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Era uma vez quatro homens, ilustres escultores do Porto, formados na Aca-
demia de Belas-Artes da cidade. Trazem vestidas batas de mangas compridas
cingidas aos pulsos, os seus fatos de trabalho no atelier. Param na Praça e olham
para o edifício em construção. Do alto das fachadas, grossos cabos pendem das
roldanas, subindo e descendo ferramentas e materiais.
Passam por eles quatro mulheres, de saias rodadas e xaile cruzado, trans-
portando argamassa à cabeça. Elas não fazem parte desta história, nesse início
do século XX.
O arquiteto chega. Estudou no Porto e em Paris, é diplomado pelo go-
verno francês. Aprumado, no seu fato de três peças, José Marques da Silva – Sim! Sim! E instrumentos musicais, muitos e variados, de todos os
(1869‑1947) havia convocado Henrique Araújo Moreira (1890-1979), Diogo tipos. E flores, festões, folhas, faunos, pautas de música com claves de
de Macedo (1889-1959), José Sousa Caldas (1894-1965) e Joaquim Gonçalves fá e de sol e a assinatura de músicos, de Beethoven…
da Silva (1863-1912) para, juntos, delinearem o discurso decorativo das fa- – E os textos?
chadas do Teatro São João. – Sim, talvez uma página com o nome de Goethe e estátuas a encimar a
Apure-se o ouvido para escutar esta reunião na obra: fachada principal, alusivas às tramas do teatro e…
– Sim, sim, claro. E à vida: a Dor, a Bondade, o Amor e o Ódio…
– Sim, sim, claro. As artes cénicas têm de estar presentes nas fachadas. – Ah, sim, mas só o Ódio será masculino, é claro que o Amor terá de ser
Pretende-se um trabalho modernista, no contexto deste edifício e da uma mulher…
memória do anterior… – Oh! Mas assim não há simetria, três mulheres e um homem?
– O dinheiro é pouco e esta Grande Guerra torna tudo mais complicado… – Porque não? Será o último do friso. E motivos geométricos, vários e
– Há que concluir a obra! repetidos, alguns com volume…
– Não, não vamos fazer estátuas em granito. As paredes de suporte não – Algo eclético e elegante, tudo executado com os materiais modernos,
resistiriam… tirando partido da inovadora pedra artificial.
– Rebocos em pedra artificial, semelhante ao que se faz agora em – E quanto pesarão as estátuas? Como se colocam lá em cima? Como se
França, e esculturas em cimento armado? ligam e se fixam os elementos?
– Sim. Este material moderno permite outra liberdade e a custos mais – E as mísulas e as cornijas? Quem desenha? Quem faz?
baixos… – Quantos operários em obra? E quantos mestres?
– O modernismo do edifício ficará plasmado nos materiais e técnicas – E o cimento? Já se garante o fornecimento em Portugal?
construtivas. Faremos imagens alusivas às artes cénicas! – E a opinião dos engenheiros franceses? Auguste Perret? A opinião
226 | 22 7 – Carrancas? Bobos? Uma Medusa? dele é importante…
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100 anos passados, quatro mulheres, profissionais licenciadas em Engenharia computador em tempo de confinamento motivado pela pandemia do vírus
Civil ou em Arquitetura pela Universidade do Porto, encontram-se. Sacodem SARS-CoV-2 (Covid-19). Como selecionar 100 fotografias de entre as mais
as calças e as botas, tiram as luvas e arregaçam as mangas das camisas. Uma de 3000? Exige-se um esforço acrescido para cumprir o trabalho previsto,
delas traz ainda o fluorescente colete verde, indispensável na obra. Cabelos mas nada pode impedir a partilha e a disseminação do conhecimento, nem
desalinhados, de quem andou sobre as coberturas quando o vento soprou da arte e da cultura! Sim, claro, a escolha das imagens será feita, para além
forte, marcas do capacete na testa, batom esbatido, que o nevoeiro e a morri- dos afazeres a que o confinamento obrigou: o trabalho profissional a partir
nha do Porto não ajudam a manter a compostura de uma mulher no andaime de casa, o acompanhamento de filhos que continuam os estudos à distância,
da obra. o voluntariado para o fabrico e distribuição de equipamentos de proteção,
Conversam sobre a recuperação em curso no Teatro Nacional São João. destinados a quem, nos hospitais, cuida dos infetados.
Sim, sim, continuemos. Manhãs de domingo, tardes e serões. Mostremos
– Como é possível não existirem registos dos trabalhos dos escultores? os trabalhos feitos em cima dos andaimes, a escala das peças decorativas,
Quem fez o quê? o rigor da execução, a expressão das esculturas e as marcas que o tempo
– Como colocaram as estátuas lá em cima? nelas vai deixando. Com estas fotografias procuraremos surpreender os
– E quanto pesarão? Têm juntas… menos atentos e chamar a atenção para as fachadas do Teatro. Lançaremos
– Possivelmente terão sido feitas por partes. um convite para uma visita ao edifício através do olhar, diligente e curioso,
– E as mísulas e as cornijas? a quem quiser descobrir segredos, que, afinal, estavam há tantos anos à vista
– O que terá sido modelado in situ, nas próprias fachadas? de todos! Seremos todos a olhar pela cidade, porque quem a faz são os cida-
– Como ligaram e fixaram os elementos? dãos e a história nela entranhada.
– E quantos operários haveria em obra? Onde terão ido buscar Sabemos agora que o cimento armado não é eterno, que a sua degradação
o cimento? é contínua. E sabemos agora que este imenso património decorativo pode
– Quem terá decidido a composição das fachadas? desaparecer se não for continuamente cuidado.
Que a seleção de imagens da obra de conservação deste edifício notável
100 anos após o papel das mulheres na Construção Civil se cingir ao “acar- aqui apresentada possa evidenciar a importância da manutenção regular e
tar da massa” à cabeça, estas quatro mulheres, familiarizadas com a obra e a programada deste vasto património do início do século XX. Nós, que o rece-
recuperação do património, escolhem 100 fotografias dos elementos escultó- bemos e continuamos a desfrutar e a cuidar dele, poderemos assim entregá-
ricos concebidos por quatro homens. Discutem opções, partilham ecrãs de -lo às gerações futuras!
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direção editorial
João Luís Pereira (TNSJ)
coordenação editorial
Fátima Castro Silva (TNSJ)
edição
Teatro Nacional São João
Instituto da Construção – Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto
colaboração
Direção Regional de Cultura do Norte
Fundação Instituto Arquiteto José Marques da Silva
design
Sal Studio
revisão
Madalena Alfaia
impressão
ORGAL Impressores
tiragem
500 exemplares
Esquissos inicial e final da frontaria do Teatro: © Fundação Instituto Arquiteto José Marques da Silva.
Imagem atual do Teatro © João Tuna, Teatro Nacional São João.
11 OBRA ABERTA
Pedro Sobrado
15 DISSEMINAR O CONHECIMENTO
Humberto Varum