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Sumário

1 Ondulatória 2
1.1 Ondas em uma dimensão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2
1.1.1 A Equação de Onda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2
1.1.2 Ondas Senoidais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
1.1.3 Fase e Velocidade de Fase . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
1.1.4 O Princípio da Sobreposição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
1.1.5 Ondas Planas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
1.2 Ondas em três dimensão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
1.2.1 Ondas Esféricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
1.2.2 Ondas Cilíndricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
1.3 Teoria Eletromagnética . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
1.3.1 Lei da Indução de Faraday . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
1.4 Princípio de Huygens . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
1.4.1 Leis da Reflexão e Refração . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
1.4.2 Interferência Ondulatória . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
1.4.3 Efeito Doppler . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

2 A antiga Mecânica Quântica 37


2.1 A Teoria Cinética da Matéria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
2.1.1 O Número de Avogrado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
2.1.2 A Pressão de um Gás . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
2.1.3 Teorema da Equipartição e capacidades térmicas de gases e sólidos . 44
2.1.4 Funções Distribuição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50
2.1.5 A Distribuição de Maxwell-Boltzmann . . . . . . . . . . . . . . . . 54
2.2 A Quantização da Eletricidade, da luz e da Energia . . . . . . . . . . . . . 71
2.2.1 Primeiras Estimativas de e e e/m . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
2.2.2 A Experiência de J. J. Thomson . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72
2.2.3 A Quantização da Carga Elétrica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76
2.2.4 Radiação de Corpo Negro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83
2.3 O Modelo de Bohr para o Átomo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84
2.3.1 O Modelo de Thomson . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84
2.3.2 O Modelo de Rutherford . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89
CAPÍTULO 1 ONDULATÓRIA

1 Ondulatória
1.1 Ondas em uma dimensão
1.1.1 A Equação de Onda

O que é uma ’onda’ ? Não creio que eu possa lhe dar uma resposta totalmente satisfatória -
o conceito é intrinsecamente um tanto vago - mas eis um começo: uma onda é um distúrbio
de um meio contínuo que se propaga uma forma fixa e em velocidade constante. Tenho
imediatamente que acrescentar qualificadores: na presença de absorção, a onda diminui de
tamanho à medida que se move; se o meio for dispersivo, frequências diferentes viajarão
a velocidades diferentes; em duas ou três dimensões, à medida que a onda se espalha,
sua amplitude diminui; e é claro que ondas estacionárias não se propagam de forma
alguma. Mas tudo isso é um refinamento; vamos começar com um caso simples: forma
fixa, velocidade constante (Figura 1.1.1).
Como você representaria matematicamente um objeto assim? Na figura desenhei a
onda em dois momentos diferentes, uma vez em t = 0, e novamente em algum tempo
posterior t - cada ponto na forma da onda simplesmente move-se para a direita uma
quantidade vt, onde v é a velocidade. Talvez a onda seja gerada agitando-se uma das
pontas de uma corda esticada; ψ(x, t) representa o deslocamento da corda no ponto x,
no tempo t. Dada a forma inicial da corda, ϕ(x) ≡ ψ(x, 0), qual é a forma subsequente,
ψ(x, t)? Evidentemente, o deslocamento no ponto x, no tempo posterior t, é o mesmo que
o deslocamento vt à esquerda (isto é, em x − vt), de volta no tempo t = 0:

ψ(x, t) = ψ(x − vt, 0) = ϕ(x − vt) (1.1.1)

Essa expressão captura (matematicamente) a essência do movimento da onda. Ela


nos diz que a função ψ(x, t), que poderia depender de x e t de uma forma qualquer que
fosse, de fato depende somente em uma combinação muito especial x − vt. Quando isso é
verdade, a função ψ(x, t) representa uma onda de forma fixa que viaja na direção x com
velocidade v. Por exemplo, se A e b são constantes (com as unidades adequadas),

2 A
ψ1 (x, t) = Ae−b(x−vt) , ψ2 (x, t) = A sin[b(x − vt)], ψ3 (x, t) =
b(x − vt)2 + 1

são todas representações de onda (com formas diferentes, é claro), mas

2 +vt)
ψ4 (x, t) = Ae−b(bx e ψ5 (x, t) = A sin(bx) cos(bxt)3

não são.
Por que uma corda esticada sustenta um movimento de onda? Na realidade isso
decorre da segunda lei de Newton. Imagine uma corda muito longa, com tensão T . Se

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CAPÍTULO 1 ONDULATÓRIA

Figura 1.1.1: Forma fixa da onda em dois instantes distintos.

ela for deslocada do estado de equilíbrio, a força transversal líquida no segmento entre x
e x + ∆x (Figura 1.1.2) será

∆F = T sin θ0 − T sin θ

onde θ0 é o ângulo que a corda forma com a direção x no ponto x + ∆x, e θ é o ângulo
correspondente no ponto x. Desde que a distorça da corda não seja muito grande, esses
ângulos são pequenos (a figura está exagerada, é óbvio), e poderemos substituir o seno
pela tangente:

∂ψ ∼ ∂ 2 ψ
 
∂ψ
∆F ∼
= T (tg θ0 − tg θ) = T − = T 2 ∆z
∂z z+∆z ∂z z ∂z

se a massa por unidade de comprimento é µ, a segunda lei de Newton diz que

∂ 2ψ
∆F = µ(∆z)
∂t2

e, portanto,
∂ 2ψ µ ∂ 2ψ
=
∂z 2 T ∂t2
Evidentemente, pequenas perturbações na corda satisfazem

∂ 2ψ 1 ∂ 2ψ
= (1.1.2)
∂z 2 v 2 ∂t2

onde v (que como logo veremos representa a velocidade de propagação) é


s
T
v= (1.1.3)
µ

A Eq.(1.1.2) é conhecida como a equação de onda (clássica), porque admite como


soluções todas as funções da forma

ψ(x, t) = ϕ(x − vt) (1.1.4)

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CAPÍTULO 1 ONDULATÓRIA

(ou seja, todas as funções que dependem das variáveis x e t na combinação especial
u ≡ x − vt), e acabamos de saber que tais funções representam ondas propagando-se na
direção x à velocidade v. Pois a Eq.(1.1.4) significa, fazendo u = x − vt,

∂f dg ∂u dg ∂f dg ∂u dg
= = , = = −v
∂x du ∂x du ∂t du ∂t du

e
∂ 2f d2 g ∂u d2 g
 
∂ dg
= =
∂x2 ∂x du du2 ∂x du2
∂ 2f d2 g ∂u 2
 
∂ dg 2d g
= −v = −v = v
∂t2 ∂t du du2 ∂t du2
então
d2 g ∂ 2f 1 ∂ 2f
= =
du2 ∂x2 v 2 ∂t2
Observe que g(u) pode ser qualquer função (diferenciável). Se o distúrbio se propaga
sem alterar sua forma, ela satisfaz a equação de onda.

Figura 1.1.2: Forças em um ponto arbitrário de uma corda.

Mas funções com a forma g(x − vt) não são as únicas soluções. A equação de onda
envolve o quadrado de v, de forma que podemos gerar uma outra classe de soluções
simplesmente alterando o sinal da velocidade:

ψ(x, t) = h(x + vt) (1.1.5)

Isso, é claro, representa uma onda propagando-se no sentido de x negativo, e é cer-


tamente razoável (com bases físicas) que tais soluções sejam permitidas. O que é talvez
surpreendente é que a solução mais geral para a equação de onda é a soma de uma onda
para a direita e de uma onda para a esquerda:

ψ(x, t) = g(x − vt) + h(x + vt) (1.1.6)

(Observe que a equação de onda é linear: a soma de quaisquer duas soluções é, em


si, uma solução.) Toda solução para a equação de onda pode ser expressa dessa forma.

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Figura 1.1.3: Função ψ(x, t) da Eq.(1.1.7) no tempo t = 0.

Como a equação do oscilador harmônico simples, a equação de onda é onipresente na


física. Se algo está vibrando, a equação do oscilador é quase que certamente responsável
(pelo menos para pequenas amplitudes), e se algo está ondulando (seja o contexto me-
cânico, acústico, ótico ou oceanográfico), a equação de onda (talvez com alguns enfeites)
deve estar implicada.

1.1.2 Ondas Senoidais

(i) Terminologia. De todas as formas possíveis de ondas, a senoidal

ψ(x, t) = A cos[k(x − vt) + δ] (1.1.7)

é (por um bom motivo) a mais conhecida, chamamos tais tipos de ondas de harmônicas. A
Figura 1.1.3 mostra essa função no tempo t = 0. A é a amplitude da onda (ela é positiva
e representa o deslocamento máximo a partir do estado de equilíbrio). O argumento do
cosseno é chamado de fase, e δ é a constante de fase (obviamente você pode somar
qualquer múltiplo inteiro de 2π a δ sem alterar ψ(x, t); normalmente usa-se um valor no
intervalo 0 ≤ δ ≤ 2π). Observe que em x = vt − δ/k, a fase é nula; chamemos isso de
’máximo central’. Se δ = 0, o máximo central passa pela origem no tempo t = 0; mais
genericamente, δ/k é a distância pela qual o máximo central (e, portanto, a onda toda) é
’atrasada’.

Definição 1.1.1. - O período espacial denomina-se comprimento de onda e representa-


se por λ. O comprimento de onda representa a extensão espacial de um ciclo completo de
uma onda e possui dimensão de comprimento.

Se x variar de λ, ψ mantém-se inalterado, i.e.:

ψ(x, t) = ψ(x ± λ, t)

No caso particular de ondas harmônicas, para uma variação de λ em x o argumento da

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função cosseno varia de ±π. Logo:

cos[k(x − vt) ± 2π] = cos k(x − vt)


= cos k[(x ∓ λ) − vt]

pelo que
kλ = 2π

ou, uma vez que k e x são números positivos,


λ= (1.1.8)
k

Definição 1.1.2. - O período temporal τ pode ser analisado de uma maneira idêntica.
τ é o intervalo de tempo necessário para que uma onda completa passe por um observador
fixo. Neste caso é relevante o comportamento repetitivo da onda no tempo , pelo que

ψ(x, t) = ψ(x, t ± τ )

e
cos[k(x − vt) ± 2π] = cos k(x − vt)
= cos k[x − v(t ± τ )]
como todas estas quantidades possuem valores positivos, segue que

kvτ = 2π (1.1.9)

ou

τ= (1.1.10)
kv
como k = 2π/λ segue que

vτ = 2π
λ
pelo que se tem
λ
τ= (1.1.11)
v
o período é uma medida de duração de um ciclo completo de uma onda;o seu inverso é a
frequência ν, isto é, o número de ondas que passam por unidade de tempo (isto é, por
segundo) num ponto fixo do espaço. Assim

1 v kv
ν= = = (1.1.12)
τ λ 2π

em ciclos por segundo ou Hertz, e a Eq.(1.1.11) toma a forma

v = λν (1.1.13)

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CAPÍTULO 1 ONDULATÓRIA

Definição 1.1.3. - Da Eq.(1.1.9) definimos a razão


ω = kv = (1.1.14)
τ

como a frequência angular, na qual possui dimensão de radianos por segundo.

Definição 1.1.4. - Definimos o número de ondas ou frequência espacial como

1
κ= (1.1.15)
λ

que representa o número de ondas por unidade de comprimento.

Tais conceitos aplicam-se também a ondas não harmônicas desde que estas possuam es-
trutura periódica. Além da equação do movimento harmônico utilizada, existem também
várias representações equivalentes das ondas harmônicas progressivas:

ψ = A cos(kx ∓ ωt) (1.1.16)

Definição 1.1.5. - Se uma onda tem extensão infinita, i.e., para um valor fixo qualquer
de t, x vária de −∞ até +∞ , com uma frequência constante e bem determinada, definimo
tal onda como monocromática.

As ondas reais nunca são monocromáticas. Mesmo um gerador sinusoidal perfeito não
pode ter estado em operação desde sempre. Além do que, a onda gerada não pode deixar
de conter uma gama de frequências, porventura muito reduzida, pois a onda não existe
desde t = −∞. Todas as ondas possuem sempre uma banda de frequências, quado a
banda é estreita as ondas dizem-se quase monocromáticas.

1.1.3 Fase e Velocidade de Fase

Examina-se uma das várias descrições da função de onda, por exemplo

ψ(x, t) = A cos(kx − ωt) (1.1.17)

o argumento da função cosseno denomina-se fase ϕ da onda:

ϕ = (kx − ωt) (1.1.18)

para t = x = 0
ϕ(x, t) = ϕ(0, 0) = 0 (1.1.19)

x=0,t=0

o que constitui, de facto, um caso particular. De um modo mais geral, pode-se escrever:

ψ(x, t) = A cos(kx − ωt + ε) (1.1.20)

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CAPÍTULO 1 ONDULATÓRIA

em que ε é a constante de origem. (fase na origem) A derivada parcial de ϕ em relação


a t, é dada por  
∂ϕ
∂t = ω
(1.1.21)
x

isto é, a taxa de variação da fase num ponto fixo do espaço é a frequência angular da
onda. Do mesmo modo, a derivada parcial de ϕ em relação a x, é dada por
 
∂ϕ
∂z = k
(1.1.22)
t

Assim, podemos calcular


 
∂z −(∂ϕ/∂t)z ω
= =± =v (1.1.23)
∂t ϕ (∂ϕ/∂z)t k

onde v é a velocidade à qual o perfil se propaga, conhecida como velocidade de fase da


onda. Um ponto onde a fase é constante (correspondendo, por exemplo, a uma dada
crista de onda, como ϕ = 2π), desloca-se portanto com a velocidade v da onda; por isto,
v é chamado de velocidade de fase.
Considere-se agora o problema da propagação de fase e a sua relação com qualquer
uma das representações de ondas harmônicas, por exemplo

ψ = A cos k(x ∓ vt)

com

ϕ = k(x − vt) = constante

à medida que t aumenta, x pode ser positivo e diminuir, ou negativo e tornar-se ainda
mais negativo. Em qualquer dos casos, os pontos para os quais a fase assume o mesmo
valor deslocam-se no sentido negativo do eixo dos x.
Qualquer ponto de uma onda harmônica de amplitude constante se desloca de modo
a que ϕ(x, t) se mantenha constante ao longo do tempo, isto é, dϕ(x, t)/dt = 0. Isto é
válido para todas as ondas, periódicas ou não, temos então que
   
∂ϕ ∂ϕ
±v = − / (1.1.24)
∂t x ∂x t

esta equação pode ser utilizada para calcular v quando se conhece ϕ(x, t).

1.1.4 O Princípio da Sobreposição

A forma da equação diferencial de ondas revela uma propriedade estranha das ondas,
que dificilmente se poderá pôr em evidência com feixes de partículas clássicas.

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Figura 1.1.4: Sobreposição de duas Ondas sinusoides

Teorema 1.1.1. - Sejam ψ1 e ψ2 soluções independentes da equação de ondas; então


(ψ1 + ψ2 ) é também uma solução da mesma equação.

Demonstração - Como

∂ 2 ψ1 1 ∂ 2 ψ1 ∂ 2 ψ2 1 ∂ 2 ψ2
= 2 e = 2
∂x2 v ∂t2 ∂x2 v ∂t2

Somando ordenadamente

∂ 2 ψ1 ∂ 2 ψ2 1 ∂ 2 ψ1 1 ∂ 2 ψ2
+ = +
∂x2 ∂x2 v 2 ∂t2 v 2 ∂t2

ou,
∂2 1 ∂2
(ψ 1 + ψ2 ) = (ψ1 + ψ2 )
∂x2 v 2 ∂t2
O que demonstra que (ψ1 + ψ2 ) é uma solução. Deste modo, segundo o princípio da
sobreposição, quando duas ondas independentes se sobrepõem na mesma região do espaço,
o efeito resultante é a sua adição (ou subtração) sem qualquer delas seja destruída ou
interrompida. A pertubação resultante em cada ponto da região de sobreposição
é a soma algébrica das ondas individuais nesse ponto (Fig. 1.1.4) Ultrapassada
a região de sobreposição, cada onda continuará o seu caminho, em nada afetada pela
interação em que participou.

1.1.5 Ondas Planas

As ondas planas constituem provavelmente os mais simples exemplos de ondas tridimensi-


onais. Para ondas planas, as superfícies de igual fase são planos, em geral perpendiculares
à direção de propagação da perturbação. Existem razões práticas para se estudar esse
tipo de ondas; uma delas é o fato de poder facilmente produzir-se luz organizada segundo

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CAPÍTULO 1 ONDULATÓRIA

Figura 1.1.5: Base de versores ortonormais

Figura 1.1.6: Onda plana que se propaga segundo a direção do vetor k

ondas planas, utilizando sistemas ópticos simples.


Não é difícil obter a representação matemática de um plano perpendicular a um de-
terminado vetor k e que passe pelo ponto (x0 , y0 , z0 ) (Fig. 1.1.6). O vetor posição, em
termos das suas componentes cartesianas, (Fig. 1.1.5)

r = xî + y ĵ + z k̂

tem como ponto de aplicação a origem O do referencial, e termina no ponto de coordenadas


(x, y, z), por agora um ponto arbitrário do espaço. Do mesmo modo

(r − r0 ) = (x − x0 )î + (y − y0 )ĵ + (z − z0 )k̂

Se impusermos que
(r − r0 ) · k = 0 (1.1.25)

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força-se o vetor (r − r0 ) a varrer todo o plano perpendicular a k à medida que o seu ponto
final (x, y, z) ocupa todas as posições permitidas. Com

k = kx î + ky j + kz k̂

a Eq.(1.1.25) toma a forma

kx (x − x0 ) + ky (y − y0 ) + kz (z − z0 ) = 0

ou ainda
kx x + ky y + kz z = a (1.1.26)

em que
a = kx x0 + ky y0 + kz z0 = constante (1.1.27)

A forma mais compacta da equação de um plano perpendicular a k é:

k · r = constante = a (1.1.28)

O plano é o lugar geométrico de pontos do espaço com a mesma projeção segundo a


direção k
É possível agora construir um conjunto de planos para os quais ψ(r) dependa harmo-
nicamente das variáveis espaciais, nomeadamente

ψ(r) = A sin(k · r) (1.1.29)

ψ(r) = A cos(k · r) (1.1.30)

ou
ψ(r) = Aeik·r (1.1.31)

Em cada um destes caso ψ(r) é constante em todos os pontos de um plano definido por
k · r = constante . Tratando-se de funções harmônicas, estas repetem-se no espaço com
um período λ na direção de k. A Figura 1.1.7 pretende representar este tipo de variação.
Desenharam-se apenas alguns planos (em números infinito), cada qual associado a um
valor diferente de ψ(r). Estes planos deveriam ter sido desenhados com extensão infinita,
uma vez que não se impõem limites sobre r. A perturbação atinge todo o espaço. A
natureza repetitiva das funções harmônicas no espaço pode ser expressa na forma:
 
λk
ψ(r) = ψ r +
k

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CAPÍTULO 1 ONDULATÓRIA

Figura 1.1.7: Frentes de onda harmônica plana

em que k é o modulo de k e k
k
é um vetor unitário paralelo a k (Fig. 1.1.8). Na notação
exponencial complexa virá:

Aeik·r = Aeik·(r+λk/k) = Aeik·r eiλk

Para que esta expressão seja verdadeira é necessário que

eiλk = 1 = ei2π

daí
λk = 2π

e

k=
λ
O vetor k, cujo módulo se define como número de ondas, k, (já introduzido) denomina-se
vetor de ondas. Em qualquer ponto fixo do espaço (r constante) a fase é constante assim
como ψ(r), isto é, os planos de igual fase não se deslocam. Para que estes se propaguem
é necessário que ψ(r) varie no tempo, o que se consegue introduzindo a dependência
temporal de um modo semelhante ao utilizado para ondas unidimensional.Tem-se então:

ψ(r, t) = Aei(k·r∓ωt) (1.1.32)

com A, ω e k constantes. À medida que a perturbação se desloca a olongo da direção k,

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CAPÍTULO 1 ONDULATÓRIA

Figura 1.1.8: Ondas planas

atribuímos-lhe um valor da fase em cada ponto no espaço e em cada momento.


Num dado instante, as superfícies constituídas pelos pontos de igual fase e a um mesmo
número de comprimento de onda da fonte são denominadas frentes de onda ou superfí-
cies de onda. Note-se que a função de onda tem um valor constante sobre todos os pontos
de uma frente de onda desde que a amplitude A não varie. A amplitude é normalmente
função de r e pode não ser constante em todo o espaço nem tão pouco sobre a frente de
onda. Diz-se, no último caso, que a onda é não homogênea.
Iremos derivar agora a equação da frente de onda: Como para uma frente de onda, a
fase é constante, então tomemos um deslocamento da frente de onda de um ponto r(x, y, z)
para r(x + dx, y + dy, z + dz) em um intervalo de tempo dt, obtemos que

ϕ = k r(x, y, z) − ωt + ε = k r(x + dx, y + dy, z + dz) − ω(t + dt) + ε (1.1.33)

tendo em vista que dr = r(x + dx, y + dy, z + dz) − r(x, y, z) e dt = (t + dt) − t, segue que

k dr = ω dt
⇒ dr = v dt

e finalmente obtemos a equação para a frente de onda

r = vt (1.1.34)

A velocidade de fase de uma onda plana descrita pela Eq.(1.1.32) é igual a velocidade
de propagação da frente de onda. Na Fig. 1.1.8 a projeção de r na direção de k é rk . A
perturbação sobre uma frente de onda é constante, pelo que, após um intervalo de tempo
dt, caso a frente se tenha deslocado de drk ao longo da direção de k, se deve ter:

ψ(r, t) = ψ(rk + drk , t + dt) = ψ(rk , t) (1.1.35)

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CAPÍTULO 1 ONDULATÓRIA

Na notação exponencial complexa vem:

Aei(krk ∓ωt) = Aei(krk +k drk ∓ωt∓dt)


⇒ 1 = ei(krk ∓ωt)

o que produz kdrk = ±ωdt


O módulo da velocidade da onda, drk /dt , é:

drk ω
= ± = ±v (1.1.36)
dt k

Este resultado já poderia ter sido deduzido através da rotação do sistema de coordenadas
da Fig. 1.1.8, de modo que k fosse paralelo ao eixo dos z. Para esta orientação:

ψ(r, t) = Aei(kx∓ωt)

uma vez que k · r = krk = kx. Recupera-se assim o caso de uma perturbação unidimen-
sional, já discutida.

Figura 1.1.9: Duas ondas com o mesmo comprimento de onda, que se sobrepõem e que
se propagam segundo direções diferentes

Considera-se agora as duas ondas da Fig. 1.1.9; ambas possuem o mesmo comprimento
de onda λ; k1 = k2 = k = 2π/λ. A onda 1, que se propaga ao longo do eixo dos z, pode
ser escrita como:

ψ1 = A1 cos 2π

λ
z − ωt

Como k1 e r são paralelos, k1 · r = kz = (2π/λ)z. Do mesmo modo, para a onda 2,

k2 · r = kz z + ky y = (k cos θ)z + (k sin θ)y

e
 2π 
ψ2 = A2 cos λ
(z cos θ + y sin θ) − ωt

Estas expressões serão utilizada quando se analisarem as interferências na região de so-


breposição.

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CAPÍTULO 1 ONDULATÓRIA

Uma onda harmônica plana representa-se normalmente, em coordenadas cartesianas,


na forma:
ψ(x, y, z, t) = Aei(kx x+ky y+kz z∓ωt)

ou
ψ(x, y, z, t) = Aei[k(ax+βt+γz)∓ωt (1.1.37)


em que α, β, e γ são os cossenos diretores de k O módulo do vetor de ondas k em função


das suas componentes, é dado por:
1/2
|k| = k = kx2 + ky2 + kz2

em que
a2 + β 2 + γ 2 = 1

Analisaram-se até agora ondas planas e foi dada uma relevância especial às funções
harmônicas. Existem dois motivos para termos feito isto: em primeiro lugar, as ondas
sinusoidais podem ser facilmente geradas por osciladores harmônicos; em segundo lugar,
qualquer ondas tridimensional pode ser considerada como uma combinação
linear de ondas planas, cada qual com amplitude e direção de propagações próprias.
É fácil conceber séries de ondas planas, como as da Fig. 1.1.8, em que a perturba-
ção varia de um modo não harmônico. Mostraremos mais adiante que as ondas planas
harmônicos constituem, de fato, um caso particular da solução geral.

1.2 Ondas em três dimensão


De todas as ondas tridimensionais, apenas a onda plana (harmônicas ou não) se propaga
no espaço com um perfil fixo. A ideia de uma onda associada à propagação de uma per-
turbação de perfil constante torna-se mais clara caso se considere a onda como solução
de uma equação diferencial. É, pois, necessário se obter uma equação de ondas tridi-
mensional, o que não será difícil pois a sua forma deve constituir uma generalização da
equação a uma dimensão. Em coordenadas cartesianas, as variáveis x, y e z devem apare-
cer simetricamente na equação. A função de onda ψ(x, y, z, t) dada pela Eq.(1.1.37), deve
constituir uma solução particular da equação diferencial que se procura. Por analogia
com a dedução da equação unidimensional as derivadas parciais que se seguem podem
obter-se a partir da Eq.(1.1.37):
∂ 2ψ
= −α2 k 2 ψ
∂x2
∂ 2ψ
2
= −β 2 k 2 ψ
∂y
∂ 2ψ
= −γ 2 k 2 ψ
∂z 2

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 15


CAPÍTULO 1 ONDULATÓRIA

∂ 2ψ
= −ω 2 ψ (1.2.1)
∂t2
Adicionando ordenadamente as três equações para as derivadas espaciais e tendo em conta
que a2 + β 2 + γ 2 = 1 obtém-se:

∂ 2ψ ∂ 2ψ ∂ 2ψ
+ 2 + 2 = −k 2 ψ
∂x2 ∂y ∂z

Combinando esta equação com a Eq.(1.2.1) e recordando que v = ω/k tem-se finalmente

∂ 2ψ ∂ 2ψ ∂ 2ψ 1 ∂ 2ψ
+ + = (1.2.2)
∂x2 ∂y 2 ∂z 2 v 2 ∂t2

que é a equação de ondas tridimensional. Note-se que x, y, z aparecem simetricamente


e na forma que seria de esperar, tendo em conta que se trata de uma generalização da
equação unidimensional.
A Eq.(1.2.2) é habitualmente escrita numa forma mais compacta com o auxílio do
operador Laplaciano,
∂2 ∂2 ∂2
2
∇ = + + (1.2.3)
∂x2 ∂y 2 ∂z 2
que permite escrever
1 ∂ 2ψ
2
∇ψ= 2 2 (1.2.4)
v ∂t

1.2.1 Ondas Esféricas

Atira-se uma pedra para dentro de um tanque com água. As ondulações que surgem à su-
perfície na zona de impacto propagam-se como ondas circulares bidimensionais. Generalizando-
se esta imagem para três dimensões, imagine agora uma pequena esfera pulsante no seio
de um fluido. À medida que a fonte se contrai e se expande, são geradas variações de
pressão que se propagam como ondas esféricas, do centro para a periferia.
Considere agora uma fonte luminosa pontual. A radiação emitida propaga-se radial e
uniformemente em todas as direções. A fonte diz-se isótropa; as frentes de onda resultantes
são esferas concêntricas cujo diâmetro aumenta à medida que se propagam no espaço. A
simetria óbvia das frentes de onda sugere que a sua descrição matemática seja feita em
coordenadas esféricas (Fig. 1.2.1). O operador Laplaciano é, nesta representação, dado
por
∂2
   
1 ∂ 2 ∂ 1 ∂ ∂ 1
2
∇ = 2 r + 2 sin θ + 2 2 (1.2.5)
r ∂r ∂r r sin θ ∂θ ∂θ r sin θ ∂φ2

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 16


CAPÍTULO 1 ONDULATÓRIA

Figura 1.2.1: Sistema de coordenadas esféricas

com r, θ e φ definidos por


x = r sin θ cos φ
y = r sin θ sin φ
z = r cos θ
Procura-se construir uma descrição de ondas esféricas, ondas com simetria esférica, i.e.,
de ondas cuja representação não dependa de θ e de φ: nestes termos:

ψ(r) = ψ(r, θ, φ) = ψ(r) (1.2.6)

O Laplaciano de ψ(r) é simplesmente


 
1 ∂ ∂
2
∇ ψ(r) = 2 2
r (1.2.7)
r ∂r ∂r

Este resultado pode ser obtido independentemente da Eq.(1.2.5). Para aplicar o operador
Laplaciano, na sua representação cartesiana Eq.(1.2.3), sobre uma função ψ(r) com sime-
tria esférica, é necessário traduzir as derivadas em ordem a x, y, z em derivadas polares.
Por exemplo, para a dependência em x:

∂ψ ∂ψ ∂r
=
∂x ∂r ∂x

e 2
∂ 2ψ ∂ 2ψ ∂ψ ∂ 2 r

∂r
= + (1.2.8)
∂x2 ∂r2 ∂x ∂r2 ∂x2
Tendo em vista a identidade x2 + y 2 + z 2 = r2 , temos que

∂r x
= (1.2.9)
∂x r

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 17


CAPÍTULO 1 ONDULATÓRIA

derivando a expressão acima em relação a x segue que

∂ 2r 1 ∂ x2
   
∂ 1 1
= (x) + x = 1− 2 (1.2.10)
∂x2 r ∂x ∂x r r r

substituindo os resultados das Eqs.(1.2.9) e (1.2.10) na Eq.(1.2.8) encontra-se que

∂ 2ψ x2 ∂ 2 ψ 1 x2 ∂ψ
 
= + 1− 2 (1.2.11)
∂x2 r2 ∂r2 r r ċr

∂ 2ψ ∂ 2ψ ∂ 2ψ
De forma análoga a obtêm-se e ; adicionando tais termos ordenadamente,
∂x2 ∂y 2 ∂z 2
acha-se
∂ 2 ψ 2 ∂ψ
∇2 ψ = + (1.2.12)
∂r2 r ∂r
que é equivalente à Eq.(1.2.7). Este resultado pode traduzir-se numa forma ligeiramente
diferente:
1 ∂2
2
∇ψ= (rψ) (1.2.13)
r ∂r2
A equação da onda pode assim escrever-se na forma:

1 ∂2 1 ∂ 2ψ
(rψ) = (1.2.14)
r ∂r2 v 2 ∂t2

Multiplicando ambos os membros por r obtêm-se:

∂2 1 ∂2
(rψ) = (rψ) (1.2.15)
∂r2 v 2 ∂t2

Esta equação é a equação de ondas unidimensional, em que a variável espacial é r e a


função de onda é o produto (rψ). A solução da Eq.(1.2.14) é simplesmente

rψ(r, t) = f (r − vt)

isto é,
f (r − vt)
ψ(r, t) = (1.2.16)
r
Esta equação representa uma onda esférica que se propaga radialmente, da origem para o
exterior, com uma velocidade constante v e com uma forma funcional f arbitrária. Uma
outra solução é dada por
g(r + vt)
ψ(r, t) = (1.2.17)
r
neste caso a onda converge para o centro. O fato desta expressão tomar valores infinitos
na origem não tem grande importância na prática.

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 18


CAPÍTULO 1 ONDULATÓRIA

Um caso particular da solução geral

f (r − vt) g(r + vt)


ψ(r, t) = C1 + C2 (1.2.18)
r r

é a onda esférica harmônica:

A
ψ(r, t) = cos k(r ∓ vt) (1.2.19)
r

ou
A ik(r∓vt)
ψ(r, t) = e (1.2.20)
r
em que a constante A representa a intensidade da fonte. Esta equação representa em
qualquer instante um grupo de esferas concêntricas que preenchem todo o espaço. Cada
frente de onda, ou superfície de igual fase, é dada por

kr = constante (1.2.21)

A amplitude de uma onda esférica é função de r, funcionando o termo r−1 como fator
de atenuação. Ao contrário do que acontece com ondas planas, a amplitude de uma onda
esférica diminui à medida que esta se expande e se afasta da fonte.
A onda esférica que emana de uma fonte pontual, bem como a onda que converge
para um ponto, são fenômenos puramente conceptuais. Na realidade, tanto as ondas
esféricas como as ondas planas são meras aproximações, muito úteis para a representação
dos fenômenos luminosos.
À medida que uma onda esférica se propaga, o raio das frentes de onda aumenta. A
uma distância suficientemente grande da fonte, a frente de onda assemelhar-se-á local-
mente a uma onda plana (Fig. 1.2.2).

Figura 1.2.2: Diminuição da curvatura de ondas esféricas com a distância

1.2.2 Ondas Cilíndricas

Examinemos rapidamente uma outra forma de onda, a onda cilíndrica (de extensão infi-
nita e seção circular). O tratamento matemático preciso deste tipo de onda é demasiado
complexo para ser aqui incluído, mas o procedimento será, todavia, delineado. O laplaci-
ano de ψ em coordenadas cilíndricas (Fig. 1.2.3) é

1 ∂ 2ψ ∂ 2ψ
 
1 ∂ ∂ψ
2
∇ψ= r + + 2 (1.2.22)
r ∂r ∂r r2 ∂θ2 ∂z

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 19


CAPÍTULO 1 ONDULATÓRIA

em que
x = r cos θ
y = r sin θ
z =z
A simetria cilíndrica traduz-se pela seguinte exigência:

ψ(r) = ψ(r, θ, z) = ψ(r) (1.2.23)

A independência relativamente a θ significa que qualquer plano perpendicular ao eixo

Figura 1.2.3: Sistema de coordenadas cilíndricas

dos z intercepta a frente de onda segundo uma circunferência de raio r, eventualmente


variável com z. A independência relativa a z restringe ainda mais a forma das frentes de
onda, transformando-as em cilindros circulares centrados no eixo dos z e com comprimento
infinito. A equação de ondas toma então a forma:

1 ∂ 2ψ
 
1 ∂ ∂ψ
r = 2 2 (1.2.24)
r ∂r ∂r v ∂t

Após algumas manipulações matemáticas através das quais se isola a dependência tempo-
ral, a Eq.(1.2.24) transforma-se numa equação de Bessel. A forma assintótica da solução
da equação de Bessel, para grandes valores de r, aproxima-se de funções trigonométricas
simples. Assim, para valores de r suficientemente elevados, obtêm-se:

A
ψ(r, t) = √ eik(r∓vt) (1.2.25)
r

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 20


CAPÍTULO 1 ONDULATÓRIA

ou
A
ψ(r, t) = √ cos k(r ∓ vt) (1.2.26)
r
Esta equação representa um conjunto de cilindros coaxiais que preenchem todo o espaço
e que se afastam ou aproximam de uma fonte linear de comprimento infinito situada no
eixo. Não é possível neste caso construir soluções em termos de funções arbitrárias, como
acontece com ondas esféricas ou planas.

Figura 1.2.4: Ondas cilíndricas emergentes de uma fenda longa e estreita

Uma onda plana incidente numa superfície opaca e plana com uma fenda retilínea,
longa e fina, dá origem à emissão, a partir da fenda, de ondas muito próximas das ondas
cilíndricas (Fig. 1.2.4). Esta técnica tem sido, aliás, utilizada com frequência para gerar
ondas cilíndricas de luz.

1.3 Teoria Eletromagnética


É objetivo desta seção rever e desenvolver, ainda que de forma bastante sucinta, algu-
mas das ideias necessárias para a compreensão do conceito de ondas eletromagnéticas.
Sabe-se experimentalmente que cargas, mesmo no vazio, interagem mutuamente. Recorde-
se aquela experiência clássica na qual uma pequena esfera de medula de sabugueiro sente
a presença de uma barra carregada sem entrar em contato com ela. Uma explicação
admissível seria a de que cada carga emite (e absorve) partículas (fótons virtuais). A
permuta destas partículas entre cargas pode ser encarada como uma forma de interação.
Uma explicação alternativa é dada pela teoria clássica, associando a cada carga um campo
elétrico que a rodeia, sendo então suficiente, neste caso, admitir que cada carga interage
diretamente com o campo em que está imersa. Assim, se a carga q é atuada por uma
força FE , o campo elétrico E na posição da carga é definido através de Fe = qE. Note-se,
todavia, que uma carga em movimento pode estar sujeita a uma outra força FM propor-
cional à sua velocidade v. Define-se um outro campo, a indução magnética B, tal que
FM = qv × B. Se ambas as forças FE e FM se fizerem sentir simultaneamente, a carga

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 21


CAPÍTULO 1 ONDULATÓRIA

desloca-se numa região do espaço onde se manifestam campos elétricos e magnéticos, e


F = qE + qv × B.
Como se verá, os campos elétricos são gerados quer por cargas elétricas quer por campos
magnéticos variáveis no tempo. Do mesmo modo, os campos magnéticos são gerados por
correntes elétricos e por campos elétricos variáveis. Esta interdependência entre E e B é
fundamental para a descrição da luz.

1.3.1 Lei da Indução de Faraday

1.4 Princípio de Huygens


Em 1678, Huygens formulou um princípio de grande importância no estudo da propagação
de ondas. Huygens tinha em vista a teoria ondulatória da luz, que expôs em seu ’ Tratado
sobre a Luz’, publicado em 1690, mas o princípio se aplica de forma geral à propagação de
ondas sonoras, por exemplo. No princípio do século XIX, o princípio foi reformulado de
forma mais precisa e completa por Fresnel, levando ao princípio de Huygens-Fresnel, que
permite tratar quantitativamente a propagação de ondas, inclusive os efeitos de difração.
É um fenômeno familiar para ondas na superfície da água que um trem de ondas qualquer,

Figura 1.4.1: Fonte puntiforme

atingindo uma barreira com uma pequena abertura (de dimensões muito menores que o
comprimento de onda λ), gera, do outro lado da barreira(Fig. 1.4.1), ondas circulares
com centro na abertura. Logo, a porção da frente de onda incidente não obstruída pela
abertura se comporta como uma fonte puntiforme: em três dimensões, as ondas geradas
são esféricas.
Esta experiência sugere a ideia básica do princípio de Huygens, a saber: cada ponto
de uma frente de onda comporta-se como fonte puntiforme de novas ondas, chamadas de
ondas secundárias. A outra parte do princípio diz como construir uma frente de onda
posterior a partir de ondas secundárias. A prescrição de Huygens consiste no seguinte:
dada uma frente de onda inicial, consideram-se todas as ondas secundárias emanadas dos
diferentes pontos dessa fonte, propagando-se no meio considerado. A frente de onda num
instante posterior é a envoltória das frentes das ondas secundárias delas emanadas. A

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 22


CAPÍTULO 1 ONDULATÓRIA

envoltória de uma família de superfícies é uma superfície que tangencia todas elas, ou
seja, todas as superfícies da família são tangentes à envoltória.
A Fig. 1.4.2 exemplifica a envoltória de uma família de superfícies. A ideia de Huygens
era que cada onda secundária isoladamente é muito fraca, mas seus efeitos se reforçam ao
longo da envoltória.

Figura 1.4.2: Envoltória

A formulação dada por Huygens no ’Tratado sobre a Luz’ é a seguinte:


’Deve considerar-se ainda na emanação destas ondas que cada partícula do meio em
que a onda se propaga deve comunicar seu movimento não só à partícula que se encontra
na linha reta de ação do ponto luminoso, mas também, necessariamente, a todas as
partículas contíguas que se opõem a seu movimento. É necessário portanto que se forme
em torno de cada partícula uma onda com centro nela própria.

Figura 1.4.3: Princípio de Huygens

Assim, se DCF (Fig. 1.4.3) é uma onda emanada do ponto luminoso A, que é seu
centro; a partícula B, que é uma das compreendidas dentro da esfera DCF , terá formado
sua onda particular KCL, que tocará a onda DCF em C, no mesmo instante em que a
onda principal emanada do ponto A tenha chegado a DCF , e é claro que só existirá o
ponto C da onda KCL que tocará a onda DCF , ou seja aquele que se encontra sobre a
reta traçada por AB. Da mesma forma, as demais partículas compreendidas dentro da
esfera DCF , tais como bb,dd,etc, terão formado cada uma a sua onda. Mas cada uma
destas ondas é infinitamente fraca em confronto com a onda DCF , para cuja formação
contribuem todas as outras, pela parte da sua superfície que está mais afastada do centro
A.

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 23


CAPÍTULO 1 ONDULATÓRIA

Huygens mostrou assim que, a partir de uma frente de onda esférica inicial BG, a
envoltória das ondas esféricas secundárias emanadas dos diferentes pontos de BG produz,
num instante posterior, a frente de onda DCF .
A seguir, Huygens justifica, a partir de seu princípio, a propagação retilínea da luz.
nos seguintes termos (Fig. 1.4.3):
’Para chegar as propriedades da luz, notemos primeiro que cada parte da onda deve
propagar-se de tal forma que seus extremos permaneçam sempre compreendidos entre as
mesmas retas traçadas a partir do ponto luminoso. Assim a parte da onda BG, que tem
como centro o ponto luminoso A, propaga-se no arco CE limitado pelas retas ABC e AGE,
pois, mesmo que as ondas secundárias produzidas pelas partículas que compreendem a
região CAE se expandam fora dela, elas não concorrem no mesmo instante para compor a
onda que termina o movimento, que tem precisamente na circunferência CE sua tangente
comum.
Daí se compreende a razão pela qual a luz, salvo quando seus raios são refletidos ou
refratados, só se propaga em linha reta, de modo que não ilumina nenhum objeto a não
ser quando o caminho da fonte objeto está compreendido entre tais linhas. Pois se, por
exemplo, tivermos uma abertura BG limitada por corpos opacos BH, GI, a onda de
luz que sai do ponto A estará sempre limitada pelas retas AC, AE, como acaba de ser
demonstrado, visto que as partes das ondas secundárias que se estendem para fora do
espaço ACE são fracas demais para produzir luz.

Figura 1.4.4: Propagação retilínea

O argumento de Huygens, aplicado a uma onda plana que incide perpendicularmente


sobre um anteparo plano opaco com uma abertura AB (Fig. 1.4.4), diz que as frentes
de onda transmitidas através da abertura serão A0 B 0 , A”B”, nas quais são limitadas
pelos raios AA” e BB” paralelos à direção da onda incidente (propagação retilínea),
porque a envoltória das frentes de ondas esféricas secundárias terá essa limitação. Acima
de A0 , na região C, e abaixo de B 0 na região D, teríamos sombra completa, porque as
ondas secundárias que atingem essas regiões não possuem o reforço da envoltória e não

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 24


CAPÍTULO 1 ONDULATÓRIA

produziram intensidade observável.


Entretanto, este resultado não pode ser sempre verdadeiro, porque, para uma abertura
de diâmetro d  λ, onde λ é o comprimento de onda, a abertura se comporta como fonte
puntiforme (Fig. 1.4.1), e as ondas transmitidas se difundem em todas as direções, sem
formação de sombra alguma. Esta penetração na região que estaria na sombra, se valesse
a propagação retilínea, constitui o fenômeno da difração.
O resultado discutido acima (propagação retilínea) vale no outro extremo, ou seja,
para d  λ; é neste caso que os efeitos de difração se tornam desprezíveis. De modo
geral, os efeitos de difração são tanto maiores quanto maior for λ/d, onde d é o menor
diâmetro da abertura.
Os comprimento de onda da luz visível são ≤ 1µm = 10−3 mm, de modo que a difração
da luz é usualmente um efeito extremamente pequeno, que requer montagens especiais
num laboratório para ser observado.
O princípio de Huygens é incompleto em diversos aspectos. Dada uma frente de onda,
as ondas esféricas secundárias dela emanadas tem duas envoltórias: uma adiante da frente,
no sentido da propagação, e outra para trás. Pode-se explicar a ausência de uma onda
em sentido inverso introduzindo um ’fator de inclinação’ na amplitude das ondas esféricas
secundárias: em lugar de ser a mesma em todas as direções, ela seria máxima no sentido
da propagação e nula em sentido oposto.
O cálculo quantitativo dos efeitos de difração tornou-se possível quando Fresnel refor-
mulou o princípio de Huygens, combinando-o com o ’princípio das interferências’, intro-
duzindo por Young no início do século XIX. No princípio de Huygens-Fresnel, comparece
um fator de inclinação. A formulação deste princípio e o tratamento quantitativo dos
efeitos de difração serão discutidos mais tarde.

1.4.1 Leis da Reflexão e Refração

Teorema 1.4.1. - A lei da Reflexão:


A lei da reflexão diz que

− O raio incidente, a reta normal e o raio refletido são coplanares, ou seja estão no
mesmo plano.
− O ângulo de incidência é igual ao ângulo de reflexão.

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 25


CAPÍTULO 1 ONDULATÓRIA

onde,

− A normal é a semi-reta perpendicular a superfície refletora.


− Ângulo de incidência é o ângulo formado entre o feixe de luz que incide sobre o
objeto e a normal.
− Ângulo de reflexão é o ângulo que a direção de um feixe de luz refletida faz com
a normal

Existem dois tipos de demonstração para tal lei, uma é baseada nos princípios do
cálculo variacional formulado por Hamilton, e a outra é uma consequência do princípio
de Huygens, deixaremos a primeira para o capítulo de Cálculo Variacional, e iremos
demonstrar a segunda:

Figura 1.4.5: Explicação Ondulatória da reflexão

Demonstração - Seja QP1 uma frente de onda incidente sobre a interface segundo o
ângulo θ1 (que é também o ângulo entre o raio incidente P1 P e a normal n̂).
O ponto P1 da frente incidente atinge a interface após um tempo d/v1 , onde d = P1 P
e v1 é a velocidade da onda no meio 1. Neste instante, a onda secundária gerada por Q já
tera atingindo o ponto Q01 , com QQ01 = d; a frente de onda refletida (envoltória das ondas
secundárias geradas na interface) é P Q01 (a figura mostra outro ponto de contato C com a
envoltória, correspondente ao raio ABC).
0
Os triângulos retângulos QP1 P e P Q1 Q são iguais, pois têm a hipotenusa QP comum
0
e os catetos iguais QQ1 = d = P1 P . Logo, θ1 = θ1 .
0

Teorema 1.4.2. - A lei da Refração:


A lei da refração diz que

− O raio incidente, o raio refratado e a reta normal sempre devem estar contidas no
mesmo plano
− A segunda lei diz respeito aos ângulos em relação à reta normal referentes aos
raios incidentes e raios refratados.

n1 sin θ1 = n2 sin θ2 (1.4.1)

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 26


CAPÍTULO 1 ONDULATÓRIA

Figura 1.4.6: Explicação Ondulatória da refração

Existem dois tipos de demonstração para tal lei, uma é baseada nos princípios do
cálculo variacional formulado por Hamilton, e a outra é uma consequência do princípio
de Huygens, deixaremos a primeira para o capítulo de Cálculo Variacional, e iremos
demonstrar a segunda:
Demonstração - A explicação da lei da refração é análoga. A frente de onda incidente
QP1 dá origem à frente de onda refratada Q2 P , pela construção de Huygens (1.4.6). O
tempo necessário para que a luz percorra a distância d1 = P1 P no meio 1 é o mesmo levado
para percorrer d2 = QQ2 no meio 2.Logo, se v1 e v2 são as velocidades de propagação das
ondas nos meios 1 e 2 respectivamente, e t é esse tempo, temos

d1 d2
t= = (1.4.2)
v1 v2

Os triângulos retângulos QP1 P e QQ2 P dão:

d1 = QP sin θ1 ; d2 = QP sin θ2 (1.4.3)

Logo, usando a Eq.(1.4.2)


d1 sin θ1 v1
= = (1.4.4)
d2 sin θ2 v2
Por fim, no caso óptico podemos definir o índice de refração absoluto n como sendo o
índice de refração de um meio em relação ao vácuo, dado que c é a velocidade da luz no
vácuo, a velocidade da luz v em um meio de refração n é

c
v= (1.4.5)
n

e assim
n1 sin θ1 = n2 sin θ2 (1.4.6)

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 27


CAPÍTULO 1 ONDULATÓRIA

já para o caso mais geral, o índice de refração de um meio em relação a outro como

v1 c/n1 n2
n12 = = = (1.4.7)
v2 c/n2 n1

Pela Eq.(1.4.5) o tempo que uma frente de onda luminosa leva para percorrer uma dis-
tância d num meio de índice de refração n é

d nd
t= = (1.4.8)
v c

O produto nd do índice de refração do meio pela distância d nele percorrida chama-se


caminho ótico associado a este percurso.

1.4.2 Interferência Ondulatória

Anteriormente, discutimos a interferência de ondas em uma dimensão. Em duas ou


três dimensões, fenômenos de interferência dão origem a novos efeitos. Consideremos,
por exemplo, a experiência ilustrada na Fig. (1.4.7), que com relação à luz, foi primeiro
realizada por Thomas Young, em 1802. Um anteparo opaco tem dois pequenos orifícios O1
e O2 (de diâmetro  λ) separados por uma distância d. Uma fonte de ondas puntiformes
F é colocada sobre o eixo, a grande distância do anteparo, de modo que, ao chegar a ele,
os dois orifícios são atingidos pela mesma frente de onda, aproximadamente plana. Isto
implica que as porções da onda incidentes sobre O1 e O2 tem não só a mesma amplitude,
mas também a mesma fase, ou seja, são coerentes.

Figura 1.4.7: Experimento de Young

Pelo princípio de Huygens, O1 e O2 comportam-se como fontes puntiformes das quais


emanam ondas esféricas, que irão se superpor num ponto de observação P à direita do
anteparo. Pela Eq.(1.2.19), a função de onda resultante em P será

ϕ(P ) = ϕ1 (P ) + ϕ2 (P )
a a (1.4.9)
= cos(kr1 − ωt) + cos(kr2 − ωt)
r1 r2

onde r1 e r2 são as distância de O1 e O2 a P . Para R = OP  d, a Fig. 1.4.8 mostra que

OP ≈ OA + O1 P

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 28


CAPÍTULO 1 ONDULATÓRIA

Figura 1.4.8: Diferença de caminho

e
O2 P = OP + O2 B

o que equivale a
d
r1 ≈ R − sin θ (1.4.10)
2

d
r2 ≈ R + sin θ (1.4.11)
2
ou seja,
1
R≈ (r1 + r2 )  d sin θ = r2 − r1 (1.4.12)
2
Podemos então aproximar r1 ≈ r2 ≈ R nos denominadores da Eq.(1.4.9), e usar

1
r1 = R − (r2 − r1 ) (1.4.13)
2

1
r2 = R − (r2 − r1 ) (1.4.14)
2
bem como a identidade cos(a − b) + cos(a + b) = 2 cos a cos b, obtendo
 
k cos(kR − ωt)
ϕ(P ) ≈ 2a cos (r2 − r1 ) (1.4.15)
2 R

Note que podemos aproximar r1 ≈ r2 ≈ R nas amplitude na Eq.(1.4.9), desprezando


as correções ± 21 (r2 − r1 ) na Eq.(1.4.13) e Eq.(1.4.14), mas não as fases das duas ondas,
porque a diferença de caminho r2 − r1 aparece multiplicada por k = 2π/λ na diferença de
fase
r2 − r1
δ = k(r2 − r1 ) = 2π (1.4.16)
λ
e |r2 − r1 | pode ser  λ.
Se chamarmos de
I0 (P ) ∝ a2 /R2 (1.4.17)

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 29


CAPÍTULO 1 ONDULATÓRIA

a intensidade em P devida a um só dos dois orifícios (com o outro tampado), a Eq.(1.4.9)


tem como resultado
I(P ) δ
= 4 cos2 (1.4.18)
I0 (P ) 2
O 2o membro exprime o resultado da interferência entre as ondas de mesma amplitude
emanadas dos dois orifícios. De fato, o resultado coincide com a equação da interferência
para o caso unidimensional, na qual I1 = I2 = I0 e δ12 = δ
Temos interferência construtiva, com I = 4I0 , para

δ = 2nπ (1.4.19)

com (r2 − r1 ) = nλ) em que n = 0, ±1, ±2, . . . o que vale, em particular, ao longo do eixo.
Temos interferência destrutiva, com I = 0 (intensidade resultante nula), para

δ = (2n + 1)π (1.4.20)

com (r2 − r1 ) = n + 21 λ em que n = 0, ±1, ±2, . . ., ou seja, a interferência é construtiva




ou destrutiva conforme a diferença de caminho seja de um número inteiro ou semi-inteiro


de comprimento de onda. No plano perpendicular ao anteparo que passa pelos orifícios,

Figura 1.4.9: Linhas nodais e antinodais

as Eqs.(1.4.19) e (1.4.20) definem uma série de hipérboles com focos nas posições dos
orifícios O1 e O2 (Fig. (1.4.9); a hipérbole é o lugar geométrico dos pontos cuja diferença
das distância a dois pontos fixos (O1 e O2 ) é constante. As hipérboles Eq.(1.4.20) são
linhas nodais N (em linha interrompida na figura), intersecções de cristas (linha fina na
figura) e vales (linha interrompida fina na figura) de ondas esféricas emanadas de O1 e
O2 .
As hipérboles Eq.(1.4.19) são linhas antinodais A (em linha cheia na Fig. 1.4.9),

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 30


CAPÍTULO 1 ONDULATÓRIA

intersecções de cristas com cristas ou vales com vales.


Os mesmos resultados se aplicam a ondas bidimensionais na superfície da água, por
exemplo, onde a figura de interferência resultante pode ser visualizada com o auxílio de
um tanque de ondas, bastando substituir a Eq.(1.4.15) pela equação correspondente de
ondas circulares; os demais resultados se estendem imediatamente. Em três dimensões,

Figura 1.4.10: Franjas de interferência

os resultados bidimensionais descrevem os efeitos de interferências produzidos por um


par de fendas estreitas sobre as quais incide uma onda plana; no caso da luz, este foi o
arranjo experimental usado por Young (Fig. 1.4.10). No anteparo de observação, aparece
uma série de franjas de interferência, correspondentes à distribuição de intensidade I
representada na Fig. 1.4.9.
Levando em conta a Eq.(1.4.12), também podemos escrever as condições Eqs.(1.4.19)
e (1.4.20) de interferência construtiva e destrutiva como
(
nλ (construtiva)
d= (1.4.21)
n + 21 λ (destrutiva)


com n = 0, ±1, . . ., que define um conjunto de direções θn associadas aos máximos e


mínimos de interferência de ordem n.

1.4.3 Efeito Doppler

Efeito Doppler é um fenômeno físico observado nas ondas quando emitidas ou refletidas
por um objeto que está em movimento com relação ao observador. Foi-lhe atribuído
este nome em homenagem a Johann Christian Doppler, que o descreveu teoricamente
pela primeira vez em 1842. A primeira comprovação experimental foi obtida por Buys
Ballot, em 1845, numa experiência em que uma locomotiva puxava um vagão com vários
trompetistas.
Fonte em repouso
Seja uma fonte puntiforme em repouso no ponto F que emite ondas com velocidade
v em todas as direções (ver Fig. 1.4.11), com frequências fo = 1/T0 = v/λ0 , onde T0 é o

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 31


CAPÍTULO 1 ONDULATÓRIA

Figura 1.4.11: Fonte em repouso

período para a fonte puntiforme e λ0 o comprimento de onda correspondente, e que um


observador localizado em P se mova com velocidade u em direção a fonte, de modo que
u > 0, além disso, suponhamos que o observador em movimento seja atingido por uma
primeira frente de onda, desejamos saber o tempo no qual ele irá encontrar uma segunda
frente de onda, pois este será o período 0 Tobs
0
medido pelo observador (ou em termos de
frequência: A frequência fo é o número de cristas de onda emitidas por unidade de tempo,
já a frequência Fobs é o número de cristas de onda que passam pelo observador por unidade
de tempo), logo chamemos de d a distância percorrida pelo observador de uma frente de
onda a outra, temos então que d = uTobs , enquanto que a segunda frente de onda irá
percorrer uma distância d0 = vTobs , tendo em mente que a distância entre as frentes de
onda é definida como sendo o comprimento da onda (Fig. 1.4.12), obtemos que

λ0 = uTobs + vTobs = Tobs (u + v) (1.4.22)

assim, fobs será (tendo em mente que λo v = fo

1 u u v
fobs = (u + v) = fo + = fo +
λo λo v λo (1.4.23)
 u
= fo 1 +
v

que é mais aguda do que fo .

Figura 1.4.12: Encontro de frentes de ondas com o observador

Se o observador se afasta da onda com velocidade u, então ele será atingido por outra
frente de onda após percorrer uma distância uTobs , enquanto que a frente de onda terá

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 32


CAPÍTULO 1 ONDULATÓRIA

percorrido uma distância vTobs , pela Fig. 1.4.13 vemos que:

λo + uTobs = vTobs (1.4.24)

por argumentos análogos ao primeiro caso, temos


 u
f = fo 1 − (1.4.25)
v

assim a frequência observada é mais grave. Logo, o efeito Doppler para uma fonte em
repouso é dado por  u
f = fo 1 ± (1.4.26)
v
+ para um observador que se aproxima e − para um que se afasta.

Figura 1.4.13: observador se afastando

Fonte em movimento

Figura 1.4.14: fonte se aproximando

Suponhamos agora que o observador está em repouso em um ponto F0 , mas a fonte se


aproxima ou se afasta dele com velocidade de magnitude V e seja v a velocidade da onda.
No ponto F0 uma primeira frente de onda é emitida, esta por sua vez se propagará até O
onde está o observador, percorrendo uma distância vT0 , neste mesmo instante a fonte terá
se deslocado uma distância V T0 até F1 , onde emitirá novamente uma segunda frente de
onda, que percorrerá uma distância vT , onde T será o período medido pelo observador,

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 33


CAPÍTULO 1 ONDULATÓRIA

logo (Fig. 1.4.14)


vT0 = V T0 + vT (1.4.27)

logo  
vT0 − V T0 V
T = = T0 1 − (1.4.28)
v v
como a frequência é o inverso do período
 
V fo
f −1
= fo−1 1− ⇒f =   (1.4.29)
v V
1−
v

para uma fonte se afastando um argumento análogo chega a

fo
f=  (1.4.30)
V
1+
v

assim
fo
f=  (1.4.31)
V
1∓
v
onde − é para aproximação e + para afastamento , que é a fórmula do efeito Doppler
para uma fonte móvel e um observador em repouso.
Fonte e observador em movimento
Suponhamos que a fonte e o observador estejam ambos em movimento um em direção ao
outro, com velocidades V e u respectivamente, suponhamos que a fonte emita uma frente
de onda em F0 e que o observador em O1 se mova quando capta-la, isto é somente após
a frente de onda ter percorrido uma distância vT0 , observemos que durante este tempo
a fonte irá se deslocar até F1 percorrendo uma distância V T0 , ao chegar em F1 a mesma
emitira uma nova frente de onda (pois já irá ter se passado um tempo T0 ), esta nova frente
de onda irá encontrar o observador em um ponto O2 após se mover uma distância vT , em
que T é o período da onda para o observador, concomitantemente o observador terá se
movido até O1 percorrendo então uma distância U T , logo pela Fig. 1.4.15 obtemos:

V T0 + vT + uT = vT0
(1.4.32)
⇒ (v + u) T = (v − V ) T0

Assim, seja f a frequência medida pelo observador e fo a frequência da onda, temos que

u
 
v+u 1±
f = fo = fo 
 v (1.4.33)
v−V V 
1∓
v

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 34


CAPÍTULO 1 ONDULATÓRIA

Figura 1.4.15: fonte e observador em movimento

Movimento numa direção qualquer


Em todos os casos tratados, foi suposto que a direção de movimento da fonte passa
pelo observador, ou vice-versa. Suponhamos agora que a fonte se move numa direção
que faz, num dado instante, um ângulo θ com a direção que liga a fonte ao ponto de
observação P (Fig. 1.4.16), e que a distância da fonte ao ponto de observação, r0 = F0 P ,
seja suficientemente grande para que as porções de cristas de onda que atingem P possam
ser identificadas com frentes de ondas planas. Essas frentes de onda são perpendiculares
à direção F0 P, cujo vetor unitário designaremos por r̂.

Figura 1.4.16: Direção qualquer de movimento

Podemos decompor V numa componente radial

Vr = (V · r̂)r̂ = V cos θ r̂ (1.4.34)

e numa componente Vp paralela às frentes de onda que atingem P . Como um deslocamento


da fonte paralelamente a essas frentes não afeta em nada o seu espaçamento, a compo-
nente Vp não contribui para o efeito Doppler. Por outro lado, Vr aponta na direção do
observador, de modo que podemos aplicar a Eq.(1.4.30) para aproximação, substituindo

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 35


CAPÍTULO 1 ONDULATÓRIA

V por Vr = V cos θ.
fo
f=  (1.4.35)
V cos θ
1+
v
que é a expressão geral do efeito Doppler para uma fonte em movimento numa direção
qualquer.
Um tratamento análogo se aplica ao movimento do observador numa direção qualquer
e para ambos se movendo.

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 36


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

2 A antiga Mecânica Quântica


A antiga teoria quântica é uma coleção de resultados dos anos 1900 a 1925 que antecede
a moderna mecânica quântica. A teoria nunca foi completa ou auto-consistente, mas uma
coleção de prescrições heurísticas que são tidas atualmente como as primeiras correções
quânticas feitas à mecânica clássica. A antiga teoria quântica sobrevive como uma técnica
de aproximação na mecânica quântica, chamada de método WKB.

2.1 A Teoria Cinética da Matéria


Nesta seção estudaremos alguns aspectos da teoria cinética, o primeiro modelo microscó-
pico da matéria que teve sucesso. Veremos como as primeiras medidas e estimativas do
tamanho e número de moléculas foram efetuadas. A introdução aos métodos estatísticos
das médias e funções distribuição nesta seção será valiosa posteriormente, onde os mesmos
são usados na mecânica quântica.
A idéia de que qualquer matéria é composta de partículas minúsculas, ou átomos, teve
origem nas especulações do filósofo grego Demócrito e seu mestre Lêucipo, por volta de 450
a.C. Houve, porém, pouca tentativa de correlacionar tais especulações com observações
do mundo físico até o século dezessete. Pierre Gassendi, em meados do século dezessete, e
pouco depois Robert Hooke tentaram explicar os estados da matéria e as transições entre
eles com um modelo de pequeníssimos objetos sólidos indestrutíveis, voando em todas as
direções.
Em 1662, Robert Boyle publicou os resultados de suas experiências, que mostraram
que o produto da pressão pelo volume de um gás se mantém constante, a uma temperatura
constante. Isaac Newton, em seu Principia (1687), mostrou que a lei de Boyle pode ser
deduzida admitindo que um gás consiste de partículas rígidas estáticas, que se repelem
umas às outras com uma força que varia com o inverso de sua separação. A primeira
dedução matemática da lei de Boyle, usando um modelo cinético, foi feita por D. Bernoulli,
em 1738.
Pouco mais do que isso foi realizado nesta linha durante aproximadamente um século.
O século dezenove presenciou um desenvolvimento rápido da teoria cinética da matéria
devido a várias pessoas, notadamente Herapath, Waterston, Joule, Clausius, Maxwell e
Boltzmann. Um desenvolvimento paralelo da teoria dos átomos teve lugar no início do
século dezenove, a partir das tentativas de entender as leis da química. Para explicar
a lei das proporções definidas, postulada por J. L. Proust (1754-1826), que afirma que
os elementos que constituem um composto químico sempre se combinam nas mesmas
proporções definidas por peso, John Dalton, em 1808, admitiu que um elemento consistia
de átomos idênticos indestrutíveis. No mesmo ano, J. L. Gay-Lussac anunciava a lei
de volumes em combinação; quando dois gases se combinam para formar um terceiro,
as razões de seus volumes são iguais as razões de números inteiros. Ele mostrou, por

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 37


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

exemplo, que, quando o hidrogênio se combina com o oxigênio era de 2 para 1 dentro de
1% de precisão. (É interessante observar que Dalton não acreditava na lei de Gay-Lussac,
porque esta discordava com o seu modelo atômico estático, um modelo que ele julgava
provado pelos cálculos de Newton a partir da lei de Boyle. Dalton também tinha dados
menos acurados que Gay-Lussac; isto apresentou desvios das razões de inteiros.) Em
1811, um físico italiano, Amedeo Avogrado, apresentou uma hipótese notável que, embora
não aceita por algum tempo, eventualmente preparou o caminho para a compreensão da
teoria atômica da química. Avogrado admitiu que:
1. As partículas de um gás são pequenas comparadas com as distâncias entre elas.
2. As partículas dos elementos consistem, às vezes, de dois ou mais átomos unidos. Ele
chamou estas partículas de “moléculas” para distingui-las dos átomos.
3. Volumes iguais de gases em temperaturas e pressão constantes, contém números iguais
de moléculas.
Usando estas hipóteses, juntamente com o trabalho de Gay-Lussac, Dalton, Proust
e outros, Avogrado conseguiu determinar a composição de moléculas e, em particular,
descobriu que é necessário admitir que as moléculas de um gás, como o hidrogênio e o
oxigênio, contém dois átomos. No início, poucos cientistas acreditaram nestas hipóteses,
principalmente devido à dificuldade de entender porque, se dois átomos de oxigênios se
atraem para formar a molécula O2 ., três ou quatro átomos não se atraem também para
formar O3 e O4 . (Isto não foi compreendido completamente até o advento da mecânica
quântica).
As hipóteses de Avogrado não foram realmente aceitas até a última metade do século
dezenove. É interessante observar que ele não tinha conhecimento da ordem de grande do
número de moléculas em um dado volume de gás, sabia apenas que o número era muito
grande. O primeiro cálculo deste número foi feito por J. Loschmidt, em 1865, partindo da
teoria cinética dos gases. Não dispomos do espaço nesta breve introdução para entrar em
mais detalhes relativos à história fascinante da descoberta da teoria atômica da química.
O leitor interessado deve recorrer a outra referência1 , na qual se baseou, essencialmente,
esta introdução.

2.1.1 O Número de Avogrado

Partindo das razões características entre os pesos com os quais os diferentes elementos se
combinam, foi estabelecida, por Avogadro e alguns contemporâneos, uma escala de pesos
atômicos relativos. O hidrogênio, o elemento mais leve, foi considerado como tendo peso
unitário, e as outros elementos foram atribuídos pesos relacionados com o hidrogênio.
O número de Avogrado foi definido como o número de átomos necessários para compor
1
G. Holton, Introduction to Concepts and Theories in Physical Science, Reading, Mass.: Addison-
Wesley Publishing Company, Inc., 1952.

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 38


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

uma porção de um elemento que fosse igual ao peso2 atômico desse elemento tomado em
gramas.
Por exemplo, usando esse esquema, o número de Avogrado para o hidrogênio, NA ,
equivalia a uma massa de 1 g. A hipótese básica de atribuição de pesos relativos foi pos-
teriormente mudada do hidrogênio para o oxigênio e mais recentemente para o carbono.
O número de Avogrado dos átomos de 12 C é agora definido como tendo uma massa de
exatamente 12, 000 g, e a massa de um átomo de 12 C vale exatamente 12, 000 unidades
unificadas de massa (u). (A unidade unificada de massa, substitui a antiga unidade de
massa atômica, uma.) Com isso, o peso relativo do átomo de Hidrogênio (isto é, o peso
atômico) fica valendo 1, 0079. O número de Avogrado para o hidrogênio apresenta, por-
tanto, uma massa de 1, 0079 g. NA átomos ou moléculas de uma substância são chamados
de um mol dessa substância. Um mol de átomos de H tem, portanto, uma massa de
1, 0079 g, enquanto um mol de moléculas de H2 apresenta uma massa de 2, 0158 g. Essa
massa é chamada de peso molecular em gramas de H2 . O valor atual do número de
Avogadro é
NA = 6, 0220 × 1023 (2.1.1)

A massa de um mol de átomos (ou moléculas) dividida pelo número de Avogadro é


igual à massa de um único átomo (ou molécula). Por exemplo, a massa do átomo de
hidrogênio é
1, 0079 g/mol
mH =
6, 022 × 1023 átomos/mol
= 1.674 × 10−24 g/átomo
Como o número de Avogrado para unidades unificadas de massa apresenta uma massa de
exatamente 1 g, a unidade unificada de massa é simplesmente o recíproco de NA

1 1g
1u = = = 1, 661 × 10−24 g (2.1.2)
NA 6, 022 × 1023

2.1.2 A Pressão de um Gás

A teoria cinética procura descrever as propriedades dos gases em termos de um quadro


microscópico dos gás como uma coleção de partículas em movimento. A pressão exercida
por um gás sobre as paredes do recipiente que o contém é um exemplo de uma propriedade
facilmente calculada pela teoria cinética. O gás exerce uma pressão sobre o recipiente
porque as moléculas do gás colidem com suas paredes, transferindo, portanto, quantidade
de movimento a essas paredes. A variação total da quantidade de movimento por segundo
é a força exercida sobre as paredes pelo gás. Começaremos fazendo as seguintes hipóteses:
1. O gás consiste de um número grande, N , de moléculas que efetuam colisões elásticas
2
Falando estritamente, a palavra “peso” deve ser substituída por “massa”, mas nós seguiremos o uso
comum e nos referimos à massa atômica elativa como peso atômico.

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 39


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

entre si e com as paredes do recipiente.


2. As moléculas estão separadas por distâncias grandes, comparadas com seus diâmetros,
e não exercem forças entre si, exceto quando colidem.
3. Na ausência de forças externas (podemos desprezar a gravidade), não há posição
preferencial para uma molécula dentro do recipiente nem direção preferencial para o vetor
velocidade.
No momento, vamos ignorar colisões que as moléculas efetuam entre si. Isso não
representa uma falha séria nos nossos cálculos, pois, como a quantidade de movimento
se conserva, as colisões de moléculas entre si não irão afetar a quantidade de movimento
total em qualquer direção. Seja m a massa de cada molécula. Se consideramos o eixo x
perpendicular a parede, a componente x da quantidade de movimento de uma molécula
será +mvx antes dela bater na parede e será −mvx depois de bater. O módulo da variação
da quantidade de movimento da molécula, devido à colisão com a parede, será 2mvx . A
variação total da quantidade de movimento de todas as moléculas em algum intervalo de
tempo ∆t será igual a 2mvx multiplicado pelo número de moléculas que se chocam com
a parede durante esse intervalo de tempo.

Figura 2.1.1: Moléculas do gás numa caixa retangular. Uma molécula com componente
de velocidade vxi se chocará com a face direita no intervalo de tempo ∆t se ela estiver a
uma distância vxi ∆t e se vxi for positiva.

Consideraremos uma caixa retangular de volume V com uma face perpendicular a x


de área A (Fig. 2.1.1). Seja Ni o número de moléculas do gás cuja componente x da
velocidade vale vxi . O número de moléculas que se chocam com a parede da direita no
intervalo de tempo ∆t é igual ao número de moléculas que se encontram a uma distância
vxi ∆t caminhando para a direita. Como existem Ni dessas moléculas no volume V , o
número no volume Avxi ∆t será (Ni /V )(Avxi ∆t), pois

N ◦ de moléculas no volume considerado com velocidade vxi


Densidade de moléculas =
Volume considerado
Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 40
CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

portanto,
Ni Número no volume Avxi ∆t
=
V Avxi ∆t
Se admitimos momentaneamente que vxi é positiva, o número que atinge a parede direita
no intervalo de tempo ∆t será
Ni
Avxi ∆t
V
O impulso exercido pela parede sobre essas moléculas será igual à variação total da quan-
tidade de movimento dessas moléculas, que vale 2mvxi , multiplicada pelo número que se
choca:
2Ni mvx2i A∆t
 
N vxi A∆t
Ii = 2mvxi =
V V
Esse número é também igual ao módulo do impulso exercido por essas moléculas sobre
a parede. Obtemos a força média exercida por essas moléculas se dividimos o impulso
pelo intervalo de tempo ∆t. A pressão é igual a essa força média dividida pela área A. A
pressão exercida por essas moléculas será então

Ii 2Ni mvx2i
Pi = =
∆tA V

A pressão total exercida por todas as moléculas é obtida somando-se sobre todas as com-
ponentes x da velocidade vxi que são positivas. Como, em média, metade das moléculas
estará movendo-se para a direita (vxi positiva) e metade para a esquerda (vxi negativa)
para qualquer tempo, podemos somar sobre todas as moléculas e dividir por 2:

1X 1 X 2Ni mvx2i mX
P = Pi = = Ni vx2i
2 2 V V

Podemos escrever isso em termos do valor médio de vx2 , definido como

1 X
(vx2 )med = Ni vx2i
N

onde N = Ni é o número total de moléculas. Assim, podemos escrever para a pressão


P

(sobre a parede perpendicular ao eixo x),

Nm 2
P = (vx )med (2.1.3)
V

Se não há direção preferencial para o movimento das moléculas, (vx2 )med será igual a (vy2 )med
e (vz2 )med . O quadrado do módulo da velocidade será

v 2 = vx2 + vy2 + vz2

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 41


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

Então
(v 2 )med = (vx2 )med + (vy2 )med + (vz2 )med = 3(vx2 )med

Assim, podemos escrever a pressão em termos da velocidade quadrática média:


 
1N 2N 1 2
P = m(v 2 )med = mv
3V 3V 2
  med
(2.1.4)
2 1 2
= n mv
3 2 med

onde n = N/V é chamada de densidade de número. Esse resultado mostra que a pressão
é proporcional ao número de moléculas por volume unitário e proporcional à
energia cinética média.
Se escrevermos Ēk = (1/2mv 2 )med para a energia cinética média, temos então que ao
multiplicar a Eq.(2.1.4) por V , encontra-se que

2
P V = N Ēk (2.1.5)
3

Vamos comparar essa relação com a equação dos gases ideais

P V = νRT

onde ν é o número de moles, que é o número total de moléculas dividido pelo número de
Avogadro
N
ν=
NA
e R é a constante dos gases

R = 8, 31 J/K · mol = 1, 99 cal/K · mol (2.1.6)

Temos então
2 2
νRT = N Ēk = νNA Ēk
3 3
ou
3 R 3
Ēk = T = kT (2.1.7)
2 NA 2
onde k = R/NA é chamada de constante de Boltzmann:

k = 1, 381 × 10−23 J/K = 8, 617 × 10−5 eV/K (2.1.8)

A temperatura absoluta é, portanto, uma medida da energia cinética translacional


média das moléculas. (Incluímos a palavra “translacional” porque uma molécula pode
apresentar outros tipos de energia cinética, como, por exemplo, rotacional ou vibracional.

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 42


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

Somente a energia cinética translacional entra no cálculo da pressão exercida sobre as


paredes da caixa.) A energia cinética translacional total de ν moles de um gás que
contém N moléculas será
3
Ek = N Ēk = N kT (2.1.9)
2
A energia cinética translacional vale 32 kT por molécula ou 32 RT por mol. Para uma
temperatura típica de T = 300 K (= 81◦ F), a quantidade kT apresenta o valor de

1
kT = 2, 585 × 10−2 eV ≈ eV (2.1.10)
40

A energia cinética translacional média de uma molécula de um gás para a temperatura


ambiente vale somente uns poucos centésimos de um elétron volt. Dois importantes
resultados são obtidos a partir desse cálculo simples:
1.Módulo da velocidade de uma molécula num gás. Não esperamos que todas as moléculas
do gás tenham a mesma velocidade. A distribuição dos módulos de velocidades moléculas
será discutida mais adiante. Entretanto, mesmo sem conhecer essa distribuição, pode-
mos calcular a média do quadrado do módulo da velocidade (v 2 )med e a raiz da média
quadrática (rms) do módulo vrms = (v 2 )med . Temos
p

2Ēk 3RT 3RT


(v 2 )med = = = (2.1.11)
m NA m M

onde M é o peso molecular. Então


r
3RT
vrms = (2.1.12)
M

Não é difícil de guardar a ordem de grandeza das velocidades moleculares se relembrarmos


que a velocidade do som num gás é dada por
r
γRT
vrms =
M

onde γ é a razão entre a capacidade térmica a pressão constante e a capacidade térmica


a volume constante. (Para o ar, γ = Cp /CV = 1, 4.) Assim, a rms da velocidade de uma
molécula do gás é da mesma ordem de grandeza que a velocidade do som no gás.
2.Capacidade térmica. A capacidade térmica molar a volume constante é definida por

∆Q
CV = lim
∆T →0 ∆T

onde ∆Q é o que entra de calor e ∆T é o aumento de temperatura para 1 mol de uma


substância. Como não é realizado trabalho se o volume permanece constante, a entrada
de calor fica igual à variação da energia interna U (pela primeira lei da termodinâmica).

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 43


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

Assim  
∂U
CV =
∂T v

Se admitimos que a energia total é a energia cinética translacional, temos, a partir da


Eq.(2.1.9) para um mol
3
U = NA Ēk = RT (2.1.13)
2
e
3
CV = R = 2, 98 cal/mol
2
Esse resultado está de acordo com experiências sobre gases monoatômicos como o argônio
e o hélio. Para outros gases, a capacidade térmica molar medida é maior que este valor,
indicando que uma parte do calor que chega é transformada em outra forma de energia
interna que não a energia cinética translacional, como, por exemplo, a energia de rotação
molecular ou a energia de vibração.

Exemplo 2.1.1.

Calcule a raiz da média quadrática (rms) para a velocidade das moléculas de nitrogênio
a uma temperatura T = 300 K. Temos

M = 28 g/mol = 28 × 10−3 kg/mol

3 × 8, 31 J · K-1 mol-1 ×300 K


 
vrms =
28 × 10−3 kg/mol
= 517 m/s
Questões
1. Por que podemos desprezas as colisões das moléculas com a tampa, com o fundo e com
os lados da caixa quando calculamos a pressão exercida sobre a parede que se encontra
no fim da caixa?
2. Como a Ēk das moléculas de H2 pode ser comparada com a Ēk das moléculas de O2
em condições normais?
3. Como podemos comparar a vrms para moléculas de H2 com a vrms para moléculas de
O2 em condições normais?

2.1.3 Teorema da Equipartição e capacidades térmicas de gases e sólidos

A Eq.(2.1.7) pode ser escrita como


       
1 2 1 2 1 2 1 2
Ēk = mv = mv + mv + mv
2 med 2 x med 2 y med 2 z med
3
= kT
2

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 44


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

Mas, como (vx2 )med = (vy2 )med = (vz2 )med , temos


     
1 2 1 2 1 2 1
mv = mv = mv = kT (2.1.14)
2 x med 2 y med 2 z med 2

Em equilíbrio, a energia cinética é repartida igualmente entre os três termos 1/2mvx2 , 1/2mvy2
e 1/2mvz2 . Essa repartição é a consequência natural das colisões entre as moléculas. Supo-
nhamos que tentemos aumentar a energia associada ao movimento na direção x, 1/2mvx2 ,
sem afetar a energia associada aos movimentos nas direções y e z. Poderíamos fazer isso
momentaneamente substituindo a parede perpendicular à direção x por um pistão móvel.
Se comprimimos o gás por meio de um movimento do pistão, uma molécula que estivesse
movendo-se em direção ao pistão com componente vx na direção x deveria rebater com
0
velocidade vx de módulo maior, de forma que a energia associada ao movimento na di-
reção x aumentasse com nenhuma variação nas energias associadas aos movimentos nas
direções y e z. Acontece que, logo após as moléculas colidirem com o pistão, elas colidem
com as moléculas mais próximas, e um novo equilíbrio é atingido com 1/2mvx2 , 1/2mvy2 e
1/2mvz2 , voltando a ter cada uma o mesmo valor médio 1/2kT . (Esse valor médio é maior
que o anterior - pois o trabalho efetuado pelo pistão sobre o gás aumentou a temperatura
do gás.) Essa repartição de energia é um caso especial do teorema da equipartição que
pode ser demonstrado dentro da mecânica estatística.
Chamamos cada coordenada, cada componente da velocidade, cada componente da
velocidade angular, etc, que aparece elevada ao quadrado na expressão da energia de uma
molécula, de grau de liberdade. O teorema da equipartição afirma que

Teorema 2.1.1. Em equilíbrio, a cada grau de liberdade está associada uma energia média
de 1/2kT por molécula.

Figura 2.1.2: Modelo de halteres de uma molécula diatômica de um gás que pode efetuar
translações segundo os eixos x, y e z e pode rodar ao redor dos eixos x0 ou y 0 . Se as esferas
são lisas ou pontuais, a rotação ao redor do eixo z 0 pode ser desprezada.

Como exemplo do uso do teorema da equipartição, consideremos o modelo de halteres


de uma molécula diatômica (Fig. 2.1.2) que pode efetuar translações segundo os eixos

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 45


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

x, y e z e pode rodar ao redor de eixos x0 e y 0 que passam pelo centro de massa e perpen-
dicularmente ao eixo z 0 que une os dois átomos.3 A energia cinética para esse modelo de
halteres da molécula diatômica é então

1 1 1 1 1
Ek = mvx2 + mvy2 + mvz2 + Ix0 ωx20 + Iy0 ωy20
2 2 2 2 2

onde Ix0 e Iy0 são os momentos de inercia em relação aos eixos x0 e y 0 . Como essa molécula
apresenta cinco graus de liberdade, três translacionais e dois rotacionais, o teorema da
equipartição prevê uma energia média de 5/2kT por molécula. A energia por mol é então
5/2NA kT = 5/2RT , e a capacidade térmica molar a volume constante vale 5/2R. Partindo
da observação que CV vale 5/2R tanto para o nitrogênio como para o oxigênio, Clausius
fez a especulação (por volta de 1880) de que esses gases devem ser gases diatômicos
que rodariam em relação a dois eixos assim como também apresentariam movimento de
translação.

Figura 2.1.3: Modelo de halteres não rígido de moléculas diatômicas de um gás ainda na
forma de halteres. Pode efetuar translações, rotações e vibrações.

Se uma molécula diatômica não é rígida, os átomos podem vibrar segundo a linha
de separação (Fig. 2.1.3). Então, além da energia translacional do centro de massa e
da energia rotacional, pode haver energia vibracional. A vibração adiciona dois termos
quadráticos a mais à energia, um para a energia potencial, que é proporcional a (r − r0 )2 ,
e outro para a energia cinética, proporcional a (dr/dt)2 , onde r é a separação dos átomos
que apresenta um valor r0 na posição de equilíbrio. Para uma molécula diatômica que
3
Excluímos a rotação em torno do eixo z 0 dos halteres admitindo ou que os átomos são pontos e o
momento de inércia em torno desse eixo é portanto zero, ou que os átomos são esferas rígidas e lisas em
cujo caso a rotação em torno desse eixo não pode ser mudada por colisões e portanto não participam na
troca de energia. Quaisquer dessas hipóteses também exclui a possibilidade de rotação de uma molécula
monoatômica.

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 46


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

está efetuando um movimento de translação, está rodando e está vibrando, o teorema


da equipartição prevê uma capacidade térmica molar de (3 + 2 + 2)1/2R ou 7/2R (Fig.
2.1.4).

Figura 2.1.4: Modos de energia de uma molécula diatômica. A cada um dos sete movi-
mentos possíveis está associada uma energia média 1/2kT , resultando numa energia total
de 7/2kT por molécula.

Tabela 2.1.1: Capacidades térmicas molares de alguns gases a 15◦ e 1 atm.


Gás CV (cal/mol-grau) CV /R
Ar 2,98 1,50
He 2,98 1,50
CO 4,94 2,49
H2 4,87 2,45
HCl 5,11 2,57
N2 4,93 2,49
NO 5,00 2,51
O2 5,04 2,54
Cl2 5,93 2,98
CO2 6,75 3,40
CS2 9,77 4,92
H2 S 6,08 3,06
N2 O 6,81 3,42
SO2 7,49 3,76

Na tabela 2.1.1 temos os valores experimentais de CV para diversos gases. Para todas
as moléculas diatômicas, com exceção do Cl2 , esses dados são consistentes com as previsões
do teorema da equipartição, adotando um modelo de molécula rígida sem vibração. O
valor para Cl2 se situa na metade entre o valor predito para a molécula rígida e o valor

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 47


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

para a molécula em vibração. A situação para moléculas com três ou mais átomos é mais
complicada e não sera examinada aqui em seus pormenores.
É bastante difícil compreender por que o teorema da equipartição junto com o modelo
molecular dos halteres considerando o átomo pontual tem tanto sucesso na previsão da
capacidade térmica molar para a maioria das moléculas diatômicas mas não para todas
elas. Por que as moléculas de um gás diatômico não vibram? Se os átomos não são
pontuais, os momentos de inercia em relação à linha que une os átomos não se anulam, e
vão existir três termos para a energia rotacional ao invés de dois. Admitindo que não haja
vibração, CV deve ser igual a 6/2R. Isto está de acordo com o valor medido para Cl2 ,
mas não está de acordo com os valores para os outros gases diatômicos. Além do mais,
moléculas monoatômicas deveriam apresentar três termos para a energia rotacional se os
átomos não fossem pontuais, e CV deveria ser igual a 6/2R para esses átomos também.
Como a energia média é calculada pela contagem de termos, não deveria importar muito
o tamanho dos átomos e sim o fato de eles não serem pontuais.
Além dessas dificuldades, sabe-se que a capacidade térmica molar depende da tempe-
ratura, contrariando as previsões do teorema da equipartição. O caso mais espetacular
é do H2 , mostrado na Fig. 2.1.5. A aparência é de que, para temperaturas muito bai-
xas, o H2 se comporta como uma molécula monoatômica e não roda. Para temperaturas
bastante elevadas, o H2 começa a vibrar, mas a molécula se dissocia antes de CV atingir
3, 5R. Outros gases diatômicos exibem comportamentos semelhantes, com exceção do
fato de que para baixas temperaturas, eles se liquefazem antes de CV atingir 1, 5R.

Figura 2.1.5: Dependência com a temperatura da capacidade térmica molar do H2 . Entre


mais ou menos 250 e 1.000 K, CV é 5/2R, de acordo com a previsão do modelo dos halteres
rígidos. Para baixas temperaturas, CV vale somente 3/2R, de acordo com a previsão para
a molécula sem rotação. Para altas temperaturas, CV parece aproximar-se de 7/2R, de
acordo com a previsão para o modelo de halteres que roda e vibra, mas as moléculas se
dissociam antes que o patamar seja atingido.

O teorema da equipartição é útil também para a compreensão da capacidade térmica


dos sólidos. Em 1819, Dulong e Petir assinalavam que a capacidade térmica molar da
maioria dos sólidos era aproximadamente igual a 6 cal/K-mol ≈ 3R. Esse resultado
foi utilizado por ele para a obtenção de pesos moleculares desconhecidos a partir das

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 48


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

capacidades térmicas determinadas experimentalmente. A lei de Dulong-Petit é facilmente


obtida do teorema da equipartição admitindo que a energia interna de um sólido consiste
da energia vibracional das moléculas (Fig. 2.1.6). Se as constantes de força nas direções
x, y e z são, respectivamente, K1 , K2 e K3 , a energia vibracional de cada molécula será

1 1 1 1 1 1
E = mvx2 + mvy2 + mvz2 + K1 x2 + K2 y 2 + K3 z 2
2 2 2 2 2 2

Como são seis termos quadráticos, a energia média por molécula será 6(1/2kT ), e a energia
total de 1 mol será 3NA kT = 3RT , resultando CV = 3R.

Figura 2.1.6: Modelo simples de um sólido consistindo de átomos ligados uns aos outros
por molas. A energia interna do sólido consiste então de energia cinética vibracional e de
energia potencial vibracional.

A altas temperaturas, a lei de Dulong-Petit é obedecida por todos os sólidos. Para


temperaturas abaixo de alguma temperatura crítica, CV cai apreciavelmente abaixo do
valor de 3R e se aproxima de zero quando T se aproxima de zero. A temperatura crítica
é característica do sólido. É mais baixa para sólidos moles, tal como o chumbo, do que
para sólidos duros, tal como o diamante. A dependência geral de CV com a temperatura
para sólidos é observada na Fig. 2.1.7.

Figura 2.1.7: Dependência com a temperatura da capacidade térmica molar de sólidos.


Para altas temperaturas, CV vale 3R, de acordo com o teorema da equipartição. Para
baixas temperaturas CV se aproxima de zero. A temperatura crítica para a qual CV se
torna aproximadamente 3R é diferente para sólidos diferentes.

O fato de CV para metais não ser apreciavelmente diferente daquela para isolantes
é algo complicado. Um modelo de um metal, que é moderadamente capaz de descrever

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 49


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

tanto a condução elétrica como a condução do calor, propõe que aproximadamente um


elétron por átomo está livre para circular no metal colidindo com os átomos, tal como as
moléculas fazem num gás. De acordo com o teorema da equipartição, este “gás de elétrons”
teria uma energia média de 3/2kT por elétron; assim, a capacidade térmica molar seria de
cerca de 3/2R superior para um metal em relação a um isolante. Ainda que a capacidade
térmica molar para metais seja levemente superior a 3R para temperaturas muito altas, a
diferença é muito menor que 1, 5R, que é o valor previsto para a contribuição de um gás
de elétrons.
O fracasso da teoria cinética em prever capacidades térmicas de gases e sólidos não
é um fracasso do modelo, mas antes um fracasso da mecânica clássica. A procura da
compreensão de calores específicos conduziu à descoberta da quantização de energia no
início do século XX. Veremos, na próxima seção, como a quantização da energia fornece
uma base para a compreensão completa dos problemas discutidos nesta seção.
Questão
4. Discuta o efeito das colisões moleculares sobre um gás que inicialmente tinha metade
de suas moléculas se movendo para a direita e metade se movendo para a esquerda com a
mesma velocidade v em módulo. Admita uma colocação ao acaso das moléculas na caixa
sem componentes iniciais vy ou vz .

2.1.4 Funções Distribuição

O cálculo da pressão de um gás nos fornece uma informação bastante interessante sobre
a média quadrática do módulo da velocidade, dando-nos, portanto, a energia média das
moléculas num gás, mas não fornece detalhes sobre a distribuição das velocidades mole-
culares. Antes de considerarmos este problema mais adiante, iremos discutir a idéia das
funções distribuição em geral, com alguns exemplos elementares extraídos da experiência
do dia a dia. Essa discussão será útil nos conteúdos posteriores, especialmente quando os
mesmos são aplicados às funções distribuição de probabilidade da mecânica quântica que
são bem abstratas.
Suponhamos que um professor dê um questionário com 25 pontos a um número grande,
N , de estudantes. Para descrever os resultados do exame, ele poderia dar a nota média
ou a mediana, mas isto não seria uma descrição completa. Por exemplo, se todos os
N estudante recebessem 12, 5, este seria um resultado bem diferente de N/2 estudantes
terem obtido a nota 25 e N/2, a nota zero, embora ambos os casos tivessem a mesma
média. Uma descrição completa seria dar o número ni dos que receberam a nota si , para
todas as si entre 0 e 25. Uma alternativa consistiria em dividir ni pelo número total de
estudantes, N , para dar a fração de estudantes fi = ni /N que obteve a nota si . Tanto ni ,
como fi (que dependem da variável s) são chamadas funções distribuição. A distribuição
fracional, fi , é ligeiramente mais conveniente para se usar. A probabilidade de que um dos
N estudantes selecionados ao acaso tenha obtido a nota si é igual ao número de estudantes

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 50


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

que receberam a nota, ni = N fi , dividida pelo número total N ; então essa probabilidade
é igual à função distribuição fi . Note que
X X ni 1 X
fi = = ni
i i
N N i

e como
X
ni = N
i

temos
X
fi = 1 (2.1.15)
i

A Eq. 2.1.15 é chamada de condição de normalização para as funções distribuição fraci-


onais. Uma possível função distribuição para um exame com 25 pontos está representada
na Fig. 2.1.8.

Figura 2.1.8: Distribuição de notas dadas a 200 estudantes para um exame com 25 pontos;
ni é o número e fi = ni /N é a fração de estudantes que receberam a nota si . A nota
média s̄ e a raiz da média quadrática srms estão indicadas. A área sombreada indica as
notas que se desviam por 1 desvio padrão da média.

Para achar a nota média, todas as notas são somadas e o resultado é dividido por N .
Como cada nota si foi obtida por ni = N fi estudantes, este procedimento é equivalente a

1 X X
s̄ = s i ni = si f i (2.1.16)
N i i

Tomaremos a Eq. 2.1.16 como a definição da nota média s̄. De modo similar, a média de
qualquer função g(s) é definida por
X
ḡ(s) = g(si )fi (2.1.17)
i

Em particular, a nota quadrática média é frequentemente utilizada:


X
s2 = s2i fi
i

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 51


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

Uma quantidade particularmente útil, que caracteriza uma distribuição, é o desvio


padrão, σ, definido como
" #1/2
X
σ= (si − s̄)2 fi (2.1.18)
i

Note que X X X X
(si − s̄)2 fi = s2i fi + s̄2 fi − 2s̄ si f i
i i i i

= s¯2 + s̄2 · 1 − 2s̄ · s̄


= s2 − s̄2
Portanto,
 1/2
σ= s2 − s̄ 2
(2.1.19)

O desvio padrão é uma medida importante do espalhamento dos valores si em torno da


média. Para a maioria das distribuições haverá poucos valores si que difiram de s̄ por
mais de um ou mais múltiplos de σ. No caso da distribuição normal ou Gaussiana, comum
na teoria dos erros, cerca de dois terços dos valores estarão dentro de ±σ do valor médio.
Uma distribuição Gaussiana é mostrada na Fig. 2.1.9.

Figura 2.1.9: Curva de distribuição normal ou gaussiana. A curva é simétrica em torno


do valor médio x̄ que é também o valor mais provável. Sessenta e oito por cento da
área debaixo da curva está dentro de um desvio padrão da média. Essa curva descreve a
distribuição de erros ao acaso em muitas situações experimentais.

Se um estudante fosse escolhido ao acaso, na classe, e outro tivesse de adivinhar a


nota do primeiro, a melhor tentativa seria a nota obtida pelo maior número de estudantes,
chamada nota mais provável, sm . Para a distribuição na Fig. 2.1.8, sm é 16, e a nota
média, s̄ = 14, 17. A raiz da média quadrática, srms = (s2 )1/2 , é 14, 9, e o desvio padrão, σ
é 4, 6. Note que 66% das notas para essa distribuição estão dentro de s̄ ± σ = 14, 17 ± 4, 6.
Consideraremos agora o caso de uma distribuição contínua. Suponhamos que queremos
conhecer a distribuição das alturas de um número grande de pessoas. Para um número
finito N , o número de pessoas de exatamente 1, 7 m de altura seria zero. Se admitimos
que a altura possa ser determinada com a exatidão desejada, existe um número infinito de

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 52


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

alturas possíveis, e a probabilidade de que qualquer pessoa tenha uma altura particular é
zero, já que

altura particular altura particular


Probabilidade = = =0
número de alturas possíveis ∞

Faz muito mais sentido dividir as alturas em intervalos ∆h (por exemplo, ∆h poderia ser
0, 05 m) e anotar o número de pessoas cujas alturas estão em cada um desses intervalos.
Esse número depende da largura do intervalo. Definimos a função distribuição f (h) como
o número de pessoas cuja altura está em um dado intervalo dividido pelo número total
de pessoas e pela largura do intervalo. Assim, para N pessoas, N f (h)∆h é o número de
pessoas com alturas no intervalo entre h e h + ∆h. Uma possível função distribuição está
representada na Fig. 2.1.10. A fração de pessoas cuja altura está em um dado intervalo
particular, é exatamente igual à área do retângulo ∆h × f (h). A área total representa a
soma de todas as frações; portanto deve ser igual a 1. Se N for muito grande, podemos
escolher ∆h muito pequeno e ainda ter f (h) variando muito pouco entre os intervalo.

Figura 2.1.10: Uma possível distribuição de alturas. A fração do número de alturas entre
h e h + ∆h é proporcional à área sombreada. O histograma pode ser aproximado por uma
curva contínua, como vemos.

O histograma f (h) como função de h aproxima-se de uma curva contínua quando N →


∞ e ∆h → 0. Na maioria dos casos práticos, o número de objetos é extremamente grande,
e os intervalos podem ser tomados tão pequenos quanto a medida permitir. As funções
distribuição f (h) são normalmente consideradas como funções contínuas, os intervalos são
indicados com dh e as somas são substituídas por integrais. Por exemplo, se f (h) for uma
função contínua, a altura média, agora representada por hhi, fica4
Z
hhi = hf (h) dh (2.1.20)

e a condição de normalização que exprime o fato de que a soma de todas as frações é 1,


4
Os limites de integração dependem do alcance da variável. Para este caso, h varia de 0 a ∞. Fre-
quentemente omitiremos indicações explicitas dos limites quando o alcance da variável é claro.

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 53


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

é dada por Z
f (h) dh = 1 (2.1.21)

Exemplo 2.1.2.

A função distribuição dos tempos de vida de núcleos radioativos é dada por

f (t) = Ce−λt (2.1.22)

onde λ, é chamada de constante de decaimento, depende da espécie particular do núcleo


(e do tipo de radioatividade). Admitindo que λ seja conhecida, achar a constante C e o
tempo de vida médio.
A fração de tempos de vida entre t e t + dt é f (t) dt; entre 0 e ∞ esta fração é igual
a 1. Assim, a condição de normalização dá
Z ∞ Z ∞
f (t) dt = Ce−λt dt = 1
0 0

R∞
A integral 0 e−λt dt apresenta o valor λ−1 . Então C = λ. Como a constante C fica
determinada pela condição de normalização, ela é chamada de constante de normalização.
O tempo de vida médio é calculado por
Z ∞ Z t
hti = tf (t) dt = λ te−λt dt = λ−1
0 0

O tempo de vida médio é o recíproco da constante de decaimento.


Questão
5. Se a função distribuição f (x) é simétrica ao redor da origem, isto é, se f (−x) = f (x),
o valor médio de x é zero. O valor mais provável xm deve também ser zero?

2.1.5 A Distribuição de Maxwell-Boltzmann

Apresentamos aqui um argumento numérico simples que leva a uma aproximação da


distribuição de Boltzmann, e então um argumento geral ainda mais simples que verifica
a forma exata da distribuição. Consideremos um sistema que contém um grande número
de entes físicos do mesmo tipo que estão em equilíbrio térmico a uma temperatura T .
Para estar em equilíbrio, eles devem ser capazes de trocar energia entre si. Nas trocas,
as energias dos entes vão flutuar, e em qualquer instante de tempo alguns vão ter energia
maior do que a energia média, e outros menor. No entanto, a teoria clássica da mecânica
estatística requer que essas energias E sejam distribuídas segundo uma distribuição de
probabilidade definida, cuja forma é especificada por T . Uma razão disso é que o valor
médio hEi da energia de cada ente é determinada pela distribuição de probabilidade, e
hEi deve ter um valor definido para um T particular.

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 54


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

Para ilustrar essas ideias, consideremos um sistema que consiste de entes, do mesmo
tipo, que podem conter energia. Um exemplo seria um conjunto de molas idênticas, onde
cada uma delas contém energia se seu comprimento está variando. Suponhamos que o
sistema esteja isolado do meio que o circunda, de forma tal que a quantidade total de
energia seja constante, e suponhamos também que os entes podem trocar energia entre si
através de algum mecanismo, de forma tal que os constituintes do sistema podem ficar em
equilíbrio térmico entre si. Apenas com o objetivo de simplificar os cálculos subsequentes,
vamos, por agora, supor também que a energia de cada ente está restrita a um dos valores
E = 0, ∆E, 2∆E, 3∆E, 4∆E, . . .. Posteriormente, faremos com que o intervalo ∆E tenda
a zero de forma que todos os valores da energia sejam permitidos. Para simplificar ainda
mais, vamos inicialmente supor que haja apenas quatro (um número pequeno escolhido
arbitrariamente) entes no sistema e que a energia total do sistema tenha o valor 3∆E
(que também é escolhido arbitrariamente como sendo um dos pequenos múltiplos inteiros
de ∆E que a energia, pela hipótese acima, deve ter). Mais adiante vamos generalizar isto
a sistemas que tenham um grande número de entes e qualquer energia total.
Devido ao fato de que os quatro entes podem trocar energia entre si, podem ocorrer
todas as possíveis divisões da energia total 3∆E entre os quatro entes. Na Figura 2.1.11,
mostramos todas as possíveis divisões, indicadas pela letra i. Para i = 1, três entes têm
energia E = 0 e o quarto tem E = 3∆E, nos dando a energia total exigida 3∆E. Na
realidade, há quatro formas diferentes de obter tal divisão, porque qualquer um dos quatro
entes pode ser o que está no estado de energia E = 3∆E. Indicamos esse fato no algarismo
da coluna “número de divisões duplicadas distintas”. Um segundo tipo possível de divisão,
indicado por i = 2, é tal que dois entes têm E = 0, o terceiro tem E = ∆E, e o quarto
tem E = 2∆E. Há doze divisões duplicadas neste caso, como verificaremos no próximo
parágrafo. A terceira divisão possível, i = 3, também tem quatro formas duplicadas de
fazer com que um ente tenha E = 0 e os outros três tenham E = ∆E dando a energia
total exigida 3∆E.
No cálculo do número de divisões duplicadas contamos como distintos qualquer rear-
ranjo dos entes entre diferentes estados de energia. No entanto, qualquer rearranjo de
entes no mesmo estado de energia não é contato, porque entes do mesmo tipo com a
mesma energia não podem ser distinguidos experimentalmente uns dos outros. Isto é, os
entes idênticos são tratados como se fossem distinguíveis, exceto para rearranjos dentro
do mesmo estado de energia. O número total de rearranjos (permutações) dos quatro en-
tes é 4! ≡ 4 × 3 × 2 × 1. (O número de formas diferentes de ordenação de quatro objetos é
4!, já que há quatro possibilidades de qual o objeto escolhido primeiro, três possibilidades
de qual dos três restantes é tomado a seguir, duas escolhas de qual é o seguinte, e uma
única escolha para o último objeto. O número total de escolhas é 4 × 3 × 2 × 1 = 4!. Para
n objetos o número de ordenações diferentes é n! = n(n − 1)(n − 2) . . . 1. Mas rearranjos
dentro do mesmo estado de energia não contam. Assim, por exemplo, no caso i = 2, o

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 55


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

número de divisões duplicadas distintas é reduzido de 4! para 4!/2! = 12, porque há 2


rearranjos no estado E = 0 que não são contados como distintos. Nos casos i = 1 ou
i = 3, o número de tais divisões é reduzido de 4! para 4!/3 = 4, já que há 3! rearranjos
no estado E = 0 ou E = ∆E, que não são contados como distintos.

Figura 2.1.11: Ilustração de um cálculo simples que leva a uma aproximação da distribui-
ção de Boltzmann.

Fazemos agora a última hipótese: todas as divisões possíveis da energia do sistema


ocorrem com a mesma probabilidade. Então a probabilidade de que ocorra as divisões de
um dado tipo é proporcional ao número de divisões duplicadas distintas deste tipo. A
probabilidade relativa, Pi , é exatamente igual a este número dividido pelo número total
de tais divisões. As probabilidades relativas estão listadas na coluna assinalada Pi na Fig.
2.1.11.
Vamos agora calcular n0 (E), o número provável de entes no estado de energia E.
Consideremos o estado de energia E = 0. Para divisões do tipo i = 1, há três entes nesse
estado, e a probabilidade relativa Pi de que estas divisões ocorram é 4/20; para i = 2, há
dois entes neste estado, e Pi = 12/20; para i = 3, há um ente, e Pi = 4/20. Portanto n0 (0),
o número provável de entes no estado E = 0, é 3×(4/20)+2×(12/20)+1×(4/20) = 40/20.
Os valores de n0 (E) calculados da mesma forma para os outros valores de E estão listados
na parte inferior da Fig. 2.1.11, marcada com n0 (E). (Observe que a soma destes número
é quatro, de forma que encontramos um total correto de quatro entes em todos os estados.)

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 56


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

Os valores de n0 (E) também são mostrados como pontos de um gráfico, na Figura 2.1.12.
A curva sólida na Fig. 2.1.11 é a função exponencial decrescente

n(E) = Ae−E/E0 (2.1.23)

Figura 2.1.12: Uma comparação dos resultados de um cálculo simples e da distribuição


de Boltzmann.

onde A e E0 são constantes que foram determinadas para dar a melhor curva que se
ajusta aos pontos que representam os resultados de nosso cálculo. A queda rápida em
n0 (E) quando E cresce reflete o fato que se um dos entes toma uma grande parte da
energia total do sistema, o restante deve necessariamente ter uma energia reduzida, e
assim um número consideravelmente reduzido de formas de dividir essa energia entre seus
constituintes. Isto é, há muito menos divisões da energia total do sistema quando uma
parte relativamente grande da energia está concentrada em um ente.
Imaginemos agora que fazemos ∆E cada vez menor, aumentando o número de estados
possíveis ao mesmo tempo que mantemos a energia total com o mesmo valor anterior.
O resultado desse processo é que a função calculada n0 (E) se torna definida para valores
de E cada vez mais próximos. (Isto é, obtemos mais pontos em nossa distribuição.) No
limite em que ∆E → 0, a energia E de um ente se torna uma variável contínua, como a
física clássica exige, e a distribuição n0 (E) se torna uma função contínua. Se, finalmente,
fizermos com que o número de entes no sistema se torne grande, obtém-se que essa função é
idêntica à exponencial decrescente n(E) da Eq.(2.1.23). (Isto é, à medida que os pontos se
aproximam mais e mais, eles não mais se espalham em torno da exponencial decrescente,
e sim caem diretamente sobre ela.) Para verificar isto, através de uma extensão direta

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 57


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

de nosso cálculo para o caso de um número muito grande de estados de energia e de


entes, teríamos um trabalho considerável para enumerar as divisões distintas que tem os
valores exigidos da energia total e do número de entes, e então para calcular as muitas
probabilidades relativas. Vamos verificar a validade da distribuição de probabilidades
dada na Eq.(2.1.23) por um processo mais sutil, porém mais simples.
Consideremos um sistema de muitos entes idênticos em equilíbrio térmico entre si,
mantido entre paredes que o isolam do exterior. O equilíbrio exige que os entes sejam
capazes de trocar energia. Por exemplo, ao interagir com as paredes do sistema, os entes
podem trocar energia com elas, e assim indiretamente trocar energia uns com os outros.
Assim um ente interage com cada um dos outros no sentido de que se um ganha energia,
isto ocorre às custas da quantidade de energia total do resto do sistema (todos os outros
entes, além das paredes). Exceto por este vínculo de conservação da energia, os entes
são independentes uns dos outros. A presença de um ente em algum estado de energia
particular não inibe nem proíbe de forma alguma a chance de que outro ente idêntico esteja
neste estado. Consideremos agora dois desses entes. Seja a probabilidade de encontrar um
deles em um estado de energia com energia E1 dada por P (E1 ). Então a probabilidade de
encontrar o outro em um estado de energia E2 será dada pela mesma função distribuição
de probabilidades, já que os entes tem propriedades idênticas, mas calculada para energia
E2 . A probabilidade será P (E2 ). Devido ao comportamento independente dos entes,
essas duas probabilidades são independentes uma da outra. Em consequência disso, a
probabilidade de que a energia de um ente seja E1 e que a energia do outro seja E2 é dada
por P (E1 )P (E2 ). A razão disto é que probabilidades independentes são multiplicativas.
(Se a probabilidade de obter cara ao jogarmos uma moeda é 1/2, então a probabilidade
de obter cara em cada uma de duas moedas é (1/2) × (1/2) = 1/4, já que os dois lances
são independentes.)
Consideremos agora todas as divisões de energia do sistema nas quais a soma das
energia dos dois entes tem o mesmo valor fixo E1 + E2 , como no caso particular discutido
acima, mas nos quais a divisão desta energia toma diversas formas. Como a energia
total do sistema isolado é constante, para todas essas divisões o resto do sistema também
terá um valor fixo da energia. Assim para todos eles há o mesmo número possível de
formas para que o resto do sistema distribua sua energia entre seus constituintes. Em
consequência disso, a probabilidade dessas divisões nas quais há uma certa divisão da
energia E1 +E2 entre dois entes pode diferir da probabilidade de outras divisões, nas quais
há uma divisão diferente desta energia, apenas se essas divisões diferentes ocorrerem com
diferentes probabilidades. Se supusermos novamente que todas as possíveis divisões da
energia do sistema ocorrem com a mesma probabilidade, concluímos que todas as divisões
nas quais a mesma energia E1 +E2 é dividida entre dois entes em formas diferentes ocorrem
com a mesma probabilidade. Em outras palavras, a probabilidade de todas essas divisões
é uma função apenas de E1 + E2 e pode ser escrita como, por exemplo, Q(E1 + E2 ). No

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 58


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

entanto, concluímos anteriormente que a probabilidade para um caso particular também


pode ser escrita como P (E1 )P (E2 ). Portanto, encontramos que

P (E1 )P (E2 ) = Q(E1 + E2 )

O fato essencial aqui é que a função distribuição de probabilidades P (E) tem a pro-
priedade de que o produto de duas funções, calculadas em dois valores diferentes das
variáveis, E1 e E2 , é uma função da soma E1 + E2 dessas variáveis. Mas uma função
exponencial, e apenas uma função exponencial, tem essa propriedade, já que o produto
de duas exponenciais com expoentes diferentes é uma exponencial cujo expoente é a soma
dos dois expoentes. Especificamente, se tomarmos a probabilidade P (E) de encontrar um
ente em um estado com energia E como sendo proporcional ao número provável n(E) de
entes nesse estado, como certamente deveria ser, e usarmos a Eq.(2.1.23) para calcular
n(E), temos a função
P (E) = Be−E/E0 (2.1.24)

onde B é proporcional a A, que demonstra a propriedade exigida já que

P (E1 )P (E2 ) = Be−E1 /E0 Be−E2 /E0 = B 2 e−(E1 +E2 )/E0 = Q(E1 + E2 )

Nosso argumento não prova na realidade que n(E) é uma exponencial decrescente, em vez
de crescente; mas uma exponencial crescente pode ser eliminada por princípios físicos, já
que seu valor vai a infinito para valores grandes de E. Assim verificamos a validade geral
da Eq.(2.1.23).
Vamos agora calcular a constante E0 na Eq.(2.1.23)

n(E) = Ae−E/E0

Se tratamos um sistema que contém dois tipos diferentes de entes em equilíbrio térmico,
não é difícil provar que o valor de E0 não depende do tipo de ente que constitui o sistema.
Portanto vamos usar em nosso argumento entes com propriedades mais simples. Como
n(E) é o número provável de entes do sistema em um estado de energia E, o número de
entes cujas energias seriam encontradas no intervalo de E a E + dE é igual a n(E) vezes o
número de estados neste intervalo. Isto ocorre se os entes são osciladores harmônicos sim-
ples, como as molas mencionadas anteriormente. Assim, o número provável de osciladores
harmônicos simples com uma energia entre E e E + dE, em um sistema de equilíbrio
que contém muito deles, é proporcional a n(E) dE. Se atribuirmos o valor apropriado
à constante multiplicativa A, essa probabilidade pode ser igualada a n(E) dE. Então a

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 59


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

energia média de um dos osciladores é


Rn
En(E) dE
hEi = R0 n
0
n(E) dE

A integral no numerador tem um integrando que é a energia, com um peso que é o número
de osciladores que tem essa energia; a integral no denominador é exatamente o número
total de osciladores. Se substituirmos n(E) da Eq.(2.1.23), temos
R∞
AEe−E/E0 dE
hEi = R0 ∞ −E/E
0
Ae 0 dE

Resolvendo esta integral, encontramos que

hEi = E0 (2.1.25)

Mas segundo a lei clássica da equipartição da energia para osciladores harmônicos simples
em equilíbrio a uma temperatura T

hEi = kT (2.1.26)

Combinando as duas equações anteriores, temos

E0 = kT

Este resultado é correto para entes de qualquer tipo, embora o tenhamos obtido para o
caso particular de osciladores harmônicos simples. Assim podemos escrever a Eq.(2.1.23)
como
n(E) = Ae−E/kT (2.1.27)

Esta é a famosa distribuição de Boltzmann. Como o valor de A não é especificado, a


Eq.(2.1.27) na realidade se refere a uma proporcionalidade: o número provável de entes
de um sistema em equilíbrio a uma temperatura T que estão em um estado de energia E
é proporcional a e−E/kT .
O valor que escolhemos para a constante A é ditado pela conveniência. Posteriormente,
aplicaremos a distribuição de Boltzmann a um sistema de osciladores harmônicos simples,
em um sistema deste tipo n(E) dE é proporcional ao número provável de osciladores
com energia no intervalo de E a E + dE, já que os estados de um oscilador harmônico
simples são distribuídos uniformemente em energia. Evidentemente, n(E) dE também é
proporcional à probabilidade P (E) dE de encontrar um oscilador particular com energia

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 60


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

neste intervalo. Assim, temos como na Eq.(2.1.24),

P (E) = Be−E/E0

desde que a constante B seja escolhida apropriadamente. Isto é feito se colocarmos


Z ∞ Z ∞ Z ∞
P (E) dE = Be −E/E0
dE = B e−E/E0 dE = 1 (2.1.28)
0 0 0

Isto é, definimos P (E) dE como sendo a probabilidade de encontrar um oscilador harmô-


nico simples particular com energia entre E e E + dE, e assim, para termos consistência,
R∞
devemos exigir que 0 P (E) dE tenha valor um, porque a integral é exatamente a proba-
R∞
bilidade de encontrá-lo com qualquer energia. Calculando 0 e−E/E0 dE na Eq.(2.1.28) e
depois resolvendo a equação para termos o valor de B, encontramos B = 1/kT . Assim,
temos uma forma especial da distribuição de Boltzmann

e−E/E0
P (E) = (2.1.29)
kT

que será usada mais adiante.


A função distribuição para velocidades moleculares foi obtida pela primeira vez por
James Clerk Maxwell em 1859. O problema pode ser formulado como se segue: conside-
remos um gás consistindo de N moléculas confinadas em algum volume V e em equilíbrio
térmico a temperatura T . Queremos saber quantas moléculas possuem suas componentes
x da velocidade entre vx e vx + dvx , suas componentes y entre vy e vy + dvy e suas com-
ponentes z entre vz e vz + dvz . Escrevemos este número como N F (vx , vy , vz ) dvx dvy dvz .
O problema é então encontrar a forma da função distribuição F (vx , vy , vz ).
Uma visão sobre o problema pode ser adquirida examinando algumas distribuições
simples para ver se são soluções possíveis. Consideremos a distribuição - todas as molé-
culas se movem com a mesma velocidade, um sexto delas na direção dos x positivos, um
sexto na direção dos x negativos, um sexto na direção dos y positivos, etc. Coloquemos,
no tempo zero, as moléculas em posições aleatórias na caixa. É óbvio que as moléculas
colidirão e que muitas das colisões não serão frontais; então suas velocidades mudarão e
a distribuição original não persistirá. Se admitirmos um modelo para as moléculas tal
como o de esferas rígidas, podemos calcular (estatisticamente) quais colisões ocorrem e
como a distribuição muda, a partir do conhecimento da distribuição original. A distri-
buição de equilíbrio é aquela que permanece inalterada pelas colisões determinadas pela
distribuição.
Maxwell supôs que as componentes vx , vy e vz eram independentes e que, por con-
seguinte, a probabilidade de uma molécula com dados valores de vx , vy e vz pode ser
fatorada no produto da probabilidade de ter vx , multiplicada pela probabilidade de ter

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 61


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

vy multiplicada pela probabilidade de ter vz . Ele também admitiu que a distribuição


podia depender somente do módulo da velocidade, isto é, as componentes das velocidades
podiam comparecer somente na combinação vx2 + vy2 + vz2 . Assim, ele pode escrever

F (vx , vy , vz ) = f (vx )f (vy )f (vz ) (2.1.30)

onde f (vx ) é a função distribuição para vx somente, isto é, f (vx ) dx é a fração do número
total de moléculas as quais tem suas componentes x da velocidade entre vx e vx + dvx .5
A forma de f (vx ) é dada pela Eq.(2.1.27) com E = mvx2 /2:

2
f (vx ) = Ce−mvx /2kT (2.1.31)

com expressões semelhantes para f (vy ) e f (vz ), onde C é uma constante determinada pela
condição de normalização
Z +∞ Z +∞
2
f (vx ) dvx = Ce−mvx /2kT dvx = 1 (2.1.32)
−∞ −∞

Necessitaremos do cálculo de integrais da forma


Z ∞
2
In = xn e−λx dx (2.1.33)
0

muitas vezes nesta seção. A Tabela 2.1.2, na qual será deduzida a seguir, apresenta uma
lista de In para n, assumindo valores entre 0 e 5.

R∞
Tabela 2.1.2: Valores da integral In = xn e−λx dx para valores de n = 0 até n = 5.
2
0
n In
1 1/2 −1/2
0 2
π λ
1 −1
1 2
λ
1 1/2 −3/2
2 4
π λ
1 −2
3 2
λ
3 1/2 −5/2
4 8
π λ
−3
5 λ
R +∞ n −λx2
Se n for par: x e dx = 2In
R−∞
+∞ n −λx2
Se n for ímpar: −∞
x e dx = 0

Demonstração: Consideremos In como uma função de λ e tomemos a derivada em


relação a λ: Z ∞
dIn 2
= −x2 xn e−λx dx = −In+2
dλ 0

Portanto, se I0 for conhecido, todos os In , para n par, podem ser obtidos, e se I1 for
5
Para evitar a repetição dessa longa frase, daqui por diante iremos simplesmente usar as expressões
“o número em dvx no ponto vx ” ou, simplesmente, ” o número em dvx .

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 62


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

conhecido, todos os In , para n ímpar, podem ser obtidos da equação acima. I1 pode ser
facilmente calculado, usando a substituição u = λx2 . Então du = 2λx dx e
Z ∞ Z ∞
−λx2 1 1
I1 = xe dx = λ−1 e−u du = λ−1
0 2 0 2

Então, I3 e I5 são:
d( 12 λ−1 ) 1
I3 = − = λ−2
dλ 2
e
dI3
= λ−3 I5 = −

O cálculo de I0 é mais difícil, mas pode ser feito usando-se de um truque. Calculemos I02 :
Z ∞ Z ∞ Z ∞ Z ∞
−λx2 −λy 2 2 +y 2 )
I02 = e dx e dy = e−λ(x dx dy
0 0 0 0

onde usamos y como uma variável muda de integração na segunda integral. Se con-
siderarmos agora essa integral no plano xy, podemos mudar para coordenadas polares
r2 = x2 + y 2 e tg φ = y/x. O elemento de área dx dy torna-se r dr dφ, e a integração sobre
valores positivos de x e y torna-se uma integração de r = 0 a r = ∞ e de φ = 0 a φ = π/2.
Então temos: Z ∞ Z π/2
2 π π
2
I0 = e−λr r dr dφ = I1 = λ−1
0 0 2 4
e
1 √ −1/2
I0 = πλ
2
Então, por diferenciação, obtemos I2 , I4 , . . .. Por exemplo,

dI0 1 √ −3/2
I2 = − = πλ
dλ 4

Calculemos então a Eq.(2.1.32), com λ = m/2kT , temos


 1/2 
λ m 1/2
C= = (2.1.34)
π 2πkT

Substituindo este resultado para C na Eq.(2.1.31), temos


 m 1/2 2
f (vx ) = e−mvx /2kT (2.1.35)
2πkT

A Fig. 2.1.13 mostra uma representação da curva f (vx ) como função de vx . Obviamente,
f (vx ) é simétrica em relação à origem, f (vx ) = f (−vx ), de modo que a média de vx é
zero. Como podemos ver na figura, o vx mais provável também é zero. A distribuição de

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 63


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

velocidades completa é

F (vx , vy , vz ) = f (vx )f (vy )f (vz )


 m 3/2 2 2 2
(2.1.36)
= e−m(vx +vy +vz /2kT
2πkT

Figura 2.1.13: A função distribuição f (vx ) para a componente x da velocidade. Essa é


uma curva Gaussiana simétrica em torno da origem.

Exemplo 2.1.3.

Encontre o valor médio de vx2 . Temos


Z +∞
(vx2 )med = vx2 f (vx ) dx
−∞

onde f (vx ) é dada pela Eq.(2.1.31). Escrevendo λ = m/2kT , temos


Z +∞
2
(vx2 )med = Cvx2 e−λvx dvx
−∞
Z ∞
2
= 2C vx2 e−λvx dvx
0

com C dado pela Eq.(2.1.34). Esta integral é da forma In dada na Tabela 2.1.2, com
n = 2. Então  1/2
2 λ 1 1/2 −3/2
(vx )med = 2CI2 = 2 π λ
π 4
1 kT
= λ−1 =
2 m

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 64


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

Note que este resultado está de acordo com o teorema da equipartição


 
1 2 1
mv = kT
2 x med 2

A distribuição de velocidade pode ser representada pictoricamente no chamado espaço


de velocidades. Imaginemos o vetor velocidade de cada molécula colocado na origem de um
sistema de coordenadas vx , vy , vz como na Fig. 2.1.14. Se temos N moléculas, o número
desses vetores cujas extremidades se encontram no elemento de “volume” dvx dvy dvz será
N F (vx , vy , vz ) dvx dvy dvz . Uma representação mais simples é mostrada na Figura 2.1.15.
Aqui cada velocidade molecular com componentes vx , vy , vz é representada por um ponto
no espaço de velocidades. A quantidade N F (vx , vy , vz ) é, então, o número de pontos por
volume unitário, isto é, a densidade no espaço das velocidades. A densidade é máxima na
origem, pois F (vx , vy , vz ) aí apresenta seu valor máximo. Note que essa densidade é esfe-
ricamente simétrica no espaço das velocidades; isto é, ela depende somente da “distância”
v = (vx2 + vy2 + vz2 )1/2 , que é o módulo da velocidade molecular.
Podemos agora calcular a distribuição dos módulos das velocidades a partir da distri-
buição das velocidades. Seja N g(v) dv o número de moléculas com módulos de velocidade
entre v e v + dv. Na Fig. 2.1.15, isso é exatamente o número de pontos numa camada
esférica entre v e v + dv. Esse número é a densidade N F (vx , vy , vz ) multiplicada pelo
volume da camada 4πv 2 dv. Assim

N g(v) dv = N F (vx , vy , vz )4πv 2 dv

ou

Figura 2.1.14: Vetores velocidade no espaço das velocidades. A função distribuição das
velocidades fornece a fração de velocidades moleculares cujos vetores terminam numa cela
dvx dvy dvz
 m 3/2 2
g(v) = 4π v 2 e−mv /2kT (2.1.37)
2πkT

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 65


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

Figura 2.1.15: Representação bidimensional da distribuição das velocidades no espaço das


velocidades. Cada velocidade molecular com componentes vx , vy e vz está representada por
um ponto no espaço das velocidades. A função distribuição das velocidades é a densidade
de pontos nesse espaço. A densidade é máxima na origem. A distribuição dos módulos
é encontrada pela multiplicação da densidade pelo volume da camada esférica 4πv 2 dv
(Essa figura gerada pelo computador é cortesia de Paul Doherty, Oakland University.

A distribuição dos módulos é mostrada na Fig. 2.1.16. A velocidade de módulo mais


provável vm , o módulo médio v̄ e o rms do módulo da velocidade vrms estão indicados
na figura. Mesmo a função densidade F tendo um máximo na origem (v = 0), a função
distribuição dos módulos g(v) tende a zero quando v → 0, pois o volume de uma camada
esférica, 4πv 2 dv, vai a zero. O fator 4πv 2 desloca assim o máximo na função g(v) da
origem para o valor v = vm indicado na Fig. 2.1.16. Para módulos muito grandes,
a função distribuição dos módulos tende a zero pela presentação do fator exponencial
e−mv /2kT .
2

Exemplo 2.1.4.

Calcule o módulo médio v̄. Temos


Z ∞ Z ∞
2
v̄ = vg(v) dv = Av 3 e−λv dv = AI3
0 0

com λ = m/2kT , como anteriormente, e A = 4π(m/2πkT )3/2 . Note que a integração vai
de 0 até ∞ ao invés de −∞ até +∞, pois o módulo é sempre positivo. Usando a Tabela
2.1.2 para I3 , temos
 2
1 1  m 3/2 2kT
v̄ = A λ−2 = 4π
2 2 2πkT m
 1/2 (2.1.38)
8kT
=
πm

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 66


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

Figura 2.1.16: A função distribuição dos módulos g(v), de Maxwell. O módulo de veloci-
dade mais provável vm , o módulo médio v̄ e o módulo vrms estão indicados.

O módulo médio é ligeiramente menor que vrms = (3kT /m)1/2 , como vemos na Fig.
2.1.16. O rms do módulo pode ser calculado diretamente a partir da distribuição dos
módulos ou a partir do teorema da equipartição
       
1 2 1 2 1 2 1 2
mv = mv + mv + mv
2 med 2 x med 2 y med 2 z med
3
= kT
2

Como exercício, mostre que o módulo mais provável é


 1/2
2kT
vm =
m

A função distribuição de energias, F (E), é a fração de moléculas com energia (cinéti-


cas) entre E e E + dE. Podemos calcular a distribuição de energia notando que

F (E) dE = g(v) dv

com E = 12 mv 2 e dE = mv dv. Assim,


 1/2
2 v dE 2E dE
v dv = =
m m m

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 67


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

A distribuição de energia fica então como

F (E) ∝ E 1/2 e−E/kT (2.1.39)

A constante de proporcionalidade pode ser determinada pela condição de normalização.


A primeira medida direta da distribuição de módulos da velocidade das moléculas foi
feita por O. Stern em 1926. Desde então, foram feitas medidas por Zartman e Ko (1930); I.
Estermann, O. C. Simpson e O. Stern (1946); e Miller e Kusch (1955). Essas experiências
empregam vários métodos para selecionar uma faixa de velocidades das moléculas que
escapam de um pequeno buraco num forno e para determinar o número de moléculas
nessa faixa. Zartman e Ko, por exemplo, fizeram o feixe passar por uma fenda num
cilindro rotatório e mediram a intensidade como função da posição na placa coletora. No
experimento mais recente de Miller e Kusch, ilustrado na Fig. 2.1.17, um feixe colimado
do forno está apontado para um detector fixo. A maior parte do feixe é interceptada
pelo cilindro rotatório. Pequenas fendas helicoidais no cilindro permitem a passagem
das moléculas numa faixa estreita de velocidades determinada pela velocidade angular do
cilindro. Os resultados de Miller e Kusch são mostrados na Fig. 2.1.18.

Figura 2.1.17: Esquema do aparelho de Miller e Kusch para medir a distribuição dos
módulos das velocidades das moléculas. Somente uma das 720 fendas helicoidais no
cilindro é mostrada. Para uma dada velocidade angular ω, somente moléculas do forno
com uma certa velocidade é que passam pela fenda helicoidal para o detector. [De R.C.
Miller e P.Kusch, Phys. Rev., 99, 1314 (1955).

A distribuição de velocidades para as moléculas num gás (Eq.2.1.36) é um caso es-


pecial da distribuição geral de Maxwell-Boltzmann, que foi deduzida pelos métodos da
mecânica estatística. Como essa distribuição é aplicável a uma grande variedade de siste-
mas além dos gases (por exemplo, átomos em um sólido), vamos enunciá-la de uma forma
mais geral. Consideraremos um sistema de partículas para o qual a energia E pode ser

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 68


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

Figura 2.1.18: Dados de Miller e Kusch mostrando a distribuição de velocidades de átomos


de tálio que vêm de um forno. Os dados foram corrigidos para dar a distribuição no interior
do forno. A curva sólida é a prevista pela distribuição de módulos de Maxwell. [De R.C.
Miller e P.Kusch, Phys. Rev., 99, 1314 (1955).]

função das coordenadas x, y e z e das quantidades de movimento px , py e pz .6 O espaço


hexadimensional x, y, z, px , py pz é chamado de espaço de fase. A probabilidade de uma
partícula estar numa cela do espaço de fase de “volume” dτ = dx dy dz dpx dpy dpz será

f (x, y, z, px , py , pz ) dτ = Ce−E/kT dτ (2.1.40)

onde a constante C é determinada pela condição de normalização


Z
Ce−E/kT dτ = 1 (2.1.41)

Podemos aplicar este resultado para o caso de um gás ideal, escrevendo para a energia

p2x p2y p2
E= + + z
2m 2m 2m

Como a energia não depende de x, y ou z, podemos integrar sobre essas coordenadas para
6
Esta distribuição também prevalece se interpretamos p como sendo o momento angular, e as coor-
denadas como sendo os ângulos correspondentes. Por exemplo, pz pode ser a componente z do momento
angular em cujo caso z é o ângulo de rotação φ.

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 69


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

obter o volume total da caixa V . (Esse fator deve cancelar o fator 1/V da constante
de normalização C dada pela Eq.(2.1.41).) Ficamos com uma função de distribuição das
quantidades de movimento que, em essência, é a mesma que a distribuição das velocidades
da Eq.2.1.36, exceto para as constantes de normalização.
Veremos nos próximos capítulos que, em geral, a energia de um sistema não é uma
variável contínua, mas assume somente uma série discreta de valores. (Frequentemente,
a energia parece ser contínua, pois os valores discretos estão muito próximos.) É útil,
portanto, ter um enunciado da distribuição de Maxwell-Boltzmann para o caso de estados
discretos de energia.
Dado um sistema de partículas para as quais a energia apresenta uma série discreta
de valores, a probabilidade de uma partícula ter energia Ei é

fi = Cgi e−Ei /kT (2.1.42)

onde a constante C é determinada pela condição de normalização e gi é chamado de peso


estatístico. O peso estatístico é o número de estados quânticos que apresentam o mesmo
valor Ei da energia.

Exemplo 2.1.5. A lei das atmosferas.

Consideremos um gás ideal num campo gravitacional uniforme. Determine como a den-
sidade do gás varia com a altura em relação à terra. Consideremos a força da gravidade
estando no sentido dos z negativos e consideremos uma coluna de gás cuja seção reta
tenha área A. A energia de uma molécula do gás será então

p2x p2y p2 p2
E= + + z + mgz = + mgz
2m 2m 2m 2m

onde p2 = p2x + p2y + p2z , e mgz é a energia potencial de uma molécula que se encontra a
uma altura z da terra.
Pela Eq.(2.1.40) vemos que

2 /2mkT
f (px , py , pz , x, y, z) = Ce−p e−mgz/kT

Como estamos interessados apenas na dependência em z, podemos integrar sobre as outras


variáveis dx, dy, dpx , dpy , dpz . A integração somente nos fornece uma nova constante de
normalização C 0 , isto é, o resultado será o mesmo se ignorarmos essas variáveis. A fração
de moléculas entre z e z + dz será

f (z) dz = C 0 e−mgz/kT dz (2.1.43)


R∞
A constante C 0 é obtida pela condição de normalização 0
f (z) dz = 1. O resultado é

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 70


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

C 0 = kT /mg. Vemos que a densidade decresce exponencialmente com a distância do solo.


Esse fato é conhecido como a lei das atmosferas.

2.2 A Quantização da Eletricidade, da luz e da Energia


O grande sucesso da hipótese de Avogrado, na interpretação das reações químicas e da
teoria cinética, no final do século XIX e no início do século XX, acarretou uma aceitação
geral (ainda que não unânime) da teoria molecular da matéria. Aparentemente, a matéria
não é contínua, como se mostra no todo, mas é quantizada (i.e., discreta) numa escala
microscópica. Devido ao valor enorme do número de Avogrado, a estrutura discreta
da matéria não é facilmente observada. Nesta seção estudaremos como as três grandes
descobertas foram feitas: a quantização da carga elétrica (1), da energia luminosa (2) e dos
estados energéticos dos sistemas mecânico (3). A quantização da carga elétrica não foi de
modo particular surpreendente para os cientistas em 1900; ela era análoga à quantização
da massa proposta por Dalton, Avogrado e outros. Entretanto, a quantização da energia
luminosa e da energia mecânica eram idéias revolucionárias.

2.2.1 Primeiras Estimativas de e e e/m

As primeiras estimativas da ordem de grandeza das cargas elétricas encontradas em áto-


mos foram obtidas a partir da lei de Faraday. O trabalho de Michael Faraday (1791-1867),
desenvolvido no início até meados do século XIX, sobressai, mesmo hoje, por sua visão,
ingenuidade experimental e perfeição. Um aspecto do seu trabalho diz respeito ao estudo
da eletricidade em líquidos. Seus resultados e o subsequente enunciado da lei da eletró-
lise (1833) foram de grande importância, na sua época, porque evidenciaram a natureza
elétrica das forças atômicas. O fenômeno ainda é de interesse, pois, além de dar as bases
ao campo da eletroquímica, a eletrólise é utilizada nas determinações mais modernas e
precisas da carga eletrônica.
Em suas experiências, Faraday passou uma corrente elétrica através de soluções fra-
camente condutoras e observou a subsequente liberação em cada caso das componentes
da solução. Por exemplo, uma experiência importante foi feita passando corrente elétrica
através de uma solução fraca de ácido sulfúrico e água, utilizando eletrodos de zinco e
platina imersos nessa solução. Ele coletou e mediu os gases hidrogênio e oxigênio que se
separaram e também a perda de peso do eletrodo de zinco. Repetindo a experiência várias
vezes, encontrou que a relação entre os pesos de água decompostos e de zinco oxidado era
de 1 para 3, 59. Faraday interpretou corretamente esse resultado como a razão entre os
pesos atômico da água e do zinco; seu valor está dentro de 1% do que é aceito hoje. Ele
portanto pode concluir a existência de uma unidade de carga definida associada a cada
átomo.
Quantitativamente, a lei de Faraday da eletrólise afirma que a mesma quantidade de

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 71


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

eletricidade, F , chamada faraday e aproximadamente igual a 96.500 C, sempre decompõe


1 peso grama iônico de íons monovalentes. Por exemplo, se 96.500 C passam através de
uma solução de NaCl, 23 g de Na aparecem no catodo e 35, 5 g de Cl aparecem no anodo.
Para íons de valência 2, tais como o de Cu e o de SO4 , são necessários 2 faradays para
decompor 1 peso grama iônico. Como um peso grama iônico é exatamente igual ao peso
do número de Avogrado de íons, é razoável assumir que cada íon monovalente contenha a
mesma carga, e, e enunciamos a Lei de Faraday como

F = NA e (2.2.1)

Como o faraday pode ser medido com bastante precisão, NA ou e podia ser determinado
se um ou outro fosse conhecido. Faraday sabia disso, mas não podia determinar qualquer
das duas quantidades. Em 1874, G. J. Stoney estimou e como sendo aproximadamente
1 × 10−20 C, usando valores de NA tirados da teoria cinética. Helmholtz assinalou, em
1880, que aparentemente era impossível obter uma subunidade dessa carga. A primeira
medida direta dessa menor unidade de carga foi feita por Townsend, em 1897, por meio
de um método engenhoso que foi o precursor da famosa experiência da gota de óleo de
Millikan.
A primeira prova da existência de partículas atômicas, com uma razão específica de
carga sobre massa, foi obtida por P. Zeeman, em 1896, examinando a luz emitida por
átomos colocados em um campo magnético intenso. Quando examinada através de um
espectroscópio, essa luz aparecia como um conjunto discreto de linhas chamadas linhas
espectrais. De acordo com a teoria eletromagnética clássica, uma carga que oscila em mo-
vimento harmônico simples emitirá radiação eletromagnética da frequência de oscilação.
Se a carga é colocada em um campo magnético, haverá uma força adicional na carga que,
em primeira aproximação, somente muda a frequência da oscilação. A frequência é um
pouco aumentada ou um poco diminuída, ou ainda permanece inalterada, dependendo
da orientação da linha de oscilação relativamente ao campo. Portanto, de acordo com a
teoria clássica, se uma linha espectral associada a um átomo é devida à oscilação de uma
partícula carregada no átomo, essa linha será separada em três linhas quando o átomo for
colocado em um campo magnético. A magnitude da separação depende da razão q/m da
partícula que oscila. Zeeman mediu essa separação e calculou q/m como sendo aproxima-
damente 1, 6 × 1011 C/kg, que se compara convenientemente com o valor 1, 76 × 1011 C/kg
hoje aceito para o elétron. A partir da polarização das linhas espectrais, Zeeman concluiu
que as partículas oscilantes eram carregadas negativamente.

2.2.2 A Experiência de J. J. Thomson

As medidas diretas da razão carga sobre massa e/m dos elétrons, por J. J. Thomson em
1897, podem ser consideradas como o inicio de nosso entendimento da estrutura atômica.

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 72


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

A experiência clássica de Thomson desenvolveu-se a partir do estudo de descarga elétrica


em gases.
Muitos estudos desse fenômeno foram realizados no fim do século XIX, e o interesse foi
grandemente aumentado pela descoberta dos raios X, que ionizavam os gases e permitiam
assim o controle da condutividade dos mesmos. Verificou-se que os íons responsáveis pela
condução gasosa tinham a mesma carga que os da eletrólise. O tubo de raios catódicos,
usado por J. J. Thomson (Fig. 2.2.1), é um exemplo típico dos usados na época. A uma
pressão suficientemente baixa, o espaço próximo ao catodo se torna escuro, e, quando
a pressão é abaixada, esse espaço escuro se estende pelo tubo até atingir finalmente o
vidro, que então começa a brilhar. Quando se colocam as aberturas A e B, o brilho se
concentra em uma mancha sobre o vidro. Essa mancha pode ser desviada por meio de
campos elétricos ou magnéticos.7

Figura 2.2.1: Tubo de J. J. Thomson para medir e/m. Elétrons do catodo C passam
através das fendas A e B e atingem uma tela fosforescente. O feixe pode ser desviado
por um campo elétrico aplicado entre as placas D e E ou por um campo magnético (não
exibido na figura). Pelas medidas das deflexões, e/m pode ser determinado. (De J. J.
Thomson, Philosophical Magazine (5), 44, 293 (1897).

Em 1895, J. Perrin coletou esses “raios catódicos” em um eletrômetro e concluiu que


portavam carga negativa. Em 1897, J. J. Thomson mediu a relação entre a carga e a
massa desses raios. A Fig. 2.2.1, extraída do seu artigo “Cathode Rays”, Philosophical
Magazine (5), 44, 293 (1897), mostra seu aparelho. Desse artigo tiramos a citação:
“As experiências discutidas neste artigo foram realizadas com o escopo de se obter alguma
informação sobre a natureza dos raios catódicos. Com respeito a esses raios, as opiniões
são as mais diversas; de acordo com a maioria dos físicos alemães, eles surgem devido
a algum processo no éter, processo esse que - excetuando o fato de a trajetória em um
campo magnético uniforme ser circular e não retilínea - não encontra algo semelhante em
7
A falha de Heinrich Hertz, em 1883, que não observou qualquer deflexão dos raios catódicos em
um campo elétrico, gerou muita confusão com respeito à natureza dos raios catódicos. Esta falha, mais
tarde, foi associada à ionização do gás no tubo; os íons rapidamente neutralizavam as cargas nas placas
defletoras, de modo que não havia realmente campo elétrico entre as placas. Thomson, em 1897, tendo
a possibilidade de alcançar pressões mais baixas pelo desenvolvimento de técnicas de vácuo, observou a
deflexão eletrostática.

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 73


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

um fenômeno já observado; um outro ponto de vista a respeito desses raios é que, longe de
serem etéreos, eles, na realidade, são totalmente materiais e deixam traços de partículas
carregas negativamente. À primeira vista parece que não deveria ser difícil fazer uma
discriminação entre opiniões tão distintas, contudo a experiência mostra que este não é
o caso. Assim entre os físicos que estudaram mais profundamente o assunto, podem ser
encontrados defensores de ambas as teorias.
A teoria das partículas eletrizadas, para as finalidades de pesquisa, leva uma grande
vantagem sobre a teoria etérea, pois ela é definida, e suas consequências podem ser previs-
tas; com a teoria etérea, é impossível prever o que acontecerá em qualquer circunstância,
pois nessa teoria estamos lidando com fenômenos ainda não observados no éter, cujas leis
desconhecemos.
As seguintes experiências foram feitas para testar algumas das consequências da teoria
da partícula eletrizada . . ..
Os raios de um catodo C passam (veja a Fig. 2.2.1) através de uma fenda no anodo
A, que é um tampão de metal que se ajusta firmemente ao tubo e é conectado à terra;
depois de passar através de uma segunda fenda feita num segundo tampão metálico, ligado
também à terra, B, eles caminham entre duas placas paralelas de alumínio de cerca de
5 cm de comprimento por 2 cm de largura que estão fastadas aproximadamente 1, 5 cm uma
da outra; eles entãõ atingem o fim do tubo e produzem uma mancha fina bem definida
fosforescente. Uma escala colocada fora do tubo serve para medir a deflexão dessa mancha.
Para altos vácuos, os raios são desviados quando as duas placas de alumínio são ligadas
aos terminais de uma bateria de pequenas pilhas; os raios são desviados para baixo quando
a placa superior é ligada ao polo negativo da bateria e a placa inferior ao polo positivo e
são desviados para cima quando a placa superior é ligada ao polo positivo, com a placa
inferior ligada ao negativo. A deflexão é proporcional à diferença de potencial existente
entre as placas, e pude detectar a deflexão mesmo quando a diferença de potencial era
tão pequena como 2 volts. ”
Quando um campo magnético de intensidade B age perpendicularmente à trajetória
original, as partículas se movem segundo uma trajetória circular. O raio R desta pode ser
obtido a partir da segunda lei de Newton, igualando o módulo da força magnética qvB
ao produto da massa m pela aceleração v 2 /R.

mv 2
qvB =
R

ou
mv
R= (2.2.2)
qB
Na sua primeira medida, Thomson determinou a velocidade a partir das medidas da carga
total e das variações de temperatura ocorridas quando o feixe encontrava um coletor iso-

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 74


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

lado. Para N partículas, a carga total é Q = N e, enquanto que o aumento da temperatura


m
é proporcional à perda de energia W = N v 2 , podemos eliminar N e v destas equações
2
da seguinte forma: primeiramente, note que a Eq.(2.2.2) deve ser aplicada a somente uma
partícula de carga e, e assim podemos escrever

mv e
R= ⇒ v = RB
eB m

substituindo este valor para v e N = Q/e na expressão para W , acha-se

QH H R2 B 2 e2
m
W =
e 2 mA2

isolando o termo e/m finalmente obtemos

e 2W
= 2 2 (2.2.3)
m B R Q

No seu segundo método, que ficou conhecido como experiência de J. J. Thomson, ele
ajustou campos perpendiculares B e E de tal forma que as partículas não fossem desviadas.
Ele então determinou a velocidade, igualando os módulos das forças elétrica e magnética

qvB = qE

ou
E
v= (2.2.4)
B
Desligava-se então o campo B e media-se a deflexão das partículas na tela. Esta deflexão é
constituída de duas partes (Fig. 2.2.2). Enquanto as partículas estão entre as placas, elas
sofrem uma deflexão vertical y1 , provocada pelo campo elétrico aplicado entre as placas,
dada por
1
y1 = at21
2
como pela segunda lei de Newton, ma = eE ⇒ a = (e/m)E e tendo em vista que nenhuma
força atua na partícula na direção horizontal, ou seja t1 = x1 /vx , onde x1 é a distância
horizontal percorrida na região entre as placas, segue que
 2
1 1 eE x1
y1 = at21 = (2.2.5)
2 2m vx

Depois que as partículas deixam a região entre as placas, elas sofrem uma deflexão adici-

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 75


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

onal y2 , dada por     


x2 eE x1 x2
y2 = vy t2 = at1 =
vx m vx vx
(2.2.6)
eE x1 x2
=
m vx2
onde x2 é a distância horizontal percorrida depois das placas defletoras. A deflexão total
y1 + y2 é proporcional a e/m. É interessante notar que seus valores originais de e/m,
tirados do primeiro método, cerca de 2 × 1011 C/kg, são mais próximos do valor atual,
1, 76 × 1011 C/kg, do que os obtidos a partir do segundo método, ou seja, 0, 7 × 1011 .
(A imprecisão nos resultados obtidos pelo seu segundo método provinha do fato de que
Thomson deixou de levar em conta a influência do campo magnético fora da região entre as
placas defletoras. Apesar dessa imprecisão, contudo, o segundo método tinha a vantagem
da reprodutividade, isto é, havia flutuação consideravelmente menor nos dados, nesse
método.)

Figura 2.2.2: Deflexão do feixe de elétrons no tubo de Thomson. As placas defletoras


são D e E da Figura 2.2.1. A deflexão mostrada na figura acontece quando o campo
magnético está desligado e a placa de cima é positiva. Thomson usou tensões contínuas
de até 200 V entre D e E. Um campo magnético foi aplicado perpendicularmente ao plano
da figura, no sentido para dentro do papel, com o objetivo de anular a deflexão do feixe.

Thomson repetiu a experiência com diferentes gases nos tubos e diferentes metais para
o catodo e sempre obteve valor de e/m dentro da sua precisão experimental, mostrando
assim que essas partículas eram comuns a todos os metais. A concordância desses resul-
tados com os de Zeeman o levou à conclusão irrefutável que essas partículas, chamadas de
corpúsculos por Thomson e mais tarde Lorentz denominou elétrons, tendo somente uma
unidade de carga negativa e e massa aproximadamente 2000 vezes menor que o átomo
mais leve conhecido, fazia parte da constituição de todos os átomos.

2.2.3 A Quantização da Carga Elétrica

O fato de que os experimentos de Thomson forneciam sempre o mesmo valor de e/m,


independentemente do material do catodo e do gás usado no tubo, era uma forte indicação

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 76


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

de que todos os elétrons possuíam a mesma carga elétrica negativa e. Thomson iniciou
uma série de experimentos para determinar o valor de e. O primeiro desses experimentos,
que se revelou muito difícil de se executar com alta precisão, foi realizado pelo seu aluno
J. S. E. Townsend. Townsend usou a eletrólise para produzir íons gasosos carregados,
que formavam uma nuvem após borbulharem através da água. Ele mediu a massa da
nuvem, fazendo-a atravessar tubos secadores e determinando o aumento em peso desses
tubos. Ele mediu a carga total com um eletrômetro e determinou o raio médio das
gotículas individuais de água na nuvem pela observação da caída da nuvem pelo efeito
da gravidade. A lei de Newton ΣF = ma, para uma gota caindo em um meio que exerce
uma força de retardamento proporcional à velocidade, é

dv
mg − bv = m (2.2.7)
dt

A gota atinge rapidamente sua velocidade terminal, que podemos determinar colocando
dv/dt = 0:
mg
vt =
b
A quantidade b está relacionada com o raio da gota (a), e o coeficiente de viscosidade de
um fluido (η) pela lei de Stokes da mecânica dos fluidos:

b = 6πηa (2.2.8)

Escrevendo a massa em termos da densidade, ρ,

4
m = πa3 ρ
3

obtemos a velocidade terminal


2 ρ
vt = ga2 (2.2.9)
9 η
onde η é o coeficiente de viscosidade do ar nesse caso. A Eq.(2.2.9) é usada para a
determinação de a. Sabendo o tamanho médio das gotas e a massa total, Townsend pode
computar o número de gotas numa nuvem. Dividindo a carga total da nuvem pelo número
de gotas (ele admitiu que cada íon formava uma gotícula de água), Townsend estimou a
carga de cada íon como sendo aproximadamente 1 × 10−19 C, ou seja, da mesma ordem
de grandeza como determinada pela lei da eletrólise de Faraday e usando NA estimado
pela teoria cinética. Variações dessa técnica foram efetuadas por J. J. Thomson e H. A.
Wilson, com pequenas melhorias na precisão. Wilson produziu nuvens entre as placas de
um capacitor e observou sua queda devida somente à gravidade e devida à combinação
da gravidade e um campo elétrico produzido entre as placas. A Tabela 2.2.3, que dá os
resultados finais de 11 diferentes tentativas, ilustra a precisão obtida.
A precisão do método de Thomson era limitada pela incerteza na taxa de evaporação

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 77


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

e(C)
0, 77 × 10−19
0, 87 × 10−19
1, 5 × 10−19
0, 90 × 10−19
1, 1 × 10−19
1, 3 × 10−19
1, 3 × 10−19
1, 0 × 10−19
1, 2 × 10−19
0, 67 × 10−19
0, 77 × 10−19
Valor médio:
1, 03 × 10−19 C
Tabela 2.2.1: Resultados da determinação de e por Wilson, de Philosophical Magazine,
(6), 5, 439 (1903).

da gota e ainda a hipótese de que cada gotícula contivesse uma única carga não podia
ser verificada. R. M. Millikan tentou eliminar o problema da evaporação com a utilização
de um campo intenso o suficiente para manter a superfície da nuvem estacionária, de
modo a poder observar a taxa de evaporação e fazer uma correção. Os resultados estão
descritos no seu trabalho “A New Modification of the Cloud Method of Determining
the Elementary Charge and the Most Probable Value of that Charge”, que apareceu no
Philosophical Magazine (6), 19, 209 (1910). A seguinte citação é extraída desse trabalho:
O balanceamento de gotas carregadas individuais por meio de um campo eletrostático
“Meu plano original para eliminar o erro da evaporação era obter, se possível, um
campo elétrico suficientemente intenso para contrabalancear exatamente a força da gra-
vidade sobre a nuvem e, então por meio de um divisor de potencial, variar a intensidade
do campo, de forma a manter um balanceamento durante toda a sua vida. Pensava-se
anotar dessa maneira toda a história da evaporação da nuvem, e, então, algumas com-
pensações adequadas poderiam ser introduzidas nas observações do tempo de queda para
eliminar inteiramente o erro devido à evaporação. Verificou-se que não era possível um
balanceamento da nuvem de acordo com o plano original, mas, em contrapartida, podia-
se fazer algo muito melhor: ou seja, manter gotas carregadas individuais suspensas pelo
campo por períodos compreendidos entre 30 e 60 segundos. Eu realmente nunca medi
gotas que durassem mais que 45 segundos, ainda que diversas vezes tenha acompanhado
algumas gotas que, no meu julgamento, duraram muito mais que isso. As gotas que pu-
deram ser contrabalanceadas pelo campo elétrico sempre carregavam cargas múltiplas, e
a dificuldade experimentada no balanceamento das gotas foi menos que a prevista.
O que se tem a fazer é simplesmente formar uma nuvem e jogá-la imediatamente no
campo. As gotas que tem cargas de sinal igual ao da placa superior caem rapidamente,

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 78


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

enquanto que aquelas carregas de muitos múltiplos da carga e sinal oposto ao da placa
superior são atraídas rapidamente para esta em oposição a gravidade. O resultado é
que, após uns sete ou oito segundos, o campo de visão se torna bastante claro, exceto
para um número relativamente pequeno de gotas, que apresentam exatamente a relação
apropriada entre a carga e a massa para poderem permanecer suspensas pelo campo
elétrico. Essas gotas aparecem como pontos perfeitamente distintos e brilhantes. Eu, em
diversas ocasiões, obtive uma única das tais “estrelas”, caminhando pelo campo de visão
inteiro, e a mantive por um tempo próximo a um minuto. Entretanto, em sua maioria,
as observações relacionadas a seguir foram tomadas com um número considerável de tais
pontos no campo de visão. Nuvens floculentas, finas, cuja produção parece ser facilitada
pela manutenção dos recipientes para água. . . um grau ou dois acima da temperatura
ambiente, mostram-se particularmente favoráveis à observação dessa espécie de gota.
Além disso, viu-se que era possível variar a massa de uma gota observada por uma
mudança de ionização, assim gotas portadoras de dois, três, quatro, cinco ou mesmo seis
múltiplos de carga podiam ser suspensas aproximadamente pelo mesmo campo. A ideia
de variar gradualmente o campo, que inspirou o início da experiência, mostrava-se desne-
cessária agora. Se um campo não podia manter uma gota suspensa, ele era variado com
passos da ordem de 100 a 200 volts, até que as gotas pudessem permanecer estacionárias,
ou quase estacionárias. Desligado o campo, muitas vezes era possível observar-se dife-
rentes gotas movendo-se sob a ação da gravidade, com velocidades bastante diferentes,
o que mostra que essas gotas tinham massas diferentes e, correspondentemente, cargas
diferentes.”
Durante esta experiência, Millikan reparou que gotas contrabalanceadas se moviam
algumas vezes subitamente para cima ou para baixo, evidentemente devido à captura de
um íon positivo ou negativo. Esse fato possibilitou a observação da carga de um único íon.
Em 1909, Millikan começou uma série de experiências que não somente mostraram que as
cargas ocorriam em múltiplos de uma unidade elementar e, mas também possibilitaram a
medida do valor e com um erro de uma parte em 1.000. Para eliminar a evaporação, ele
usou gotas de óleo espalhadas no ar seco entre as placas de um capacitor. Essas gotas já
vinham carregadas por causa da fricção do processo de atomização, e, durante o tempo
de observação, elas ganhavam ou perdiam cargas adicionais. Ligando o campo entre as
placas, uma gota podia ser movida para cima e para baixo e observada durante muitas
horas. Quando a carga de uma gota variava, a velocidade da gota variava. Supondo
somente que a velocidade terminal da gota era proporcional à força que agia sobre ela
(essa “hipótese” foi verificada experimentalmente de forma cuidadosa), a experiência de
Millikan deu evidência conclusiva de que as cargas sempre ocorrem em múltiplos de uma
unidade fundamental e.
Examinemos essa experiência com certo detalhe. A Fig. 2.2.3 mostra um esquema do
aparelho de Millikan. Sem campo elétrico, a força para baixo é mg e a força para cima é

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 79


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

bv, onde b é dado pela lei de Stokes, Eq.(2.2.8). A equação de movimento é a Eq.(2.2.7),
e a velocidade terminal para a gota em queda é

mg
vf = (2.2.10)
b

Durante o movimento de subida com um campo elétrico E , a equação de movimento para


uma carga qn é
dv
qn E − mg − bv = m
dt
Assim, a velocidade terminal na presença de campo elétrico é

qn E − mg
vr = (2.2.11)
b

Nessa experiência, as velocidades terminais são atingidas quase que imediatamente, e as


gotas são arrastadas uma distância L para acima ou para baixo com uma velocidade
constante. Somando a Eq.(2.2.10) com a Eq.(2.2.11) obtém-se

Figura 2.2.3: Aparelho da gota de óleo de Millikan. As gotas são espalhadas pelo atomiza-
dor e adquirem uma carga estática. Sua queda sob a ação da gravidade e a sua ascensão
devida ao campo elétrico entre as placas do capacitor podem observadas por meio do
telescópio. Usando medidas do tempo de ascensão e de queda, a carga elétrica de uma
gota pode ser calculada.

qn E
vr + vf =
b

como pela Eq.(2.2.10) b = mg/vf , segue que ao se resolver a equação acima para qn
encontra-se o seguinte resultado:
 
mg mgTf 1 1
qn = (vf + vr ) = + (2.2.12)
E vf E Tf Tr

onde Tf = L/vf é o tempo de queda e Tr = L/vr é o tempo de subida.


0
Se uma carga adicional é capturada, a velocidade terminal se torna vr , relacionada

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 80


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

0
com a nova carga qn pela Eq.(2.2.11):
0
q E − mg
0
vr = n
b

A quantidade de carga ganha é portanto


 
0 mg 0 mgTf 1 1
qn − qn = (vr − vr ) = 0 − (2.2.13)
E vf E Tr Tr
0
As velocidades vf , vr e vr são determinadas pela medida do tempo decorrido para a dis-
tância L, entre as placas do capacitor descer ou subir.
0 0
Se escrevermos qn = ne e qn = n e, as Eqs.(2.2.12) e (2.2.13) poderão ser escritas:

Ee
 
1 1 1
+ = (2.2.14)
n Tf Tr mgTf

e
Ee
 
1 1 1
− = (2.2.15)
n0 Tf Tr mgTf
A Tabela 2.2.3, tirada do livro de Millikan, é típica de seus primeiros dados, com
uma única gota. Os tempos de queda, mostrados na primeira coluna são todos iguais
,dentro do desvio experimental. Na coluna três estão registrados valores associados a uma
mudança nos tempos de subida, que são mostrados na coluna dois. Os números na coluna
seis são proporcionais à carga total, Eq.(2.2.12). Quando esses números são divididos por
n (coluna sete), apropriadamente escolhido, os números resultantes, indicados na coluna
oito, são os mesmos para todos os ensaios. Os números na coluna três são proporcionais
às variações na carga, divididos por n0 (coluna quatro), apropriadamente escolhidos, os
número na coluna cinco, são os mesmos para todos os ensaios e iguais aos da coluna oito,
Eq.(2.2.14) e (2.2.15). A gota em questão começa com uma carga de 18e. Ela então
capturou 6e, ficando com uma carga de 24e (linha dois). Então, perdeu 7e, ganhou 1e,
etc.
Millikan realizou experiências como essas com milhares de gotas, algumas com óleos
não condutores, outras com óleos semicondutores como glicerina e algumas com conduto-
res como mercúrio. Em nenhum caso ele encontro uma carga fracionária.
Para obter um valor de e a partir desses dados, necessitamos da massa da gota (ou
seu raio, pois a densidade é conhecida). O raio é calculado pela lei de Stokes usando a
Eq.(2.2.9) (Para maior precisão, deve ser levada em conta a força de empuxo do ar sobre a
gota. No decorrer dessas experiências, Millikan verificou que a lei de Stokes não valia para
suas gotas menores, devido a flutuações na densidade do meio em uma escala comparável
com as dimensões da gota. Ele encontrou, por meio de aproximações sucessivas, uma
correção experimental para a lei de Stokes.)

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 81


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

O valor de e encontrado por Millikan, de 1, 591 × 10−19 C, foi aceito por 20 anos, até
a descoberta que medidas de difração de raios X para NA davam valores para e, que
diferiam do valor de Millikan em cerca de 0, 4%. A discrepância foi atribuída ao valor do
coeficiente de viscosidade η usado por Millikan que era muito baixo. Medidas melhoradas
de η deram um valor cerca de 0, 5% mais elevado, mudando então o valor de e obtido
pelo método da gota de óleo para 1, 601 × 10−19 C, em bom acordo com os dados obtidos
com os de difração de raios X. Para a determinação moderna do “melhor” valor de e e de
outras constantes atômicas.

Tabela 2.2.2: Tempos de ascensão e de queda de uma única gota de óleo com um número
calculado de cargas elementares na gota.
1 2 3 4  5  6 7  8 
1 1 0 1 1 1 1 1 1 1 1
Tf Tr 0 − n 0 0 − + n +
Tr Tr n Tr Tr Tf Tr n Tr Tf
11, 848 80, 708 0, 09655 18 0, 005366
11, 890 22, 366 0, , 03234 6 0, 005390 0, 12887 24 0, 005371
11, 908 22, 390
11, 904 22, 368
11, 882 140, 566 0, 03751 7 0, 005358 0, 09138 17 0, 005375
11, 906 79, 600 0, 005348 1 0, 005348 0, 09673 18 0, 005374
11, 838 34, 748 0, 01616 3 0, 005387 0, 11289 21 0, 005376
11, 816 34, 762
11, 776 34, 486
11, 840 29, 286 0, 11833 22 0, 005379
11, 904 29, 236
11, 870 137, 308 0, 026872 5 0, 005375 0, 09146 17 0, 005380
11, 952 34, 638 0, 021572 4 0, 005393 0, 11303 21 0, 005382
11, 860
11, 846 22, 104 0, 01623 3 0, 005410 0, 12926 24 0, 005386
11, 912 22, 268
11, 910 500, 1 0, 04307 8 0, 005384 0, 08619 16 0, 005387
11, 918 19, 704 0, 04879 9 0, 005421 0, 13498 25 0, 005399
11, 870 19, 668
11, 888 77, 630 0, 03794 7 0, 005420 0, 09704 18 0, 005390
11, 894 77, 806
11, 878 42, 302 0, 01079 2 0, 005395 0, 10783 20 0, 005392
11, 880 Meios 0, 005389 Meios 0, 005384

Duração da experiência 45 min Pressão 75, 62 cmHg


Distâncias entre as placas 16 mm Viscos. do óleo 0, 9199 poise
Distância de queda 10, 21 mm Viscos. do ar 1, 824 × 10−4 poise
Volts iniciais 5088,8 Raio 0, 000276 cm
Volts finais 5081, 2 veloc. de queda 0, 08584 cm/s
Temperatura 22, 82◦ C

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 82


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

e = 4, 991 × 10−10 esu = 1, 664 × 10−19 coulombs. De R. A. Millian, Electrons (+ and -),
Protons, Photons, Mesotrons, and Cosmic Rays, Chicago: University of Chicago Press,
p.75, 1947. Direitos reservados pela Universidade de Chicago em 1947.

2.2.4 Radiação de Corpo Negro

A primeira sugestão a respeito da natureza quântica da radiação proveio do estudo da ra-


diação térmica emitida por corpos opacos. Quando radiação incide sobre um corpo opaco,
em parte é refletida e o restante absorvido. Corpos de cores claras refletem a maior parte
da radiação incidente, enquanto que corpos escuros absorvem a maioria dela. A radiação
absorvida pelo corpo aumenta a energia cinética dos átomos que o constituem, fazendo-os
oscilar mais vigorosamente em torno da posição de equilíbrio. Como a temperatura de
um corpo é determinada pela energia cinética média dos átomos, a absorção de radiação
faz a temperatura do corpo aumentar. Acontece que os átomos possuem partículas car-
regadas (ou elétrons) que são aceleradas pelas oscilações; assim, de acordo com a teoria
eletromagnética, os átomos emitem radiação, o que reduz a energia cinética dos átomos
e, portanto, diminui a temperatura. Quando a taxa de absorção é igual à taxa de emis-
são, a temperatura permanece constante e dizemos que o corpo se encontra em equilíbrio
térmico com o ambiente. Assim, um material que é um bom absorvedor de radiação é
também um bom emissor.
A radiação eletromagnética emitida nessas circunstância é chamada de radiação tér-
mica. Em temperaturas usuais (abaixo de cerca de 600◦ C), a radiação térmica emitida
por um corpo não é visível; a maior parte de energia está concentrada em comprimentos
de onda mais longos do que os da luz visível. À medida que um corpo é aquecido, a
quantidade de radiação térmica emitida cresce, e a energia irradiada inclui comprimen-
tos de onda cada vez menores. Em aproximadamente 600 − 700◦ C há energia suficiente
no espectro visível, então o corpo brilha e torna-se vermelho escuro, e as temperaturas
maiores tornam-se vermelho brilhante ou até “branco quente”.

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 83


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

2.3 O Modelo de Bohr para o Átomo


2.3.1 O Modelo de Thomson

Por volta de 1910 ,acumularam-se inúmeras evidências experimentais de que os átomos


contêm elétrons (por exemplo, o espalhamento de raios X por átomos, o efeito fotoelétrico,
etc.). Estas experiências davam uma estimativa para Z, o número de elétrons em um
átomo, como sendo aproximadamente igual a A/2, onde A é o peso atômico químico
do átomo considerado. Como normalmente os átomos são neutros, eles devem também
conter uma carga positiva igual em módulo à carga negativa de seus elétrons. Portanto
um átomo neutro tem uma carga negativa −Ze, onde −e é a carga do elétron, e também
uma carga positiva de mesmo valor em módulo. O fato de que a massa do elétron é muito
pequena comparada com a de qualquer átomo, mesmo com a do mais leve, implica que a
maior parte da massa do átomo deve estar associado à carga positiva.
Estas considerações levaram naturalmente ao problema de como seria a distribuição
de cargas positivas e negativas, dentro do átomo. J. J. Thomson propôs uma tentativa de
descrição, ou modelo, de um átomo, segundo o qual os ele´trons carregados negativamente
estariam localizados no interior de uma distribuição contínua de carga positiva. Supôs-
se que a forma da distribuição de carga positiva fosse esférica, com um raio da ordem
de grandeza conhecida do raio de um átomo, 10−10 m. (Este valor pode ser obtido a
partir da densidade de um sólido típico, de seu peso atômico e do número de Avogadro.)
Devido à repulsão mútua, os elétrons estariam uniformemente distribuídos na esfera de
carga positiva. A Figura 2.3.1 ilustra esse modelo, de “pudim de passas”, para o átomo.
Em um átomo que esteja em seu estado de menor energia possível, os elétrons estariam
fixos em suas posições de equilíbrio. Em átomos excitados (por exemplo, átomos em um
material a alta temperatura), os elétrons vibrariam em torno de suas posições de equilíbrio.
Como a teoria do eletromagnetismo prevê que um corpo carregado acelerado, como um
elétron vibrando, emite radiação eletromagnética, era possível entender qualitativamente
a emissão de radiação por átomos excitados com base no modelo de Thomson. No entanto,
faltava concordância quantitativa com os espectros observados experimentalmente.

Figura 2.3.1: O modelo atômico de Thomson - uma esfera de carga positiva entremeada
com elétrons.

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 84


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

Exemplo 2.3.1.

a) Suponha a existência de um elétron de carga −e dentro de uma região esférica com


densidade de carga positiva uniforme ρ (um modelo do átomo de Hidrogênio seugndo
Thomson). Mostre que seu movimento, se ele tem energia cinética, pode ser de oscilações
harmônicas simples em torno do centro de esfera.
Solução: Suponhamos que o elétron esteja a uma distância a do centro, com a menor
do que o raio da esfera. Da lei de Gauss, sabemos que podemos calcular a força que atua
sobre o elétron sobre o elétron calculando inicialmente o campo elétrico devido as cargas
positivas, para isso pela lei de Gauss:
Z
Q+
E · da =
0

tomando uma superfície esférica de raio a como a nossa superfície Gaussiana segue que
devido a simetria radial do problema

1 Q+
E=
4π0 a2

como a força no elétron é F = −eE, segue que

1 Q+
F =− e
4π0 a2

como Q+ = (densidade) × (Volume) = (4/3)πa3 ρ é a carga positiva total em uma esfera


de raio a, encontra-se que
 
1 4 3 e ρea
F =− πa ρ = −
4π0 3 a2 30

Portanto, podemos escrever F = −ka, onde a constante k = ρe/30 . Se o elétron inici-


almente me repouso em a é deixado livre, sem velocidade inicial, essa força vai produzir
movimento harmônico simples ao longo de um diâmetro da esfera, pois ela está sempre
dirigida para o centro e têm módulo proporcional à distância.
b) Suponhamos que a carga positiva total tenha um valor igual em módulo à carga de
um elétron (de forma que a carga total do átomo seja zero), e suponhamos que esteja
distribuída sobre uma esfera de raio r0 = 1, 0 × 10−10 m. Ache a constante da força k e a
frequência do movimento do elétron.
Temos
e
ρ=
4 03
πr
3

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 85


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

de modo que

ρe e e e2
k= = =
30 4 0 3 30 4π0 r0 3
πr
3
(9, 0 × 109 N-m2 /C2 ) × (1, 6 × 10-19 C)2
= −10 3
= 2, 3 × 102 N/m
(1, 0 × 10 m)

A frequência do movimento harmônico simples é então


r s
1 k 1 2, 3 × 102 N/m
ν= = −31
= 2, 5 × 1015 s−1
2π m 2π 9, 11 × 10 kg

Como (em analogia com a radiação emitida por elétrons oscilando em uma antena) a radi-
ação emitida pelo átomo terá esta mesma frequência, ela corresponderá a um comprimento
de onda
c 3, 0 × 108 m/s
λ= = 15
= 1, 2 × 10−7 m = 1200 Å
ν 2, 5 × 10 /s
que está na região do ultravioleta longínquo do espectro eletromagnético. É fácil mostrar
que um elétron que se move em uma órbita circular estável de qualquer raio dentro do
átomo de Thomson gira com essa mesma frequência, e portanto irradia com essa frequência
também.
Evidentemente, se supusermos um raio diferente para a esfera de carga positiva, tería-
mos uma frequência diferente. Mas o fato de um átomo de hidrogênio, segundo Thomson,
ter apenas uma frequência de emissão característica é conflitante com o grande número
de frequências diferentes observadas no espectro do hidrogênio.
A demonstração conclusiva da inadequação do modelo de Thomson foi obtida em 1911
por Ernest Rutherford, um ex-aluno de Thomson, a partir da análise de experiências sobre
o espalhamento de partículas α por átomos. A análise de Rutherford mostrou que, em vez
de estar espalhada por todo o átomo, a carga positiva está concentrada em região muito
pequena, ou núcleo, no centro do átomo. Este foi um dos mais importantes progressos da
física atômica e foi a base da física nuclear.
Rutherford já tinha recebido o Prêmio Nobel em 1908 por suas “investigações a respeito
do decaimento de elementos e. . . à química de substâncias radioativas”. Ele era um físico
talentoso e diligente, com enorme motivação e autoconfiança. Em uma carta escrita mais
tarde, o então Lord Rutherford dizia: “Eu estive lendo alguns dos meus primeiros artigos e
quando terminei disse a mim mesmo ´Rutherford, meu rapaz, você foi um sujeito esperto
como o diabo” ’. Embora satisfeito por ter recebido um Prêmio Nobel, ele não estava
contente com o fato de ter sido um prêmio em química, em vez de em física. (Qualquer
pesquisa sobre os elementos era na época considerada química.) Em seu discurso, ao
aceitar o prêmio, ele disse que tinha observado muitas transformações em seu trabalho

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 86


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

com radioatividade, mas nunca uma tão rápida quanto a sua, de físico para químico.
Rutherford já sabia que as partículas α eram átomos de hélio duplamente ionizados
(isto é, átomos de He com dois elétrons retirados), emitidos espontaneamente por vários
materiais radioativos com grande velocidade. Na Figura 2.3.2 mostramos um arranjo
típico que ele e seus colaboradores utilizaram para estudar o espalhamento de partículas
α ao atravessas folhas delgadas de várias substâncias. A fonte radioativa emite partículas
α que são colimadas por um par de diafragmas, normalmente um metal. A folha é tão
fina que as partículas a atravessam completamente com apenas uma pequena diminuição
em sua velocidade. Ao atravessar a folha, entretanto, cada partícula α sofre muitas
deflexões, devido à força coulombiana entre sua carga e as cargas positivas e negativas
dos átomos da folha. Como a deflexão das partícula α ao atravessar um único átomo
depende dos detalhes de sua trajetória através do átomo, a deflexão total ao atravessar
toda a folha será diferente para diferentes partículas α do feixe. Em consequência disso,
o feixe emerge da folha não como um feixe paralelo, mas como um feixe divergente.
Uma medida quantitativa dessa divergência é feita ao se medir o número de partículas α
espalhadas em cada região angular de Θ a Θ + dΘ. O detector de partículas α consiste
de uma camada do composto cristalino ZnS e de um microscópio. O cristal ZnS tem a
propriedade útil de produzir uma pequena cintilação quando atingido por uma partícula
α. Se observada com um microscópio, pode-se distinguir a cintilação devida a uma única
partícula α. Na experiência um observador conta o número de cintilações produzidas por
unidade de tempo em função da posição angular do detector.

Figura 2.3.2: Arranjo de uma experiência de espalhamento de partículas α. Faz-se vácuo


na região que as partículas α atravessam.

Seja N o número de átomos que causam deflexão em uma partícula α quando ela
passa através da folha. Se θ representa o ângulo de deflexão ao passar por um átomo,
como é visto na Figura 2.3.3, e Θ é a deflexão total ao atravessar todos os átomos em sua
trajetória através da folha, a teoria estatística nos mostra que

(Θ̄2 )1/2 = N (θ¯2 )1/2 (2.3.1)

Neste caso, (Θ̄2 )1/2 é a média quadrática dos ângulos de deflexão, ou espalhamento, e
(θ¯2 )1/2 é a média quadrática dos ângulos de espalhamento em uma deflexão por um único

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 87


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA


átomo. O fator N aparece do fato da deflexão ser aleatória; se todas as deflexões fossem

na mesma direção, obteríamos evidentemente N em vez de N . De forma mais geral, a
teoria estatística dá, para a distribuição angular das partículas α espalhadas,

2IΘ −Θ2 /Θ¯2


N (Θ) dΘ = e dΘ (2.3.2)
Θ2

onde N (Θ) dΘ é o número de partículas α espalhadas na região angula entre Θ e Θ + dΘ,


e I é o número de partículas α que atravessam a folha.

Figura 2.3.3: Uma partícula α atravessando um átomo segundo o modelo de Thomson.


O ângulo θ especifica a deflexão da partícula α.

Devido ao fato de terem os elétrons uma massa muito pequena se comparada com
a da partícula α, eles podem em qualquer caso produzir apenas pequenas deflexões nas
partículas α; e devido a que a carga positiva está distribuída sobre todo o volume do átomo
de Thomson de raio r0 ≈ 10−10 m, ela não pode causar uma repulsão coulombiana intensa o
suficiente para produzir grande deflexão na partícula α. E realmente, utilizando o modelo
de Thomson, obtemos que a deflexão causada por um átomo é de θ <≈ 10−4 rad. Este
resultado, junto com a Eq.(2.3.1) e (2.3.2), inclui todas as previsões para o espalhamento
de partículas α que são obtidas a partir do modelo atômico de Thomson. Rutherford e
seu grupo testaram essas previsões.
O número de átomos atravessados por uma partícula α é aproximadamente igual à
espessura da folha dividida pelo diâmetro do átomo. Então

N ≈ 10−6 m /10−10 m = 104

O ângulo de deflexão médio ao atravessar um único átomo é então, da Eq.(2.3.1),

(Θ2 )1/2 2 × 10−2


(Θ̄2 )1/2 = √ ≈ 2
≈ 2 × 10−4 rad
N 10

o que não é conflitante com a estimativa do átomo de Thomson, θ ≤≈ 10−4 rad.


(b) Mais de 99% das partículas α foram espalhadas em ângulo menores que 3◦ . As
medidas, usando 1◦ para (Θ̄2 )1/2 , estavam de acordo com a Eq.(2.3.2) para N (Θ) dΘ para
ângulos Θ nessa região; mas a distribuição angular do pequeno número de partículas
espalhadas em ângulos maiores estava em flagrante desacordo com a Eq.(2.3.2). Foi

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 88


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

encontrado, por exemplo, que a fração das partículas α espalhadas em ângulos maiores
que 90◦ , N (Θ > 90◦ )/I era aproximadamente 10−4 . O que é previsto pela Eq.(2.3.2)?
Temos R 180◦
N (Θ > 90◦ ) ◦ N (Θ) dΘ 2
= 90 = e−(90) = 10−3500
I I
um resultado espantosamente diferente do valor experimental 10−4 .
Em geral, observou-se que o número de partículas α espalhadas em ângulos maiores
que alguns graus era muito maior do que o número previsto.
A existência de uma probabilidade pequena, porém não nula, para o espalhamento em
grandes ângulos não poderia absolutamente ser explicada em termos do modelo atômico
de Thomson, que basicamente previa espalhamento em um ângulo pequeno por muitos
átomos. Para cientistas acostumados a pensar em termos desse modelo, foi uma grande
surpresa o fato de que algumas partículas α fossem espalhadas por ângulos muito gran-
des, até de 180◦ . Nas palavras de Rutherford, “Foi praticamente o acontecimento mais
inacreditável que acontecem em minha vida. Era tão inacreditável como se você atirasse
um obus de 15 polegadas sobre um pedaço de papel de seda e ele voltasse e o atingisse”.
Experiências utilizando folhas de várias espessuras mostraram que o número de grandes
ângulos de espalhamento era proporcional a N , o número de átomos atravessados pela
partícula α. Esta é exatamente a dependência em N que surgiria se houvesse uma pequena
probabilidade de que uma partícula α fosse espalhada por um ângulo grande ao atravessar
um único átomo. Isto não pode ocorrer para o modelo atômico de Thomson, e fez com
que Rutherford em 1911 propusesse um novo modelo.

2.3.2 O Modelo de Rutherford

No modelo de Rutherford para a estrutura do átomo, todas as cargas positivas desse


átomo, e consequentemente toda sua massa, são supostas concentradas em uma pequena
região no centro chamada núcleo. Se suas dimensões forem suficientemente pequenas,
uma partícula α que passe bem perto desse núcleo poderá ser espalhada, devido a uma
forte repulsão coulombiana, em um grande ângulo ao atravessar um único átomo. Se, em
vez de usarmos r0 = 10−10 m para o raio da distribuição de cargas positivas do átomo de
Thomson, o que dá um ângulo de deflexão máxima θ ≈ 10−4 rad, tentamos saber qual
deveria ser o raio r0 de um núcleo para obtermos θ ≈ 1 rad por exemplo, encontraríamos
r0 = 10−14 m. Isto, como veremos, será uma boa estimativa do raio do núcleo atômico.
Rutherford fez um cálculo detalhado da distribuição angular que seria esperada para
o espalhamento de partículas α por átomos do tipo por ele proposto em seu modelo. O
cálculo estava relacionado apenas com espalhamento em ângulos maiores do que alguns
graus. Portanto, o espalhamento devido aos elétrons atômicos pode ser ignorado. O
espalhamento é então devido à força repulsiva coulombiana que age entre a partícula α
carrega positivamente e o núcleo, carregado positivamente. Além disso, o cálculo conside-

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 89


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

rou apenas o espalhamento por átomos pesados, para que pudesse ser utilizada a hipótese
de que a massa do núcleo é tão grande comparada à da partícula α que o núcleo não recua
apreciavelmente (permanece fixo no espaço) durante o processo de espalhamento. Tam-
bém foi suposto que a partícula α não penetraria realmente na região nuclear, de forma
que a partícula e o núcleo (ambos supostos esféricos) interagissem como cargas pontuais,
pelo menos no que se refere à força coulombiana. Veremos mais tarde que essas hipóteses
são válidas, exceto para o espalhamento de partículas α por núcleos mais leves, em cujo
caso devemos fazer a correção para a massa finita do núcleo. O cálculo, finalmente, usa a
mecânica não relativística, já que v/c ≈ 1/20.
A Figura 2.3.4 ilustra o espalhamento de uma partícula α, de carga +ze e massa M ,
ao passar perto de um núcleo de carga +Ze. O núcleo está fixo na origem do sistema
de coordenadas. Quando a partícula está muito afastada do núcleo, a força coulombiana
sobre ela é desprezível, de forma que a partícula se aproxima do núcleo segundo uma
linha reta com velocidade constante v. Depois do espalhamento, a partícula vai se afastar
novamente segundo uma linha reta, com velocidade constante v 0 . A posição da partícula
em relação ao núcleo é especificada pela coordenada radial r e o ângulo polar ϕ, sendo o
último a partir de um eixo paralelo à linha da trajetória inicial. A distância perpendicular
desse eixo à linha do movimento inicial é chamada parâmetro de impacto b. O ângulo de
espalhamento θ é o ângulo entre o eixo e uma linha passando pela origem e paralela à
linha do movimento final; a distância perpendicular entre essas duas linhas é b0 .

Figura 2.3.4: A trajetória hiperbólica de Rutherford, mostrando as coordenadas polares


r, ϕ e os parâmetros b, D. Estes dois parâmetros determinam completamente a trajetória,
em particular o ângulo de espalhamento θ e a distância de maior aproximação R. A carga
nuclear pontual Ze está sobre um foco do ramo da hipérbole.

Exemplo 2.3.2.

Mostre que v 0 = v e b0 = b.

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 90


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

Solução:
A força que atua sobre a partícula, uma força coulombiana, está sempre dirigida radial-
mente. Logo o momento angular da partícula em torno da origem tem um valor constante,
L, pois
dL d dr dp
= (r × p) = ×p+r× =0
dt dt dt dt
dp
pois dr/dt = p/m e k r visto que a força é radial. Assim sendo, o momento angular
dt
inicial é igual ao momento angular final,

M vb = M v 0 b0 = L

É claro que a energia cinética da partícula não permanece constante durante o espalha-
mento, mas a energia cinética inicial deve ser igual à energia cinética final, já que se supõe
que o núcleo permanece estacionário. Portanto,

1 1 2
M v2 = M v0
2 2

Então v = v 0 e, da equação anterior, b = b0 , como foi indicado na Figura 2.3.4.


Vamos então aplicar a lei de Newton para a componente radial do movimento, para
determinar a trajetória da partícula. De F = M a, obtemos
" 2 #
2 2

zZe dr dϕ
2
=M −r (2.3.3)
4π0 r dt2 dt

onde o termo à esquerda é a força de Coulomb e os termos à direita são como se segue:
d2 r/dt2 é a aceleração radial devida à variação no módulo de r e −r(dϕ/dt)2 = −ω 2 r é
a aceleração centrípeta (que também está sobre a direção radial) devida à variação na
direção de r. Para obtermos a trajetória, precisamos achar r em função de ϕ..
A solução da Eq.(2.3.3) fica simplificada se escrevermos a equação não em termos das
coordenadas r e ϕ, mas em termos das coordenadas u, ϕ, onde

1
r= (2.3.4)
u

Então
dr dr dϕ dr du dϕ
= = (2.3.5)
dt dϕ dt du dϕ dt
ou
dr 1 du Lu2 L du
=− 2 =−
dt u dϕ M M dϕ

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 91


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

onde usamos o fato de que o momento angular é


L = r × (M v) = M rv = M r2
dt

pois

r⊥v e v=r
dt
e
d2 r L d2 u Lu2
 
d dr dϕ
2
= =−
dt dϕ dt dt M dϕ2 M
ou
d2 r L2 u2 d2 u
= −
dt2 M dϕ2
Substituindo esta expressão na Eq.(2.3.3), temos
2
L2 u2 d2 u 1 Lu2 zZe2 u2

− − =
M dϕ2 u M 4π0 M

ou
d2 u zZe2 M
+u=− (2.3.6)
dϕ2 4π0 M 2 v 2 b2
já que L = M vb, onde v é a velocidade inicial da partícula e b é seu parâmetro de impacto,
definidos na Figura 2.3.2. Se fizermos

zZe2
 

4π0
D= 
M v2


essa expressão se simplificando fica

d2 u D
2
+u=− 2 (2.3.7)
dϕ 2b

Esta é uma equação diferencial ordinária de segunda ordem para u como uma função de
ϕ.
A Solução geral da Eq.(2.3.7) é

D
u = A cos ϕ + B sin ϕ − (2.3.8)
2b2

que contém as duas constantes arbitrárias, A e B. Podemos mostrar que a Eq.(2.3.8) é


de fato a solução da Eq.(2.3.7) calculando

du
= −A sin ϕ + B cos ϕ

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 92


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

e
d2 u
= −A cos ϕ − B sin ϕ
dϕ2
e substituindo estas expressões na Eq.(2.3.6). Isto nos dá

D2 D2
−A cos ϕ − B sin ϕ + A cos ϕ + B sin ϕ − ≡ −
2b2 2b

Essa identidade mostra a validade da solução geral.


Para obtermos a solução particular, devemos calcular as constantes A e B. Exigimos
que a solução (2.3.8) esteja de acordo com as condições iniciais: ϕ → 0 quando r → ∞ e
dr/dt → −v quando r → ∞. Assim,

1 D
u= = 0 = A cos 0 + B sin 0 − 2
r 2b

ou
D
A=
2b2
e
dr L du L
=− = −v = − (−A sin 0 + B cos 0)
dt M dϕ M
ou
Mv Mv 1
B= = =
L M vb b
Portanto, a solução particular é

D 1 D
u= cos ϕ + sin ϕ −
2b2 b 2b2

ou
1 1 D
= sin ϕ + 2 (cos ϕ − 1) (2.3.9)
r b 2b
Esta é a equação de órbita, dando r como uma função de ϕ. Vemos que a trajetória é
hiperbólica, já que a Eq.(2.3.9) é a equação de uma hipérbole em coordenadas polares,
onde D é um parâmetro conveniente, igual a distância de maior aproximação ao núcleo
em uma colisão frontal (b = 0), já que D é a distância para o qual a energia potencial é
igual à energia cinética inicial:

zZe2 M v2
  
1
=
4π0 D 2

o que pode ser visto igualando-se as duas expressões e tirando-se o valor de D:

1 zZe2
D= (2.3.10)
4π0 M v 2 /2

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 93


CAPÍTULO 2 A ANTIGA MECÂNICA QUÂNTICA

Nesse ponto a partícula pararia e a partir daí mudaria a direção de seu movimento. O
ângulo de espalhamento θ é obtido a partir da Eq.(2.3.9), achando o valor de ϕ para
r → ∞, e usando θ = π − ϕ. Dessa forma, encontramos:
 
θ 2b
cotg = (2.3.11)
2 D

Exemplo 2.3.3.

Calcule R, a distância de maior aproximação da partícula ao centro do núcleo (a


origem da Figura 2.3.4).
A coordenada radial r será igual a R quando o ângulo polar for ϕ = π−θ
2
. Substituindo
esse ângulo na Eq.(2.3.9), obtemos
     
1 1 π−θ D π−θ
= sin + 2 cos −1 (2.3.12)
R b 2 2b 2

Notas para um Curso de Mecânica Quântica - Macêdo 94

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