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NOTAÇÃO E LINGUAGEM

MUSICAL
AULA 1

Prof. Leonardo Gorosito


CONVERSA INICIAL

Também chamado de parâmetros do som, ou propriedades do som, é o


estudo dos elementos que compõem uma onda sonora. São características que,
quando articuladas entre si, formam uma complexa estrutura sonora, a qual
conhecemos como música. São quatro parâmetros principais, sendo altura,
duração, intensidade e timbre, e uma quinta possibilidade ainda discutida por
especialistas, a distância.

TEMA 1 – CARACTERÍSTICAS DO SOM

1.1 Altura

A altura do som está relacionada com a frequência da onda sonora, ou


seja, com a quantidade de ciclos que a nota fundamental proporciona. Como
vimos anteriormente, um som é composto de outras notas secundárias, a série
harmônica, por isso a frequência da nota é verificada com base na nota principal.
Os ciclos de uma onda são medidos pela unidade hertz (Hz), que aponta quantas
vibrações um som realiza por segundo. Por exemplo, uma batida regular,
executada uma vez por segundo, terá a frequência de 1 Hz. O ouvido humano é
capaz de assimilar vibrações sonoras entre 16 e 20.000 Hz, abaixo de 16 Hz é
chamado de infrassom, e acima de 20.000 Hz, ultrassom.
As frequências sonoras podem ser baixas, médias ou agudas. Quanto
maior o número de ciclos, mais agudo o som será, quanto menor o número de
ciclos, mais grave (Bennet, 1990, p. 7). É importante termos consciência de que
quando nos referimos à altura de uma nota, usamos os termos “agudo” e “grave”.
E em relação à afinação de uma nota, utilizamos os termos “alto” ou “baixo”.
A afinação de uma nota está diretamente relacionada com sua altura.
Mas, afinal, o que realmente significa estar afinado ou desafinado em música?
Poderíamos dizer, de forma simplificada, que um som afinado é aquele que se
harmoniza com outros sons, criando uma sensação agradável e de prazer aos
ouvidos. Sendo assim, a afinação é a relação de uma nota com outras notas, o
que torna um som isolado impossível de ser classificado como afinado ou
desafinado. Em termos mais específicos, poderíamos dizer que, por
padronização, uma nota afinada é aquela entoada em suas devidas proporções

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em relação à nota Lá 3 1 de frequência 440 Hz. Isso significa que o Lá uma oitava
acima (Lá 4), para ser afinado, deve ter o dobro de vibrações, 880 Hz, e o Lá
oitava abaixo (Lá 2), a metade, 220 Hz.
Essa padronização do Lá 3 em 440 Hz é moderna, de maneira que, em
diferentes períodos da história, músicos estipularam outras frequências como
referência. Segundo o matemático inglês Alexander John Ellis (1814-1890),
entre os anos 1619 e 1874, o Lá 3 teve variações entre 376,3 e 570,7 Hz.
Atualmente, essa padronização em 440 Hz já se modificou, e diversas orquestras
ao redor do mundo utilizam o Lá 442 Hz. Muitos fatores levam os músicos a
escolherem a padronização do Lá em diferentes frequências. Talvez a principal
delas está relacionada aos materiais de que os instrumentos são fabricados,
especialmente os de cordas friccionadas, como o violino. Nos períodos barroco
e clássico, as cordas do violino eram feitas por materiais menos resistentes,
portanto não sustentavam a afinação com tanta eficiência. Por consequência, os
violinistas preferiam aplicar menos pressão sobre a corda, escolhendo a
frequência do Lá mais baixa, por volta de 435 Hz. Hoje em dia, com o
desenvolvimento tecnológico, uma pressão maior pode ser exercida sem que a
corda desafine, o que torna possível subir o Lá de referência, tornando o som do
instrumento mais brilhante.
Para quem já assistiu a um concerto de uma orquestra sinfônica, deve ter
percebido que, antes de ele iniciar-se, ocorre a afinação da orquestra. É uma
espécie de ritual em que o spalla 2 permanece em pé em frente ao grupo, e
solicita ao oboé (instrumento de sopro de paleta dupla) para que execute a nota
Lá 4 de referência, para que, então, o restante dos músicos afinem seus
instrumentos. É justamente neste momento que o oboé reproduzirá a nota Lá
convencionado pela orquestra, e que pode variar de frequência, de acordo com
o estilo da orquestra, país ou região. Atualmente, muitos oboístas utilizam o
afinador eletrônico, que demonstrará com exatidão a frequência da nota.
Padronizou-se o oboé como instrumento para entoar o Lá de afinação para a
orquestra, pois seu som penetrante é o ideal para a realização do procedimento.
O parâmetro da altura, é aquele que fornece o material principal para que
as melodias e harmonias ocorram. Para que a música em si aconteça, essas
alturas definidas são articuladas pelos outros parâmetros do som. Porém,

1 Se tomarmos como referência o Dó central do piano como Dó 3, o Lá 440 Hz será o Lá 3.


2 Em italiano, o “ombro” do maestro. É o líder do naipe dos primeiros violinos.
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existem instrumentos que são classificados como de altura indefinida, ou seja,
não emitem notas que devem ser controladas em termos de frequência. Esses
instrumentos são então regidos primordialmente pelo ritmo e pelo timbre. São
exemplos deste grupo diversos instrumentos de percussão como prato,
triângulo, caixa clara, clave e bumbo. Mas, atenção, alguns instrumentos de
percussão são capazes de emitir sons de altura definida, como o tímpano e o
xilofone, sendo, portanto, subordinados às regras das frequências determinadas.
Na música ocidental, essas frequências determinadas foram
padronizadas em uma série de notas, a qual chamamos de escala musical. A
escala é uma sequência de sons ascendente ou descendente que permeia
normalmente o registro de uma oitava, dessa forma ela tanto começa quanto
termina na mesma nota. A distância mais próxima entre dois sons é chamada de
tom e semitom. A tão conhecida série de notas Dó, Ré, Mi, Fá, Sol, Lá, Si, Dó,
a escala maior, é composta de cinco tons e dois semitons. As escalas maior e
menor são formadas por sete notas, porém existem inúmeros tipos escalas,
podendo ser formadas por cinco notas (escala pentatônica), por seis notas
(escala hexafônica) ou, ainda, caracterizadas por certo estilo de música, por
exemplo, a escala cigana.

Áudio 1 – Exemplos de Escalas: escala maior, escala menor natural, escala


pentatônica, escala hexafônica e escala cigana

Fonte: O autor.

TEMA 2 – DURAÇÃO

A propriedade do som da duração está relacionada ao tempo em que uma


nota perdura na música, ou seja, ao ritmo. Sons curtos, médios e longos,
ocorrem dentro de uma ampla gama possibilidades, podendo durar menos de
um segundo, ou manter-se continuamente por minutos. Da mesma forma que a
altura dos sons, o ritmo musical é relativizado, assim como a própria percepção
de tempo do ser humano. Dependendo da situação ou do contexto, um mesmo
som pode parecer curto para uma pessoa, porém pode ser percebido como longo
para outra. Na notação musical, as figuras rítmicas não simbolizam valores de
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tempo absolutos. Assim como o Lá 440 Hz no universo da altura definida, o ritmo
precisa de uma referência por meio da qual os outros valores serão distribuídos,
em partes menores e maiores.
No mundo ocidental, é comum a música ser dividida em pulsações
regulares, a qual chamamos de pulso, que pode ser preenchido de diversas
maneiras, combinando som e silêncio. Há exemplos em que a música é
desprovida de um pulso fixo, como na música antiga do canto gregoriano, em
que as durações das notas eram conectadas com o ritmo das palavras, e por
padronizações temporais construídas ao longo dos anos. À medida que o
homem foi desenvolvendo uma maneira de contar o tempo com mais precisão,
juntamente com o processo da invenção e aperfeiçoamento do relógio, a música
foi ganhando especificações rítmicas cada vez mais avançadas.
Hoje em dia, a grafia musical apresenta diversas formas de organizar os
sons dentro dos espaços de tempo. Alguns compositores são bastante estritos
e controlam a duração de todos os sons em sua obra. Outros preferem abdicar-
se parcial ou totalmente do controle sonoro. Na obra chamada 4’33”, do
compositor americano John Cage, o músico deve permanecer em silêncio
durante quatro minutos e trinta e três segundos, sem executar qualquer som.
Apesar de o tempo total da obra ser determinado com extrema precisão, seu
conteúdo sonoro é completamente indeterminado, podendo ser composto de
ruídos do ambiente e das pessoas na plateia. Nesse caso, a forma de grafia é
simples, estipulada por meio de uma única informação de minutagem.
Alguns compositores, em vez de optarem pela indeterminação completa,
preferem aplicar ligeiramente mais domínio sobre a duração dos sons durante a
obra. Por exemplo, utilizando uma notação gráfica, em que eventos sonoros em
sequência são estipulados por pequenas indicações de tempo. Outros
demonstram a quantidade de notas que deve ser executada por certo período,
por vezes utilizando papel milimetrado, em que cada quadrado equivale a
determinado espaço de tempo.
Por meio da notação musical tradicional, os compositores alcançam um
alto nível de controle sobre a organização das durações sonoras. Com a
indicação da velocidade da música por meio de batidas por minuto, o pulso da
obra pode ser precisamente estabelecido, permitindo ao autor controlar o tempo
tanto no micro como no macrocosmo. Houve períodos da história da música em
que os compositores não forneciam informações sobre o andamento da obra,

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como no caso do compositor barroco Johann Sebastian Bach. Nos dias atuais,
Bach foi extensivamente gravado por músicos de todo o mundo, por isso é
possível identificar diferentes versões de uma mesma obra, com variações de
andamento consideráveis.
De todos os instrumentos musicais, a percussão é aquela que apresenta
o carácter rítmico de forma mais ressaltada, pois demarca com clareza a
localização dos sons. No entanto, por mais contraditório que pareça, o músico
que executa os instrumentos percutidos não consegue, de maneira geral,
controlar a duração do som. Depois do ato de percutir, o percussionista não tem
mais domínio sobre a sonoridade do instrumento. O golpe, com a mão ou a
baqueta, dispara a sonoridade da pele ou do corpo do instrumento, que, em
seguida, apresenta uma diminuição natural. Portanto, o maior foco da
sonoridade da percussão está no exato momento em que o instrumento entra
em vibração. Já os instrumentos de cordas e sopros têm um funcionamento
bastante diferente. No violino, o músico tem total controle do tempo de duração
do som, com base na contínua fricção do arco sobre a corda. Assim como no
trompete, em que, por meio do uso da respiração, o músico consegue prolongar
os sons a seu critério.
Os instrumentos de percussão são fundamentais na execução do papel
de suporte rítmico, tanto na música erudita quanto popular. Além de pontuarem
nitidamente a posição das notas, a maioria deles também apresenta a
característica de não emitir altura definida. Essa sonoridade neutra colabora para
separar o acompanhamento rítmico, da textura harmônica e melódica. A bateria
em uma banda de rock, por exemplo, é composta principalmente de tambores e
pratos, instrumentos que emitem sons de frequência indefinida. Eles são
capazes de fornecer, com eficiência, a moldura rítmica, com os tempos e as
subdivisões, em que as notas dos instrumentos harmônicos e melódicos, como
baixo, guitarra e voz, serão encaixadas.

TEMA 3 – INTENSIDADE

A intensidade é o parâmetro do som que diz respeito à amplitude da onda


sonora. Quanto maior a amplitude, mais forte o som será, quanto menor, mais
fraco. Os termos “forte” e “fraco” são os mais apropriados para referir-se à
intensidade do som. É muito comum as pessoas utilizarem “alto” e “baixo”, porém

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estes são mais apropriados quando o assunto for sobre altura da nota, ou a
afinação.
A força, ou nível de energia, com a qual o som chega aos nossos ouvidos
é chamada de volume, e tem como unidade de medida o decibel (dB).
Começamos a perceber ondas sonoras a partir de 1 dB, portanto ruídos
noturnos, a respiração de uma pessoa dormindo, sussurros, o tic-tac de um
relógio atuam em uma extensão entre 0 a 30 dB. Uma conversa entre pessoas
e o ruído do trânsito emitem ondas sonoras de 40 a 80 dB. Ruídos nocivos ao
ouvido humano, podendo causar danos à saúde auditiva, percorrem de 120 a
190 dB, como o barulho do avião, explosões e tiros de armas.
As variações de intensidade dos sons na música caracterizam o que
chamamos de dinâmica, elemento fundamental da expressividade musical. O
ser humano tem a habilidade natural de perceber uma grande variação de
volume, o que torna a dinâmica um elemento com muitas possibilidades sonoras,
capaz de criar grandes contrastes na música. Em um concerto de orquestra, o
público pode encontrar trechos de muita sutileza, por exemplo, uma sequência
de acordes de minúsculo volume sonoro executado somente pelos violinos. Mas
também partes da música na qual todos os naipes da orquestra – cordas, sopros
e percussão – atuam em conjunto, causando impacto de grande intensidade de
som. A música popular normalmente apresenta uma estabilidade maior de
volume, já que o contraste de intensidade sonora não é tão explorado, pois o
foco principal encontra-se na constância rítmica e harmônica do
acompanhamento, dando espaço para a parte principal, geralmente a voz, atuar.
As alterações de dinâmica são tão importantes que podem influenciar
consideravelmente na nossa compreensão do discurso musical. Se uma melodia
importante é tocada com uma intensidade sonora fraca em relação ao
acompanhamento, ela pode perder relevância na música ou até mesmo não ser
percebida pela plateia. Não é à toa que, em grande parte dos ensaios de uma
orquestra, o maestro realiza diversos acertos de dinâmica, para que todas as
informações sonoras sejam ouvidas conforme seu devido nível de importância.
Esses ajustes também devem ser feitos, pois existe uma enorme variabilidade
de fatores que influenciam no volume da orquestra, como a intensidade com a
qual cada músico individualmente executa seu instrumento, a acústica da sala
de concerto, a maneira como a orquestra é disposta no palco e até a qualidade
dos instrumentos em si.

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Na música popular, durante a gravação de uma canção, o momento em
que os ajustes de volume são realizados é de fundamental importância no
processo. A chamada “mixagem” é um procedimento demorado e exige muita
atenção e sensibilidade auditiva do profissional encarregado. Quanto maior a
qualidade da gravação, maior detalhamento exige no momento de equilibrar as
dinâmicas de cada instrumento captado. O volume de cada sonoridade na
música pode alterar a forma como a pessoa assimila o conteúdo da canção. O
equilíbrio perfeito dos instrumentos e vozes e das regiões agudas e graves torna
a música mais agradável de se escutar.
Em cada instrumento musical, as realizações das variações de dinâmicas
são alcançadas por meio de diferentes técnicas. Em um sintetizador eletrônico,
ou teclado elétrico, o volume pode ser controlado simplesmente por um botão,
que se move para cima e para baixo. Mas nem sempre é simples assim, em
alguns instrumentos, controlar a intensidade é um grande desafio. Na orquestra
sinfônica, instrumentos como o oboé e o fagote precisam de muito estudo e
treino para realizar dinâmicas bastante fracas, principalmente no momento de
início do som. Sua principal fonte geradora de som é composta de dois pedaços
de cana em contato, a chamada palheta dupla, que ao ser acionada pela coluna
de ar do músico, impõe certa resistência até que entre em vibração, dificultando
a realização do princípio das notas. Já o integrante da orquestra de palheta
simples, o clarinete, tem o potencial de iniciar o som de uma nota quase de
maneira imperceptível, tamanho o controle das dinâmicas fracas ele é capaz.
Por vezes, as regiões graves e agudas têm naturalmente potências de volume
distintas. É o que acontece na flauta transversal, em que a oitava mais grave (Dó
3 ao Dó 4) tem certo limite ao executar dinâmicas fortes. Já a oitava aguda (Dó
5 ao Dó 6) impõe dificuldade na execução de dinâmicas fracas, pois o flautista
precisa de uma coluna de ar intensa para que as notas ocorram. Os instrumentos
de cordas – violino, viola, cello e contrabaixo – podem realizar grandes
contrastes de dinâmica, sem grandes complicações. Porém, o pizzicato, técnica
em que o músico não utiliza o arco, e sim pinça as cordas com os dedos, tem
certo limite de dinâmica, não alcançando intensidades muito fortes. Sendo
assim, cada instrumento tem sua especificidade em relação à realização de
diferentes dinâmicas. Na verdade, o maior desafio acaba caindo sobre o
compositor, que, no momento em que escreve uma obra orquestral, deve

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conhecer devidamente todas as particularidades dos instrumentos em termos de
controle de volume sonoro.
É interessante refletir que a dinâmica nada mais é que perspectiva em
música. A intensidade coloca os sons em diferentes planos, os fracos
posicionados mais distante, e os fortes bem próximos, criando uma terceira
dimensão (Schafer, 1992, p. 65).

TEMA 4 – TIMBRE

É o timbre que torna possível diferenciarmos a sonoridade de um


trombone ou uma guitarra. Uma propriedade que revela a qualidade ou
personalidade dos sons. O timbre concede cor ao som (Schafer, 1992, p. 63).

Áudio 2 – Exemplo de Timbre: trecho musical de um trombone e de uma guitarra

Fonte: O autor.

Diversos fatores físicos atuam nas ondas sonoras para que elas formem,
no todo, uma coloração específica. Um deles é a série harmônica, já mencionada
anteriormente. Dependendo do instrumento, determinadas notas da série
harmônica podem apresentar-se com mais evidência. Se o timbre é
caracteristicamente brilhante, em grande parte é porque as notas parciais
agudas prevalecem em sua sonoridade. Outro fator é a maneira aplicada para
que o instrumento emita som. No violino, a forma de tocar com o arco contém
um timbre radicalmente diferente da técnica do pizzicato, quando a corda é
pinçada com os dedos. Nos sopros, o material com o qual o instrumento é feito
também fornece diferentes colorações ao som, podendo ser produzido com
madeira, metal ou, no caso de instrumentos não profissionais, de plástico.
Compositores da música orquestral sinfônica encontram no parâmetro do
timbre inúmeras possibilidades para criar interesse em sua música. Uma mesma
melodia, quando executada sucessivamente por dois instrumentos distintos,
pode apresentar um novo sentido ou ser expressa de formas diferentes, apesar
de conter exatamente a mesma sequência de notas. O acompanhamento pode
ganhar ou perder dramaticidade de acordo com o grupo de instrumentos que o

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executa. Além da diferença de qualidade sonora individual, o compositor pode
escolher realizar combinações tímbricas com dois ou mais instrumentos. Uma
das mais belas colorações melódicas da música orquestral se dá quando o som
do cello é combinado com o da trompa, formando uma massa sonora intensa e
extremamente expressiva.
Na voz humana, o timbre manifesta-se de forma mais específica, de modo
que cada pessoa tem uma sonoridade vocal própria. De olhos vendados,
podemos reconhecer facilmente uma pessoa pelo seu timbre da voz. Também
reconhecemos ao telefone, em que o som sempre sofre uma pequena distorção.
Quando gostamos muito de um cantor, somos capazes de identificá-lo
rapidamente, mesmo em uma canção jamais ouvida. Na música vocal, é normal
existir um predomínio de certo tipo de timbre, comum a cantores de um mesmo
estilo. A técnica utilizada na ópera deixa o timbre dos cantores muito brilhante,
já que é preciso potência sonora para cantar acima de uma orquestra e sem
amplificação. O idioma em que as canções são cantadas também pode
influenciar o timbre das vozes. O português, por exemplo, tem a presença
marcante das vogais, deixando a sonoridade da música suavizada, característica
facilmente perceptível no estilo da bossa nova.
Na música moderna e contemporânea, o parâmetro do timbre é ricamente
explorado, pois frequentemente as obras não apresentam elementos
tradicionais, como melodia e harmonia. A busca por novos timbres torna-se o
maior atrativo para os compositores, que procuram inovar por meio de
colorações sonoras e da investigação tímbrica dos instrumentos. Com base na
tentativa de que um único instrumento possa conceber diversos timbres,
modificando a sua qualidade sonora, deu-se origem ao que foi chamado de
técnica estendida: formas não convencionais de execução. O próprio pizzicato,
em suas primeiras aparições, configurava-se uma técnica estendida, até tornar-
se uma forma convencional de tocar os instrumentos de cordas.
Nos instrumentos de percussão de orquestra, de altura indefinida, a
propriedade do timbre é essencial. Por não terem função melódica ou harmônica,
sua função principal, na maioria das vezes, é a de colorir momentos especiais
na obra. Por isso, normalmente, o percussionista realiza uma longa pesquisa na
tentativa de alcançar a melhor qualidade de timbre possível, buscando a baqueta
certa, seu ângulo mais apropriado, o lugar de toque com o melhor som, e, no

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caso do bumbo, o nível de tensão da pele que dará ao instrumento a sonoridade
mais encorpada.

TEMA 5 – DISTÂNCIA

Existem divergências sobre o assunto, mas a distância não é considerada


um parâmetro do som pela maioria dos especialistas. No entanto, com certeza,
ela influencia na compreensão musical do ouvinte. Para exemplificar, imagine
dois cenários hipotéticos: 1) no primeiro, um músico está ao lado de um
espectador, a um metro de distância, e executa uma melodia; 2) no segundo, ele
está a mais ou menos trinta metros de distância, como se o espectador estivesse
sentado na última cadeira de um teatro grande, e o músico situado da coxia 3 do
palco. Por certo seriam duas experiências auditivas bem diferentes. Na primeira,
a melodia seria mais “viva”, com o espectador podendo observar cada detalhe,
tanto sonoro quanto visual. A segunda experiência seria muito mais difusa e
distante.
Mas qual é exatamente a diferença sonora que a distância pode
promover? Um parâmetro bastante alterado é o da intensidade. Na situação
hipotética anterior, quando o músico estava a trinta metros de distância do
espectador, com certeza o nível de decibel baixou consideravelmente. Outra
alteração provável é que, com a distância, o som se tornou mais aveludado,
perdendo brilho. Isso porque, durante a viagem até o espectador, as ondas mais
agudas perdem-se mais rapidamente que as ondas graves. Sendo assim, o
parâmetro do timbre também sofreu alterações.
Assim como as ondas movimentam-se em um lago tranquilo quando
jogamos uma pedra, o som se propaga no espaço em 360º graus, mas também
em todas as direções para cima e para baixo. É por isso que se torna tão difícil
buscar um lugar com silêncio absoluto, é quase impossível, os sons nos rodeiam
o tempo todo. As ondas sonoras atravessam paredes, mas também são
refletidas por elas em inúmeras direções, criando um comportamento complexo
de propagação. Mesmo em uma câmara anecoica – sala projetada para alcançar
o silêncio absoluto, completamente isolada de ruídos externos e internamente
sem qualquer efeito de eco – a pessoa escutará diversos sons vindos de seu

3 Local dentro do palco de um teatro, porém fora de cena.


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próprio corpo, como a batida do coração, respiração e órgãos em movimento.
Uma vez que há um ouvido, o silêncio não existe, sendo uma mera ilusão.
Todas essas possibilidades de propagação das ondas sonoras acabaram
influenciando compositores a utilizar recursos de posicionamento dos músicos,
para causar diferentes efeitos na música. Na música orquestral, o efeito off stage
(fora do palco) foi bastante empregado pelo compositor austríaco Gustav Mahler
para criar a impressão de algo distante, ou ressoando como um eco do passado.
Em sua “Terceira Sinfonia”, Mahler pede para que um músico execute, fora do
palco, um instrumento parecido com uma trompa, que era usado pelos
entregadores de cartas na Europa, para avisar que o correio havia chegado.
Provavelmente algo inspirado nas memórias da infância do compositor. Na sua
“Sexta Sinfonia”, sinos de vaca são executados também fora do palco, para que
a paisagem sonora do campo seja reproduzida na música. Johann Sebastian
Bach, em uma das obras mais monumentais da história da música, a “Paixão
Segundo São Mateus”, escrita para duas orquestras e dois coros, o compositor
requer um coro infantil, que deve ser disposto na parte mais alta do teatro, para
que suas vozes conduzam a música aos céus.

Áudio 3 – Exemplo da Distância: Gustav Mahler, Sinfonia Nº3, Solo de Posthorn


(trompa de carteiros) off stage

Fonte: O autor.

NA PRÁTICA

Na obra orquestral intitulada “Bolero” (1928), o compositor Maurice Ravel


explora de forma excepcional os parâmetros do som. No início da peça, temos
uma introdução em dinâmica bastante fraca da caixa clara executando uma frase
rítmica repetitiva. Em seguida, a melodia principal é apresentada individualmente
pelos instrumentos de sopro – flauta, clarinete, fagote, entre outros – e depois
em combinações distintas de grupos de instrumentos, configurando os mais
variados timbres. Pouco a pouco, a obra ganha volume sonoro até encerrar-se
em um grande e energético final. Em um estudo de apreciação musical, escute

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a obra em sua totalidade 4 (por volta de 16 minutos) e perceba como Ravel faz
uso da intensidade, duração, altura e timbre para criar os mais diferentes
contrastes musicais.

FINALIZANDO

Os parâmetros do som são essenciais para que o estudante ou


profissional possa compreender todos os recursos possíveis do universo
musical. A música nos fornece material ilimitado para o seu desenvolvimento,
mas é preciso entender seu funcionamento para explorá-la ao máximo.

4 Você pode encontrar diferentes versões da obra em websites como <youtube.com>


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REFERÊNCIAS

BENNETT, R. Elementos Básicos da Música. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,


2010.

_____. Forma e Estrutura na Música. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2010.

HINDEMITH, P. Treinamento Elementar para Músicos. 6. ed. São Paulo:


Ricordi Brasileira, 2004.

SCHAFER, M. O ouvido pensante. 2. ed. São Paulo: Editora Unesp, 2011.

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