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HAOL, Núm.

23 (Otoño, 2010), 137-146 ISSN 1696-2060

AS ABORDAGENS ESTILÍSTICAS NO CHORO


BRASILEIRO (1902-1950)

Marcia E. Taborda
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brazil. E-mail: marciataborda@musica.ufrj.br
Recibido: 21 Julio 2010 / Revisado: 5 Septiembre 2010 / Aceptado: 9 Septiembre 2010 / Publicación Online: 15 Octubre
2010

Abstract: This article examines the approaches por confusão com a parônima portuguesa,
of “choro” in an attempt to identify different passou a dizer-se de xoro, e, chegando à cidade
interpretative styles referring to sound records foi grafada choro1.
made between 1902 and 1950.
Keywords: Choro, Brazilian Popular Music, Mário de Andrade, por sua vez, no verbete
guitar, sound records. choro do Dicionário Musical Brasileiro informa
______________________ que da expressão chorar empregada
metaforicamente em música, de extensão de

E sse artigo é uma primeira tentativa de


compreender o choro enquanto gênero
que permite diversas abordagens
estilísticas. Ou o contrário, o choro como estilo
interpretativo que finalmente se consolidaria
sentido, a palavra afinal se desenvolveu aplicada
ao sentido dum gênero musical, música noturna
de caráter popular coreográfico, pra pequena
orquestra.

num gênero musical? Para tentar responder às Para Ary Vasconcelos o termo deriva de
questões, em lugar de utilizar exclusivamente a choromeleiros, “corporação de músicos de
documentação bibliográfica, pretendemos atuação importante no período colonial
recorrer aos fonogramas como fonte primordial brasileiro”.
para um possível reconhecimento de estilos na
interpretação do choro. Como os choromeleiros executavam não
exclusivamente a charamela mas outros tantos
1. CÂNONES instrumentos, a expressão passou a ser
empregada em sentido geral dando por
1.1 A palavra e os significados abreviação o nome de choro ao grupo
instrumental.
Os mais importantes estudiosos da música
brasileira propuseram diferentes origens ao José Ramos Tinhorão refere-se a esquemas
sentido musical da palavra choro. Câmara modulatórios que partindo do bordão “para
Cascudo no Dicionário do Folclore Brasileiro, descaírem quase sempre rolando pelos sons
cita o “Negro brasileiro” de Jacques Raimundo, graves, em tom plangente”, os responsáveis pela
livro publicado em 1936: Choro é a impressão de melancolia que acabaria
denominação de certos bailaricos populares, conferindo o nome de choro a tal maneira de
também conhecidos como assustados ou arrasta- tocar.
pés. Essa parece ter sido a origem da palavra
como explica Jacques Raimundo, que diz ser No conjunto das possibilidades acima descritas
originária da contracosta, havendo entre os cada uma de sua maneira relaciona a palavra às
cafres uma festança, espécie de concerto vocal acepções musicais nas quais o termo viria a ser
com danças, chamado xolo. Os nossos negros empregado: a palavra serve pra nomear o
faziam em certos dias, como em São João, ou conjunto e também uma forma de tocar que
por ocasião de festas nas fazendas, os seus exprimiria um estilo interpretativo tipicamente
bailes, que chamavam de xolo, expressão que, brasileiro.

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1.2. A abrangência do termo Certamente a mais completa fonte de


informações sobre os conjuntos de choro entre
No decorrer da segunda metade do século XIX 1870 e 1936 é o livro de Alexandre Gonçalves
e princípios do século XX a palavra choro foi Pinto. Nele verifica-se que a maioria dos
adquirindo múltiplos significados. Inicialmente músicos citados não estava profissionalizada. A
nomeava o conjunto musical. Alexandre norma não era o conjunto fixo, onde os
Gonçalves Pinto, no livro “O choro: executantes tinham o hábito de tocar juntos. Em
reminiscências dos chorões antigos”, abona esta consequência, os acompanhamentos eram
acepção do termo: “O seu pai era um distinto improvisados, até porque os tocadores de
advogado que dava em sua casa choros instrumentos de cordas na maioria não
agradabilíssimos, indo daqui da capital o conheciam música. Mesmo os músicos de
competente choro, que eram: Henriquinho, de instrumentos de sopro que dominavam a leitura
flautim; Lica de bombardão; Galdino de musical, acompanhavam quase sempre de
cavaquinho; Felisberto de flauta; Espíndola, e ouvido, como o Barata, que “não só conhecia
muitos outros”2. com proficiência a música, como também
acompanhava o choro de ouvido, de fazer
Além dos significados de pequena orquestra e de êxtase, tal a sua mestria no oficleide”6.
sarau também explícito na citação acima, choro Pixinguinha, que dominava a leitura e escrita
ainda podia designar os gêneros abordados nos musical, quando foi trabalhar no Teatro Rio
encontros pelos conjuntos, como sugere Branco, por volta de 1910, fez sucesso
Alexandre G. Pinto: “tocava os choros fáceis principalmente “pelas bossas que inventava por
como fosse: polca, valsa, quadrilha, chotes, fora, acostumado que estava a improvisar nas
mazurka, etc”. Pode-se ainda observar que o rodas de choro” 7.
repertório dos choros na verdade podia incluir
toda e qualquer música instrumental: “toca Nessas rodas, o que mais se exigia e o que mais
muitos choros americanos e também nossos com se apreciava nos acompanhadores, sobretudo de
grande facilidade”3. violão e cavaquinho, era o ouvido, aptidão
consagrada na expressão “tocar de ouvido”.
1.3. Um pouco da identidade Gonçalves Pinto quase que em cada página de
sua obra menciona o fato: “Ventura Careca,
A bibliografia brasileira é unânime ao escolher violão de fama, … não admitia que lhe dessem o
para o nascimento simbólico do choro, os anos tom, tal a confiança que ele tinha em seu
de 1870, período em que Joaquim Antonio da ouvido” 8. Quando o acompanhador não
Silva Callado, professor de flauta da Academia conseguia atinar com a harmonia do solista,
Imperial de Belas Artes formou o “Choro dizia-se que tinha caído. Essa expressão foi tão
Carioca”, grupo em que o solista (flauta) era vulgarizada, que aparecia freqüentemente no
acompanhado por violão e cavaquinho título de polcas como Caiu, não disse, de Viriato
executados por músicos populares. e Não caio noutra, de Ernesto Nazareth.

Embora a contribuição de Antonio Callado para Baptista Siqueira descreve esses costumes com
a consolidação do choro conjunto tenha sido precisão: “Era o flautista que costumava
inestimável, a difusão deste grupamento vinha incentivar o gosto pelo choro, aguçando as
de muito antes. Nas festas cariocas já se podia qualidades musicais inatas dos acompanhadores
identificar a presença do terno de pau e corda, de ouvido, arranjando tropeços através de
como descrito por Mello Moraes Filho no livro modulações exaustivas empregadas nas ‘polcas
“Festas e tradições populares do Brasil”. No de serenata’. Quase sempre essas obras eram de
capítulo dedicado à Festa do Divino4, autoria do próprio flautista e nunca chegaram a
especialmente ao tratar da atividade ser editadas, porque não tinham sentido
artística/musical promovida pela barraca “Tres dançante; sugeriam apenas pessoas dançando. A
cidras do amor”, também conhecida como finalidade da composição de tais peças era
“Barraca do Teles”, o autor observa: “O teatro jocosa: fazer cair o acompanhador de
do Teles era iluminado a velas e a azeite; cavaquinho (Apanhei-te cavaquinho)” 9.
pagava-se 500 réis de entrada, incluindo neste Esse hábito de fazer peças difíceis de
preço o bilhete da rifa; tinha, além da orquestra acompanhar e consignar tal intenção no título,
para a grande divisão do cenário, uma outra de conservou-se, bastando para tanto lembrar o
violão, flauta e cavaquinho, que tocava oculta, choro Derrubando violões, composto pelo
quando dançavam os bonecos” 5. maestro Carioca em 1950.

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2. A GENEALOGIA DO CHORO Araújo. Os grandes nomes da época: Abel


Ferreira, Jacob do Bandolim, Raul de Barros,
Deve-se a Ary Vasconcelos a primeira tentativa Valdir Azevedo, Altamiro Carrilho, Pedroca,
de periodização da trajetória do choro. No livro Chiquinho do Acordeão, Sivuca, Bola Sete,
“Carinhoso e etc: história e inventário do Canhoto da Paraíba, Avena de Castro, Paulo
choro”, Vasconcelos conta que entre fins dos Moura, Déo Rian, Envandro, Isaías e Rossini
anos de 1970 e começo dos anos 80, decidiu Ferreira.
embrenhar-se pela documentação musical
fazendo um levantamento de cerca de 3 mil “Chegamos a 1975 (...) como a Bela
obras; organizou então essa produção e seus Adormecida o choro parece despertar de seu
autores em seis gerações: A primeira geração, letargo, novos conjuntos de choro começam a se
que “floresce nos primeiros vinte anos do formar e são reciclados diversos já existentes”.
Império”, é composta por autores como Antonio Surge o Clube do Choro. Em São Paulo o
Callado, Chiquinha Gonzaga, Ernesto Nazareth, Conjunto Atlântico e o conjunto do Evandro. No
Viriato, etc. Rio cria-se o conjunto Os Carioquinhas
(1976)10.
A segunda aparece com a República que ao abrir
um novo capítulo na história política do Brasil, A proposta de Vasconcelos ecoa em trabalhos
“serviu de marco a partir do qual começa a recentes como o ensaio publicado por Anna Paes
florescer uma nova e maravilhosa geração de na enciclopédia eletrônica “Músicos do Brasil”.
chorões”. Como maior representante do período, Já Henrique Cazes organiza o livro “O choro:do
destaca Anacleto de Medeiros, além dos quintal ao Municipal” respeitando a trajetória
compositores Albertino Pimentel, Irineu de cronológica da produção musical na qual
Almeida, Mário Álvares, Candinho Silva, destaca alguns personagens e seus instrumentos.
Louro, etc.
O que inicialmente chama a atenção na
Situada entre os anos de 1919 e 1930 a terceira periodização de Vasconcelos é a ausência de um
geração de chorões tem em Pixinguinha o denominador comum para o estabelecimento das
grande expoente. Aparecem também Donga, gerações: uma geração pode ser determinada
Romeu Silva, Romualdo e Luperce Miranda, tanto pela produção de compositores tanto
Luis Americano e Bonfiglio de Oliveira. quanto pela atividade de músicos, ou mesmo
um movimento como o do festival do choro nos
Estabelecida entre os anos de 1927 e 1946; anos 70, o que nos faz lembrar o mesmo
relacionada ao surgimento do sistema elétrico de argumento usado por Curt Sachs ao propor a
gravação e ao sucesso de cantores como mudança de princípios norteadores na
Francisco Alves, Carmen Miranda, Silvio classificação de instrumentos: a falta de um
Caldas, Orlando Silva, etc. segundo Ary, denominador comum que possa organizar as
naquele momento o clima era pouco categorias.
estimulante para o choro que acaba se
difundindo apenas para um público restrito; o Do ponto de vista estilístico tal classificação
autor relaciona artistas do choro paulista, aborda cairia por terra na medida em que a cronologia
o surgimento da Orquestra Colbaz e o trabalho não estabelece nem considera as possibilidades
de músicos como Armandinho, José Rielli, de abordagem interpretativa do repertório. No
Garoto, Gaó; no Rio de Janeiro destaca músicos choro tradição e modernidade convivem
como Copinha, Antenógenes Silva, Radamés continuamente o que faz com que os autores da
Gnattali, Gastão Bueno Lobo, Benedito Lacerda “primeira geração” tenham suas obras
e Dante Santoro e Carolina Cardoso de executadas como peças fundamentais do
Meneses. repertório desde fins do século XIX até os dias
de hoje sendo a obra revivida por diferentes
Surgida na segunda metade da década de abordagens interpretativas. Por outro lado,
quarenta “uma fase bem mais propícia para o Maurício Carrilho ao divulgar a enorme
gênero que se estende de 1945 a 1950, quase produção de choros encontrados em pesquisas
uma pequena fase de ouro”. Surgem os grupos, nos diferentes acervos no Rio de Janeiro, fez
Quarteto Brasil (Luperce, José Meneses, Tute, suas gravações reproduzindo no
Valzinho), Os Milionários do Ritmo (Djalma acompanhamento - por exemplo de polcas, o
Ferreira, Oscar Belandi, José Meneses, Chuca- padrão rítmico que considera característico do
Chuca e a Orquestra Tabajara de Severino

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estilo interpretativo e de uma sonoridade que musical e social da maior relevância. Os


remete aos primeiros fonogramas. primeiros registros fonográficos nos deram a
possibilidade de vislumbrar o ambiente musical
2.1. Os chorões e as gravações fonográficas que vinha se desenvolvendo desde fins do século
XIX. Como não poderia deixar de ser, os
Um conjunto de circunstâncias surgidas no gêneros executados eram o repertório dos
século XX tornaram-se decisivas para a chorões: valsa, schottisch, quadrilha, mazurca,
evolução da música popular brasileira: a polca, tangos, modinhas, cançonetas e lundus,
gravação de discos, o surgimento de uma música veiculados por vozes acompanhadas de violão,
específica para o carnaval, o nascimento do piano, pelas bandas e finalmente pelos grupos de
samba, o rádio e o cinema. choro. Tal aspecto é também ressaltado por
Tinhorão: De fato, são os velhos discos
As inovações foram apresentadas na capital. O Zonophone e Odeon da Casa Edison, da Casa
Rio abrigou a indústria fonográfica e o rádio, Faulhaber, Columbia Grand Record ‘Brazil’ e
veículos que divulgaram o choro e o samba, Victor, que permitem agora, mais de sessenta
filhos musicais da cidade. Daí espalharam-se anos passados, levantar um grande repertório de
para todo o país. As novas possibilidades e gêneros hoje desconhecidos em suas formas
oportunidades oferecidas pela “Capital autenticamente populares, como a modinha
irradiante” (expressão de Nicolau Sevcenko), seresteira, os lundus cantados, as cançonetas de
atraíram imigrantes de todas as partes, dos teatro e palquinhos dos cafés cantantes, as
mais variados padrões sociais. Transferiram-se marchas dos primeiros ranchos carnavalescos, as
para o Rio de Janeiro dos mais humildes e chulas e as chamadas cantigas sertanejas, entre
anônimos profissionais aos grandes nomes da as quais muitas vezes se incluíam músicas do
elite cultural e artística. folclore11.

Dentre os imigrantes que aportaram à cidade As gravações nos deram ainda conhecimento
estava Frederico Figner, comerciante que dos grupos de choro organizados no Rio de
apresentou aos cariocas a novidade das Janeiro, que eram tantos, de tão variada
máquinas falantes. O processo de gravação de formação, mas sempre obedecendo à base
discos no Brasil foi iniciado em 1902, quando original: instrumento solista acompanhado de
Figner, então estabelecido à Rua do Ouvidor, violão e cavaquinho. No reduzido grupo de
passou a comercializar “fonogramas originais da cantores que fizeram sucesso no início do século
Edison”. Em 5 de agosto de 1902, publicou o além de Baiano e Cadete estão Eduardo das
Correio da Manhã: A maior novidade da época Neves, Mário Pinheiro e Geraldo Magalhães.
chegou para a Casa Edison, Rua do Ouvidor
107. As chapas (records) para gramophones e Apesar da predominância da música
zonophones, com modinhas nacionais cantadas instrumental nos primeiros anos do processo de
pelo popularíssimo Baiano e apreciado Cadete, gravação de discos, foram poucos os solistas de
com acompanhamento de violão e as melhores sucesso. Destacou-se o flautista Patápio Silva,
polcas, schottisch, maxixes executados pela que apesar da morte prematura continuou com
Banda do Corpo de Bombeiros do Rio, sob a uma grande vendagem de discos, o pianista
regência do maestro Anacleto de Medeiros. Artur Camilo, em registros dedicados
principalmente à obra de Ernesto Nazareth, além
Neste período inicial que corresponde à do próprio, que gravou algumas peças em duo
chamada fase mecânica (1902-1927) foram com o flautista Pedro de Alcântara, e uns poucos
gravados cerca de 7.000 mil discos, mais da registros como solista.
metade lançados pela Casa Edison. Os
primeiros 100 registros fonográficos foram Desde o período inicial das gravações e do
realizados pelas vozes dos cantores Baiano e advento do rádio, adquirindo maior relevância
Cadete acompanhados exclusivamente de no processo elétrico de gravação que coincidiria
violão. Numa indústria incipiente, os riscos que com a chamada “Época de Ouro”, os conjuntos
envolviam o investimento de transformar música de choro foram bastante aproveitados,
em produto, deveriam ser os mais comedidos designados por esse mesmo nome – choro- ou
possíveis. Dessa forma, os registros à base de pela denominação de grupo ou conjunto.
violão serão sempre muitos numerosos, Enquanto formação original, compunha-se de
rivalizando em quantidade apenas com as um instrumento solista, violão e cavaquinho,
Bandas de música, que desempenharam papel onde apenas um dos componentes (o solista)

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sabia ler e escrever música; todos os demais grupos compostos só por instrumentos de
deviam ser improvisadores do acompanhamento sopros. A série brasileira de número 40.000,
harmônico, isto é, tocavam de ouvido. que consta de gravações feitas aproximadamente
entre 1904-1907, foi a primeira a usar o selo
Os componentes dos conjuntos de choros Odeon; os discos foram fabricados pela
cariocas - os chorões- eram elementos quase International Talking Machine para a Casa
que exclusivamente oriundos da baixa classe Edison. A consulta à “Discografia da música
média: funcionários públicos federais, brasileira em 78 rpm”, revela que entre os
principalmente da Alfândega, Central do Brasil, pequenos grupos de sopro estavam o Grupo Luis
Tesouro, Casa da Moeda dos Correios e de Souza (40. 736 a 744) que gravou peças
Telégrafos; servidores municipais, trabalhando designadas como choro, chótis e valsas em geral
em cargos como os de guarda municipal, a sem referência ao autor, a exceção de “Nair”
funcionários da Light. Segundo June E. Haner, chótis de Catulo Cearense e Edmundo Otávio
na virada do século XIX para o XX, “a música Ferreira.
e a dança permaneceram como fonte geral de
prazer para o trabalhador pobre, não apenas no Na série com numeração de 10.000, realizada
período do carnaval. Nas estalagens do Rio de entre 1907 e 1913, aparecem grupos compostos
Janeiro, os inquilinos tocavam violões e só por instrumentos de sopros como o Grupo do
acordeões, cantavam e dançavam animados Malaquias (10.023- 10.216 a 219) com registros
fandangos”12. de choro também sem referência a autor, Grupo
dos Irmãos Eymard (10.027) que gravou a polca
A importância desses grupos para a história da “Flor Amorosa” de Callado além de “Ismênia”,
música popular brasileira é enorme: choro de Anacleto; dentre os inúmeros trios
acompanharam modinhas – que ganharam o relaciona-se o Grupo do Novo Cordão
nome de seresta e acabaram por incluir os composto de clarineta-cl, violão-vl e
sambas-canção lentos- lundus, maxixes, cavaquinho-cv, o Grupo da Casa Edison
marchas, sambas e, quando foi preciso, boleros, (10.170) e o Grupo do Honório (10.237 a 252).
foxes, tangos argentinos, rumbas e até árias de Na série 137.000 da Odeon realizada entre 1912
ópera. Os músicos “de ouvido” em alguns e 1914, constam os registros do Grupo Irmãos
minutos faziam um arranjo para qualquer tipo de Batista – (só sopros 137046), Grupo Lupércio
peça, sem partitura e quase sem ensaio. Era essa Vieira, Grupo Francisco Oliveira Lima (sax, vl
dinâmica que possibilitava o funcionamento das e cv) e Grupo do Ulisses, (vl, cv, cl/ sax).
emissoras de rádio, onde chegavam e saíam com
frequência cantores diversos. Havia programas A quantidade de ternos atuantes no período é
de calouros que apresentavam todo tipo de expressiva. Nos registros da série 120.000 da
música, e não havia possibilidade econômica de Odeon, por exemplo, constam: Grupo do
pagar ensaios, partituras, nem havia tempo para Canhoto (clarinete, violão e cavaquinho); Grupo
tal. O processo de gravação de discos e a Lima Vieira e Cia (saxofone, flauta, violão e
consequente possibilidade de registrar músicas cavaquinho); Grupo Chiquinha Gonzaga (flauta,
para venda permitiu a profissionalização de violão e cavaquinho); Grupo Terror dos facões
numerosos músicos. (duas flautas, violão e cavaquinho); Grupo do
Louro (clarinete, violão e cavaquinho); Terceto
2.2. Os fonogramas e os estilos de Francisco Lima (saxofone, violão e
interpretação cavaquinho); Grupo Ulisses (clarinete, violão e
cavaquinho); Grupo O Passos no choro (flauta,
A escuta de fonogramas realizados entre 1902 e violão e cavaquinho); Grupo Odeon
1950 permite identificar em linhas gerais, (bombardino, trompete, clarinete, violão e
características bastante distintivas na cavaquinho), Grupo dos Sustenidos, Grupo dos
abordagem interpretativa do choro. A fase Chorosos (violino, violão e cavaquinho); Grupo
mecânica de gravação é marcada do Ulisses (clarineta, violão e cavaquinho);
primordialmente pelos registros de música Grupo O Passos no choro (flauta, violão e
instrumental, realizados notadamente pelas cavaquinho).
Bandas de música. Nos primeiros anos do século
XX destacou-se a banda do Corpo de 2.3. A sonoridade do terno
Bombeiros, mas muitos fonogramas foram feitos
pela Banda da Casa Edison; houve inúmeros A execução do terno de choro tem por
conjuntos de pau e corda e também pequenos característica recorrente o acompanhamento de

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violão extremamente marcado e sempre a flauta solista; esta, que por sua vez, realiza
pontuado pela farta execução dos baixos; inúmeras variações. Se muitos dos registros não
embora o primeiro registro identificado de um mencionavam o autor das peças, nos anos
violão de sete cordas esteja por vir, a atuação do seguintes quando mais grupos aparecem, o
seis cordas é exatamente a mesma que repertório passa a ser composto por obras dos
reconhecemos hoje como típica do próprios solistas, líderes de conjuntos, dos quais
acompanhamento do sete cordas: baixos muitos eram grandes chorões que participavam
pontuando a harmonia e desempenhando a das bandas como Casemiro Rocha, Albertino
função de conduzir as partes principais; como Pimentel, Pedro Galdino; entre os autores mais
ainda não havia nos grupos da época dois gravados estão Ernesto Nazareth, Chiquinha
violões atuando juntos, era o violão responsável Gonzaga, Callado e Anacleto de Medeiros.
pelos baixos e o cavaquinho cumpria a função
de centro da harmonia. Para se ter uma idéia da quantidade e variedade
organológica dos grupos de choro, segue abaixo
Pela audição dos fonogramas, pode-se inferir breve relação.
que o trio de choro tinha por referência e
modelo a sonoridade das bandas, e nesse Grupo Carioca Trombone, violão,
sentido o violão cumpre exatamente o papel de cavaquinho
sustentar e conduzir harmonias através do Grupo do Louro Clarineta, violão,
desenho dos baixos buscando reproduzir o cavaquinho
enunciado e a função dos graves das bandas. O Grupo Chiquinha Flauta, violão,
cavaquinho executa um padrão rítmico quase Gonzaga cavaquinho, piano
sempre sem variações e o instrumento solista Grupo K Flauta, violão,
apesar da oportunidade de enunciar o tema por Laranjeiras cavaquinho
três vezes o fazia também sem variações. Grupo Lulu o Flauta, violão,
Cavaquinho cavaquinho
Entre os anos de 1910 e 1913 surgem os discos Grupo Luiz de Clarineta, trompete,
Favorite, fabricados na Europa para a Casa Souza- cl,tp,bx
Faulhaber, situada na Rua da Constituição 36. Grupo do Moringa Trombone, clarineta,
Na série de n. 1-450004 foram feitos registros violão, cavaquinho
nos quais apontamos a presença de uma Grupo O Passos Flauta, violão,
novidade no estilo de interpretação que seria cavaquinho
definitivamente incorporada à identidade do Grupo Mário Bandolim, violão,
choro: contracantos e improviso. O chamado cavaquinho
Choro Carioca era integrado pelos mestres Grupo Paulista Clarineta, sax, violão,
Irineu de Almeida (bombardino e oficleide), cavaquinho
Bonfiglio de Oliveira (trompete), e o jovem
Grupo Mineiro Requinta, violão,
estreante Pixinguinha (flauta), com
cavaquinho
acompanhamento feito por seus irmãos, Leo e
Grupo Fco Lima Sax, violão, cavaquinho
Otávio (violões) e Henrique (cavaquinho).
Grupo Canhoto Trombone, clarineta,
Otávio, mais conhecido pelo nome de China,
violão, cavaquinho
tem uma biografia tanto quanto desconhecida,
Grupo Boêmios – Clarineta,
fator acentuado por sua morte prematura; são
cl, ac, vl
deste violonista os primeiros e raríssimos
documentos fotográficos de um executante do Grupo Odeon Clarineta, violão,
violão de sete cordas no Rio de Janeiro, Paulista cavaquinho
instrumento certamente manejado por ele nessas Grupo dos Violino, violão
gravações que tem infelizmente uma audição de Chorosos
pouquíssima clareza. Gravaram na ocasião as Grupo do Flauta, violão,
polcas “Nininha”, “Dainéia” e “Albertina” e os Pixinguinha cavaquinho
tangos “São João debaixo d´água” e “O Grupo Checon Viola, violão,
morcego” peças compostas por Irineu de cavaquinho
Almeida. Registraram também a polca “Isto não Trio Royal- Violino, violão,
é vida”. As características da interpretação do cavaquinho
Choro carioca se destacam de todos os demais Grupo Del Ré Trombone, clarineta,
grupos; o acompanhamento do oficleide elabora violão, cavaquinho
contracantos que dialogam continuamente com

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mesmo ano uma temporada na Argentina, onde


Grupo do Louro Trombone, clarineta, gravaram vários discos. O repertório do grupo
violão, cavaquinho fugia do trivial, porque além de tocar músicas de
Grupo do além Clarineta, violão, choro apresentavam um espetáculo teatral de
cavaquinho variedades, composto de “sambas, desafios,
Grupo do Elias Trompete, clarineta, canções e sapateados sertanejos”, conforme
flautim, violão, divulgado nos anúncios. A base no entanto, era
cavaquinho o trio flauta, violão e cavaquinho.
Grupo Pimentel Trombone, sax, violão
3. CHORO E JAZZ: PIXINGUINHA E
ARMSTRONG. INFLUÊNCIA?
2.4. Os conjuntos “típicos”
É comum dizer-se que o choro é o jazz brasileiro
Nas primeiras décadas do século XX, movidos assim como a contrapartida de que o jazz seria a
pela onda de exacerbação do “que é nosso”, os versão americana (do norte) do nosso choro. Há
choros (conjunto) passaram a se apresentar com inclusive especulações sobre a “semelhança”
programa de variedades e temática regional. entre os ragtimes de Scott Joplin e a produção
Nesta linha de atuação, alcançou destaque o de tangos de Ernesto Nazareth, o que não será
Grupo do Caxangá, conjunto de inspiração comentado neste artigo. Houve também muita
nordestina, - tanto no repertório, na crítica a grupos brasileiros, Pixinguinha foi alvo
indumentária, e até mesmo no nome dos freqüente, acusados de sucumbirem à influência
integrantes que adotaram para si codinome do gênero estrangeiro.
sertanejo. Em 1916, o violonista e compositor
João Pernambuco organizou a "Trupe sertaneja", Mário de Andrade no verbete choro do
que realizou apresentações em São Paulo, Rio “Dicionário Musical”, observa: Outro disco a
de Janeiro e Porto Alegre. O Grupo do citar é o “Urubu”, maravilhosamente executado
Caxangá, continuou atuando com grande brilho por Pixinguinha, uma das excelências da
especialmente nos carnavais dos anos de 1917, discoteca brasileira. (...). Pode-se lembrar aqui
1918 e 1919. Pouco depois, Pixinguinha que tais choros (quero dizer, tais agrupamentos),
formou o conjunto Os oito batutas, requisitando são a equivalência brasileira do hot-jazz, que
quase todo o Grupo do Caxangá para compor também tantas vezes já é puro gozo
seus quadros; este foi sem dúvida o mais instrumental, mesmo quando unido à voz, e
famoso conjunto do período. duma violência de movimento, verdadeiramente
dionisíaca, como é o caso do “Chinatown, my
“Os Oito Batutas” foi integrado inicialmente Chinatown” e “I got rythm”, fox-trots, o
por Alfredo da Rocha Viana Junior segundo de Gershwin, executados pelo hot-jazz
(Pixinguina), flauta; Ernesto dos Santos admirável de Luis Armstrong. São por assim
(Donga), violão; Jacó Palmieri, pandeiro; José dizer choros-hot, a que o próprio caráter
Alves de Lima, bandolim; Luiz Pinto da Silva improvisatório das linhas e às vezes o processo
(bandola e reco reco); Nelson dos Santos Alves, de variação, ainda ajuntam mais caráter13.
cavaquinho; Otávio da Rocha Viana (China),
violão e voz. Uma novidade a destacar, a O termo hot foi usado como referência à música
ampliação do número de participantes e a dos pioneiros do jazz, atribuído a diferentes
inclusão do pandeiro e reco-reco. tipos de bandas, grupos em que ressaltam
qualidades como intensidade, paixão, o tal
O grupo estreou em abril de 1919, na sala de elemento dionisíaco a que Mário fez referência.
espera do elegante cinema Palais, situado na Nos anos 20 Louis Armstrong intitulou dois de
Avenida Central (atual Rio Branco), tornando-se seus grupos com o termo Hot Five e Hot
uma atração a parte. Personalidades como Seven14. As gravações citadas por Andrade
Ernesto Nazareth, Rui Barbosa e Arnaldo Guinle foram feitas em 1931, por Louis Armstrong and
eram seus admiradores. O povo aglomerava-se his Orchestra, uma das mais populares bandas
na calçada só para ouvi-los. Conquistaram de jazz do suingue, estilo de música
rapidamente a fama de melhor conjunto típico predominante nos anos de 1930 e 1940.
da música brasileira, empreendendo excursões
por São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Bahia e Se há semelhança entre os grupos ela está
Pernambuco. Em 1922 viajaram para Paris provavelmente muito mais na forma do que no
onde fizeram grande sucesso, realizando neste conteúdo. Tanto Os Batutas quanto a orquestra

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de Armstrong faziam um espetáculo de popular. A seu lado brilharam Francisco


entretenimento, com temas cantados, num estilo Alves, Sílvio Caldas e Carlos Galhardo,
coloquial onde às vezes aparecem algumas cantores chamados pela imprensa de “Os quatro
falas no meio das canções. grandes”.

Em I got rythm, um compasso quaternário muito A mais importante figura feminina da época foi
marcado executado num pulso rapidíssimo a cantora Carmen Miranda, que com sua
estabelece a base rítmica que dá sustento e personalidade e carisma desenvolveu carreira
ligadura à melodia; essa, por sua vez, é brilhante, transformando-se em ídolo nacional e
apresentada numa sucessão de timbres da estrela internacional. Destacaram-se ainda sua
orquestra e depois dos 16 compassos de irmã Aurora Miranda, Marília Batista, Araci de
enunciado, abre-se o espaço para a improvisação Almeida, Linda e Dircinha Batista.
livre, um solista de cada vez – trombone, sax,
clarineta, trompete, banjo, contrabaixo, etc, não No período de 1931 –1940 o samba foi o
havendo nos solistas qualquer referência gênero mais cultivado, sendo também
explícita ao tema; em seguida inicia-se um expressivo o número de marchas gravadas. Para
diálogo de múltiplas vozes com algum solista seu desenvolvimento, além da contribuição
em destaque até a condução desse clima festivo pioneira dos compositores do Estácio como
ao fim da peça. Ismael Silva e Alcebíades Barcelos,
desempenharam papel fundamental Noel Rosa,
No caso de “Urubu” um pulso também Ari Barroso, Assis Valente, Orestes Barbosa,
marcado, mas que é a metade do andamento de I Custódio Mesquita, Lamartine Babo e João de
got rythm, se estabelece e se mantém Barro. A música americana, influência trazida
especialmente na função do banjo (bandola); a pelo cinema, implantou a moda do fox-trot,
melodia aparece na flauta de Pixinguinha que aqui intitulado fox-canção, gênero intensamente
passa então a realizar variações que acontecem cultivado por compositores brasileiros.
sempre em torno do tema; essas elaborações são
feitas apenas pela flauta e de forma contínua; ao É nesse contexto que se desenvolve a carreira
final da peça a bandola ensaia uma modesta e do Regional de Benedito Lacerda grupo nascido
única resposta ao solista; vê-se que não há no final dos anos 20; inicialmente chamado de
aspectos comuns na estrutura de improvisação Gente do Morro, uma designação dada por
típica de um e outro grupo; no jazz de Sinhô, depois de ouvir o grupo na gravação do
Armstrong enuncia-se uma alternativa de samba "No Sarguero"; tinha como integrantes
elaboração melódica e rítmica ao texto principal Lacerda (flauta), Valdiro Frederico Tramontano-
e o papel dos instrumentos no grupo é bastante Canhoto (cavaquinho), Maurinho, Bernardo e
definido; na elaboração do choro dos Batutas Doidinho (pandeiristas).
apresenta-se uma variação atrelada ao enunciado
original. Essas, as chamadas “bossas” que Essa curiosa instrumentação foi influenciada
criaram a identidade do estilo interpretativo de por uma inovação do compositor e radialista
Pixinguinha. Nos Batutas não aparece qualquer Almirante, que em 1928 para gravar “Na
princípio estrutural de organização, o que levou Pavuna” (que se tornaria grande sucesso),
anos mais tarde Radamés Gnattali a comentar organizou um conjunto composto de percussões.
em entrevista ao Pasquim que os Batutas eram Pouco depois a orientação do grupo mudou, a
uma “esculhambação” onde cada um fazia uma preponderância da percussão foi abandonada em
harmonia, um baixo, etc. favor do sopro e das cordas. Recebeu novo
nome, Conjunto Regional de Benedito Lacerda,
3.1. O regional apolíneo que em sua primeira formação foi integrado por
Benedito Lacerda, Gorgulho e Nei Orestes
O ano de 1927 marca o advento da fase elétrica (violão), Canhoto (cavaquinho) e Russo
de gravação e a substituição das gravações de (pandeiro). Desde então o pandeiro foi
música instrumental pelo repertório cantado. definitivamente incorporado à organologia do
Vive-se a chamada época de ouro caracterizada choro conjunto. Quando Gorgulho foi
pelo culto às grandes vozes dando surgimento substituído por Carlos Lentine e este último por
aos primeiros ídolos populares. O primeiro Meira e quando Dino (Horondino José da Silva)
grande ídolo de massa foi sem dúvida o cantor substituiu Nei Orestes, o grupo finalmente
Orlando Silva, que com uma voz privilegiada chegou à formação que atuaria por cerca de
interpretou os mais variados gêneros da música meio século: Lacerda, Canhoto, Dino e Meira.

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Esse Regional estabeleceu modelo de as gravações feitas apenas com dois violões (não
organização e sonoridade que permaneceria na há sete cordas), que funcionam como o reviver
música brasileira, como uma influência para as da sonoridade dos conjuntos dos anos 30; as
gerações futuras. frases são executadas em total sincronia e
encaixe que remetem a um trabalho de
O novo modelo de acompanhamento contava ourivesaria na concepção do acompanhamento,
agora com dois violões e cavaquinho, e tinha as como se abrissem mão da improvisação para
funções harmônicas distribuídas entre eles; um ater-se à escritura rímico-melódica. Essa
dos violões (eram dois instrumentos de seis trajetória desembocará na criação de Radamés
cordas), dedicava-se sobretudo aos baixos Gnattali cuja atuação determinará novos
enquanto o outro se encarregava dos acordes na paradigmas na concepção e execução dos
região médio-aguda; o cavaquinho passou a arranjos de choro.
realizar padrões rítmicos variados – as levadas-
que seriam consagradas pela atuação de Em termos gerais, e a grosso modo, tendo por
Canhoto. Em geral para o acompanhamento das base os registros fonográficos, propõe-se uma
canções fazia-se sempre uma introdução de primeira revisão na classificação dos estilos do
flauta, sustentada por uma base harmônica de choro a partir da filiação aos grandes modelos:
total entrosamento e complementaridade.
O terno dos anos de 1902 a 1920
Em 1950 Benedito Lacerda saiu do conjunto que O Choro Carioca como primeiro modelo de
passou a ser liderado por Canhoto. Essa base variações e contracantos
instrumental de 2 violões e cavaquinho A organização e a sonoridade do Regional de
executados por Dino, Meira e Canhoto se Benedito Lacerda
manteve atuante dos anos 30 até a década de 80 As gravações de Pixinguinha e Bendito com
com o falecimento de Meira e Canhoto. A seu regional (1946)
sonoridade desse grupo serviu de referência a Jacob do Bandolim
toda uma geração de músicos. Dentre esses Radamés Gnattali
destaca-se Jacob do Bandolim, especialmente
nas primeiras gravações feitas ao lado dos REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
violonistas Carlinhos e Benedito César e de
Jonas ao cavaquinho. Andrade, Mário de (1989), Dicionário musical
brasileiro. Belo Horizonte, Itatiaia.
Um novo paradigma na interpretação do choro
seria enunciado pelo pianista e compositor Cascudo, Luís da Câmara (1962), Dicionário do
Radamés Gnattali, nos diversos grupos que Folclore Brasileiro. Rio de Janeiro, Instituto
formou ao longo de sua carreira. Nacional do Livro.

COMENTÁRIOS FINAIS Hahner, June E. (1993), Pobreza e política: os


pobres urbanos no Brasil – 1870-1970.
Apresentou-se uma proposta de periodização do Traduzido por Cecy Ramires Maduro, Brasília,
choro utilizando como fonte os registros Ed. Universidade de Brasília.
fonográficos em lugar da comumente utilizada
abordagem cronológica. Desta forma foi Moraes Filho, Melo (1979). Festas e tradições
possível identificar no terno de pau e corda uma populares do Brasil. Belo Horizonte, Itatiaia.
primeira referência à prática musical do choro;
respeitando a periodização proposta chegou-se Pinto, Alexandre Gonçalves (1936). O choro:
à atividade de Benedito Lacerda, que reminiscências dos chorões antigos. Rio de
sedimentou um modelo de organização e Janeiro, Ed do autor.
sonoridade que teria decorrências na
continuidade da trajetória estilística do choro. Barbalho, Grácio. et al., (1982). Discografia
Passando a chamar-se Regional do Canhoto Brasileira em 78 rpm 1902-1964. Rio de
(1950), o conjunto teve influência direta no Janeiro, Funarte.
trabalho de Jacob do Bandolim, músico que
abriu novas perspectivas na organização do Silva, Marília T. Barboza, Oliveira Filho, Arthur
conjunto e na função musical dos instrumentos. L. de (1983). Cartola:Os tempos idos. Rio de
Embora consagrado pelas atuações no conjunto Janeiro: Funarte|INM|DMP.
Época de Ouro, destacam-se desse intérprete

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Choro Brasileiro Marcia E. Taborda

Siqueira, Baptista. Três vultos históricos da


música brasileira:Mesquita, Calado, Anacleto.
Edição do autor, Guanabara.

Taborda, Marcia (1995): Dino Sete Cordas e o


acompanhamento de violão na música popular.
Dissertação de mestrado, UFRJ.

Tinhorão, José Ramos (1981). Música popular –


do gramofone ao rádio e TV. São Paulo, Ática.

NOTAS

1
Cascudo, Luís da Câmara, Dicionário do
Folclore Brasileiro. Rio de Janeiro, Instituto
Nacional do Livro, 1962, 275
2
Gonçalves Pinto, Alexandre, O choro:
reminiscências dos chorões antigos. Rio de
Janeiro, ed. do autor, 1936, 46
3
Id., O choro: reminiscências dos chorões
antigos. Rio de Janeiro, ed. do autor, 1936, 94
4
Para informações sobre a Festa do Divino, ver
: Abreu, Martha. O império do Divino:
festas religiosas e cultura popular no Rio de
Janeiro, 1830/1900. Rio de Janeiro, Nova
Fronteira, 1999
5
Moraes Filho, Mello, Festas e tradições
populares do Brasil. Livraria Itatiaia, 1979,
123
6
Gonçalves Pinto, Alexandre, O choro:
reminiscências dos chorões antigos. Rio de
Janeiro, ed. do autor, 1936, 101
7
Barbosa, Marília Trindade; Oliveira Filho,
Arthur de, Filho de ogum bexiguento. Rio de
Janeiro, Funarte, 1979, 33
8
Gonçalves Pinto, Alexandre, O choro:
reminiscências dos chorões antigos. Rio de
Janeiro, ed. do autor, 1936, 86
9
Siqueira, Baptista, Tres vultos históricos da
música popular. Guanabara, ed. autor, 1970,
140
10
Vasconcelos, Ary, Carinhoso Etc: História e
inventário do choro. Rio de Janeiro, ed.
autor, 1984, 18-50
11
Tinhorão, José Ramos, Música popular - do
gramofone ao rádio e TV. São Paulo, Ática,
1981, 27
12
Hahner, June E, Pobreza e política: os pobres
urbanos no Brasil – 1870-1970, Traduzido por
Cecy Ramires Maduro. Brasília, Ed.
Universidade de Brasília, 1993, 233
13
Andrade, Mário, Dicionário Musical
Brasileiro. Rio de Janeiro, Ed. Itatiaia, 1989, 137
14
Na biografia que fez de Pixinguinha, Arthur
Loureiro comprova não ter havido o falado
encontro de Armstrong e do músico brasileiro
na temporada que os Oito batutas fizeram
em Paris em 1922.

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