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OPINIÃO OPINION 103

Genética molecular: avanços e problemas

Molecular genetics: advances and problems

Eloi S. Garcia 1
Claudia Inês Chamas 2

1 Vice-Presidência de Abstract This article is an attempt to draw the discussion on molecular genetics in health into
Pesquisa e Ambiente,
the public health domain. Now that the genetic engineering revolution has arrived, it is impor-
Fundação Oswaldo Cruz.
Av. Brasil 4365, Rio de tant to point out the advances and problems this technology poses for society. It is time for a
Janeiro, RJ clear, informed assessment of what we have already achieved and may soon achieve using this
21045-900, Brasil.
2 Coordenação de Gestão
technology. Clearly, society needs to understand the ethical and practical implications of a tech-
Tecnológica, Fundação nology which can produce miracle drugs and modern diagnoses and cure virtually every disease.
Oswaldo Cruz. Important points from sensitive social issues raised by molecular biology and the human
Av. Brasil 4365,
genome project are discussed.
Rio de Janeiro, RJ
21045-900, Brasil. Key words Molecular Genetics; Biotechnology; Public Health; Ethics

Resumo Este artigo traz a discussão sobre genética molecular em saúde ao campo da saúde
pública. Com a revolução produzida pela chegada da engenharia genética, é importante discutir
alguns dos avanços e problemas desta tecnologia para a sociedade. Está na hora de se fazer uma
avaliação clara e bem informada acerca do que já se conseguiu e do que ainda podemos con-
seguir através desta tecnologia. A sociedade precisa compreender as implicações éticas e práticas
de uma tecnologia capaz de produzir drogas milagrosas, dagnósticos modernos e a cura de todas
as doenças. Alguns pontos particularmente delicados pertinentes às questões sociais ligadas à
biologia molecular e ao projeto genoma humano são discutidos.
Palavras-chave Genética Molecular; Biotecnologia; Saúde Pública; Ética

Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 12(1):103-107, jan-mar, 1996


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A partir de 1972 uma série de descobertas re- como marcadores genéticos. Juntas, as tecno-
volucionou o estudo da genética e permitiu o logias da genética molecular e de hibridoma
surgimento de uma “nova ciência”, a genética produziram as ferramentas biológicas neces-
molecular ou engenharia genética – um con- sárias para explorar e conhecer as principais
junto de técnicas onde um determinado frag- funções celulares em nível molecular e desen-
mento de DNA (ácido desoxirribonucléico) é volver métodos sensíveis e específicos de diag-
isolado e os genes são purificados, examinados nósticos. Nesta área, a biologia começou a ser
e manipulados: comercial.
(i) a descoberta de enzimas que tinham a No final dos anos 70 até meados dos anos
propriedade de clivar (hidrolisar) material ge- 80 foram criadas nos EUA várias companhias
nético em locais específicos (seqüências nu- que se propunham desenvolver comercial-
cleotídicas) dos genes, dividindo a dupla hélice mente produtos utilizando estas metodologias.
do DNA em pedaços menores – estas enzimas Foi um verdadeiro “boom” na época. Acredita-
foram chamadas de enzimas de restrição; va-se em um novo milagre industrial. Quase
(ii) a descoberta de enzimas capazes de tudo na biologia poderia ser produzido desde
unirem fragmentos de DNA (genes) – enzimas que fossem conhecidos os genes. Logo depois
de ligação; e veio o desencantamento. Nem tudo poderia ser
(iii) a descoberta de inúmeros microcro- realizado pelo conhecimento gerado pela bio-
mossomos (miniorganismos) – os plasmídios, logia molecular. Mesmo assim alguns produtos
usados como vetores de fragmentos de DNA. foram consagrados nesta época. Em 1982 a
Estava começando uma nova tecnologia basea- Lilly foi autorizada pelo Food and Drug Admin-
da na expansão do conhecimento sobre o DNA. istration (FDA) – agência governamental ame-
Estas descobertas levaram a tecnologia de ricana responsável pelo registro de medica-
clonagem, i.e., a purificação de genes ou cópia mentos – para entrar no mercado com a insuli-
deles por reproduzi-los em grande número na na obtida por engenharia genética. Hoje já fo-
bactéria hospedeira. Daí para a tecnologia de ram reconhecidos outros produtos: vacina
DNA recombinante dominar a ciência biológi- contra hepatite B, hormônio de crescimento,
ca e biomédica foi um passo. Tornou-se possí- ativador de plasminogênio espécie-específico
vel o uso de sondas (“probes”) genéticas – pe- (TPA), alfa-interferon. No entanto, outros pro-
daços de genes ou cópias de DNA complemen- dutos não tiveram o mesmo sucesso no merca-
tar – para hibridização. A sonda marcada com do.
traçadores radioativos ou fluorescentes pode- Com o avanço da engenharia genética e a
ria detectar a forma híbrida (complementar) possibilidade de se conhecer cada gene e sua
de fragmentos ou regiões específicas do DNA. função nos seres humanos (Projeto Genoma
Esta tecnologia tornou-se o princípio molecu- Humano), as ciências biológicas e biomédicas
lar de inúmeras técnicas utilizadas em diag- deixaram de ter um papel secundário na evolu-
nósticos de doenças genéticas, infecciosas e ção das ciências em geral.
parasitárias. O Projeto Genoma Humano está causando
A genética molecular pode ser utilizada pa- uma grande mobilização e esforço de vários
ra fazer com que genes estranhos sejam ex- países para mapear e investigar o conjunto dos
pressos em bactérias e leveduras ou mesmo em genes humanos. Deve-se lembrar que o com-
outras células superiores. As indústrias quími- plemento total dos cromossomos humanos no
ca, farmacêutica e agrária passaram a investir núcleo celular contém o equivalente a 3 bi-
milhares de dólares no desenvolvimento desta lhões de pares de bases. Assumindo, pragmati-
tecnologia. Com isto, foram desenvolvidas téc- camente, que cada gene codifica uma proteína
nicas capazes de produzir diagnósticos extre- com peso molecular em média de 40.000 dal-
mamente sensíveis, e corrigir genes com erros tons, pode-se estimar que um gene correspon-
inatos, “fabricar” animais transgênicos, etc. de a 1.200 pares de bases. O núcleo da célula
Tornou-se possível modificar o genoma e algu- humana contém cerca de 2,5 milhões de genes.
mas características de um indivíduo na direção O DNA contido nas células de um homem, se
planejada. O conhecimento molecular de ge- desenrolado, poderia atingir a lua e voltar. No
nes possibilitou a oferta de variados testes na entanto, um grande número de genes não tem
forma de kits, ao contrário dos procedimentos propriedades de codificar proteínas – geral-
clássicos trabalhosos usados anteriormente mente são seqüências repetitivas, que não ex-
em diagnósticos. pressam proteínas, ou pseudogenes e introns,
Uma outra técnica desenvolvida no mesmo pedaços de genes que são eliminados sem fun-
período também por clonagem foi a produção ção conhecida. Estima-se que o ser humano te-
de anticorpos monoclonais, que são utilizados nha de 50.000 a 100.000 distintos genes funcio-

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nais contidos em 23 pares de cromossomos. ças como a fibrose cística, representam um


Assim, se tivermos 200 grupos trabalhando, mercado no valor de US$ 376 milhões ao ano.
com a tecnologia atual, seriam necessários cer- O método de seqüenciamento rápido de genes
ca de 10 a 12 anos para se ter o genoma huma- desenvolvido por J. Craig Venter, ex-cientista
no totalmente mapeado. O Projeto Genoma dos National Institutes of Health e atual chefe
Humano é considerado o mais ambicioso pro- do The Institute for Genome Research, está le-
jeto científico realizado neste século. Seu custo vando várias firmas a reavaliarem suas tecno-
é de cerca de 2,5 bilhões de dólares. O biólogo logias.
norte-americano Dr. James Dewey Watson (n.
1928 – ) – um dos descobridores da estrutura
de dupla hélice do DNA e prêmio Nobel em
1962 – sugeriu que 3% deste montante fosse Tabela 1
utilizado no estudo dos aspectos éticos, sociais
e jurídicos do trabalho. Watson coordenou o Algumas Empresas Envolvidas no Projeto Genoma Humano
Centro Nacional para Pesquisa do Genoma Hu- Empresas farmacêuticas e firmas de biotecnologia que
mano de 1989 a 1992. Em meados de 91, foi estão explorando o genoma humano
anunciado que os National Institutes of Health
estariam tentando patentear seqüências de Empresa Estratégia
DNA de genes expressos no cérebro humano.
Human Genome Sciences Decodificar todos os genes humanos e desenvolve
Watson foi totalmente contra esta estratégia e, medicamentos e diagnósticos, em parceria com
em abril de 92, pediu demissão, ficando como outras empresas.
diretor apenas do Laboratório Cold Spring Har- Smithkline Beecham Investiu US$125 na Human Genome Sciences para
bor. Em seu lugar, assumiu Francis Collins, utilizar suas seqüências para criar novos produtos.
descobridor do gene da fibrose cística. InCyte Pharmaceutical Ler DNA de muitos tecidos diferentes para encontrar
O mapeamento dos genes permitirá o co- genes interessantes.
Vender o acesso aos seus dados.
nhecimento da função de cada um no organis-
mo. A posse de toda a informação codificada Pfizer Pagou à InCyte US$ 25 milhões para ter acesso ao
banco de dados.
no genoma humano nos dá crédito, pelo me-
Upjohn Assinou acordo de US$ 20 milhões com a InCyte
nos inicial, para compreender os mecanismos
para obter dados de genes.
do desenvolvimento, da fisiologia e até mesmo
Bristol-Myers Squibb Investiu na SEQ e Cadus para desenvolver nova
do comportamento humano. Ser um biologis- tecnologia de leitura de genes e seleção de drogas.
ta nos dias de hoje, na área da bioquímica e da
Millennium Pesquisar genes específicos que causam a
genética molecular, é uma tarefa de entusias- obesidade, diabetes, asma, ateriosclerose e câncer.
mo e dificuldade. Entusiasmo devido ao avan- Hoffmann-LaRoche Assinou acordo de US$ 70 milhões com a
ço no conhecimento que esta tecnologia nos Millennium.
traz e que pode levar a mudanças e a novos de- Merck Pagou à Universidade de Washington para ler 200
safios sociais e culturais. Dificuldade em fun- mil fragmentos genéticos.
Divulgar os dados ao público.
ção da possibilidade do nascimento de uma
Sequana Therapeutics Pesquisar história de famílias e dados da HMO em
nova moral, um novo escrúpulo, uma nova éti-
busca de genes que causam hipertensão, asma e
ca científica e tecnológica. obesidade.
Nos dias de hoje, se há um campo científico Amgen Decodificar genes para encontrar novos alvos de
em que pesquisadores e sociedade devem es- medicamentos.
tar juntos e fazer uma grande reflexão é a en- Takeda Usar dados da Smithkline e Human Genome
trada da engenharia genética na área da saúde. Sciences para desenvolver remédios.
Realmente, tem-se diminuído o período de
Fonte: Business Week, 1995.
tempo que separa as descobertas nas bancadas
dos laboratórios e suas aplicações na saúde
pública. Cientistas e população são faces de
uma mesma moeda. As recentes tecnologias da
biologia molecular e da imunologia, as quais
resultaram em métodos de diagnósticos extre-
mamente sensíveis, demoram de 6 a 8 anos pa-
ra saírem dos laboratórios e serem usados na
medicina.
O Projeto Genoma Humano atrai grandes
empresas (veja Tabela 1). Os testes para detec-
tar partes falhas do DNA, causadoras de doen-

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A biologia molecular tornou-se um grande infecciosas (principalmente as virais) e parasi-


“negócio” para a sociedade. Os bons cientistas tárias podem causar alterações complexas. Um
saíram da “torre de marfim” e junto com pro- número alto de pessoas possui condições poli-
fissionais da área de saúde, juristas, filósofos gênicas – diabetes dependente de insulina, ar-
e religiosos, começaram o debate com a socie- teriosclerose, hipertensão, algumas formas de
dade sobre o uso da engenharia genética em depressão –, onde vários genes se interagem e
seres humanos, o patenteamento da vida e a se combinam com o ambiente e estilo de vida,
ética. A sociedade ainda não esqueceu o im- produzindo a doença.
pacto terrível da experiência nazista, nem as Como o progresso a engenharia genética
campanhas de esterilização maciça dos al- permite detecção de cópias ou mesmo frag-
coólatras, psicóticos, portadores de doenças mentos de genes (hibridização, PCR, RFLP, etc.)
genéticas realizadas em alguns estados ame- havendo possibilidade de se diagnosticar
ricanos nos anos 20 e 30. Seria fácil cair no ma- doenças genéticas no recém-nascido ou no fe-
niqueísmo. Mas, para a ciência, o impacto so- to, ou mesmo em adultos. Quando realizado
cial de novas técnicas, por exemplo, de diag- em pessoas adultas estes dados podem levar ao
nóstico pré-natal, erros inatos ou mesmo de “aconselhamento” do casal a não ter filhos de-
reprodução humana assistida, necessitam de vido, por exemplo, à probabilidade de ter ge-
uma reflexão profunda da sociedade. Com es- nes de alto risco. Um outro ponto a ser consi-
tes questionamentos é que a bioética entrou derado é a conseqüência da doença para o re-
seriamente no cenário científico e tecnológico. cém-nascido ou feto, quando não há terapia. A
Seria ético manipular a natureza? sociedade não deve subestimar este problema.
Como vimos, o genoma humano é imenso As conseqüências legais e morais de uma
e possui milhares de genes. O tamanho do DNA expansão de diagnósticos genéticos são amea-
humano facilita alterações e combinações ge- çadoras. Por exemplo, o que fariam os pais de
néticas que podem refletir em conhecidas uma criança nascida com erro inato de meta-
doenças hereditárias. Por longo tempo, essas bolismo, se soubesse que a doença poderia ser
doenças eram estudadas baseando-se em ob- diagnosticada no feto, ou mesmo antes da con-
servações teratogênicas, as malformações con- cepção do bebê? Um outro problema, a im-
gênitas, ou doenças geneticamente transmissí- pressão “genética” (DNA fingerprint) de um in-
veis, como a conhecida hemofilia, bastante es- divíduo – tecnologia já utilizada hoje para
tudada nos descendentes da família real russa. identificação de paternidade e que, futura-
Após a última guerra os erros inatos come- mente, poderá ser utilizada para apoio às auto-
çaram a ser investigados pelo refinamento das ridades de imigração, identificar “possíveis” al-
técnicas citológicas e cariótipos. Os avanços da terações individuais ou “potenciais” modifica-
bioquímica e imunologia permitiram o diag- ções de personalidade, ou mesmo fatores de
nóstico de várias doenças genéticas relaciona- risco para determinadas doenças hereditárias
das ao metabolismo – alcaptonúria, cistinúria, – e produzir seres humanos de primeira e se-
hemo-globinopatias, albinismo, etc. A estas gunda classe. O que fariam a medicina preven-
doenças acrescentamos outras como anence- tiva, as companhias de seguro, as indústrias na
falia, espinha bífida, psicoses maníaco-depres- seleção de seus empregados, o noivo na esco-
sivas, doença de Huntington, mal de Alzhei- lha da companheira, etc? A sociedade precisa
mer, síndrome de Down, fibrose cística, muco- saber disto.
viscidose, bem como a detecção dos genes res- Vamos aprofundar um pouco mais estes
ponsáveis pelo câncer de mama vários anos pontos. Um feto com alguns meses de desen-
antes do tumor ser detectado por mamografia. volvimento que apresentasse, por diagnóstico
Hoje se conhece cerca de 3.000 doenças re- genético, uma doença hereditária. Seria reco-
lacionadas a “defeitos” genéticos. Estima-se mendável um aborto? Esta tentação de eugenia
que 1% dos nascimentos traga de alguma ma- nos leva a esquecer a essencialidade humani-
neira um bebê com deficiência genética, e que tária, a sensibilidade das pessoas, a ética pes-
30% da mortalidade infantil (em países não soal. A sociedade precisa discutir profunda-
afetados com doenças endêmicas e má nutri- mente esta questão.
ção) estejam relacionados a um erro inato do A engenharia genética poderia ainda in-
metabolismo ou a uma malformação congêni- fluenciar a medicina no controle da reprodu-
ta – que reflete também alteração metabólica. ção. Por exemplo, poderia modificar embriões
Assumindo que 1 gene com defeito causa humanos por técnicas transgênicas. Isto quer
uma doença genética, há situações em que as dizer, manipulação de genes, eliminação de ge-
modificações levam a condições poligênicas. nes “ruins” e inserção de genes “bons” (terapia
Por exemplo, fatores ambientais como doenças gênica). Certas doenças poderão ser tratadas

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por reposição do gene defeituoso. Seria a ver- a obra “A Origem das Espécies”, a sociedade
são moderna do bebê de proveta ou da repro- reagiu às idéias levantadas pelo cientista sobre
dução assistida. É bem verdade que reprodu- “seleção natural”. Este conceito mudou os ru-
ção assistida, principalmente, inseminação mos da biologia nos últimos 100 anos. Hoje a
artificial, fertilização “in vitro’’, implante de nossa sociedade deve discutir se a manipula-
embrião, já vem sendo usada pela medicina ção da natureza pelas técnicas de biologia mo-
veterinária por vários anos. A medicina huma- lecular pode levar a uma “seleção induzida/-
na começou a usar estas tecnologias mais re- artificial”. Talvez, nos próximos 100 anos te-
centemente. Neste cenário podemos pensar nhamos uma compreensão melhor do que sig-
que uma criança poderá ser “gerada” totalmen- nifica a biologia molecular e a engenharia ge-
te fora do organismo da mãe, como as plantas nética para a humanidade.
cultivadas na ausência de solo, no Epcot Cen-
ter (EUA).
Genes foram inseridos em camundongos,
coelhos, porcos e ovelhas. Cerca de dez anos
após a descoberta da transgênese foram pro-
duzidas mais de 1.000 cepas de camundongos
e mais de dez tipos de porcos geneticamente
alterados. Hoje já são geradas ovelhas que pro-
duzem leite contendo fator 9, que pode ser ex-
traído e utilizado como medicamento para he-
mofilia. Também foi criada um tipo de ovelha
que produz leite contendo TPA em quantida-
de suficiente para suprir a demanda mundial
da droga.
O patenteamento da vida é outra questão
bastante complexa. Em 1972, a microbiologis-
ta Ananda Chakrabarty, da Universidade de
Illinois, desenvolveu um microorganismo
engenheirado não-recombinante capaz de
degradar componentes do petróleo bruto. Em
1980, a Suprema Corte Americana concedeu a
patente a este microorganismo, constituindo o
primeiro ser vivo patenteado nos EUA. O caso
tornou-se jurisprudência para o Escritório
Americano de Patentes. Desde então, os pedi-
dos de patente relacionados a seres vivos pa-
recem não ter limites. Em 12 de abril de 1988
foi concedida à Universidade de Harvard a pa-
tente U.S. 4.736.866, para um rato transgênico,
que continha um gene causador de câncer.
O problema ético é sério. Os conhecimen-
tos sobre a genética humana e animal podem
ser explorados economicamente por empre-
sas? A tendência internacional é que prevaleça
as razões econômicas. Acreditamos que em
breve as legislações de propriedade industrial
dos países em desenvolvimento estarão adap-
tadas aos novos tempos e à globalização dos
mercados, de acordo com a lógica neoliberal.
A sociedade precisa refletir e decidir como
ela quer e deve utilizar os conhecimentos gera-
dos pela engenharia genética. Não basta ter
uma vida saudável e maior expectativa de vida.
É necessária uma vida ética e necessariamente
mais feliz.
Para finalizar, historicamente sabemos que
quando Darwin publicou há cerca de 130 anos

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