medo é difuso e quando vem à tona é sinal de que já existia, há longo tempo. Se
apresenta envolta em muita tensão, preocupação, excitação e desorganização do comportamento.
Na reação fóbica, o medo se restringe a uma classe limitada de estímulos e representações objetais.
Geralmente verifica-se a associação do medo a certos objetos, animais ou situações.[carece de
fontes]
d) Obsessiva-compulsiva: a obsessão é um termo que se refere a ideias que se impõem
repetidamente à consciência. São por isto dificilmente controláveis. A compulsão refere-se a
impulsos que levam à ação. Está intimamente ligada a uma desordem psicológica chamada
transtorno obsessivo-compulsivo.[carece de fontes]
Segundo tipo: psicoses
Se o conceito de neurose é parte integrante do vocabulário da psicanálise, o da psicose aparece, a
princípio, como um anexo proveniente do saber psiquiátrico, pautada numa concepção do sujeito
que se organiza em torno da ideia de alienação e perda da razão.[8]
O psicótico pode se encontrar em estado de depressão, de extrema euforia ou de agitação. Em dado
momento age de um modo e em outro se comporta de maneira totalmente diferente. Houve uma
desestruturação da sua personalidade. O dado clínico para se aferir à psicose é a alteração dos
juízos da realidade. O psicótico passa a perceber a realidade de maneira diferente, mas não menos
real em sua percepção. Por isso afirma com convicção que tem percepções que nos parecem irreais
não apoiadas nem justificadas na lógica e na razão. Nas psicoses, além da alteração do
comportamento, são comuns alucinações (alterações dos órgãos dos sentidos: ouvir vozes, ver
coisas, sentir cheiros ou toques) e delírios (alterações do pensamento sob forma de conspirações,
perseguição, grandeza, riqueza, onipotência ou de predestinação). As Psicoses se manifestam
como:[carece de fontes]
a) Esquizofrenia - apatia emocional, carência de ambições, desorganização geral da personalidade,
perda de interesse pela vida nas realizações pessoais e sociais. pensamento desorganizado, afeto
superficial e inapropriado, riso insólito, bobice, infantilidade, hipocondria, delírios e alucinações
transitórias. (Consultar DSM-V ou CID 10 para mais subtipos)[carece de fontes]
b) Maníaca-depressiva – caracteriza-se por perturbações psíquicas duradouras e intensas,
decorrentes de uma perda ou de situações externas traumáticas. O estado maníaco pode ser leve ou
agudo. É caracterizado por comportamento exacerbado, hipersexualidade. Os maníacos são cheios
de energia, inquietos, barulhentos, falam alto e têm ideias bizarras, uma após outra. O estado
depressivo, ao contrário, caracteriza-se por inatividade e desalento. Seus sintomas são: apatia,
pesar, tristeza, desânimo, crises de choro, perda de interesse (embotamento afetivo) pelo trabalho,
por amigos e família, bem como por suas distrações habituais. Torna-se lento na fala, não dorme
bem à noite, perde o apetite, pode ficar um tanto irritado e muito preocupado.[carece de fontes]
c) Paranoia – caracteriza-se sobretudo por ilusões fixas. É um sistema delirante. As ilusões de
perseguição e de grandeza são mais duradouras do que na esquizofrenia paranoide. Os
ressentimentos são profundos. É desconfiado, agressivo, egocêntrico e destruidor. Acredita que os
fins justificam os meios e é incapaz de solicitar carinho.[carece de fontes]
d) Psicose alcoólica – é habitualmente marcada por violenta intranquilidade, acompanhada de
alucinações de uma natureza aterradora.[carece de fontes]
Terceiro tipo: perversões
Os perversos, ao vivenciarem o Complexo de Édipo, se recusam a aceitar a castração a eles
imposta passando, então, há duas possibilidades: 1) aferir que para eles não existe castração,
assim, não existem limites sociais impostos às suas ações ou 2) são eles que impõe os limites
proveniente da castração aos outros. Atualmente são comumente relacionados às psicopatias,
porém se relacionam mais abrangentemente com todas as formas de ausência de empatia com o
Outro - pela ausência de atuação do Superego.
Essa estrutura favorece o aparecimento de outros sintomas, como o fetichismo e relações que
objetificam o Outro, em troca de obtenção de prazer (parafilias). Retomado por Sigmund Freud a
partir de 1896, o termo perversão foi definitivamente adotado como conceito pela psicanálise, que
assim conservou a ideia de desvio sexual em relação a uma norma. Não obstante, nessa nova
acepção, o conceito é desprovido de qualquer conotação pejorativa ou valorizadora e se inscreve,
juntamente com a psicose e a neurose, numa estrutura tripartite.[8]
_________. Teoria Psicanalítica. Acessível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_psicanalítica. Modificada em 11/09/2021 às 12:46. Acessada
em 08/10/2021 às 20:12
INTRODUÇÃO

Um grande número de pessoas é internada na unidade de queimados do Hospital Regional da Asa


Norte com lesões dos mais variados tipos e gravidades igualmente diversas. Cada uma possui um
histórico para o seu acidente, seus sentimentos e reflexões a respeito do ocorrido. Os históricos que
provocam mais comoção em toda a equipe multidisciplinar da unidade são os de tentativa de suicídio
(auto-extermínio) através do uso do fogo. Esse tipo de paciente é um dos mais freqüentes na
unidade, e em grande parte dos casos, são pessoas com uma trajetória de vida repleta de
sofrimentos, de privações, de abusos e violências cometidas contra o mesmo por parte de terceiros.
O fogo como instrumento de auto-extermínio, em si pode não ser letal. Letais são as complicações
advindas das queimaduras (principalmente as infecções) e talvez, por causa da ignorância, as
pessoas continuam usando o fogo para abreviarem suas vidas. Através da anamnese elaborada pela
Equipe de Psicologia e da análise da história de vida do paciente, é possível criar uma série de
questões relacionadas à tentativa de auto  extermínio e à escolha do elemento fogo. Dessa forma, o
autor do trabalho tenta relacionar os simbolismos do fogo com as tentativas de auto-extermínio,
usando para tanto, os termos criados por Carl Gustav Jung para a Psicologia Analítica.
CONCEITOS BÁSICOS DA PSICOLOGIA JUNGUIANA
PSIQUE
Na psicologia junguiana, a personalidade como um todo é denominada psique. Esta palavra de
origem latina significava originalmente “espírito” ou “alma”, mas atualmente vem sendo usada no
sentido de mente. De acordo com Hall e Nordby (2000), “a psique abrange todos os pensamentos,
sentimentos e comportamentos, tanto os conscientes como os inconscientes. Funciona como um
guia que regula e adapta o indivíduo ao ambiente social e físico” (p.25). Jung mostra, através desse
conceito, a sua crença de que, o ser humano é, primordialmente, um todo e não uma reunião de
partes que foram acrescentados à medida que as experiências de vida fossem vivenciadas ou o
aprendizado fosse concretizado. De modo explícito, Jung rejeita a concepção de algumas
abordagens psicológicas que afirmam que a personalidade humana é formada aos poucos, e
somente mais tarde em algum momento de sua existência, ocorreria um tipo de ação organizadora
que traria unidade e coerência a todos esses fragmentos. Sobre isso, Hall e Nordby (2000) dizem: “O
homem não luta para se tornar um todo: ele já é um todo, ele nasce como um todo” (p.25). A grande
missão de todo ser humano é desenvolver esse todo essencial até levá-lo ao mais alto grau possível
de coerência, diferenciação e harmonia, velando para que esse mesmo todo não se desenvolva de
forma fracionada, favorecendo o surgimento de sistemas separados, autônomos e conflitantes, pois,
para Jung uma personalidade dissociada é uma personalidade deformada.
A psique não se resume apenas ao cérebro. É, antes de tudo, um processo em evolução contínua,
repleto de energia. Esta energia é gerada a partir da própria tensão criativa entre as polaridades
(opostos), que irá resultar na produção dos sonhos, imagens fantasias, enfim, nos símbolos da
psique. Sobre a tensão entre os opostos, Grinberg (1997) escreve: “Como se o instinto puxasse para
um lado e o espírito empurrasse para o outro. Em meio a toda essa agitação surgem nossos
símbolos, que funcionam como verdadeiros transformadores da energia, utilizada para a
diferenciação e o crescimento da psique” (p.66). Para representar a psique, muitas imagens podem
ser utilizadas. Freud, por exemplo, utilizou a imagem de um iceberg: a ponta dele seria apenas a
porção visível (o consciente) da montanha (inconsciente) que estava sob as águas.
No modelo junguiano, apresentado por Grinberg (1997), a psique seria composta de várias esferas
concêntricas. A camada mais superficial representaria a consciência, enquanto as outras, mais
internas, seriam os níveis mais profundos do inconsciente, até atingir o centro. Entre essas camadas
ou, como diz Grinberg, “sistemas dinâmicos”, haveria uma constante interação e mudança. Esse
modelo também é apresentado por Hall e Nordby (2000): “a psique compõe-se de numerosos
sistemas e níveis diversificados, porém interatuantes” (p.26).
Na esfera situada na porção externa desse conjunto, representado a consciência, orbita o Ego, que é
o seu centro coordenador. Numa esfera intermediária, fica o inconsciente pessoal, constituído dos
complexos – o agrupamento de idéias que são dotadas de uma carga emocional que afeta a
consciência. Nas esferas mais interiores fica o inconsciente coletivo, constituído dos arquétipos –
padrões determinantes dos comportamentos que regem nossa existência e independem de cultura,
de lugar ou de época histórica. Toda a personalidade, consciente e inconsciente (incluindo o Ego, os
complexos e os arquétipos) é regulada pelo Si mesmo, que mantém todas essas estruturas
funcionando de forma unida e coerente. Existem três níveis que podem ser distinguidos na pisque: a
consciência, o inconsciente pessoal e o inconsciente coletivo.
CONSCIÊNCIA
A consciência é a única parte da mente que é conhecida diretamente pelo indivíduo. Surge muito
cedo na vida: ao observar-se uma criança, pode-se notar uma percepção consciente a operar
quando ela reconhece e identifica seus pais, brinquedos e demais objetos que a cercam. De acordo
com Hall e Nordby (2000), esta percepção consciente se desenvolve diariamente por força da
aplicação das quatro funções mentais, denominadas pensamento, sentimento, sensação e intuição.
A criança não usa essas funções em uma mesma proporção. Geralmente, utiliza-se,
predominantemente, uma delas. A utilização constante de uma dessas quatro funções é o que
diferencia o caráter básico de uma criança do de outra.
Além dessas quatro funções mentais, existem ainda duas atitudes que determinam a orientação da
mente consciente. Estas atitudes são a extroversão e a introversão. A atitude extrovertida orienta a
consciência para o mundo externo e objetivo. Em contrapartida, a atitude introvertida orienta a
consciência para o mundo interno e subjetivo. O processo pelo qual a consciência de uma pessoa se
diferencia ou se individualiza da de outras é conhecido como individuação e a meta desse processo
é fazer o indivíduo conhecer-se a si mesmo tão completamente quanto for possível
(autoconsciência). A consciência e a individuação caminham lado a lado no desenvolvimento da
personalidade, pois o início da consciência é também o início da individuação. Do processo de
individuação da consciência, surge um novo elemento, ao qual Jung deu o nome de Ego.
A consciência não é algo fixo e imutável, mas sempre em desenvolvimento. Ela deve ser analisada
sempre de maneira relativa, considerando-se o contexto histórico e cultural no qual está inserida. De
acordo com Grinberg (1997), tem-se que: A consciência forma-se a partir do inconsciente e vai
se desenvolvendo progressivamente, de acordo com alguns padrões (arquétipos). Não
somente o corpo (com os órgãos, músculos, sistema nervoso e cérebro) evolui, mas também
a consciência. Como se ela fosse um ‘órgão’ invisível que também cresce, desenvolve  se,
adoece, necessita de cuidados e transforma-se ao longo de nossas vidas (p.70).
Encontra-se uma opinião semelhante à de Grinberg em Hall e Nordby (2000): “Foi Jung quem
rompeu com um determinismo da mente num sentido estritamente ambiental e demonstrou que a
evolução e a hereditariedade dão as linhas de ação para a psique, exatamente como fazem para o
corpo” (p.31).
EGO
Ego foi o nome dado por Jung à organização da mente consciente. Essa organização se dá por meio
de uma composição de percepções conscientes, recordações, pensamentos e sentimentos. Embora
ocupe pequena parte da psique total, o Ego desempenha a função básica de vigia da consciência: a
menos que o Ego reconheça a presença de uma idéia, de um sentimento, de uma lembrança ou de
uma percepção, nada disto pode chegar à consciência.
O Ego é uma estrutura muito seletiva. Hall e Nordby (2000) a comparam a uma destilaria: “muito
material psíquico é levado a ele, porem muito pouco sai dele, ou nele atinge o nível da plena
consciência” (p.27). Na vida cotidiana, estamos expostos a um grande número de experiências, a
maioria das quais não se tornam conscientes porque o Ego as elimina antes que atinjam a
consciência. Essa função filtradora é de vital importância, pois, caso contrário, ficaríamos
assoberbados pela massa de material acumulado na consciência. É através da seleção e da
eliminação de material psíquico que a personalidade consegue manter a sua noção de identidade e
continuidade, pois esse processo ajuda a manter uma qualidade contínua de coerência individual.
De acordo com Hall (2003), o Ego tem uma relação muito importante com o Si mesmo: “trata-se de
uma realidade paradoxal: num certo sentido, o Ego é o Si mesmo, pelo menos aquela parte do Si
mesmo que existe na consciência empírica, que vive e atua no mundo da realidade consensual”
(p.54). Nenhuma imagem, emoção, sentimento ou idéia pode se tornar consciente a menos que
esteja associada ao Ego. Não é possível existir consciência sem Ego.
De acordo com a teoria desenvolvida por Jung, o Ego é o fator complexo ao qual estão relacionados
todos os conteúdos da consciência, formando o centro da consciência sem ser idêntico a ela. Sendo
o ponto de referência central da consciência, o Ego é o sujeito de todas as tentativas de adaptação
em nossas vidas, realizadas por meio da vontade, possuindo um importante papel dentro da
economia psíquica. O Ego é quem capta, avalia, critica, raciocina, organiza, sente ou intui o
significado das várias situações que a vida traz, de acordo com o padrão de funcionamento da
consciência no determinado momento em que a percepção é apreendida. O Ego dispõe de uma
certa quantidade de energia. Pela concentração podemos escolher alguns conteúdos e abrir mão de
outros, além de canalizar nossa energia para modificar processo reflexos e instintivos (vontade).
Assim como a vontade, a memória se inclui na parte psíquica do Ego. Ela se relaciona à
aprendizagem e à capacidade de nos conscientizarmos de várias coisas ao mesmo tempo e
relacioná-las. Por intermédio dela adquirimos um sentido contínuo e histórico de identidade pessoal.
Só podemos existir conscientes de nós mesmos se formos capazes de lembrar o que fizemos ontem
e planejarmos o que iremos fazer amanhã.
Isso quer dizer que, para dar um sentido à existência, é necessário estar consciente dela. Por
intermédio do Ego, cada um tem a consciência de que existe e o sentimento de ser idêntico a si
mesmo. Essa identidade do Ego consigo mesmo é baseada na consciência das percepções do
próprio corpo (muitas das percepções corporais só em parte atravessam o campo da consciência. A
grande maioria permanece como percepções subliminares ou inconscientes). O Ego cresce à
medida que interage com o inconsciente e o meio ambiente. Nos bebês, o Ego tem, inicialmente,
uma atitude passiva. Para Grinberg (1997) “ele surge da colisão entre as necessidades corporais e o
meio ambiente” (p.71). Uma vez estabelecido como sujeito, durante a infância, o Ego vai se
desenvolvendo a partir de outros choques entre o mundo interior e o exterior e, aos poucos, começa
a ter uma atitude ativa em relação ao meio ambiente.
A estabilidade do Ego é relativa, pois ele está sujeito às influências do inconsciente (uma vez que o
Ego é originado a partir do inconsciente): ás vezes o Ego pode ser assimilado (ou como diz Grinberg
(1997), “possuído”) pelos aspectos inconscientes da personalidade, sendo profundamente alterado
por eles. Um exemplo de que maneira isso acontece, é quando sentimos que estamos confusos,
com a cabeça “quente”, quando estamos inspirados, com raiva ou apaixonados. Como a estabilidade
é relativa, o Ego também pode se defender da assimilação pelo inconsciente e isso acontece quando
optamos conscientemente em excluir algo da consciência (supressão). De acordo com Grinberg
(1997), quando não queremos pensar em algo que aconteceu (ou que poderia acontecer),
acionamos esse mecanismo.
A exclusão de emoções e pensamentos também pode ocorrer de forma inconsciente. Essa
“exclusão” é feita por um mecanismo de defesa chamado repressão. O conteúdo reprimido passa a
integrar o arquétipo da Sombra. A função principal da consciência e do Ego é a adaptação à vida,
tanto interior quanto exterior. Grinberg (1997) afirma, que “viver tende a se tornar mais fácil à medida
que a consciência aumenta e o Ego se estrutura” (p.72). Para que isso ocorra, é necessário que o
Ego faça uso de alguns instrumentos, tanto de observação quanto de adaptação, para que possa
cumprir as solicitações da vida. Esses instrumentos são as funções psicológicas (explicadas
anteriormente). Na prática, como diz Grinberg (1997), “não deixamos de ter problemas em nossas
vidas, mas nos tornamos mais aptos para lidar com eles” (p.72).
Outra função do desenvolvimento do Ego e da consciência, além da questão adaptativa ao meio
ambiente, seria a de garantir a própria existência, pois, para compreender o ser que há em cada um
de nós, é necessário que criemos significados capazes de imprimir um sentido, um rumo a nossas
vidas. E essa capacidade de criar significados e dar um sentido à existência é desempenhada pela
capacidade de simbolização da consciência do Ego. Sobre essa possibilidade, Grinberg (1997) diz:
“A simbolização é a função psicológica responsável por nossa capacidade mental de representar
uma experiência e mantê-la na consciência” (p.73). Para Grinberg, a capacidade de simbolizar é de
extrema importância, pois a partir dela é que conseguimos superar as frustrações, problemas e
carências existentes no dia a dia.
A utilização dos símbolos também está presente quando desejamos algo muito intensamente ou
quando se está apaixonado por alguém. Em geral, antes de partirmos para qualquer tipo de ação a
fim de realizarmos o desejo, ficamos sonhando e imaginando o desejo em questão como se ele já
estivesse realizado. Para a determinação de uma estratégia qualquer de conquista, às vezes é
necessário um certo tempo para a elaboração de fantasias. Jung (2003), fala sobre a relação
existente entre simbolização, união de opostos e individuação: A união de opostos num nível mais
alto da consciência [...] não é uma questão racional e muito menos uma questão de vontade,
mas um processo de desenvolvimento psíquico, que se exprime em símbolos.
Historicamente, este processo sempre foi representado através de símbolos e ainda hoje o
desenvolvimento da personalidade individual é figurado mediante imagens simbólicas (p.29)
De acordo com a teoria junguiana, a finalidade da vida humana poderia ser vista como a própria
construção da consciência. Segundo ela, a consciência, portanto, não é simplesmente uma
espectadora do mundo, mas participa de sua criação, como se o mundo só pudesse existir ao ser
conscientemente refletido.
INCONSCIENTE PESSOAL E INCONSCIENTE COLETIVO
Grinberg (1997) define o inconsciente da seguinte maneira: “Tudo aquilo que não sabemos, e que,
portanto, não está relacionado ao Ego como centro do campo da consciência, é denominado
inconsciente” (p.80). O inconsciente comunica-se com a consciência de várias maneiras: por meio
dos sonhos, dos mitos, da linguagem poética, da fantasia e das inspirações. Muitas pessoas
costumam ter visões e outras sensações sobrenaturais e guiam-se na vida por seus sonhos, por
intuições interiores ou pelo contato com a natureza. É o caso, por exemplo, dos curandeiros,
místicos, religiosos, caçadores e pescadores. 14 Os conteúdos que não obtém a aceitação do Ego
não desaparecem (porque nada que foi experimentado deixa de existir). Eles ficam armazenados no
que Jung denominou de Inconsciente Pessoal. O inconsciente pessoal é uma espécie de receptáculo
que fica contíguo ao Ego e contém todas as atividades psíquicas e percepções que não se
harmonizam com a individuação, ou então foram experiências conscientes que passaram a ser
reprimidas ou desconsideradas por outros motivos quaisquer. Os conteúdos armazenados no
inconsciente pessoal são aqueles que não possuem energia para atingir ou permanecer na
consciência.
Os conteúdos do inconsciente pessoal, de uma maneira geral, têm fácil acesso à consciência
quando surge tal necessidade. O inconsciente pessoal funciona como um verdadeiro banco de
dados. Hall e Nordby (2000) exemplificam o complexo funcionamento desse sistema: Uma pessoa
sabe os nomes de muito amigos e conhecidos. Naturalmente, tais nomes não permanecem
todo o tempo presentes na consciência, mas estão à disposição sempre que necessário.[...]
Outro exemplo: podemos aprender ou observar uma coisa qualquer que, no momento, tenha
para nós um pouco ou nenhum interesse. Anos mais tarde, esta coisa poderá se tornar muito
importante e ser chamada do inconsciente pessoal (p.28).
O inconsciente pessoal desempenha um papel muito importante na produção dos sonhos.
Experiências que passaram “despercebidas” durante o dia podem aparecer num sonho durante a
noite, nesse mesmo dia. Freud teve o mérito de ter sido o primeiro médico a ver na abordagem do
inconsciente uma possibilidade de tratamento das psicopatologias em sua época. Antes dele, na
Grécia antiga, os sonhos eram utilizados como diagnóstico e, através deles eram obtidas a cura para
várias doenças. Os Templos de Esculápio eram os lugares onde se praticava o chamado sono de
incubação: a pessoa passava a noite no templo e tinha um sonho que lhe indicava se a doença teria
ou não uma evolução positiva. Atualmente, os psicoterapeutas costumam encontrar nos sonhos de
seus pacientes elementos que lhes permitem conhecer o mundo interno e indicações relativas ao
que eles necessitam para se curar.
Freud descreveu o inconsciente como um epifenômeno da consciência, ou seja, um fenômeno cuja
presença (ou ausência) não altera o fenômeno que se toma principalmente em consideração, nesse
caso, a consciência. O inconsciente na visão freudiana, seria, de acordo com Grinberg (1997), um
“depósito de partes da personalidade que poderiam ter-se tornado conscientes, mas foram
reprimidas, ou ainda não tinham alcançado a consciência”.(p.81). Ainda de acordo com essa visão,
sob a influência do meio, das experiências e do aprendizado, a personalidade iria gradualmente se
formando e a consciência e o Ego se desenvolvendo e aquilo que, de alguma forma, não fosse
compatível com os padrões morais da sociedade seria excluído por meio da repressão ou por
atuação de outros mecanismos de defesa1 . Jung foi além desses aspectos, que, segundo ele,
formariam o nível pessoal do inconsciente e identificou um outro nível mais profundo no
inconsciente: o inconsciente coletivo. Em Grinberg (1997), encontra-se: Já nascemos com um
potencial: somos dotados, desde o nascimento, de um repertório de padrões de
comportamentos – os arquétipos – que irão depender de estímulos adequados do meio
ambiente para se desenvolver. Potencialmente, toda a personalidade já está presente no
nascimento, como um projeto (p.82).
Além de conter desejos, memórias e instintos reprimidos, o inconsciente está sempre agrupando e
reagrupando símbolos e imagens, produzindo sem cessar sonhos e fantasias, funcionando como
uma matriz autônoma criadora da vida psíquica normal. O inconsciente está sempre ativo, sendo a
própria fonte da energia psíquica de onde fluem os elementos psíquicos, e não apenas seu
reservatório. De maneira parcial podemos diminuir o alcance de sua influência através de
mecanismos de defesa. Nosso inconsciente é povoado por várias figuras de santos, heróis, Césares,
Napoleões, animais, criaturas sensacionais e demônios terríveis.
Uma característica muito interessante e relevante do inconsciente pessoal é a possibilidade de
reunião de conteúdos para formar um aglomerado ou constelação. Esse aglomerado tem um nome
de complexo. Jung os descobriu através do método de associação de palavras, método este descrito
em Conger (1993): Era lida para o paciente uma relação de palavras comuns e ele era
solicitado a responder espontaneamente, sem refletir. As respostas eram medidas em termos
do tempo de reação e estipulava-se o tempo médio de tal modo que as variações em torno da
média poderiam ser observadas (p.65)
Observou-se que, muitas vezes, a pessoa inquirida levava muito tempo para responder. Quando
questionada a respeito da demora, a pessoa não conseguia explicitar uma razão. Jung supôs que
talvez a demora para responder fosse provocada por alguma emoção inconsciente que inibia a
resposta. Aprofundando seus estudos sobre a associação de palavras, Jung constatou a existência
de grupos de sentimentos, memórias e pensamentos no inconsciente e que, qualquer palavra que
atingisse esses grupos poderia ser a causa da inibição da resposta. Estudos posteriores mostraram
que os complexos são pequenas personalidades separadas na personalidade total. A respeito dos
complexos, Hall e Nordby (2000), escrevem: “Os complexos são autônomos, possuem força
propulsora própria e podem atuar de modo intenso no controle de nossos pensamentos e
comportamentos” (p.29).
A mente, por intermédio do seu correspondente físico, o cérebro, herda as características que
determinam de que maneira uma pessoa reagirá às experiências de vida, chegando até a determinar
que tipo de experiências terá. A mente do homem é pré-configurada pela evolução. Desta maneira, o
indivíduo está preso ao passado, não somente ao passado de sua infância, mas também, o que é
mais importante, ao passado da espécie, e, antes disso, à longa cadeia da evolução orgânica. O
inconsciente coletivo, para Hall e Nordby (2000) é a “parte da psique que se pode distinguir do
inconsciente pessoal. O inconsciente pessoal compõe-se de conteúdos que foram em certo
momento conscientes, ao passo que os conteúdos do inconsciente coletivo jamais o foram no
período de vida de um indivíduo” (p.31).
O inconsciente coletivo é uma espécie de reservatório de imagens latentes, denominadas de
imagens primordiais. Primordial significa “primeiro”, “original” e, por conseguinte, as imagens
primordiais estão relacionadas ao início do desenvolvimento da psique mais primitiva. São originárias
do passado ancestral de todos os seres humanos, bem como dos antecessores pré-humanos ou
animais2 . Hall e Nordby (2000) oferecem um exemplo de como as imagens primordiais ficariam
armazenadas no inconsciente coletivo: Consideremos, por exemplo, o medo que temos das
serpentes ou do escuro. Não lhe foi preciso aprender estes medos através de experiências
com serpentes ou com a escuridão, muito embora tais experiências possam reforçar-lhe ou
reafirma-lhe as predisposições. Herdamos as predisposições de temer a serpentes e a
escuridão porque nossos ancestrais experimentaram tais medos ao longo de um sem-número
de gerações. Estes medos ficaram-lhes gravados no cérebro (p.32).
O inconsciente coletivo é uma estrutura que está em constante evolução e ela pode ser justificada
como se explica a evolução do corpo. Hall e Nordby (2000) acreditam que, sendo o cérebro o
principal órgão da mente, a evolução do inconsciente coletivo é diretamente proporcional a evolução
do mesmo. Jung (1924), apud Grinberg (1997) fala sobre o inconsciente coletivo: Lado a lado com
as fontes pessoais, a fantasia criativa também desenterra a mente primitiva com suas
imagens, encontradas nas mitologias de todas as épocas e de todos os povos. A totalidade
dessas imagens constitui o inconsciente coletivo, uma herança potencialmente presente em
todos os indivíduos. Trata-se do correlato psíquico da diferenciação do cérebro humano
(p.135)
O ser humano nasce com muitas predisposições para pensar, agir, sentir e perceber de maneira
muito específicas. E sobre o desenvolvimento e a expressão de tais predisposições (ou imagens)
latentes dependem exclusivamente das experiências vividas. Conforme Hall e Nordby (2000), “um
medo qualquer pode se desenvolver com facilidade quando a predisposição para senti-lo já se
encontra no inconsciente coletivo” (p.33).
ARQUÉTIPOS
A partir de suas pesquisas e dos relatos de seus pacientes, Jung começou a perceber que além das
memórias e de fantasias pessoais, existiam outros tipos de conteúdos que eram provenientes
(possivelmente) da mitologia e da imaginação humana no mundo inteiro. Ele chegou a essa
conclusão ao observar os sonhos e visões de um de seus pacientes (que havia cursado o que seria
correspondente ao ensino fundamental), que relatava enxergar um fálus ereto no sol. Esse paciente
relatava ainda que, ao mover sua cabeça de um lado para o outro, o fálus se movia também e dessa
forma, produzia vento. Pesquisando em manuscritos antigos (que ainda não haviam sido traduzidos
para sua língua) alguns anos mais tarde, Jung encontrou um antigo texto sobre o mitraísmo3 que
descrevia, de modo exato, os sonhos e as visões de seu antigo paciente. Essa descoberta fez com
Jung aprofundasse seus estudos e criasse a sua teoria para o inconsciente coletivo. Jung criou o
termo arquétipo para designar as estruturas inatas em cada indivíduo que são capazes de formar
idéias mitológicas. Grinberg (1997) diz que o mundo arquetípico é o “mundo invisível dos espíritos,
dos deuses, demônios, vampiros, duendes, heróis, assassinos e todos os personagens de épocas
passadas da humanidade sobre os quais foi depositada forte carga de afetividade” (p.134).
Os arquétipos são conceitos vazios. São formas universais coletivas, básicas e típicas da vivência de
determinadas experiências recorrentes, que expressam a capacidade criativa única e autônoma da
psique4 . Conforme Von Franz (1992), apud Grinberg (1997), os arquétipos “seriam como núcleos
ativados [...], cuja função seria organizar representações simbólicas em determinados padrões de
comportamento”. É necessário ressaltar que o arquétipo não é uma experiência que se herda, mas o
potencial de repetição dessa experiência e se tornam símbolos a medida em que se revestem das
experiências pessoais, tantos as conscientes como as inconscientes. Os arquétipos não apenas dão
forma para a energia psíquica como também possibilitam e organizam sua manifestação produzindo
significados simbólicos que unem a percepção sensorial externa às vivências internas, dessa forma
liberando a energia psíquica e norteando nossos atos de acordo com esse significado.
Conforme Grinberg (1997), como tudo o que existe na psique, o arquétipo é uma estrutura bipolar
que abarca as dimensões biológicas e espirituais. Dessa forma, as imagens primordiais podem ser,
metaforicamente falando, comparadas a conceitos intuitivos dos fenômenos físicos. Os arquétipos
não são conceitos com valor apenas teórico. Eles ganham vida nas experiências concretas se
manifestando através das emoções particulares: os sonhos, fantasias, nas projeções feitas, nos
complexos, nos rituais diários. Conforme Grinberg (1997), toda vez que um arquétipo surge (seja
num sonho, numa fantasia ou mesmo na vida diária), ele traz consigo um poder de influência
(chamado de numinosidade ou fascinação). Esse efeito numinoso é, justamente, a tonalidade
emocional que faz com que o indivíduo aja como se estivesse possuído por “um instinto ou demônio
desenfreado” (Grinberg, 1997, p.138). Segundo Jung (1986), “o arquétipo [...] tem efeito numinoso,
isto é, o sujeito é impelido por ele como pelo instinto, e este pode ser limitado e até subjugado por
esta força, sendo supérfluo apresentar provas para isto” (p.145).
A energia de um arquétipo (quando este está ativado) atrai para si conteúdos da consciência,
acumulando as idéias, experiências e emoções que compõem o complexo pessoal (todo complexo
tem como núcleo um arquétipo). Atuando como centro de um complexo e tendo agrupado energia
suficiente, um arquétipo pode alcançar a consciência e a partir daí, influenciar os comportamentos do
indivíduo. Embora constituam no inconsciente coletivo estruturas separadas, os arquétipos podem
formar combinações. De acordo com Hall e Nordby (2000), a combinação entre arquétipos passa a
ser um outro fator que também passa a colaborar para a formação dos diversos tipos de
personalidades existentes.
Um arquétipo pode ser ativado em um indivíduo quando este se vê em uma situação ou próximo de
uma pessoa que apresente similaridade com ele. Grinberg (1997) apresenta um exemplo de ativação
de complexo: Por exemplo, a mãe ou a pessoa que estiver cuidando de uma criança pequena
ou amamentando-a tem uma conduta própria do arquétipo da Grande Mãe. Esta é a 20
configuração da maternidade, ou seja, representa a maneira típica como as experiências da
maternidade foram acumuladas na psique humana desde tempos imemoriais. Como foi dito,
essa representação universal reveste-se de peculiaridades próprias da cultura, tempo e lugar
em que o arquétipo se manifesta (p.139).
Quando atuam de forma positiva, os arquétipos fornecem criatividade, sendo fonte de inspiração
humana nas artes e nas ciências, dando formas às idéias e imagens características de um
determinado momento cultural. Como foi dito anteriormente, os arquétipos são bipolares e, quando
atuam de maneira negativa manifestam-se como rigidez, fanatismo e possessão. Se o Ego do
indivíduo não for capaz de integrar e reconhecer o arquétipo, este formará um complexo que será
projetado e o “inimigo” será sempre visto nos outros. Um exemplo muito claro sobre a possessão
arquetípica é encontrado nas psicoses agudas: os arquétipos invadem a consciência e tomam o
lugar do Ego, fazendo com que o indivíduo passe a se sentir o salvador do mundo, que se comunica
com seres de outros planetas, ou que sinta-se ameaçado por forças do mal, monstros ou demônios.
PERSONA
A palavra persona vem do grego e representava, originalmente, a máscara usada pelos atores para
indicar o papel que representavam. Na psicologia junguiana o arquétipo da persona também tem
uma função semelhante, “dá ao indivíduo a possibilidade de compor uma personagem que
necessariamente não é ele mesmo” (Hall e Nordby, 2000, p.36). Do mesmo modo que o indivíduo
não é um ser único e separado, pois é um ser social, a psique não poderia ser um sistema fechado e
individual. A personalidade consciente seria um segmento da psique coletiva, dividindo uma dezena
de atributos coletivos vivenciados como pertences pessoais, tais como nome, títulos, nível
socioeconômico, status e outras características pessoais. O arquétipo da persona pode ser a fonte
de inúmeras realizações pessoais e é a base da vida social e comunitária.
Hall e Nordby (2000) definem a persona como “a máscara ou fachada ostentada publicamente com a
intenção de provocar uma impressão favorável a fim de que a sociedade o aceite” (p.36). Grinberg
(1997) demonstra uma opinião semelhante: “como máscara, o arquétipo da persona diz respeito
principalmente ao que é esperado socialmente de uma pessoa e à maneira como ela acredita que
deva parecer ser. Trata  se de um compromisso entre o indivíduo e a sociedade” (p.142). A persona
é imprescindível para a sobrevivência, pois ela torna os indivíduos capazes de conviver com as
pessoas (inclusive com aquelas que são desagradáveis) de maneira amistosa5 .
A persona tem a importante função de anunciar aos outros como tal pessoa deseja ser vista. Muitas
vezes, o sucesso da adaptação social vai depender da persona adequada. Há sempre algo de
individual na escolha e no delineamento da persona: a maneira como se veste e como se
movimenta, a postura corporal e tudo o que é feito e é voltado para o exterior. “Ao mesmo tempo em
que nos vestir como os demais nos assegura um lugar em um determinado grupo, a criatividade
ligada a pequenas nuances e variações fornece um significado pessoal e expressa nossa marcar
registrada” (Grinberg,1997, p.143). Conforme Hall (2003), “um Ego forte relaciona-se com o mundo
exterior através de uma persona flexível” (p.218). A persona pode encobrir nossa verdadeira
natureza e esconder as características que não costumam ser aceitas e que tendem a ser
rejeitadas6 . A medida em que as deficiências pessoais são compensadas pela máscara e
funcionando de modo a criar uma falsa imagem, encontra-se um problema, pois, o indivíduo
coagula-se no “personagem” criado e de forma neurótica, apega-se a ele para não ter que lidar com
suas próprias dificuldades.
ANIMA E ANIMUS
Biologicamente, características do homem estão presentes no corpo feminino e vice-versa. Jung
acreditou que esse tipo de fenômeno também ocorreria em um nível psicológico7 : o arquétipo da
Anima (Eros) corresponde ao princípio feminino e inconsciente que existe na psique de todo homem
e o arquétipo do Animus (Logos)8 é o princípio masculino e inconsciente que existe na psique
feminina. Conforme Hall e Nordby (2000), a convivência e a interação entre os sexos durante
milhares de gerações fez com que cada um deles adquirissem respostas para facilitar o
relacionamento, aumentando a mútua compreensão.
Para que a personalidade seja bem ajustada e harmoniosamente equilibrada, o lado feminino da
personalidade do homem e o lado masculino da personalidade da mulher devem expressar-se na
consciência e manifestados em seus comportamentos. Como princípio do feminino existente no
inconsciente do homem, Jung (2003) define a anima como a soma de todas as experiências que o
homem teve relacionando-se com o sexo feminino ao longo de séculos. Grinberg (1997) afirma que,
como toda imagem inconsciente, a anima será projetada, inicialmente, na primeira mulher (ou figura
materna) que se conhece na vida: a mãe9 . Com o passar do tempo, essa projeção será feita a
outras mulheres: irmãs, professoras, atrizes, cantoras, namoradas e esposas.
Como em toda projeção há um certo nível de exagero, “existe uma desproporção entre a mulher
amada, como ela é, de fato, e a fantasia criada pela anima” (Grinberg, 1997, p.151). Fatalmente,
nesse caso haverá decepção em um relacionamento, principalmente se o homem não conseguiu
retirar sua projeção da anima de seu primeiro objeto, ou seja, de sua mãe. Nesse caso, conforme
Grinberg (1997) ilustra, o homem vai desejar repetir com sua namorada ou esposa o relacionamento
infantil que esperava ter possuído com a mãe. Essa situação, em que o homem espera ser cuidado
maternalmente pela companheira, entende-se como complexo materno. Como o que ocorre a todos
os arquétipos, a anima possui um lado positivo e outro negativo. Grinberg (1997) mostra que, a
manifestação negativa do arquétipo anima torna o homem exageradamente vaidoso faz com que ele
tenha alterações constantes de humor, excessivamente sensível, melancólico e seja
emocionalmente instável. A vivência positiva da anima torna o homem uma pessoa criativa, faz com
que ele se expresse a sua sensibilidade, ternura, paciência e sensualidade.
Com as mulheres ocorre a projeção do animus. O primeiro a receber essa projeção é o pai (ou outra
figura paterna). Conforme vai crescendo, a menina transfere a projeção para os outros homens de
seu convívio: o irmão, tio, professor, cantores, atores ou até Deus. Nos contos de fadas, o animus
costuma ser representado pelas figuras dos príncipes e de suas variações, como os sapos
enfeitiçados que, quando beijados pela princesa, transformam-se em belos príncipes. A
manifestação negativa do arquétipo animus faz com que a mulher seja rígida e autoritária em suas
opiniões (manifesta julgamentos preconceituosos), dogmática, rígida e tenha comportamentos
agressivos. Uma vivência positiva do arquétipo desempenha um importante papel no
desenvolvimento da criatividade, além de conferir à personalidade a sensação de autoconfiança e
força intelectual.
Jung (2003) definiu a anima e animus como personificações do inconsciente que têm como função
conectar o consciente com o inconsciente de forma a criar uma relação dialética entre eles. Os
arquétipos da anima e do animus, juntos, representam a união ou a coniunctio conjugal. Atualmente,
as características positivas da anima e do animus encontram-se subdesenvolvidas e uma das razões
para isso acontecer decorre do fato de a sociedade valorizar a conformidade e dessa maneira, pune
a estimulação da feminilidade nos homens e a masculinidade nas mulheres: espera-se que os
meninos e meninas se encaixem em um papel culturalmente específico (meninos não podem chorar
e meninas não podem brigar, entre outros), fazendo com que a persona sufoque a anima e o
animus.
SOMBRA
A sombra é um dos arquétipos que mais influenciam o Ego, pois seus conteúdos estão privados da
luz da consciência. Uma vez que esses conteúdos já fizeram parte da consciência, o Ego, de forma
inconsciente, percebe que está em “débito” com esses aspectos que foram negligenciados. Por isso,
negligenciar a sombra existente em nós mesmos traz sentimentos de culpa. De acordo com Hall
(2003) define sombra como “uma parte inconsciente da personalidade caracterizada por traços e
atitudes, negativos ou positivos, que o Ego consciente tende a ignorar ou a rejeitar” (p.219). A
sombra contém uma maior quantidade da natureza animal do que qualquer outro arquétipo. Hall e
Nordby (2000) afirmam que como a sombra está profundamente enraizada nas origens pré-históricas
e evolutivas do ser humano, provavelmente é o arquétipo que apresenta, potencialmente, mais
perigo se vivido de maneira negativa. De acordo com Jung (1994), pessoas com predisposição a
desenvolver patologias mentais podem encontrar problemas ao trazerem à tona os conteúdos da
sombra, pois estes não se diferenciam, inicialmente, do conteúdo existente no inconsciente coletivo
e algumas vezes esses conteúdos podem apresentar  se de forma grotesca e horripilante. Segundo
Grinberg (1997), a maior dificuldade encontrada para se lidar com o arquétipo da sombra é a de, em
primeiro lugar, acreditar seriamente que as características que não estão bem desenvolvidas
(fraquezas) existem e, em segundo lugar, aceitá-las.
Em geral, existe a tendência de esconder e de afastar (de nós mesmos e dos outros) aquilo que não
é culturalmente aceito: os sentimentos de poder, idéias cruéis, impulsos e ações condenáveis, as
fraquezas, a inveja, ciúme, desamparo, impotência, ambição e a culpa. De forma geral, as
qualidades da sombra desenvolvem-se opondo-se às da persona, com a qual mantém uma relação
compensatória10. Para que o indivíduo possa viver em sociedade, será necessário domar os
ímpetos animais contidos na sombra e para que isso ocorra, é necessário desenvolver uma persona
consistente que filtre a energia da sombra.
Nem sempre a sombra apresenta traços negativos da personalidade. Muitas vezes aspectos
positivos que foram reprimidos durante a história de vida do indivíduo fazem parte do conteúdo do
arquétipo. A sombra contém os instintos básicos e é fonte de intuições realistas e de respostas
adequadas, importantes para a sobrevivência. Conforme Hall e Nordby (2000), “a sombra é um
arquétipo importante e valioso, porque tem a capacidade de reter e afirmar idéias ou imagens que
podem vir ser vantajosas para o indivíduo” (p.41). Vários são os recursos que o Ego utiliza para não
se confrontar com a sombra e assim manter os conteúdos do arquétipo dissociados da consciência.
Esses recursos são: projeção, a negação e a repressão11. A projeção é o mecanismo através do
qual os conteúdos inconscientes (sentimentos, frustrações, desejos) do sujeito são transferidos para
os objetos do mundo exterior. A negação é a tentativa de não aceitar de forma consciente, algum
fato ou característica que perturbe o Ego. O mecanismo da repressão expulsa da consciência aquilo
que não lhe convém, mantendo os conteúdos excluídos no inconsciente. Sobre a projeção, Jung
(1994) escreve: “[...] sombra, essa metade obscura da alma da qual nos livramos invariavelmente
através de projeções, ora carregando o próximo [...] de todos os vícios que são nossos, ora
transferindo os próprios pecados para um mediador divino” (p.40).
Manter os conteúdos indesejados afastados da consciência demanda esforço e energia do Ego, e
aos poucos, essas estratégias defensivas começam a falhar. Conseqüentemente, surgem os
sentimentos de culpa, ansiedade, depressão e algumas pessoas mostram sinais corporais de
somatização. Grinberg (1997) afirma que uma das fases essenciais na terapia junguiana é a do
encontro com a sombra. Conforme Jung (1994) “o confronto coma a metade obscura da
personalidade, com a ‘sombra’, produz-se por si só em toda terapia mais ou menos profunda” (p.41).
Por meio desse encontro é possível analisar os complexos (e integrá-los), retirar as projeções dos
objetos e restituir a energia do Ego. Isso é possível porque é na sombra que estão as características
necessárias para o desenvolvimento de uma personalidade sadia. Hall (2003) afirma que assimilar
de forma consciente a sombra, resultará (quase sempre) em aumento de energia para o Ego.
SI MESMO
De acordo com Hall (2003), Si mesmo12 é “o arquétipo da totalidade e o centro regulador da
personalidade. É vivenciado como um poder transpessoal que transcende o Ego, por exemplo,
Deus” (Hall, 2003 p.219). O Si mesmo é o arquétipo da ordem. Diz-se isso, pois sua função é
organizar e harmonizar os demais arquétipos e suas atuações nos complexos e na consciência,
caracterizando a individualidade de cada pessoa, buscando sua melhor adaptação possível nas
diversas fases de desenvolvimento ao longo da vida e trazendo à personalidade total um senso de
unidade e firmeza. De acordo com a teoria junguiana, a meta final de toda e qualquer pessoa é a
auto-realização e o autoconhecimento13. Atingir o estado de auto-realização depende em grande
parte da cooperação do Ego, pois é necessário que este observe e valorize as mensagens vindas do
arquétipo do Si mesmo. A compreensão entre esse par de opostos (consciente e inconsciente) é
fundamental para que se processe o efeito de individuação da personalidade.
Uma forma de obter o autoconhecimento é através das experiências verdadeiramente religiosas. Hall
e Nordby (2000) falam que o homem oriental percebe o Si mesmo de modo mais rápido do que o
ocidental porque as práticas religiosas14 e meditativas (como a ioga) orientais capacitam esses
indivíduos a compreenderem o Si mesmo mais facilmente. O arquétipo do Si mesmo, conforme
observação de Jung, só se torna evidente na maturidade visto que a personalidade precisa estar
plenamente desenvolvida para que o Si mesmo possa manifestar-se de modo mais ou menos
completo. Nos sonhos, o Si mesmo pode aparecer personificado em figuras das quais emana
sabedoria e superioridade, como deuses e deusas e a figura do Velho Sábio. Pode-se ainda,
expressar-se por meio de figuras quaternárias como o quadrado, a cruz e o próprio número quatro
(as quatro estações do ano, os quatro pontos cardeais) bem como símbolos que exprimem a
totalidade: o círculo ou a mandala.
ALQUIMIA
Jung, após ouvir de sua paciente um relato de um sonho, e tempos depois, ao fazer uma pesquisa
de gravuras referentes à alquimia, deparou-se com uma muito semelhante à imagem trazida por uma
paciente. Daí em diante, começou a sua pesquisa nos livros e tratados de alquimia. Decifrados os
textos herméticos, Jung constatou que, a grande opus alquímica descrita pelos alquimistas se
assemelhava muito ao seu conceito de individuação. A imagem central da alquimia é a opus.
Silveira (2001) enfatiza que foram os místicos (indivíduos que estavam atentos às experiências
religiosas ocorridas internamente) os primeiros a interpretar os enigmas e as alegorias simbólicas
existentes nos textos alquímicos. Eles sempre entenderam que o verdadeiro laboratório alquímico é
o ser humano. O homem natural seria a contrapartida simbólica de metal vil e o objetivo da alquimia
era transformar esse metal vil em ouro (novo homem), um metal puro por excelência.
Jung (1994) acreditava que os alquimistas projetavam conteúdos inconscientes nos materiais
manipulados. Essas projeções pareciam, aos olhos dos alquimistas, como propriedades dos próprios
materiais trabalhados. Em suma, os alquimistas experienciavam o próprio inconsciente em seus
laboratórios. Isso explicaria as semelhanças entre a opus alquímica e o processo de individuação.
Silveira (2001) afirma que as etapas dos processos são muito semelhantes:
• Na busca pela pedra filosofal, a primeira etapa do trabalho alquímico é a nigredo (quando a
matéria está no estado de massa confusa15, disforme). Psicologicamente falando, seria a
fase onde o Ego encontra-se com a sombra.
• Após submeter a nigredo as diversas operações alquímicas (dissolução, coagulação, etc), a
massa confusa se transforma em albedo e inicia-se então a segunda etapa.
• A segunda etapa da opus é regida pela Lua. Simbolicamente, a Lua significa o princípio
feminino. Psicologicamente, o adepto estaria em condições de entrar em contato com a anima
Em seguida, expondo a albedo a um aquecimento intenso surgiria a rubedo.
Dessa maneira, surgiria dessa fusão a pedra filosofal. O fogo (ou Sol) simbolicamente seria o
princípio masculino. E a união do Sol com a Lua seria a integração dos extremos opostos na
personalidade. “O alquimista teria realizado a totalização psíquica, ou seja, a individuação. A pedra é
homologa do self” (Silveira, 2001, p.122). A física moderna reconhece o problema das projeções
psíquicas na investigação científica, e atualmente é consenso que cada vez mais, é impossível
separar inteiramente observador e coisa observada. No caso dos alquimistas, eles desconheciam
por completo a constituição da matéria e por isso, tanto mais facilmente a mesma se tornou espelho
da psique do investigador.
ALQUIMIA E PSICOTERAPIA
O que torna a alquimia tão valiosa para a psicoterapia é o fato de suas imagens concretizarem as
experiências de transformação pelas quais se passa durante o processo terapêutico. E o que é ainda
mais interessante para o psicólogo, é que os símbolos alquímicos originam-se no inconsciente e são
reencontrados nos sonhos e imaginação do ser humano de todas as épocas. Ela é um tesouro de
analogias que personificam ou encarnam a psique objetiva e os processos por que ela passa no
curso do desenvolvimento. E o mesmo se aplica à religião e à mitologia. O termo prima materia foi
um termo criado pelos filósofos pré-socráticos. Esses filósofos estavam ligados a uma idéia a priori
sobre a origem das coisas no mundo e de acordo com Edinger (1999) “uma imagem arquetípica que
lhes dizia que o mundo é gerado de uma matéria única original, a chamada primeira matéria”.
Os filósofos acreditavam, também, que a primeira matéria passara por uma espécie de processo de
diferenciação e fora decomposta nos quatro elementos: terra, ar, fogo e água. Para formar todos os
objetos físicos existentes no mundo, esses quatro elementos combinaram-se em diferentes
proporções. Dessa forma, impôs-se sobre a prima materia uma estrutura quádrupla. Roob (2001)
afirma que de acordo com as leis de Pitágoras, “o espectro de todas as coisas terrenas está
associada ao número quatro”. O quinto elemento, chamado de quintessência, se encontraria apenas
na esfera divina. O objetivo dos alquimistas era, pois, trazer a quintessência para a terra através das
diversas e repetidas transmutações que o seu trabalho implicava. O alquimista via-se como alguém
comprometido com um trabalho sagrado: a busca do valor supremo e essencial.
Aristóteles elaborou o conceito de prima materia relacionado a sua distinção entre matéria e forma: a
matéria elementar (antes de moldar-se ou ter uma forma imposta sobre si) é pura potencialidade. Os
alquimistas pensavam como Aristóteles e utilizavam seu conceito na alquimia: para transformar uma
substância, antes de qualquer procedimento era preciso fazê-la retornar ao seu estado
indiferenciado original. Edinger (1999) afirma que ocorre o mesmo durante o processo
psicoterapêutico: “a forma que atualiza a personalidade ora existente está sendo dissolvida e levada
de volta à primeira matéria, o estado informe de pura potencialidade, para que uma nova forma ou
atualidade surja” (p.30).
PROCESSOS ALQUÍMICOS
CALCINATIO
O processo alquímico da calcinatio compreende o aquecimento intenso de um sólido e tem por
objetivo a retirada da água e todos os demais elementos passíveis de evaporação16. O resultado
desse processo é um fino pó seco. O fogo, para Jung, simboliza a libido. Edinger (1999), a respeito
das qualidades do fogo da calcinatio, diz que “é um fogo purgador, embranquecedor. Atua sobre a
matéria negra, a nigredo, tornando-a branca” (p.45). A calcinatio, igualmente a todos os processos
alquímicos, possui sua contrapartida psicológica: ela representa a restauração dos níveis de energia
psíquica e oportunidade da transformação da consciência objetiva (Ego), permitindo que a mesma se
desenvolva. A calcinatio ocorre pelo fato do Ego querer tornar-se o centro da consciência. Em
resposta a tentativa de ser o centro, surge o Si-Mesmo, frustrando esse desejo do Ego.
O fenômeno psicológico da calcinatio opera da seguinte maneira: um desejo carregado de energia
emerge do inconsciente (esse desejo exige ser satisfeito imediatamente), fazendo com que a energia
do Ego seja reduzida. Desestruturado com a perda de energia, o Ego fica mais propenso a ceder aos
desejos vindos do inconsciente. Se ocorrer de o Ego sucumbir aos desejos inconscientes, surge,
então, o arquétipo do Si  Mesmo para frustrar a tentativa do Ego de ser o centro da psique. A
energia usada para esse “combate” entre as estruturas tem o simbolismo do fogo, que “queimará” e
secará a energia inconsciente do desejo emergente. O resultado do processo é a restauração do
equilíbrio entre as estruturas (eixo Ego – Si-Mesmo) e a transformação da consciência objetiva (que
pode voltar a ser o que era antes de ser assolada pelo desejo, ou ressurgir de maneira mais refinada
e evoluída).
Os desejos que emergem do inconsciente são, na maior parte das vezes, desejos de poder e de
prazer, e eles são modificados pela relação do Ego com a consciência objetiva. O processo da
calcinatio ocorre no lado primitivo da sombra, local esse habitado pelos desejos instintivos que estão
contaminados pelo inconsciente. O fogo (libido) desse processo é originado pela frustração (por
parte do Si-Mesmo) desses desejos. A provação existente na frustração é um aspecto característico
do processo de individuação. A experiência arquetípica da calcinatio na psique tem o efeito de
imunizar o Ego contra uma futura identificação com o afeto17, graças ao fato de ampliar e
aprofundar a consciência do Ego. Pode ser que as probabilidades de identificação com as reações
emocionais pessoais e com as reações dos outros diminua. É importante ressaltar que um Ego fraco
é mais vulnerável ao ser consumido pelo encontro com um afeto muito intenso.
A imagem do purgatório simboliza a redenção (aqueles que crêem em Cristo terão seus pecados
queimados pelo fogo do purgatório e subirão aos céus) e a imagem do inferno simboliza o castigo
eterno (o fogo queimará os pecadores, castigando os que não crêem em Cristo). O desenvolvimento
psicológico sadio se dá pela frustração dos desejos de poder e prazer do Ego, desde que a pessoa
tenha uma “boa relação” com o Si-Mesmo (Cristo). Orígenes (1966), apud Edinger (1999) escreve o
seguinte a respeito do fogo da calcinatio, comparando-o ao fogo das paixões terrenas: Vejamos
agora qual o significado do temido ‘fogo eterno’. Ora, diz o profeta Isaías que o fogo pelo qual
cada homem é punido pertence a ele mesmo. Pois, diz ele: ‘Andai no lume do vosso fogo e
por entre as labaredas que ateastes’ (Isaías, 50:11.). Estas palavras parecem indicar que cada
pecador ateia ele mesmo seu próprio fogo, não sendo atirado a um fogo que alguém ateou
previamente ou que existia antes dele. Desse fogo, o alimento e o material são nossos
pecados, chamados pelo apóstolo Paulo de madeira, feno e palha [...] na própria essência da
alma, aqueles mesmos desejos daninhos que nos levam ao pecado produzem certos
tormentos. Considera o efeito das faltas da paixão que com freqüência acometem os homens,
como ocorre ao ser a alma consumida pela chamas do amor, atormentada pelo fogo do ciúme
ou da inveja, tomada pela raiva furiosa ou consumida pela intensa melancolia, lembrando
como alguns homens, por considerarem o excesso desses males um peso demasiado para
ser suportado, julgaram mais tolerável submeter-se à morte do que arcar com essas torturas
(p.48).
Em toda parte, associa-se o fogo a Deus, sendo ele, por conseguinte, representante das energias
arquetípicas que transcendem o Ego e são experimentadas como numinosas. O batismo de sangue,
assim como o encontro com o fogo, refere-se psicologicamente à provação de suportar um afeto
intenso.Se o Ego se mantém intacto, a provação tem um efeito purificador e consolidador.
CALCINATIO, SECAGEM E PSICOTERAPIA
Do ponto de vista mais simples, a calcinatio é um processo de secagem. Sobre isso, Edinger (1999),
escreve: “Um importante componente da psicoterapia envolve a secagem de complexos
inconscientes que vivem na água” (p.61). O fogo ou a intensidade emocional necessária para esta
operação parece residir no próprio complexo, tornando-se atuante tão logo o paciente tenta tornar o
complexo consciente mediante o compartilhamento com outra pessoa. Todos os pensamentos,
ações e lembranças que trazem vergonha, a culpa ou a ansiedade precisam ter plena expressão. O
afeto liberado torna-se o fogo capaz de secar o complexo e purificá-lo de sua contaminação
inconsciente. A necessária frustração do desejo é a principal característica do estágio de calcinatio.
Primeiro, a substância deve ser localizada, isto é, o desejo e a expectativa inconscientes não
reconhecidos precisam ser identificados e afirmados. A urgência instintiva deve ser plenamente
aceita pelo Ego, pois não pode ocorrer uma calcinatio adequada enquanto o material correto a ser
trabalhado não estiver à mão.
O fogo da calcinatio, na medida em que puder ser evocado pelo psicoterapeuta, é obtido em grande
parte pela expressão de atitudes e reações que frustrem o paciente. Em termos terapêuticos, o
processo de calcinatio deve ser facilitado pelo terapeuta apenas quando houver uma aliança entre
este e o paciente, além de uma solidez psíquica (por parte de ambos) suficientemente forte para
suportar o fenômeno, fazendo com que a frustração ocorra sem gerar sentimentos de negatividade
no paciente. De uma forma geral, ao enfrentar-se a realidade da vida, tem-se uma gama variada de
situações para que a calcinatio dos desejos frustrados ocorra. A realidade com freqüência produz o
fogo da calcinatio ao desafiar ou negar as exigentes expectativas desses desejos, que operam sob a
suposição implícita de que fazem jus ao seu objeto. Tendo negada a sua justificativa, o desejo
frustrado torna-se o próprio fogo da calcinatio. A calcinatio tem um efeito purgador ou purificador. A
substância (complexo) é purgada de sua umidade radical18.
A calcinatio produz, de alguma forma, imunidade ao desejo anteriormente frustrado e uma habilidade
para ver os aspectos arquetípicos da existência. Sobre isso, Edinger (1999) escreve: “Na medida em
que estamos relacionados com o aspecto transpessoal do nosso ser, experimentamos o afeto como
fogo etéreo (Espírito Santo) e não como fogo terrestre – a dor do desejo frustrado” (p.64).
SOLUTIO
A operação alquímica do elemento água é a solutio, que significa, em termos essenciais, a
transformação de um elemento sólido em um elemento líquido: “o sólido parece desaparecer no
solvente, como se tivesse sido engolido” (Edinger, 1999, p.67). Para o alquimista, a solutio
significava com freqüência o retorno da matéria diferenciada ao seu estado indiferenciado original
(prima materia). Segundo Edinger (1999), a experiência da solutio ‘dissolve’ problemas psicológicos
mediante a transferência da questão para o domínio do sentimento. Em outras palavras, dá
respostas a questões ao dissolver a obstrução da libido de que a questão era sintoma. No processo
psicoterapêutico, o fenômeno de solutio corresponde à dissolução dos aspectos estáticos da
personalidade que não admitem mudanças. Esses aspectos já estão estabelecidos pelo Ego e são
fundamentados na certeza de que são corretos e justos. Para a transformação ocorrer, é preciso
dissolver esses aspectos, de forma a reduzi-los a prima materia. Por meio do processo analítico, os
produtos do inconsciente são examinados, ao mesmo tempo em que as atitudes estabelecidas pelo
Ego são postas em questão.
“A solutio tem duplo efeito: provoca o desaparecimento de uma forma e o surgimento de uma nova
forma regenerada” (Edinger, 1999, p.71). Psicologicamente, idéias e comportamentos antigos
mantidos pelo e que passaram pelo processo de solutio solicitam serem coagulados numa nova
forma regenerada, possuindo essa nova forma quantidades de libido a sua disposição. A hidropisia
(afogamento interior) também pode causar a solutio. A inflação do Ego é a causa e o agente da
solutio. Um Ego engolido é dissolvido pelo seu próprio excesso. Sua dissolução enseja um possível
rejuvenescimento sobre bases mais sólidas. Conforme Edinger (1999), o amor e/ou a luxúria são
agentes de solutio. Isso corresponde ao fato de um problema ou estágio psíquico específico de
desenvolvimento com freqüência permanecem presos ou paralisados enquanto o paciente está
apaixonado. Depois, subitamente, o problema se dissolve. Apesar de novas complicações se
manifestarem, a vida volta a fluir, pois foi liquefeita.
Em termos psicológicos, a solutio pode ser explicada da seguinte forma: o agente da dissolução será
um ponto de vista superior (ou aspecto da personalidade, uma idéia mais completa, nova e
dinâmica), mais abrangente, que é capaz de atuar como recipiente para o ponto de vista estático
possuído pelo Ego consciente, cercando-o e submergindo-o efetivamente. “Aquilo que é mais amplo
e abrangente do que o Ego ameaça dissolvê-lo” (Edinger, 1999, p.76). No mundo interior, o
inconsciente, na qualidade de Si-mesmo (ou totalidade da psique), pode dissolver o Ego. No mundo
exterior, um indivíduo dotado de consciência mais ampla do que o outro pode provoca a solutio e
isso explica o porquê de um ponto de vista mais abrangente costumar ser experimentado como
ameaça. O banho, o aguaceiro, o chuvisco, a natação, a imersão em água são equivalentes
simbólicos da solutio que costumam aparecer nos sonhos. Todas essas imagens relacionam-se com
o simbolismo do batismo (eco do antigo procedimento primitivo de provação pela água), que significa
uma purificadora e rejuvenescedora imersão numa energia e num ponto de vista que transcendem o
Ego, uma verdadeira seqüência de morte e renascimento.
No batismo cristão, o indivíduo é unido com Cristo e, simbolicamente, o Ego é ligado ao Si-mesmo.
O batismo dissolve todas as distinções individuais e todas as separações. Da perspectiva interior,
essa dissolução equivale a uma integração dos elementos da personalidade que se encontram
separados. O batismo é um ritual de purificação que deixa a pessoa livre de impurezas (tanto as
espirituais quanto as físicas). Psicologicamente, a impureza limpa pelo batismo pode ser
compreendida como inconsciência (qualidades da sombra que não foram integradas ao Ego). A
limpeza psicológica não significa que há eliminação dos aspectos sombrios da personalidade, e sim
uma conscientização dos mesmos. Dionísio é a divindade que representa, psicologicamente, o
princípio da umidade e como tal, a fonte de fertilidade, espontaneidade e da energia, em contraste
com a forma, a medida e a restrição. Um Ego imaturo que estiver contido por um todo repressor e
alienante, pode manifestar anseios luxuriosos voltados para a sexualidade coletiva (orgias). Se
esses anseios forem concretamente realizados, pode ser que a fragmentação psíquica desse Ego
seja acentuada. Porém, as imagens de orgias coletivas sugerem a possibilidade de restabelecimento
da própria vinculação com a humanidade comum através da identificação coletiva.
Muitas síndromes clínicas têm como causa uma identificação concreta com o arquétipo dionisíaco,
entre elas o alcoolismo e a drogadição. Isso ocorre, porque a identificação arquetípica promove a
dissolução dos limites, trazendo uma vida desmesurada que valoriza muito mais a intensidade das
experiências do que propriamente o significado e a clareza das mesmas. Uma abordagem
participativa, sensível e ativa por parte do analista promove a coagulatio. Certos pacientes requerem
essa abordagem e são ameaçados por tudo o que encorajar a solutio (uma vez que o processo de
solutio tem como propriedade, a dissolução das barreiras existentes nas estruturas do Ego). O caso
extremo de falha na concretização das imagens arquetípicas é a esquizofrenia: o Ego é literalmente
inundado por imagens arquetípicas ilimitadas e primordiais. Um indivíduo que esteja acometido pela
esquizofrenia não teve oportunidades adequadas de vivenciar os arquétipos mediados e
personalizados por meio de relacionamentos humanos de boa qualidade.
COAGULATIO
É o processo que transforma as coisas em terra. A terra é um elemento permanente, tem forma e
posição fixas. Não desaparece no ar por meio da sublimação, nem se adapta facilmente à forma de
qualquer recipiente. Psicologicamente, dizer que algum conteúdo psíquico tornou-se “terra” quer
dizer que esse conteúdo concretizou  se em uma forma localizada e particular no Ego. A coagulatio
é promovida pela ação. A atividade e o movimento psíquico promovem o desenvolvimento do Ego.
Costuma-se equiparar a coagulatio com a criação. Uma outra imagem da coagulatio é encontrada na
mitologia upanixade, que diz que “tal como a manteiga oculta no leite, a Pura Consciência (benção
absoluta) está em todo ser. Deve ser batida de maneira constante, servindo a mente de haste de
bater” (Edinger, 1999, p.102).
A Turba Philosoforum dá a seguinte receita alquímica da coagulatio: “Toma o mercúrio, coagula-o no
corpo de Magnésio, no Kuhul (chumbo) ou no Enxofre que não queima, etc”. O mercúrio é a
substância a ser coagulada de acordo com a passagem acima citada. Ele (o mercúrio) é o espírito
autônomo da psique arquetípica, uma espécie de manifestação do Si-mesmo transpessoal.
Submeter o mercúrio a coagulatio significa ligar o Ego ao Si-mesmo, realizando, assim, a
individuação. O trecho acima citado refere-se ainda a três outros elementos: o magnésio, o chumbo
e o enxofre. O magnésio significava, para os alquimistas, algo diferente do que representa
atualmente: “era um termo geral que designava vários minérios metálicos crus ou misturas impuras”
(Edinger, 1999, p.103). Em termos psicológicos, coagular o mercúrio no corpo de magnésio pode
significar a união da psique arquetípica com o cotidiano.
O outro elemento citado foi o chumbo. Em Edinger (1999) encontra-se uma descrição a respeito
dele: “o chumbo é pesado, sombrio e incômodo. É associado ao planeta Saturno, que carrega as
qualidades da depressão, da melancolia e da limitação mortificante”. Simbolicamente, a união do
mercúrio com o chumbo representa a vinculação do espírito livre à pesada realidade e a adaptação
desse espírito às limitações das particularidades pessoais. Durante a prática analítica, esse vínculo
com o chumbo costuma ser efetuado quando o indivíduo assume responsabilidade pessoa por
fantasias e idéias inconstantes mediante sua expressão diante do analista ou de outra pessoa
significativa.
O terceiro agente coagulador é o enxofre. O enxofre é um elemento que está associado ao sol (por
conta de seu caráter inflamável e sua cor amarelada). Porém, seus vapores impregnam um mau
cheiro e escurecem a maioria dos metais (razão pela qual se assemelha também ao inferno). Jung
relaciona o enxofre, em uma linguagem psicológica, como o representante da vontade, a força
impulsionadora da consciência. Mas também pode ser interpretado como compulsão, um impulso
que vai desde o simples interesse até a possessão propriamente dita. Portanto, se parte do
significado do enxofre é desejo – procura do poder e do prazer – pode-se ir um pouco mais longe
nessa interpretação, concluindo que o desejo é um fator que coagula. Em várias passagens do Novo
Testamento, a carne é equiparada ao desejo pecaminoso. Em suas epístolas aos Gálatas, Paulo
escreveu: ”Porque as obras da carne são manifestas, as quais são: adultério, prostituição, impureza,
lascívia, idolatria, feitiçarias, inimizades, porfias, emulações, iras, pelejas, dissensões, heresias,
invejas, homicídios, bebedices, glutonarias, e coisas semelhantes a estas...”. (Novo Testamento,
Salmos e Provérbios, pg 380, 19-21). O desejo irrefreado (compulsão) é não apenas uma
característica da carne (aspecto coagulado da psique), como também se encontra vinculado à
encarnação.
Uma outra alegoria que representa a coagulatio, é a de Prometeu e o roubo do fogo sagrado. Ao ser
descoberto por Zeus, foi acorrentado a um rochedo do Cáucaso. Diariamente, águias vinham se
alimentar de seu fígado. Durante a noite, esse órgão se regenerava para novamente servir de
alimento para as águias no dia seguinte. Prometeu permaneceu nesse suplício por trinta anos19.
Outro exemplo de coagulatio é o de Adão e Eva sendo expulsos do Paraíso (ou condição
paradisíaca, aquele que precede o Ego) depois do crime que cometeram (comer do fruto proibido).
Estas alegorias demonstram que o desenvolvimento do Ego associa-se às vivências do mal, do
crime e da culpa. Dessa forma, a consciência do mal que existe em cada um – isto é, a percepção
das características negativas do arquétipo da sombra – provoca coagulação. “É perigoso ser
unilateral, mesmo na bondade” (Edinger, 1999, p.111). Os sonhos freqüentemente fazem alusão ao
aspecto criminoso da condição de Ego. A presunção de assumir a vontade e a consciência pode ser
representada com um roubo. O atrevimento que consiste em seguir a autoridade interior é expresso
como o assassinato de uma autoridade projetada. O ser um Ego está inextricavelmente vinculado
com a culpa, punida com a coagulatio – que seria o confinamento dentro dos limites da própria
realidade pessoal – sugerida pelo motivo dos grilhões e da prisão que aparecem nos sonhos.
A coagulatio costuma ser seguida, em geral, pela mortificatio, uma vez que aquilo que se concretizou
plenamente agora se acha sujeito à transformação. Embora seja um processo marcado pela culpa, a
coagulatio contém, como foi dito, sua própria capacidade de redenção. A associação entre Luna (lua)
e coagulatio indica ser esta última governada pelo princípio feminino. É o que indica igualmente a
natureza feminina da terra, da matéria (mater), e o fato de só podermos encarnar por meio de um
útero feminino. Toda forma, manifestação ou estrutura específica que solidifiquem nossas energias
vitais numa expressão particular e concreta faz parte da natureza da mulher. O país, a igreja, a
comunidade, a instituição, a família, a vocação, a diversão, a relação pessoal – tudo isso garante
nosso compromisso através do princípio feminino. Mesmo aparentes abstrações como a ciência, a
sabedoria, a verdade, a beleza, a liberdade e, assim por diante, quando servidas de modo concreto e
realista, são experimentadas como personificações do feminino. Jung definiu o princípio feminino
como princípio de relação. Assim, podemos afirmar que o relacionamento coagula.
Todo processo inicial de desenvolvimento psíquico individual – o surgimento do Ego a partir do seu
estado original de unicidade com a psique objetiva – pode ser tido como um processo de coagulatio.
A experiência e a percepção consciente das imagens arquetípicas inatas só têm seqüência se forem
encontradas em formas concretas, personalizadas. O relacionamento pessoal da infância coagula os
arquétipos, mas também os distorce e os limita. Se os aspectos particulares que foram objeto da
coagulação se revelarem demasiado unilaterais em termos de negatividade ou de alguma outra
forma nocivos para o crescimento, sua destruição e recoagulação, sob circunstâncias favoráveis,
serão um imperativo. A mitologia, a religião e a alquimia são de fundamental importância para a
psicologia profunda, pois as analogias que podem ser observadas personificam a psique objetiva e
os processos pelos quais ela passa no decorrer de seu desenvolvimento. As analogias dão forma e
visibilidade ao que ainda se encontra intangível e invisível, ao conteúdo ainda não coagulado
(diferente dos conceitos e das abstrações, que fazem parte do elemento ar e são agentes da
sublimatio).
As imagens dos sonhos e as imagens presentes na imaginação ativa (imagens essas originárias da
alma) coagulam, pois vinculam, através da analogia, o mundo exterior ao mundo interior. O
sacramento cristão da Santa Comunhão é um rito de coagulatio. É interessante notar que vários
outros sacramentos se acham igualmente vinculados com o simbolismo das operações alquímicas.
O sacramento do batismo pertence a solutio; o sacramento da extrema-unção a mortificatio; e o
matrimônio a coniunctio. Entretanto, a Eucaristia é o rito central do cristianismo e, como Jung
observou, pode ser considerada como o rito do processo de individuação, pois do ponto de vista da
linguagem simbólica do processo de coagulatio, compartilhar do alimento eucarístico significa a
incorporação, por parte do Ego, de uma relação com o Si-mesmo.
SUBLIMATIO
A sublimatio é a operação alquímica que pertence ao ar.Ela transforma o material em ar por meio de
sua elevação e volatilização. O termo sublimação vem do latim sublimis, que significa elevado. Isso
indica que o aspecto essencial da sublimatio é um processo de elevação por intermédio do qual uma
substância inferior se transforma numa forma superior mediante movimento ascendente. Todas as
imagens referentes ao movimento para cima – escadas, degraus, elevadores, alpinismo, montanhas,
voar, e assim por diante – pertencem ao simbolismo da sublimatio, aplicando-se o mesmo a todos os
valores e conotações psicológicas associadas com estar em cima em vez de embaixo.
A sublimatio é uma ascensão que eleva acima do emaranhado confinador da existência terrestre e
de suas particularidades concretas. Conforme Edinger (1999) “quanto mais alto nos elevamos, tanto
maior e mais ampla nossa perspectiva, mas, ao mesmo tempo, tanto mais distantes ficamos da vida
real e tanto menos nossa capacidade de agir sobre aquilo que percebemos” (p.136). Para o
alquimista, o processo da sublimação era experimentado em imagens simbólicas. Ele podia ver, por
exemplo, um pássaro elevando-se da matéria situada na parte inferior do pote alquímico para as
regiões superiores. Equiparava-se o pote alquímico com o macrocosmo, sendo sua parte inferior a
terra e a superior, o céu. O sublimado sai da terra e é transportado para o céu.
A capacidade de estar acima das coisas e de ver a si mesmo com objetividade é a habilidade de
dissociar. O uso dessa palavra indica de imediato o perigo da sublimatio. Quando levada a extremos,
cada operação alquímica tem sua própria sintomatologia patológica. A capacidade de dissociação da
psique é tanto a fonte da consciência do Ego quanto a causa da doença mental. A sublimatio inferior
deve sempre ser seguida por uma descida, ao passo que a superior é um processo de culminância,
a translação final para a eternidade daquilo que foi criado no tempo. A consciência individual ou a
percepção individual da totalidade é o produto psicológico do processo temporal de individuação. Por
essa razão, o tornar-se eterno é uma idéia misteriosa que parece implicar na transformação da
consciência alcançada pelo indivíduo num acréscimo permanente à psique arquetípica.
A maioria das imagens de sublimatio encontradas no trabalho terapêutico pertence a sublimatio
inferior. Com efeito, para os pacientes contemporâneos, as imagens de subida, de altura e de vôo
quase sempre indicam a necessidade de uma descida. Os indivíduos modernos têm tido um excesso
de sublimatio, ao menos do tipo inferior. Eles precisam da descida e da coagulatio. A relativa
liberdade do estado sublimado é uma importante realização no curso do desenvolvimento psíquico,
mas é apenas uma parte. Estar preso no céu pode ser desastroso. A subida e a descida são
igualmente necessárias. Como afirma um dito alquímico: “Sublima o corpo e coagula o espírito”.
Apesar do perigo da sublimatio para a mente moderna, seu simbolismo permanece no cerne de
todos os esforços humanos voltados para o desenvolvimento. Tudo aquilo que evoca nossa natureza
melhor, mais elevada, e, com efeito, toda a moralidade, partilha do conjunto de imagens vinculadas
com a sublimatio. Toda a história da evolução cultural pode ser considerada como um grande
processo de sublimatio, no qual os seres humanos aprenderam a ver com objetividade a si mesmos
e ao seu mundo.
MORTIFICATIO
A mortificatio é a mais negativa de todas as operações alquímicas. Está vinculada ao negrume, à
derrota, à tortura, à mutilação, à morte e ao apodrecimento. Todavia, essas imagens sombrias com
freqüência levam a imagens altamente positivas – crescimento, ressurreição, renascimento; mas a
marca registrada da mortificatio é a cor negra. Em termos psicológicos, o negrume refere-se à
sombra. Por conseguinte, as referências positivas sobre o processo estariam aludindo, no nível
pessoal, às conseqüências positivas advindas do fato se ter consciência da própria sombra. No nível
arquetípico, também é desejável ter consciência do mal. De acordo com a lei dos opostos, uma
intensa consciência de um dos lados constela seu contrário. A partir do negrume, nasce a luz. Em
contraste com isso, os sonhos que enfatizam o negrume costumam ocorrer quando o Ego consciente
se mostra identificado de maneira unilateral com ela.
O rei, o sol e o leão são imagens que referem-se ao princípio diretor do Ego consciente e ao instinto
de poder. Num certo ponto, esses aspectos devem ser mortificados para que surja um novo centro.
No nível arquetípico, a mortificatio do rei ou do sol refere-se à morte e transformação de um princípio
diretor coletivo ou dominante. A origem e o crescimento da consciência parecem estar vinculados de
maneira peculiar à experiência da morte. Talvez o primeiro par de opostos a penetrar na consciência
dos seres humanos primitivos tenha sido o contrate entre o vivo e o morto. 41 A mortificatio é
experimentada como derrota e fracasso. Desnecessário dizer que raramente alguém opta por ter
essa experiência. Ela costuma ser imposta pela vida, quer a partir do interior quer do exterior. De
certa maneira, podemos experimentá-la de modo indireto por meio do grande instrumento cultural de
mortificatio, o drama trágico. Em alguns casos, o drama pode oferecer mais do que uma experiência
indireta. Se o momento for propício, pode ter um efeito indutivo e dar início a um autêntico processo
de transformação do indivíduo.
SEPARATIO
Considerava-se a prima materia uma confusa mistura de componentes indiferenciados e opostos
entre si, mistura essa que requeria um processo de separação. Os vários processos químicos e
físicos realizados no laboratório alquímico fornecem imagens para esse processo. Extraía-se metal
do minério puro por meio do aquecimento, da pulverização ou de vários recursos químicos. Muitas
substâncias, ao serem aquecidas, dividem-se numa parte volátil, que se torna vapor, e num resíduo
terroso, que permanece. Em todos esses exemplos, uma mistura composta passa por uma
discriminação de suas partes componentes. Produz-se a ordem a partir da confusão, num processo
análogo ao do nascimento do cosmos a partir do caos nos mitos da criação. Não é de se admirar,
por conseguinte, que muitos mitos cosmogônicos descrevam a criação como separatio
Em termos psicológicos, o resultado da separatio pela divisão em dois é a consciência dos
contrários. Trata-se de uma característica essencial da consciência emergente. A separatio
elemental que dá ensejo à existência consciente é a separação entre sujeito e objeto, entre o eu e o
não-eu (o primeiro par de opostos). Na medida em que os opostos permanecem inconscientes e não
separados, vivemos em um estado de participation mystique20, que significa a identificação com um
dos lados de um par de opostos e a projeção do seu contrário com um inimigo. O espaço para a
existência da consciência surge entre os opostos, o que significa que tornar-se consciente é ser
capaz de conter e de suportar os opostos interiormente.
Um importante aspecto da psicoterapia é o processo da separatio, cujo componente mais relevante é
a separação entre sujeito e objeto. O Ego imaturo é notório pelo seu estado de participation mystique
tanto com o mundo interior quanto com o mundo exterior. Um Ego nessa condição deve passar por
um prolongado processo de diferenciação entre sujeito e objeto. À medida que isso ocorre, a
desidentificação com outros pares de opostos também ocorre. Espadas, facas, lâminas bem afiadas
de todos os tipos pertencem ao simbolismo da separatio. A medição, a contagem, o ato de pesar e a
consciência quantitativa em geral pertencem à operação de separatio. Uma profunda expressão do
arquétipo da separatio é encontrada no simbolismo do Juízo Final. A noção de um julgamento após a
morte está presente em quase todas as culturas. Em termos psicológicos, essa idéia pode ser
compreendida como uma projeção, no além-túmulo, de um encontro antecipado com o Si mesmo,
encontro que determinará se alcançamos ou não a condição de indivisibilidade.
CONIUNCTIO
A coniunctio é o ponto culminante da opus. Em termos históricos e psicológicos, ela apresenta um
aspecto extrovertido e introvertido. O fascínio dos alquimistas pela faceta extrovertida deste
processo promoveu o estudo do milagre da combinação química21. Pela faceta introvertida, esse
fascínio gerou o interesse pelo conjunto de imagens e pelo processo inconscientes, que foram
estudados pela psicologia analítica do século XX. Os alquimistas tiveram a oportunidade de
testemunhar em seus laboratórios muito exemplos de combinação química e física, na qual duas
substâncias se unem para criar uma terceira com propriedades completamente diferentes.Um
importante exemplo de combinação física é a fusão de metais derretidos e em particular, a formação
de amálgamas pela união do mercúrio com outros metais.
Quando se tenta compreender o rico e complexo simbolismo da coniunctio, é importante saber
distinguir as duas fases desse processo: a coniunctio inferior e a coniunctio superior. A inferior é uma
união ou fusão de substâncias que ainda não se encontram completamente separadas. É sempre
seguida pelo processo de morficatio. A união dos opostos que foram separados de maneira
imperfeita caracteriza a natureza da coniunctio inferior. O produto que resulta é uma mistura
contaminada que deve ser submetida a outros processos para ser purificada. A coniunctio superior é
o alvo da opus, ou seja, a suprema realização. Na realidade, esses dois aspectos se acham
combinados. O objetivo da opus é a criação de uma entidade maravilhosa que recebe vários nomes,
como “Pedra Filosofal”, “Nosso Ouro”, “Água Penetrante”, etc. Sua produção resulta de uma união
final dos opostos purificados, corrigindo, assim, toda a unilateralidade.
A experiência da coniunctio é quase sempre uma mistura dos dois aspectos (o inferior e o superior).
Edinger (1999), faz uma correlação entre a coniunctio e a psicoterapia, dizendo que o paciente em
processo terapêutico é sempre confrontado por seus opostos de maneira interminável até o
momento em que, de forma gradual, um novo ponto de vista que permite a experiência dos opostos
ao mesmo tempo surge. Isso seria a coniunctio (um ponto de vista que é ao mesmo tempo libertador
e que pode ser considerado como uma carga).
SIMBOLISMOS DO FOGO
Jung (1986) fala que preparação do fogo é exercida há muito tempo em todo o mundo.
Gradualmente, ela foi perdendo a sua aura de mistério, entretanto a tendência de preparar o fogo de
modo cerimonial e misterioso, segundo regras exatas e precisas, não desapareceu. Este rito remete
ao sagrado existente originalmente na preparação do fogo. Nos tempos primitivos, o fogo era o
principal método de sacrifício aos deuses. Concebia-se o fogo como um vínculo conector entre os
reinos divino e humano. O que era sacrificado pela combustão tornava-se, de modo bastante literal,
sagrado. Aquilo que queima transforma-se quase totalmente em fumaça, subindo para as regiões
superiores. É transferido para os deuses por um processo de sublimação. Esta é a base da
concepção do sacrifício queimado dos gregos, a thysia, bem como das oferendas queimadas dos
judeus. O termo sânscrito para fogo é agnis (o latino ignis), o fogo personificado é do deus Agni, o
mediador divino, cujo símbolo tem certas semelhanças com idéias cristãs.
Na Índia, Agni é o deus hindu do fogo, aquele a quem se oferece o sacrifício. No pensamento hindu,
através do fogo o homem pode comunicar-se com estados superiores do ser, com os deuses e com
as esferas celestes. Por meio do fogo pode participar da vida cósmica e cooperar com os deuses.
Certos mitos falam do banho de fogo que produz a imortalidade. A imortalidade é uma qualidade dos
arquétipos, logo, o significado psicológico do “banho de fogo” da imortalidade será o estabelecimento
de um vínculo entre o Ego e a psique arquetípica (eixo Ego-Si-Mesmo), tornando aquele consciente
do seu aspecto transpessoal, eterno ou imortal.
O fogo constitui um elemento masculino, simbolizando a energia ora criadora, ora destruidora.
Possui uma vasta amplidão simbólica. Tresidder (2000), diz: “Encontra-se o fogo significando a
purificação, a revelação, a transformação, a regeneração e o ardor espiritual ou sexual” (p.106). Em
um ambiente doméstico, por exemplo, o fogo de uma lareira, a sua imagem é protetora,
aconchegante, mas como força da natureza, é ameaçador. Na alquimia, o elemento fogo é
representado por um triangulo apontando para cima (∆), constituindo um elemento unificador. Em
culturas antigas ou primitivas, o fogo era venerado e adorado como um deus real, um símbolo do
poder divino, pois é um elemento aparentemente vivo, no sentido de que cresce a partir do material
que consome, morrendo e reaparecendo. A partir dessas observações feitas pelos povos antigos, o
fogo foi interpretado como a forma terrestre do Sol, com o qual partilha muito de seu simbolismo.
O fogo era homenageado em diversos cultos. O culto de adoração à Moloch é um exemplo disso:
Moloch, conhecido também como "Príncipe do Vale das Lágrimas” e “Semeador de Pragas” é o
nome dado a uma divindade malévola adorada por diversas culturas antigas. É um símbolo pagão
associado a sacrifícios humanos por meio da imolação (sendo que a maioria dos sacrificados eram
crianças). Os amonitas (descendentes de Amon) membros de tribo a leste do Jordão, também
costumavam adorá-lo, sacrificando crianças em seu louvor para obterem boas colheitas e vitória nas
guerras. A noção de expurgar o mal pelo fogo, iria, mais tarde na História, causar as mais cruéis
atrocidades da Igreja Cristã através da Santa Inquisição e sua caça às bruxas, que levou às
fogueiras milhares de pessoas que eram suspeitas de praticarem bruxaria na Europa. Já na América
do Norte, entre as tradições dos índios, a fogueira era uma imagem de felicidade e prosperidade,
representando o próprio Sol, que era chamado de O Grande Fogo. No Budismo, um pilar de fogo
constitui um símbolo de Buda, e o fogo como iluminação pode ser uma metáfora a respeito da
sabedoria.
Tresidder (2000), acredita que no pensamento místico, “o fogo simboliza freqüentemente a união
com a divindade, a transcendência da condição humana, o objetivo de todas as coisas” (p.106). Daí
a noção do fogo espiritual que queima sem consumir. O simbolismo da ressurreição que o fogo
possui é personificado pela Fênix e pela Salamandra. O simbolismo da regeneração também está
subjacente nos rituais pascais tanto da Igreja católica romana como da Igreja ortodoxa oriental. O
fato de virgens cuidarem freqüentemente do fogo sagrado (as vestais na Roma antiga, mulheres do
templo no império Inca, filhas dos chefes entre os heróis) está ligado à pureza que lhe é atribuída.
Devido a esse poder purificador, o fogo é um apreciado meio de penitência. Lurker (2003), diz:
“Através da queima são eliminadas todas as impurezas da oferenda de sacrifício” (p.275).
A maior parte dos aspectos do simbolismo do fogo está resumida na doutrina hindu, que lhe confere
fundamental importância. Chevalier e Gheerbrant (2000) destacam essa importância: Agni, Indra e
Surya são os fogos dos mundos, respectivamente, terrestre (fogo comum), intermediário (raio) e
celeste (Sol). Além desses, existem outros dois fogos: o da penetração ou absorção (Vaishvanara), e
o da destruição (outro aspecto de Agni). Considera-se, paralelamente, cinco aspectos do fogo ritual
(também representaados por Agni) 22. Segundo o I Ching, o fogo corresponde ao sul, à cor
vermelha, ao verão e ao coração. Essa última relação, aliás, é constante, quer o fogo simbolize as
paixões (principalmente o amor e a cólera), quer ele simbolize o espírito (o fogo do espírito) ou o
conhecimento intuitivo a que se refere a Gita. A significação sobrenatural do fogo estende-se das
almas errantes (fogos-fátuos, lanternas do Extremo Oriente usadas para representar a alma de um
morto), até o Espírito Santo.
O fogo é o símbolo divino essencial do Masdeísmo. O termo masdeísmo significa onisciente e
designa a religião de Zaratustra, existente aproximadamente em 551 a.C., que pretendia fundar um
monoteísmo mitigado: frente ao deus bom, Ahura-Mazda, existe o princípio do mal, Ahriman. O ser
humano deve participar nessa luta com a verdade frente à mentira e o erro, até que Ahriman seja
destruído. A guarda do fogo sagrado é um costume que se tem sua origem na antiga Roma e em
Angkor. O símbolo do fogo purificador e regenerador desenvolve-se do Ocidente ao Japão. A liturgia
católica do fogo novo é celebrada na noite de Páscoa. A do Xintó coincide com a renovação do ano.
Segundo certas lendas, o Cristo (e alguns santos) revificava os corpos passando-os pelo fogo da
fornalha. Os taoístas entram no fogo para libertar-se do condicionamento humano e fazem isso sem
se queimar. Esse fenômeno evoca a imagem do fogo que não queima, assunto da alquimia
ocidental. Representa ato de ablução ou purificação alquímica, simbolizada pela Salamandra.
Na China antiga, o fogo purificador era um componente essencial nos rituais de entronização, bem
como o banho e a fumigação (purificação por meio do fumo). Também representando a purificação,
o fogo era usado na Idade Média durante os ordálios (espécie de julgamento divino). O Buda
substitui o fogo sacrifical do hinduísmo pelo fogo interior, que é, ao mesmo tempo, conhecimento
penetrante, iluminação e destruição do invólucro. Os Upanixades asseguram, paralelamente, que
queimar pelo lado de fora não é queimar. Daí o símbolo da Kundalini ardente na Ioga hindu, e o fogo
interior do tantrismo tibetano. Esse último sistema, que considera apenas cinco centros sutis, faz
corresponder o fogo ao coração.
De acordo com o que diz Chevalier e Gheerbrant (2000), nas tradições celtas, tem-se o fogo como
elemento ritual e simbólico. Na Irlanda, alguns textos antigos fazem menção unicamente à
festividade denominada de Beltane, que se realizava a primeiro de maio, data que marca o início do
verão. Nessa ocasião, os druidas acendiam grandes fogueiras – o fogo de Bel – e faziam passar o
gado por entre elas, a fim de preservá-los das epidemias. Já Bachelard (1972) afirma que esse ritual
era para fazer com que esses animais deixassem de ser estéreis. Os inúmeros ritos de purificação
pelo fogo – em geral, ritos de passagem – são muito característicos das culturas agrárias. De acordo
com Séjourné (1962), apud Chevalier e Gheerbrant (2000), “o fogo, terrestre e ctoniano, representa
para os astecas, força profunda que permite a união dos contrários e a ascensão – ou a sublimação
– da água em forma de nuvens, i.e a transformação da água terrestre, água impura, em água
celeste, água pura e divina”. O fogo, portanto, é motor da regeneração periódica. Alguns ritos
crematórios têm, como origem, a aceitação do fogo como uma espécie de veículo ou mensageiro
entre o mundo dos vivos e dos mortos. De acordo com Chevalier e Gheerbrant (2000): Na ocasião
de certas festividades comemorativas de um falecimento, os teleutas dirigem-se em procissão
ao cemitério, onde acendem duas fogueiras: uma à cabeceira do ataúde e outra junto à base
do mesmo. Na primeira dessas fogueiras, destinada ao morto, deposita-se a quantidade de
alimentos que lhe serão reservados: o fogo encarregar-se-á de transmitir-lhe essa oferenda
(p.442)
Conforme Chevalier e Gheerbrant (2000), o fogo também tem uma simbologia relacionada à
sexualidade. De forma universal, essa significação está ligada à primeira das técnicas usadas para a
sua obtenção: através da fricção. A fricção (movimento de vaivém) é uma representação simbólica
do ato sexual23. O significado espiritual do fogo estaria, por sua vez, ligada a obtenção por meio da
percussão (choque de dois corpos). G. Durand e Bachelard, citados em (Chevalier e Gheerbrant,
442), distinguem duas posições (ou constelações) psíquicas para a simbologia do elemento fogo.
Essa distinção é feita justamente a partir do meio pelo qual o fogo é obtido: se for obtido através da
percussão, existe um significado de purificação e de iluminação e a esses significados estão
relacionados os ritos de incineração, o Sol, e as fogueiras de elevação e sublimação. Obtido através
da fricção, sua conotação é sexual, exatamente o oposto do significado da percussão. Sobre a
conotação sexual do fogo, Jung (1986)24 escreve: O pramantha como instrumento do Manthana
(o sacrifício de fogo) entre os hindus tem significado sexual: o pramantha representa falo ou
homem, o pau furado colocado embaixo é vulva ou mulher. O fogo gerado é a criança, o filho
divino Agni. No culto os dois paus chamam-se Purûravas e Urvaçi e são personificados como
homem e mulher. Do órgão genital da mulher nasce o fogo (p.136).
Assinalando também a ambivalência existente na representação simbólica do elemento fogo, Eliade
(1956), apud Chevalier e Gheerbrant (2000), escreve: “sua origem pode ser tanto divina quanto
demoníaca (pois, conforme certas crenças arcaicas, ele é gerado, magicamente, no órgão genital
das feiticeiras)” (p.442). Refletindo a partir dessas idéias, Chevalier e Gheerbrant (2000) afirmam que
“o simbolismo do fogo marca a etapa mais importante da intelectualização do cosmo, e afasta o
homem cada vez mais da condição animal” (p.442). Ao prolongar o símbolo nessa direção (no
sentido de ter sido criado a partir da percussão), o fogo seria o deus vigente e pensante que nas
religiões já teve o nome de Agni, de Athor e, entre os cristãos, de Cristo.
Como o Sol e seus raios, o fogo simboliza com suas chamas a ação fecundante, purificadora e
iluminadora. Chevalier e Gheerbrant (2000) apresentam um aspecto negativo do elemento ao dizer
que o mesmo também obscurece e causa sufocamento (através de sua fumaça). É um elemento que
queima, devora e destrói (representando o fogo das paixões, do castigo e das guerras). O fogo, na
qualidade de elemento que queima e consome, é também símbolo de purificação e regeneração.
Reencontra-se, pois, o aspecto positivo da destruição. De acordo com Bachelard (1972), aquilo “que
se modifica lentamente se explica através da vida, o que se modifica depressa é explicado pelo fogo”
(p. 21). Sobre os processo de purificação através dos elementos, Chevalier e Gheerbrant (2000)
comentam: A água também é um elemento com ação purificadora, mas o fogo distingue-se
dela porque simboliza a purificação pela compreensão mais espiritual de suas formas, pela
luz e pela verdade; ao passo que a água simboliza a purificação do desejo, até a mais sublime
de suas formas – a bondade (p.443).
CONCLUSÃO
Pode-se atribuir dois fatores para as queimaduras dos pacientes internados na unidade de
queimados do Hospital Regional da Ana Norte (HRAN): o fator involuntário e o fator voluntário. O
fator involuntário de queimadura é constatado quando a mesma foi causada por um acontecimento
acidental. Nessa categoria incluem-se os acidentes com substâncias corrosivas, os acidentes com
líquidos combustíveis (como o álcool e a gasolina)25, os escaldamentos com algum tipo de óleo
usado em frituras ou com líquidos ferventes (como água ou café)26, choques elétricos e as
tentativas de homicídio. O fator voluntário é aquele que envolve a queimadura que foi resultante de
uma tentativa de suicídio (ou auto-extermínio). Os motivos mais freqüentes para o auto  extermínio
são: desespero, culpa, drogadição ou alcoolismo, surtos psicóticos e maníacos, decepções no amor
(principalmente traições).
Faz parte da rotina da equipe de psicologia atuante na Unidade de Queimados a entrevista de
anamnese dos pacientes (tanto os recém-internados quanto os que já se encontram na unidade há
mais tempo). Tenta-se, nessa etapa, levantar a maior quantidade de dados possíveis a respeito da
história de vida do paciente. Um dos dados que precisa ser levantado é o histórico do acidente. Uma
característica bastante marcante é que os pacientes que tentam o auto  extermínio oferecem uma
resistência maior para descrever como o acidente ocorreu e só o fazem após algumas entrevistas
(de fato, quando percebem que a aliança terapêutica for criada. Então, resolvem contar
detalhadamente o evento).
Depois de investigadas as circunstâncias da tentativa de auto-extermínio, o próximo assunto a ser
explorado é o contexto anterior à lesão, para que um esboço da situação psíquica do paciente seja
elaborado. Nas entrevistas de acompanhamento feitas posteriormente, surgem itens que necessitam
serem investigados, tais como os relatos sobre as observações feitas pelos próprios pacientes sobre
o que acontece ao corpo deles (sensações, sentimentos, associações) quando relembram a tentativa
de auto-extermínio. Grande parte deles apresenta o que é clinicamente chamado de síndrome do
estresse pós-traumático. Em Conger (1993) encontra-se uma passagem sobre as seqüelas que
podem ocorrer na síndrome, dentro de uma abordagem junguiana: Como exemplo de trauma
psíquico, explicava Jung, podemos imaginar uma pessoa que foi gravemente ameaçada por
um cachorro. A experiência é acompanhada de várias reações do sistema nervoso simpático.
Inúmeras sensações corporais são alteradas e, talvez nos meses seguintes, fragmentos
passageiros de memória a respeito do incidente recuperam a experiência, que é parcialmente
revivida. Com o passar do tempo, o complexo de terror, em vez de integrado, submerge.
Contudo, volta à tona sempre que, por várias sutis razões, a experiência for mobilizada de
novo (p.66).
Muitos pacientes apresentam dificuldades em dormir, pois, além das dores dos ferimentos, ficam
receosos de voltar a sonhar com fogo ou com a situação do auto  extermínio. Costumam sonhar
com cômodos fechados, que pouco a pouco vão sendo tomados por fumaça, até que surge o fogo e
destrói esses cômodos (que são, em geral, quartos que os pacientes têm em suas casas). A
finalidade do suicídio para esses pacientes (de acordo com relatos) é de justamente acabar com
todo o sofrimento, tristeza, decepção e culpa. Muitos não sabem o que os levou a escolha do fogo,
apenas recordam que o combustível era, no momento, o que estava mais próximo deles.
AUTO-EXTERMÍNIO E DROGADIÇÃO / ALCOOLISMO
O auto-extermínio de paciente que são drogadictos ou alcolistas ocorre, na maior parte das vezes,
depois do uso das substâncias. Motivados pelos efeitos das drogas e/ou do álcool, os pacientes
resolvem concretizar o objetivo de tirar a própria vida. Em geral, os pacientes drogadictos e alcolistas
se encontram em um nível intermediário de dependência e em seu meio familiar as drogas e o álcool
já se tornaram motivo de muitas brigas e desentendimentos. Alguns pacientes relatam que tentaram
parar de usar as drogas/álcool algumas vezes, mas não obtiveram êxito. O ciclo de usar drogas –
tentar parar – recomeçar o uso, deixa os drogadictos/alcolistas desestimulados. Sentimentos de
menos-valia, início de depressão favorecem o uso de grandes quantidades de drogas e, geralmente,
sob o efeito destas que os pacientes tentam o suicídio.
AUTO-EXTERMÍNIO E PSICOSE (SURTOS PSICÓTICOS E MANÍACOS)
Os relatos de casos de auto-extermínio após algum tipo de surto psicótico ou maníaco geralmente
envolvem alucinações visuais e auditivas. São comuns as vozes que dizem para o paciente ser parte
de um ritual que tem a finalidade de salvar toda a humanidade, mas para que isso aconteça é
necessário que ele ofereça seu próprio corpo em sacrifício27. Outro tipo de conteúdo que surge nos
relatos é o de vozes que acusam o paciente de ser uma pessoa suja e que precisa encontrar um
meio de purificar seu corpo, de modo que sua alma fique limpe também.
AUTO-EXTERMÍNIO POR DECEPÇÕES AMOROSAS
A maior parte dos pacientes que cometem tentativa de auto-extermínio por motivos de decepção
amorosa é do sexo feminino. Os relatos mais comuns estão relacionados a dificuldades existentes
na relação entre os cônjuges como brigas, a existências de amantes, flagrantes de traição e até
mesmo o término dessas relações.
SIMBOLISMO DO FOGO, SACRIFÍCIO E TENTATIVAS DE SUICÍDIO
Analisando os relatos dos pacientes internados na unidade de queimados é possível fazer uma
correlação entre a tentativa de suicídio e os simbolismos do sacrifício e do fogo. Antes, porém, é
necessário que as tentativas de suicídio (e o suicídio consumado) sejam analisadas pela ótica da
Psicologia Junguiana. De acordo com o ponto de vista junguiano, especificamente, de Hillman
(1993), o suicídio não é visto como uma síndrome e nem como um sintoma: é sim um fato que pode
ocorrer no curso de uma vida. Uma investigação analítica difere das outras por não pretender nem
condenar e nem perdoar o suicídio em si, nem mesmo julgá-lo de alguma forma, mas tem como
objetivo simplesmente entendê-lo como um fato na realidade psicológica do ser humano.
O suicídio é um evento motivado por múltiplos fatores. Hillman (1993) apresenta algumas
classificações morfológicas para o suicídio, mas deixa claro que para o estudo analítico do fenômeno
é necessário esquecer quaisquer tipos de classificação:
Suicídios Coletivos: classificam-se nesse gênero a morte de um bando de animais, investida heróica
de uma brigada (os kamikazes e os assassinos políticos), as famílias japonesas que cometem o
harakiri e o seppuku e os esquimós da aldeia Ardjilligjuar.
Suicídios Simbólicos: martírio religioso, auto-imolação, ingestão de vidro, banhos com substâncias
combustíveis e imediatamente a isso o contato com o fogo, acender pavio de artefato pirotécnico
previamente engolido.
Suicídios Emocionais: aqueles realizados sob o domínio de uma paixão avassaladora. Nessa classe
estão as vinganças contra inimigos, a imposição de angústia sobre outros, humilhação por ruína
financeira, vergonha da exposição pública, suicídios por culpa e desespero, melancolia por
envelhecimento, fracasso (especialmente no amor).
Suicídios Intelectuais: a lealdade a um grupo, uma causa ou um princípio é a motivação. São
exemplos a greve de fome e o suicídio ascético28que conduz ao Nirvana e as mortes através do
martírio intenso que eram encorajadas pela Igreja Católica Medieval.
O suicídio é uma das possibilidades humanas: a morte pode ser escolhida. O significado dessa
escolha é diferente, de acordo com as circunstâncias e o indivíduo. A tentativa de suicídio dever ser
“encarada como um ato extremamente humano. E por ser tão humano é que desperta uma gama
variada de sentimentos, emoções e dúvidas” Matos (2005). É interessante observar que as
categorias mostradas por Hillman estão entrelaçadas, pois pode-se encontrar várias motivações
existentes em diferentes categorias para um mesmo fato.
As tentativas de suicídio com o uso do fogo apresentam um simbolismo bastante rico. Os temas
envolvendo as tentativas de auto-extermínio através do uso do fogo encontram variações e possíveis
significados que estão relacionados à simbologia do próprio elemento.O ato remete a imagem dos
antigos ritos sacrificais que eram executados pela humanidade em épocas antigas. Jung fez uma
análise dos símbolos de transformação que estão envolvidos nos mais diferentes tipos de ritos a
partir de algumas observações elaboradas por ele. Jung estudou e tentou elaborar possíveis
interpretações psicológicas a respeito dos componentes simbólicos dos ritos de sacrifício: o ato de
sacrifício e a oferenda. A definição de oferenda elaborada por Jung (1979) diz: A oferenda é
simbólica [...], diz respeito a tudo quanto se acha expresso no símbolo; diz respeito ao
produto físico, à substancia preparada, bem como ao desempenho psicológico do homem e
ao princípio vital da natureza.[...] O valor da oferenda torna-se maior pelo fato de se tratar do
melhor ou das primícias (p.54).
Um questionamento pode aqui ser levantado: Será que a oferenda de uma pessoa que tentou o
suicídio seja o seu sofrimento e frustração? A ação sacrificial consiste, antes de tudo, em dar algo
que pertença ao eu. Tudo o que “me” pertence traz a marca do “meu”, a identificação sutil com o
“meu eu”. Parece haver uma identificação do paciente com o seu sofrimento: ele é a culpa que
sente, a revolta, a vergonha, a incapacidade, o medo, a tristeza. Jung (1979) afirma que, de alguma
forma o ofertante não tem consciência do valor simbólico possuído pela oferenda e não sabe que o
que está sendo oferecido é uma parte de sua individualidade. Por isso toda oferenda está conectada
a uma pretensão pessoal. A vida é dada em sacrifício e os relatos dos pacientes indicam que
gostariam de cessar o sofrimento e as tristezas que sentem e enfim, conseguir um pouco de paz e
tranqüilidade. Jung (1979) acredita que, enquanto houver uma motivação Egoísta por trás da oferta
(o “dou para que me dês”), não se caracterizará sacrifício. O sacrifício torna-se de fato quando há
uma renúncia genuína, como se a partir do momento em que a oferenda for entregue, ela seja
aniquilada.
Os acompanhamentos posteriores aos feitos na enfermaria (consultas no ambulatório e nas reuniões
de grupo), mostram que grande parte dos ex-pacientes consegue lidar com as situações que viviam
no período da sua tentativa de suicídio. Muitos são os que superam as adversidades e se preparam
para outra fase em suas vidas: a volta para sociedade. Sobre a escolha do fogo, pode-se dizer que,
de acordo com o simbolismo apresentado está relacionado à purificação. Especialmente nos casos
de pacientes com histórico de psicose, as idéias de salvação e purificação estão muito presentes.
Talvez, possa-se afirmar que os símbolos do fogo relacionados a isso encontram-se armazenados
no inconsciente coletivo do paciente, e que, em uma hora de surto agudo, ocorra uma identificação
entre o Ego e esses arquétipos.
Um outro simbolismo reside na alquimia, especialmente no processo de calcinatio, levantando outro
questionamento: Será que os pacientes da unidade de queimados possuem dificuldades para
simbolizar e por isso plasmam, materializam, o fogo “interno” e simbólico nas tentativas de
auto-extermínio, de forma a executar a calcinatio diretamente sobre o próprio corpo (que seria a
representação da prima materia) com a finalidade de transformá-lo? Os questionamentos levantados
só seriam respondidos através de uma longa e profunda pesquisa, que abordaria justamente quais
seriam os símbolos e as dificuldades encontradas para cada paciente em relação ao significados
específicos de suas tentativas de auto-extermínio.
SANTANA, Leonardo. Simbolismo do Fogo e Tentativas de Suicídio. Monografia apresentada como requisito para conclusão do curso de
Psicologia do UniCEUB – Centro Universitário de Brasília elaborada sob a orientação da professora Virgínia Turra. BRASÍLIA/ DF, JUNHO DE
2005

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